Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0769/09.7BELSB-A
Data do Acordão:10/15/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:EXECUÇÃO DE ACÓRDÃO ANULATÓRIO
PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
Sumário:Se um funcionário público vê um pedido de aposentação ser indeferido em 2008, e por essa razão continua a trabalhar até 2010, altura em que lhe é concedida a aposentação, tem direito ao pagamento das respectivas pensões vencidas nesses dois anos se, posteriormente, vê aquele indeferimento inicial ser anulado, anulação da qual resulta a obrigação de reconstituir a situação actual hipotética.
Nº Convencional:JSTA000P26520
Nº do Documento:SA1202010150769/09
Data de Entrada:02/15/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A..............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA] interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 08.11.2018, que negou provimento ao recurso de apelação por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TACL], de 31.10.2016, proferida no âmbito de execução de julgado anulatório requerida por A………….

Conclui assim as suas alegações de revista:

1- A «questão» material controvertida enfrentou já diferentes soluções na jurisprudência - como resulta do decidido no AC do TCAS, Rº nº04821/09, de 23.04.2009, e do decidido no AC do STA, Rº nº0605/13, de 10.07.2013 -, pelo que a admissão do recurso e revista se fundamenta na necessidade de melhor aplicação do direito;

2- Em ordem a delimitar o âmbito da reconstituição da «situação actual hipotética» que existiria se o acto anulado [despacho de 03.02.2009] não tivesse sido praticado, é necessário ter presente que a execução do efeito repristinatório da anulação se concretiza na recolocação do interessado naquela posição da qual o acto anulado o retirou, restabelecendo a situação que existiria no momento em que tal acto foi praticado;

3- Por despacho de 03.02.2009 a CGA indeferiu o pedido de aposentação formulado pelo interessado em 07.08.2008. Este acto administrativo foi anulado por decisão do TACL em 11.11.2014, decisão confirmada pelo TCAS em 18.12.2015;

4- Certo é que a anulação daquele despacho [de 03.02.2009] obrigava a CGA a restabelecer a situação que existiria no momento em que o acto foi praticado, ou seja, através de uma ficção jurídica, tudo se deverá passar como se, em vez do despacho de indeferimento, em 03.02.2009, a CGA tivesse deferido o pedido de aposentação apresentado pelo interessado;

5- No entanto, a execução da sentença anulatória pela CGA também teve de envolver a ponderação das alterações objectivas entretanto ocorridas na situação de facto ou de direito do interessado. Por outro lado a CGA também teve de ter em conta a existência de actos entretanto praticados na sequência do anulado, como, por exemplo, o despacho de 06.10.2010 que entretanto aposentou o interessado;

6- Sucede que, por não ter sido aposentado na referida data de em 03.02.2009, o interessado continuou a desempenhar as suas funções e a auferir o seu vencimento;

7- Contrariamente ao que considerou o TCAS, a reconstituição da situação hipotética não passará por se considerar que o interessado, relativamente ao período decorrido entre 07.08.2008 e 01.11.2010, tem direito, para além do vencimento, a receber a pensão de aposentação desde a data em que reunia as condições para aceder ao direito;

8- Passa, isso sim, por se considerar que, produzindo o despacho de 29.08.2016 [que alterou as condições de aposentação e fixou a pensão de acordo com a situação existente em 07.08.2008] efeitos a partir de 07.08.2008, tendo em conta a redacção dos artigos 99º e 100º do Estatuto da Aposentação [EA], a pensão apenas é da responsabilidade da CGA a partir de 01.11.2010, dia 1 do mês seguinte à publicação da pensão no Diário da República [DR];

9- Anteriormente, de 07.08.2008 e 01.11.2010, são devidas pelo serviço do activo [ou ao serviço do activo] as diferenças entre o vencimento e a pensão transitória de aposentação;

10- Não é possível cumular - relativamente ao mesmo período de tempo - a «pensão de aposentação» e o «vencimento do activo», sob pena de existir um infundado benefício para o interessado. É que a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica de aposentação, sendo naturalmente distintas, não podem ser vistas isoladamente;

11- Só atribuindo eficácia retroactiva à anulação do despacho de 03.02.2009 - o que implica a atribuição de efeitos ao despacho 29.08.2016 desde 07.08.2008, considerando-se o interessado aposentado desde essa data, com direito à pensão transitória de aposentação a pagar pelo serviço do activo até 01.11. 2010 e depois com direito à pensão definitiva de aposentação a pagar pela CGA - se eliminam todos os seus efeitos e se cumpre a obrigação de «reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado»;

12- Relativamente ao período em causa - desde 07.08.2008 e 01.11.2010 -, não pode estar simultaneamente aposentada e no activo. Ou está aposentado, auferindo pensão de aposentação, ainda que transitória, ou está no activo, auferindo o vencimento correspondente ao exercício de funções e efectuando, por forma a assegurar a contagem desse período de tempo para a aposentação, os respectivos descontos para a CGA;

13- O acórdão do TCAS violou o disposto nos «artigos 64º, 99º e 100º do EA», bem como o «artigo 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPA]». Deve, por essa razão, ser revogado.

Termina pedindo o provimento do recurso de revista e a revogação do acórdão recorrido.

2. O recorrido - exequente - apresentou contra-alegações que concluiu assim:

1- O que exequente, aqui recorrido, pretende executar o acórdão anulatório que «anulou o indeferimento do seu pedido de aposentação», apresentado em 07.08.2008, que foi lesivo aos seus interesses;

2- As «partes» no processo executivo - artigo 10º nº1 do CPTA - são tão só o exequente, por um lado, e a CGA, por outro. O serviço onde o recorrente trabalhava no momento do indeferimento, e onde continuou a trabalhar, é absolutamente alheio no presente caso;

3- A apreciação que a CGA faz neste caso, do regime dos artigos 64º, 99º e 100º do EA, é irrelevante no âmbito do processo da execução de julgado administrativo, momento em que já só importa reconstituir a situação em que exequente se encontrava se não fosse o acto lesivo eliminado na ordem jurídica;

4- O recorrido, durante esse período, auferiu o vencimento correspondente ao exercício das funções. Mas quem trabalha tem direito a ser pago pelo trabalho prestado, o direito à retribuição pelo trabalho prestado está consagrado na CRP, alínea a) do nº1 do artigo 59º. Foi a CGA responsável única por ter continuado a trabalhar.

Termina pedindo que seja negado provimento à revista e confirmado o acórdão recorrido.

3. O recurso de revista foi «admitido» por este Supremo Tribunal [Formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA].

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso de revista [artigo 146º, nº1, do CPTA]. E as partes, em resposta, reiteraram as suas teses jurídicas [artigo 146º, nº2, do CPTA].

5. Colhidos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir a revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêm das instâncias:

1- O exequente intentou uma «acção administrativa especial» contra a Caixa Geral de Aposentações [CGA] pedindo a anulação do despacho de 03.02.2009 que lhe indeferiu o pedido de aposentação;

2- Por acórdão de 11.11.2014, o TACL anulou o acto impugnado e condenou a CGA a deferir o pedido de aposentação apresentado pelo exequente;

3- A CGA, inconformada, interpôs recurso desse acórdão, invocando não ser legalmente possível, como decidiu o TACL, atribuir de forma unificada - nos termos do DL nº361/98, de 18.11 - as pensões de aposentação com pensões resultantes de descontos efectuados para sistemas de segurança social distintos do regime geral de segurança social;

4- Por acórdão de 16.12.2015, o TCAS «concedeu parcial provimento ao recurso», e julgou parcialmente procedente a acção administrativa […] nos seguintes termos:

- Anular o acto administrativo impugnado na parte em que nega ao autor a contagem do tempo de descontos enquanto trabalhador bancário, para efeitos de contagem do tempo para a reforma/aposentação;

- Determinar à CGA que aplique a regra citada decorrente do artigo 63º, nº4, da CRP;

- No caso de o autor ter tempo acumulado nos diferentes sectores para se poder aposentar, a CGA calculará o montante da pensão pública em termos proporcionais ao tempo de descontos efectivamente realizados para a CGA;

5- Foi elaborado parecer de execução em 29.12.2015, no qual se concluiu que, em cumprimento do acórdão de 16.12.2015, se deveria enviar o processo aos serviços para que se procedesse às operações materiais de contagem de tempo de serviço, considerando relevantes, para efeitos de abertura do direito à pensão, os períodos de tempo em que o interessado efectuou para o regime previdencial dos bancários;

6- Mais se esclareceu que caso se verificasse que o exequente, até 07.08.2008, reunia os requisitos previstos no artigo 37° do Estatuto da Aposentação [EA], deveria ser proferido despacho que, em substituição do acto anulado, deferisse o pedido de aposentação, calculando-se, porém, a pensão apenas com base no tempo de serviço com descontos para a CGA;

7- Referiu-se ainda que como entretanto, por despacho de 06.10.2010, o exequente fora aposentado, no âmbito da audiência prévia, deveria ser-lhe dado conhecimento dos precisos termos da nova aposentação para que decidisse se era do seu interesse o cumprimento pela CGA do acórdão proferido;

8- Por ofício de 01.02.2016, a CGA informou o exequente, para que optasse, dos valores em causa, ou seja, do valor da pensão fixada pelo despacho de 06.10.2010 e do valor da pensão fixada em cumprimento do acórdão do TCAS;

9- Em 16.02.2016, o exequente informou a CGA que optava pela pensão fixada pelo despacho de 06.10.2010, no valor de 3.201,88€, pelo que se considerou que apenas eram devidas pensões a partir dessa data;

10- A partir de 01.11.2010, o ora exequente foi desligado do serviço na sequência do despacho de 06.10.2010, que lhe reconheceu o direito à aposentação;

11- No período de tempo em causa, ou seja, desde 07.08.2008 até 01.11.2010, o exequente, por ter continuado a exercer as suas funções, auferiu a correspondente remuneração e fez os descontos obrigatórios respectivos;

12- Por ofício de 04.08.2016, a CGA informou o exequente de que, tendo optado pela aposentação reconhecida pelo despacho de 06.10.2010 [no valor de 3.201,88€], não podiam os efeitos do direito à pensão reportar-se a 07.08.2008, mas sim, a 01.11.2010, data em que, na sequência do referido despacho, foi desligado do serviço;

13- E solicitou-se ao exequente, que optasse entre a aposentação reconhecida pelo despacho de 06.10.2010 [no valor de 3.201,88€] ou por aquela que resultaria da execução da decisão judicial proferida em 16.12.2015 [no valor de 3.196,09€] - ver documento 3 junto à petição inicial;

14 - Tendo optado pela execução da decisão judicial proferida pelo TACL, por despacho de 29.08.2016, da Direcção da CGA - proferido por delegação de poderes publicada no DR, II Série, nº192, de 04.10.2013 - foram alteradas as condições de aposentação, fixando-se a pensão de acordo com a situação existente em 07.08.2008 - ver documento 1 junto à contestação.

III. De Direito

1. A………… pediu a tribunal a «execução do julgado anulatório» proferido no processo nº12198/15 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TACL].

Nessa «acção administrativa especial» - nº12198/15 -, por acórdão de 16.12.2015 o TCAS concedeu parcial provimento à apelação da CGA, revogou, em conformidade, o acórdão de 11.11.2014 do TCAL, e, julgando a acção administrativa «parcialmente procedente», anulou o acto de 03.02.2009 da CGA «na parte em que nega ao autor», para efeitos de aposentação, a contagem do tempo de descontos feitos enquanto trabalhador bancário, determinou à CGA que aplicasse a regra decorrente do artigo 63º, nº4, da CRP, e, caso o autor tivesse o tempo necessário para se poder aposentar, calculasse a sua pensão pública em termos proporcionais ao tempo de descontos para ela efectuados [ver ponto 4 do provado].

Esse acórdão de 16.12.2015 constitui, aqui, o julgado anulatório dado à execução, nos termos dos artigos 173º a 179º do CPTA.

No âmbito da execução deste julgado, a executada CGA, por despacho de 29.08.2016 - ver ponto 14 do provado - alterou as condições da aposentação do autor - que tinham, entretanto, sido definidas pelo despacho de 06.10.2010 [ponto 7 do provado] - e fixou-lhe a pensão de acordo com a situação existente em 07.08.2008, data do pedido de aposentação indeferido pelo acto anulado.

Por acórdão de 08.11.2018, o TCAS negou provimento à apelação da executada CGA, e manteve na ordem jurídica a sentença de 31.10.2016 do TACL que julgou parcialmente procedente a pretensão executiva do aí exequente A…………, e condenou a executada CGA - além do mais - a pagar-lhe as prestações de pensão de reforma devidas desde 07.08.2008 até 01.11.2010, acrescidas dos devidos juros de mora.

Discordando deste acórdão de 08.11.2018 do TCAS, a CGA vem, nesta revista admitida, imputar-lhe erro de julgamento de direito, por alegada violação do disposto nos artigos 64º, 99º e 100º do Estatuto da Aposentação [EA], e 173º do CPTA.

2. Ponderada a factualidade provada, e o tratamento que, à luz das normas legais, lhe foi dado no acórdão ora recorrido, resulta que as questões jurídicas emergentes das conclusões da «revista» da CGA são essencialmente duas: - saber se a responsabilidade pelo pagamento da pensão de reforma do recorrido, entre 07.08.2008 e 01.11.2010, é da CGA ou do serviço ao qual ele se encontrava ligado [Instituto de Registos e Notariado]; - e saber se, tendo o recorrido trabalhado nesse período, pode cumular vencimentos e pensões de reforma.

3. Não é posto em causa que o recorrido, uma vez contado o tempo de descontos feitos enquanto trabalhador bancário, tinha o tempo necessário para se poder aposentar em 07.08.2008, data do pedido de aposentação indeferido pelo acto anulado [de 03.02.2009], e tanto assim que a CGA, como vimos, por despacho de 29.08.2016 lhe fixou a pensão de acordo com a situação existente nessa data [07.08.2008], fazendo-o, aliás, já no âmbito da execução do segmento injuntivo do julgado exequendo.

Defende a CGA que dos artigos 64º, 99º, e 100º, do EA, decorre que ela apenas será responsável pelo pagamento da pensão do recorrido a partir da data em que ele passou à situação de aposentação, ou seja a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados que incluiu o seu nome [artigos 64º, nº1, 73º, nº1, e 100º, nº1, do EA], e que entre esta data e aqueloutra - a montante - em que ele foi desligado do serviço, será o serviço a que ele estava ligado o responsável por tal pagamento [artigo 99º, nº3, do EA]. A esta luz, e a seu ver, o «responsável pelo pagamento das pensões do recorrido» entre 07.08.2008 e 01.11.2010 seria do serviço a que ele estava ligado, o IRN.

Além disso argumenta que independentemente da responsabilidade por tal pagamento ser sua ou do serviço, o certo é que ele nunca seria devido porque a lei não permite a cumulação da pensão de aposentação com o vencimento do activo [artigos 78º e 79º do EA].

4. Por força do julgado anulatório, de 16.12.2015, a CGA ficou constituída no dever de substituir o acto ilegal - de 03.02.2009 - por um acto legal, reconstituindo a situação que existiria se esse acto ilegal não tivesse sido praticado [artigo 173º do CPTA], sendo certo que este princípio, da reconstituição da situação actual hipotética, exige, logicamente, que os actos administrativos praticados em execução de julgado se refiram ao momento da prática do «acto anulado», pelo que, como ponto de partida, os actos e operações de execução terão de considerar a situação de facto e a legislação em vigor nessa data - salvo modificações do ordenamento jurídico com eficácia retroactiva.

Isto significa, desde logo, que a CGA estará obrigada a reconstituir a situação tal como se o «acto de 03.02.2009», de denegação da aposentação em 07.08.2008, não tivesse sido praticado. Em lugar dele, e como a CGA veio a reconhecer já em sede executiva - ponto 14 do provado - deveria ser proferido um acto válido, que reconhecesse ao recorrido a aposentação a partir de 07.08.2008. Razão pela qual a CGA estará agora obrigada, em princípio, tal como entendeu o acórdão recorrido - de 08.11.2018 - a pagar ao aposentado as prestações de pensão correspondentes ao período entre 07.08.2008 e 01.11.2010, as quais, devido à sua conduta ilegal, ela não pagou e o ora recorrido não recebeu.

Ao argumentar, invocando a lei [artigos 64º, 73º, e 100º, do EA], que esta obrigação não é sua mas antes do serviço a que o recorrido estava ligado, porque as pensões só constituem sua obrigação a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial, a executada esquece que não estamos perante um caso de pura subsunção dos factos à hipótese legal dos ditos artigos do EA, mas antes face a uma situação de execução de julgado anulatório - nos termos do artigo 173º do CPTA - e, portanto, de «reconstituição da situação que existiria» se ela não tivesse actuado ilegalmente, como efectivamente actuou.

E, sendo certo que desta reconstituição da situação actual hipotética resulta que o ora recorrido deveria ter sido aposentado desde 07.08.2008 - com publicação oficial logo de seguida - fica patente a falta de razão da argumentação da recorrente da revista porque, afinal, a sua argumentação redundaria no não cumprimento da correcta execução do julgado anulatório. A reconstituição dessa situação fictícia, traduzida no pagamento de pensões de aposentação ao exequente entre 07.08.2008 e 01.11.2010, não deriva da estatuição das normas do EA que ela invoca mas antes do cumprimento do artigo 173º do CPTA.

Também não assiste razão à recorrente ao argumentar que, de todo o modo, não seria devido o pagamento de pensões de aposentação ao recorrido porque não é permitido cumular pensões de reforma e vencimento do activo.

O que se constata é que o recorrido, porque não se pôde aposentar desde 07.08.2008, devido ao acto anulado, se viu obrigado a continuar a trabalhar, o que ocorreu, pelo menos, até ter sido desligado do serviço em 01.11.2010. Ou seja, ele só permaneceu ao serviço, recebendo o correspondente vencimento de activo, devido à actuação ilegal da CGA que não o aposentou, como deveria, desde 07.08.2008.

Na lógica argumentativa da revista, ou o trabalhador-recorrido devolvia os vencimentos recebidos durante tal período pelo trabalho efectivamente prestado, ou o aposentado-recorrido deixava de receber as respectivas pensões por ter obtido remunerações do seu trabalho, ou, então, compensava umas com outras. Mas a argumentação não procede.

É que, sublinhamos de novo, estamos no âmbito da «execução de julgado anulatório» da qual deriva a obrigação da CGA pagar as ditas pensões de aposentação ao recorrido, e se ele trabalhou devido ao acto anulado, durante mais de dois anos, não pode agora devolver esse trabalho efectivamente prestado. Os vencimentos que recebeu constituem a prestação correspectiva desse trabalho, têm nele a sua fonte, a sua justificação.

Assim, a obrigação da CGA pagar as prestações de pensão de aposentação devidas ao recorrido - de 07.08.2008 a 01.11.2010 - mantém-se, sem que o recebimento de vencimentos do trabalho durante o mesmo período a elimine, desde logo porque o primeiro pagamento resulta, directamente, da execução do julgado anulatório - sem esse pagamento não há execução do julgado -, e o segundo é «sinalagma» da prestação efectiva de trabalho, não podendo ser repetidos pelo serviço que os pagou, nem pela CGA que os não pagou.

E se para a CGA, a manter-se o julgado no acórdão recorrido - 08.11.2018 -, o exequente será injustamente beneficiado - ao receber prestações de pensão referentes a período temporal em que auferiu vencimentos -, é bom que pensemos na situação contrária em que a executada ficasse «dispensada» de pagar a prestação de pensão de reforma porque o exequente recebeu vencimentos pelo seu trabalho. Neste caso, a CGA, exclusivamente por via da sua conduta ilegal, teria ela, sim, um benefício injusto, correspondente às prestações que deveria ter pago entre 07.08.2008 e 01.11.2010. A actuação ilegal compensaria!

Note-se, por fim, que a abordagem jurídica acabada de fazer, neste caso concreto de revista, vai substancialmente na linha do que já decidiu este STA - Secção de Contencioso Administrativo - em caso muito semelhante e através de acórdão de 21.11.2013 [Rº0605/13], no qual se escreveu, além do mais, o seguinte: «A apreciação do regime dos artigos 99º e 100º do EA ou dos artigos 78º e 79º [acumulação de pensão com remuneração] só releva no tempo do deferimento do pedido de aposentação, mas é irrelevante no âmbito de um pedido de execução de julgado administrativo, momento em que já só importa reconstituir a situação em que o interessado se encontraria se não fora o acto lesivo entretanto eliminado da ordem jurídica»; «É certo que durante esse período o recorrente trabalhou, e esse trabalho foi remunerado, mas também é certo que quem trabalha tem direito a ser pago pelo trabalho prestado [convém lembrar que a CRP continua a dizer, no artigo 59º, nº1, alínea a), que quem trabalha tem direito à retribuição] e só a Caixa foi responsável por ter continuado a trabalhar»; «Qualquer distinção desfavorável ao recorrente seria iníqua e beneficiaria o infractor [circunstância que, à falta da protecção directa acima enunciada, sempre facultaria o seu ressarcimento por enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473º e 474º do CC]».

Deste modo, concluímos que a correcta execução do julgado anulatório aqui em causa impõe que a executada CGA pague ao exequente A………… as prestações da pensão de aposentação referentes ao período entre 07.08.2008 e 01.11.2010, sem que a isso obste a circunstância de o exequente ter auferido, durante esse mesmo período, vencimentos do «trabalho efectivamente prestado» em virtude de ter permanecido ao serviço activo devido à actuação da CGA, judicialmente julgada ilegal.

Deve, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso de revista intentado pela CGA.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento a este recurso de revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Outubro de 2020

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros ANA PORTELA e MADEIRA DOS SANTOS - têm voto de conformidade.