Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0608/16
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
ARRENDAMENTO
CONTRATO
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:I - Aquele que ocupa a posição de locatário no âmbito de um contrato de locação financeira de um imóvel e (devidamente autorizado pelo locador) dá este imóvel de arrendamento, no apuramento dos rendimentos prediais (categoria F) para efeitos de tributação em IRS, não pode deduzir às rendas que aufere enquanto senhorio as rendas que paga enquanto locatário financeiro, dedução que apenas seria possível se os referidos contratos tivessem sido celebrados em desenvolvimento de uma actividade económica e, por isso, os respectivos rendimentos fossem subsumíveis à categoria B.
II - Não pode invocar-se a favor da pretendida dedução o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, pois, sendo certo que este artigo consagra para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em IRS um conceito de renda mais lato do que o previsto na lei civil, aquela regra visa exclusivamente sujeitar a imposto os rendimentos auferidos pelo arrendatário quando dá o imóvel de subarrendamento por uma renda superior à por ele paga ao senhorio.
III - No âmbito do contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de Outubro, o locatário financeiro não constitui um arrendatário, nem paga renda a um senhorio e, sendo certo que, desde que autorizado pelo locador [alínea g) do n.º 1 do art. 10.º do referido diploma legal], pode dar de arrendamento o imóvel objecto do contrato de locação financeira, esse contrato de arrendamento não pode ser visto como uma sublocação, quer em face do art. 1086.º do CC, quer em termos conceptuais.
IV - Seja como for, para efeitos da tributação em IRS, o locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária surge numa posição de “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume, posição bem distinta da do arrendatário no âmbito de um contrato de arrendamento, motivo por que, contrariamente ao que sucede com este último, se dá o prédio em arrendamento não tem o direito de que as rendas auferidas no âmbito deste contrato sejam sujeitas a tributação somente quanto ao rendimento resultante da diferença entre o que pagou no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária e o que auferiu enquanto locador do mesmo imóvel.
Nº Convencional:JSTA00070417
Nº do Documento:SA2201711220608
Data de Entrada:05/16/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRS01 ART8 N1 N2 A C.
DL 149/95 DE 1995/06/24 ART9 N1 B ART10 N1 J ART1.
CCIV66 ART405 ART1060 ART1022 ART1031 ART1037 ART1038 ART1046 ART1086.
Jurisprudência Nacional:AC TCAS PROC05713/12 DE 2013/02/26.
Referência a Doutrina:XAVIER DE BASTO - IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS PAG341-343 PAG343-344.
RUI MORAIS - SOBRE O IRS PAG111.
CALVÃO DA SILVA - ESTUDOS DO DIREITO COMERCIAL ALMEDINA 1999 PAG29.
LEITE DE CAMPOS - LOCAÇÃO FINANCEIRA E LOCAÇÃO - REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS VOLIII ANO62 2002.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo com o n.º 2084/10.4BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A………………. (a seguir Recorrente ou Impugnante) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2006 e 2007 após a Administração tributária (AT) ter procedido à correcção à matéria tributável por ter considerado que, para efeitos de apuramento dos rendimentos prediais (categoria F), não podia o sujeito passivo ter deduzido, como deduziu, às rendas auferidas pela locação de um determinado imóvel os montantes que pagou à sociedade de locação financeira a título de rendas e com respeito aos mesmos imóvel e períodos.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, e o Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) Nos casos de sublocação pelo locatário financeiro de imóvel objecto de locação financeira, o rendimento sujeito a IRS pelo locatário é constituído pela diferença entre a renda recebida do sublocatário e a paga ao locador financeiro, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 8.º do Código do IRS.

B) A douta sentença sob recurso, ao considerar que, nessas circunstâncias, é aplicável a al. a) do n.º 2 do mesmo art. 8.º do CIRS com a desconsideração das rendas pagas julgando improcedente a impugnação, interpreta e aplica erradamente os invocados preceitos legais, com clara violação do princípio da capacidade contributiva, implicando a tributação do rendimento líquido.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal. As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas entre parêntesis rectos, no corpo do texto.):
«[…]
2. Na sentença Recorrida deu-se como assente que o Recorrente celebrou um contrato de locação financeira, que tem por objecto um imóvel, que, com a autorização da locadora, arrendou a uma sociedade. E no anexo “F” declarações de IRS relativas aos anos de 2006 e 2007 fez constar as rendas por si recebidas resultantes do contrato de arrendamento e as rendas pagas à locadora resultantes do contrato de locação financeira.
Para se decidir pela improcedência da acção considerou-se na sentença recorrida que «o contrato de arrendamento celebrado entre o impugnante e a sociedade “B………….”, independentemente do nomen iuris atribuído pelas partes, não corresponde ... a um contrato de sublocação, para efeitos da previsão da alínea c) do referido n.º 2 do art. 8.º». E concluiu-se que «as rendas recebidas por força do contrato de arrendamento terão que ser integradas na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do CIRS, por corresponderem ao rendimento acréscimo do impugnante, …».
A questão que se coloca consiste em saber se no apuramento dos rendimentos prediais, categoria “F”, para efeitos de IRS, e relativos às rendas auferidas pelo Recorrente com a celebração do contrato de arrendamento, se deve ter em consideração as rendas pagas pelo mesmo ao abrigo do contrato de locação financeira que tem por objecto o mesmo imóvel, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º do CIRS.
Tanto a AT, como o tribunal “a quo” consideraram que o contrato celebrado entre o Recorrente e a sociedade arrendatária não se pode considerar sublocação, na acepção que lhe é dada pela alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, motivo pelo qual não pode o Recorrente abater às rendas recebidas o valor das rendas pagas à locadora. Subjaz a tal entendimento a consideração de que o locatário assume a posição de “proprietário económico”, com direito a ser investido no direito de propriedade no final do contrato, e nessa medida a sua posição é distinta da posição do arrendatário num contrato de arrendamento.
Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º do CIRS, que são havidas como rendas, para efeitos de rendimentos da categoria “F”, “a diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio”.
Este preceito legal é objecto de crítica por parte de José Guilherme Xavier de Basto1 [1 In “IRS incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra Editora, págs. 345/347.] para quem “não tem sentido económico considerar a renda paga ao senhorio como um custo a deduzir à renda auferida pelo sublocador-arrendatário, que será, tipicamente, um utilizador do prédio para finalidades não directamente produtivas” (ob. cit., pág. 346).
Independentemente da validade dessa crítica, certo é que o legislador aparentemente pretendeu apenas tributar o rendimento acréscimo correspondente à diferença entre os encargos assumidos com a disponibilidade do imóvel e os rendimentos auferidos com a sua cedência a terceiro.
A questão que se coloca no caso dos autos prende-se com o que se deve entender por “sublocação” e designadamente saber se o legislador pretendeu apenas restringir o conceito de “rendas” previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º do CIRS aos contratos de arrendamento.
Pese embora os comentadores de tal preceito considerem que o legislador fiscal consagrou um conceito de “renda” mais amplo que o conceito civilístico (cfr. Autor e ob. cit.), certo é que no caso da alínea c) o legislador parece ter tido apenas em vista as situações subjacentes ao contrato de arrendamento, uma vez que fala em “senhorio”, expressão esta apenas utilizada neste tipo de contrato. Por outro lado a posição do locador no contrato de locação financeira não corresponde à do senhorio no contrato de arrendamento.
Assim parece ter sido o entendimento sufragado na sentença recorrida, que se apoiou na jurisprudência dos acórdãos do TCA Sul de 26/02/2013, proc. 05713/12, que cita por sua vez o acórdão de 04/12/2012, proc. 05895/12 (não publicado no endereço “www.dgsi.pt”).
Nesta jurisprudência considera-se que no caso do contrato de locação financeira o locatário se assume como “proprietário económico”, para daí se concluir que a sua posição é equiparável à de senhorio no contrato de arrendamento, motivo pelo qual as rendas auferidas pela cedência do imóvel devem ser consideradas na sua integralidade, ou seja, subsumíveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do CIRS e não na alínea c).
Também se nos afigura ser a melhor interpretação do preceito legal, uma vez que só neste caso o rendimento acréscimo corresponde à diferença entre as rendas recebidas, decorrentes da cedência da disponibilidade do bem, e as pagas para ter essa disponibilidade. Já no caso da locação financeira, as rendas pagas ao locador visam não só ter o gozo do bem, mas primacialmente a sua aquisição, desfrutando o locatário como se dono fosse do mesmo e assumindo os riscos inerentes, como resulta do disposto nos artigos 13.º, 14.º e 15.º do respectivo regime legal (Dec. Lei n.º 149/95, de 24 de Junho). E neste caso, as rendas pagas pelo locatário financeiro não são equiparáveis às rendas pagas pelo sublocatário, já que não conferem os mesmos direitos e obrigações sobre o bem objecto do contrato.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação dos normativos legais em causa, motivo pelo qual deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente».

1.5 Dada vista aos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) No dia 01 de Agosto de 2006 o Impugnante celebrou um contrato de locação financeira com o Banco …………, S.A. relativo à fracção C do prédio inscrito na matriz urbana da Freguesia de Belinho do concelho de Esposende sob o artigo 1195, com possibilidade de cedência da posição contratual a terceiros com autorização do locador – cfr. fls. 42 do PA, apenso aqui reproduzido para os devidos efeitos legais;

B) Por contrato de 07 de Agosto de 2006, o Impugnante, após autorização do locador, arrendou o referido imóvel à sociedade “B………….”, com o NIPC …………, mediante o pagamento de uma renda – cfr. fls. 42 do PA, apenso aqui reproduzidas;

C) Em 20 de Abril de 2007 o Impugnante apresentou declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2006, mencionando no anexo F, campo 601, rendas recebidas no montante de € 9.375,00, e no campo 602, rendas pagas no montante de € 6.377,35 – cfr. fls. 42 do PA, apenso aqui reproduzidas;

D) No dia 03 de Maio de 2008, o Impugnante apresentou declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2007, mencionando no anexo F, campo 601, rendas recebidas no montante de € 20.100,00, e no campo 602, rendas pagas no montante de € 16.233,72 – cfr. fls. 32 do PA, aqui reproduzidas.

E) O Impugnante foi objecto de uma fiscalização interna relativamente aos anos de 2006 e 2007, no âmbito da qual foi elaborado projecto de decisão, onde se concluiu que:
«[...] o contrato celebrado entre os sujeitos passivos e a empresa acima indicada não se pode considerar como de sublocação, na acepção que lhe é dada pela alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, mas antes como um verdadeiro contrato de arrendamento, motivo pelo qual os sujeitos passivos não podem abater às rendas recebidas da sociedade o valor das rendas pagas à locatária» – cfr. fls. 05 e 06 do Processo Administrativo (PA) apenso.

F) No dia 20 de Novembro de 2008, o projecto de decisão foi convertido em decisão final, notificada ao Impugnante por ofício n.º 300.5730, em 24 de Novembro de 2008 – cfr. fls. 03 e 04 e do PA apenso.

G) Na sequência da acção de fiscalização, foram emitidas as seguintes liquidações adicionais:
• Relativamente ao exercício de 2006, a liquidação n.º 2009 5001983364, no valor de € 2.199,54, a título de imposto, acrescido de € 135,44, a título de juros compensatórios;
• Relativamente ao exercício de 2007, a liquidação n.º 2009 5001993761, no valor de € 3.638,03, a título de imposto, acrescido de € 70,96, a título de juros compensatórios – cfr. fls. 21 a 25 e 27 a 39 do PA apenso.

H) Em 29 de Outubro de 2009 o Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações adicionais referidas, procedimento autuado sob o n.º 0396200904001419 – cfr. fls. 07 a 20 do PA apenso.

I) No dia 18 de Dezembro de 2009 foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Esposende (em substituição) despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante – cfr. fls. 48 e 49 do PA apenso.

J) O Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por ofício n.º 5120 datado de 18 de Dezembro de 2008 – cfr. fls. 50 a 52 do PA apenso.

K) No dia 20 de Janeiro de 2010, o Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, procedimento que foi autuado sob o n.º 039620100001 – cfr. fls. 53 a 57 do PA apenso.

L) Por despacho de 27 de Julho proferido pela Directora de Serviços de IRS (por subdelegação) da Direcção-Geral dos Impostos foi negado provimento ao recurso hierárquico referido no ponto anterior – cfr. fls. 59 a 63 do PA apenso.

M) A decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi notificada ao Impugnante em 31 de Agosto de 2010 – cfr. fls. 71 a 73 do PA apenso».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Em 2006, o ora Recorrente celebrou um contrato de locação financeira, que tem por objecto um imóvel, que, com a autorização da locadora, deu de arrendamento a uma sociedade. No anexo F das declarações de rendimentos que apresentou para efeitos de IRS dos anos de 2006 e 2007 fez constar as rendas que recebeu da sociedade inquilina (no campo 601), a que deduziu as rendas pagas à sociedade de locação financeira (no campo 602).
A AT, na sequência de uma acção de fiscalização ao ora Recorrente, considerou que «o contrato celebrado entre os sujeitos passivos e a empresa acima indicada não se pode considerar como de sublocação, na acepção que lhe é dada pela alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, mas antes como um verdadeiro contrato de arrendamento, motivo pelo qual os sujeitos passivos não podem abater às rendas recebidas da sociedade o valor das rendas pagas à locatária».
Consequentemente, corrigiu o rendimento tributável declarado relativamente a cada um dos referidos anos e procedeu às respectivas liquidações adicionais
O ora Recorrente, discordando desse entendimento, deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais e, da decisão que a indeferiu, interpôs recurso hierárquico, o qual foi também indeferido.
Na sequência desse indeferimento, deduziu a presente impugnação judicial na qual sustenta a ilegalidade das liquidações adicionais. Considera, em síntese, que lhe é aplicável o regime previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, nos termos do qual, para efeitos de sujeição a IRS, se consideram rendimentos prediais as rendas e são havidas como rendas, nomeadamente, «[a] diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio». Pretende que esta norma é aplicável à situação sub judice, daí resultando, a seu ver, que apenas deve ficar sujeita a tributação em IRS, como rendimento predial, a diferença entre as rendas que pagou à sociedade de locação financeira e as rendas que auferiu da sociedade a quem arrendou o imóvel.
A sentença não acolheu esse entendimento.
Em resumo, depois de salientar que o conceito de rendimento acolhido pelo CIRS é o de rendimento-acréscimo e que o conceito de renda previsto no art. 8.º é mais amplo que conceito civilista, fez uma incursão pelo regime jurídico do contrato de locação financeira, com especial atenção à posição do locatário, para concluir que este «não é, em termos jurídicos, o proprietário do bem locado, mas é o “proprietário económico” ou proprietário substancial desse bem, de que, por via de regra, se tornará verdadeiro dono no término do contrato», motivo por que «o contrato de arrendamento celebrado entre o impugnante e a sociedade “B…………..”, independentemente do nomen juris atribuído pelas partes, não corresponde, pois, a um contrato de sublocação, para efeitos da previsão da alínea c) do referido n.º 2 do art. 8.º» e, consequentemente, «as rendas recebidas por força do contrato de arrendamento terão de ser integradas na alínea a) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, por corresponderem ao rendimento-acréscimo do impugnante, ao aumento do seu poder aquisitivo».
Assim, julgou a impugnação judicial improcedente.
O Impugnante recorre da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo. Continua a sustentar a tese de que à situação sub judice deve ser aplicado o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRC, no sentido de que apenas ficará sujeita a IRS, como rendimento predial, a diferença entre as rendas que, como senhorio, recebe da sociedade arrendatária, e as rendas que, como locatário financeiro, paga à sociedade locadora.
Assim, a questão que se coloca nos autos é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que, para efeitos da determinação dos rendimentos prediais sujeitos a IRS, o sujeito passivo não pode deduzir às rendas recebidas daquele a quem deu o prédio de arrendamento as rendas que paga a uma sociedade financeira com referência ao contrato de locação financeira que tem como objecto aquele mesmo prédio.

2.2.2 DA TRIBUTAÇÃO DAS RENDAS

As “rendas dos prédios rústicos, urbanos ou mistos pagas ou postas à disposição dos respectivos titulares” constituem a categoria F dos rendimentos sujeitos a IRS: rendimentos prediais (art. 8.º, n.º 1, do CIRS).
Da redacção do preceito resulta, desde logo, que apenas as rendas efectivas, pagas ou postas à disposição – e já não as imputadas ( Ou seja, a que corresponde à utilidade retirada da utilização do prédio pelo próprio proprietário. Sobre a questão, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, págs. 341/343.) – dos respectivos titulares, pessoas singulares são objecto de tributação em IRS. E resulta também que o titular de tais rendas não é necessariamente o proprietário do prédio.
A definição de renda é a que consta do n.º 2 do art. 8.º do CIRS e que é distinta, por mais ampla (RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 3.ª edição, Almedina, 2014, pág. 111, explica que o conceito mais amplo de renda foi acolhido pelo n.º 2 do art. 8.º do CIRS, «por evidentes razões de prevenir formas de elisão fiscal, ou seja, a celebração de outros negócios de efeito económico equivalente não tipificados na lei».), da que resulta do direito civil (Explicando o porquê da necessidade da redefinição do conceito, em face da regra do art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, ob. cit., págs. 343/344.), nela se incluindo, no que ora nos importa considerar, a definição geral da alínea a) e uma regra própria quanto às rendas da sublocação, na alínea c). Dizem aquelas alíneas, respectivamente:
«2- São havidas como rendas:
a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;
[…]
c) A diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio; […]».
Como salienta JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, «[a] alínea a) contém o conceito básico: renda é a importância relativa à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência. Repare-se que a lei se refere à cedência do uso do prédio, sem curar de distinguir entre as diferentes causas da cedência. Na maioria dos casos, a causa será o contrato de arrendamento, mas a norma cobre, sem dúvida, outras situações jurídicas»; já a alínea c) «refere-se às rendas da sublocação, que só são tributáveis pela “diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio”. O Código só quer pois tributar o sublocador quando este, através da sublocação, consegue uma renda superior à paga ao senhorio. E só o tributa pela diferença» (Ob. cit., págs. 344/345.).
A solução consagrada no Código relativamente às rendas auferidas pelo sublocador merece a crítica de JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, que considera que a mesma não faz sentido no actual regime de tributação dos rendimentos prediais – que apenas tributa rendimentos efectivos –, e que apenas encontra explicação no equívoco resultante da inércia do legislador, ao manter a solução que tinha lógica no sistema da contribuição predial, que assentava e se esgotava na tributação do valor locativo do imóvel, mas já a não tem no actual regime de tributação só de rendimentos efectivos (Ver págs. 345 a 348 da citada obra.) (Como é sabido, enquanto na vigência da Contribuição Predial os titulares de imóveis não arrendados eram tributados por um valor correspondente ao rendimento possível, correspondente ao valor da renda que poderia ser obtida em circunstâncias normais de mercado, na lógica do IRS apenas as rendas efectivamente recebidas são tributadas. Daí que os prédios não arrendados não sejam sujeitos a tributação em IRS. Note-se que, quando da introdução do IRS, foi criada a Contribuição Autárquica, a que sucedeu o IMI, tributos no âmbito dos quais é tributado o valor patrimonial dos prédios, independentemente de estarem arrendados ou não.).
A AT considera que as rendas recebidas pelo ora Recorrente da sociedade a quem arrendou o imóvel se subsumem à previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, motivo por que devem, na sua totalidade, ser consideradas como rendimentos prediais para efeitos de tributação em IRS.
O Recorrente continua a sustentar que, nos termos da alínea c) do mesmo n.º 2 do art. 8.º do CIRS, só estará sujeita a tributação como rendimento predial a diferença entre as rendas que recebeu no âmbito do contrato de arrendamento que celebrou, na condição de senhorio, e as rendas que pagou em sede do contrato de locação financeira, na condição de locatário financeiro.
Salvo o devido respeito, não tem razão, não se justificando a equiparação que, para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em sede de IRS, pretende efectuar entre o contrato de arrendamento e o contrato de locação financeira de um imóvel. Vejamos:
Foi ao abrigo de um contrato de locação financeira que o ora Recorrente adquiriu o gozo do imóvel que ulteriormente, devidamente autorizado pela sociedade de locação financeira, deu de arrendamento a uma outra sociedade.
Tenhamos presente que, em sede de contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, transfere-se para o locatário «o gozo do bem para os fins a que se destina» [cfr. art. 9.º, n.º 1, alínea b)], o que lhe possibilita, desde que autorizado pelo locador financeiro, dar o imóvel de arrendamento [cfr. art. 10.º, n.º 1, alínea g)].
Ou seja, a faculdade de o locatário financeiro dar em arrendamento o prédio objecto da locação financeira resulta, não só do princípio da liberdade contratual [cfr. art. 405.º do Código Civil (CC)], como a lei prevê expressamente tal possibilidade, ao estabelecer que é obrigação do locatário financeiro não proporcionar a outrem o gozo do bem por meio de sublocação, excepto se o locador financeiro o autorizar. Na verdade, no elenco que o legislador faz das obrigações do locatário financeiro fala expressamente em sublocação, dizendo o referido art. 10.º, n.º 1 alínea g), do Decreto-Lei n.º 149/95 que uma dessas obrigações é a de «[n]ão proporcionar a outrem o gozo total ou parcial do bem por meio da cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador a autorizar».
Apesar disso, afigura-se-nos que não é inequívoco que o contrato por que um locatário financeiro dá em locação o bem objecto da locação financeira, seja um contrato de sublocação, quer com o sentido em que a sublocação está prevista no art. 1060.º do CC, quer em termos conceptuais.
Na verdade, diz o art. 1060.º do CC que «[a] locação diz-se sublocação quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo».
Ora, como bem deixou dito a sentença, o contrato de locação financeira, definido pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, não é um mero contrato de locação, tal como o define o art. 1022.º do CC («Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição»), no âmbito do qual o locatário financeiro seja constituído na posição de locatário tout court, com o acervo de direitos e de obrigações decorrentes dos arts. 1031.º a 1037.º e dos arts. 1038.º a 1046.º do CC, respectivamente. Daí decorre que não é líquido que o contrato por que o locatário financeiro dá de arrendamento o prédio que lhe foi entregue no âmbito de um contrato de locação financeira seja uma sublocação (Não podemos deixar de notar, aliás, que os valores declarados pelo ora Recorrente, na tese da sublocação, não se mostrariam de acordo com a regra do art. 1062.º do CC.-) (Aliás, a entender-se que só há sublocação quando o contrato com base no qual é celebrado o contrato derivado seja uma locação, o contrato em causa nunca poderia ser considerado como sublocação; só a entender-se que é possível a sublocação sem ser com base num contrato de locação, poderia aceitar-se a tese do Recorrente.).
Seja como for, o contrato de locação financeira, definido no referido art. 1.º do diploma legal que o regula, como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados», apesar de conter em si mesmo alguns dos elementos típicos do contrato de locação, não se confunde com este, sendo que lhe “acrescem” outras características, que distinguem ambos os contratos: o objecto do contrato de locação financeira é adquirido ou construído por indicação do locatário; o locatário pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado; esse preço deve ser determinado no contrato ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
Por outro lado, no contrato de locação financeira há uma componente financeira, de financiamento da aquisição de bens, que constituem a sua razão de ser e que justificam que, como judiciosamente observou a sentença recorrida, citando CALVÃO DA SILVA, o locatário adquire a “leadership not ownership”, surgindo pois como adquirente, não ainda da propriedade em termos jurídicos, mas da propriedade em termos económicos ou substanciais (Cfr. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Almedina, 1999, pág. 29.). Daí que, como diz DIOGO LEITE DE CAMPOS, «[o] locatário, na locação financeira, procura obter, não o uso de um bem durante um período mais ou menos longo, mas obter o próprio bem durante a maior parte da sua vida útil ou durante a totalidade da sua vida útil. O utente vai obter todas as utilidades do bem correspondentes à sua vida útil; nesta medida está a adquirir o próprio bem. E, de qualquer modo, o contrato oferece a faculdade ao utente de aceder à propriedade do bem - faculdade que este exerce, normalmente» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, Locação Financeira (Leasing) e Locação, na Revista da Ordem dos Advogados, 2002, ano 62, volume III, disponível em
https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2002/ano-62-vol-iii-dez-2002/artigos-doutrinais/diogo-leite-de-campos-locacao-financeira-leasing-e-locacao/.). Ou seja, em termos económicos e tendo em conta a natureza do contrato de locação financeira como modo de financiamento da aquisição de bens, o locatário financeiro, embora ainda não proprietário do bem locado, estatuto que assumirá caso venha a comprar o bem no termo do contrato e nos respectivos termos, assume contudo uma posição de “proprietário económico”.
Foi em face do reconhecimento dessa posição do locatário financeiro que a sentença, louvando-se também num acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão de 26 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 05713/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/bd08f7c4789fe21580257b2400419d81.), que citou, entendeu que «[o] locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária deve visualizar-se como “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume. Ora, face a este enquadramento, propende-se no sentido de que a renda paga por arrendatário do bem objecto do mencionado contrato e que foi dado de arrendamento pelo mesmo locatário, se repercute, em exclusivo, na esfera jurídica deste, na sobredita qualidade de autêntico “proprietário económico” do imóvel como componente da respectiva capacidade contributiva, assim se devendo enquadrar a examinada situação no art. 8.º, n.º 2, al. a), do C.I.R.S. Ao arrepio do que sucede no caso do subarrendamento em que o acréscimo de rendimento, nessa medida passível de I.R.S., de que goza o arrendatário é apenas o diferencial entre a renda que paga ao senhorio e proprietário do imóvel e aquela que recebe do subarrendatário e subsumível à dita alínea c) do n.º 2 do art. 8.º, do C.I.R.S.».
Na verdade, porque o locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária surge numa posição de “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume – posição bem distinta da do arrendatário no âmbito de um contrato de arrendamento –, se dá o prédio em arrendamento não tem, contrariamente ao que sucede com o arrendatário que subarrenda o imóvel, o direito de que as rendas auferidas no âmbito deste contrato sejam sujeitas a tributação somente quanto ao rendimento resultante da diferença entre o que pagou no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária e o que auferiu enquanto locador do mesmo imóvel. Isto, obviamente, para efeitos da tributação em IRS no âmbito da categoria F, ou seja, fora do âmbito do exercício de uma actividade profissional ou empresarial.
Afigura-se-nos pois que a sentença fez a melhor interpretação da lei, não sendo merecedora de reparo algum.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Aquele que ocupa a posição de locatário no âmbito de um contrato de locação financeira de um imóvel e (devidamente autorizado pelo locador) dá este imóvel de arrendamento, no apuramento dos rendimentos prediais (categoria F) para efeitos de tributação em IRS, não pode deduzir às rendas que aufere enquanto senhorio as rendas que paga enquanto locatário financeiro, dedução que apenas seria possível se os referidos contratos tivessem sido celebrados em desenvolvimento de uma actividade económica e, por isso, os respectivos rendimentos fossem subsumíveis à categoria B.
II - Não pode invocar-se a favor da pretendida dedução o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, pois, sendo certo que este artigo consagra para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em IRS um conceito de renda mais lato do que o previsto na lei civil, aquela regra visa exclusivamente sujeitar a imposto os rendimentos auferidos pelo arrendatário quando dá o imóvel de subarrendamento por uma renda superior à por ele paga ao senhorio.
III - No âmbito do contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de Outubro, o locatário financeiro não constitui um arrendatário, nem paga renda a um senhorio e, sendo certo que, desde que autorizado pelo locador [alínea g) do n.º 1 do art. 10.º do referido diploma legal], pode dar de arrendamento o imóvel objecto do contrato de locação financeira, esse contrato de arrendamento não pode ser visto como uma sublocação, quer em face do art. 1086.º do CC, quer em termos conceptuais.
IV - Seja como for, para efeitos da tributação em IRS, o locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária surge numa posição de “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume, posição bem distinta da do arrendatário no âmbito de um contrato de arrendamento, motivo por que, contrariamente ao que sucede com este último, se dá o prédio em arrendamento não tem o direito a que as rendas auferidas no âmbito deste contrato sejam sujeitas a tributação somente quanto ao rendimento resultante da diferença entre o que pagou no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária e o que auferiu enquanto locador do mesmo imóvel.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 22 de Novembro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.