Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:093/22.0BCLSB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30254
Nº do Documento:SA120221124093/22
Data de Entrada:11/08/2022
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DE TREINADORES DE PATINAGEM ARTÍSTICA DE PORTUGAL – ATPA PORTUGAL
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE PATINAGEM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório

Associação de Treinadores de Patinagem Artística de Portugal interpõe a presente revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 08.09.2022, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Federação Portuguesa de Patinagem (FPP), do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) proferido em 23.03.2022, que, em sede de arbitragem necessária, concedeu provimento à acção intentada pela aqui Recorrente na qual impugnou a deliberação da Assembleia Geral da FPP, de 27.03.2021, através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação de admissão da Autora como membro Ordinário da FPP.
Na revista a Recorrente alega que esta visa a apreciação de questão com elevada relevância jurídica e social, sendo necessária uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a Recorrida defende a inadmissibilidade do recurso, ou a sua improcedência.

2. Os Factos

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito

O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".

Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma "válvula de segurança do sistema", que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Autora impugnou no TAD, em acção arbitral, a deliberação da Assembleia Geral da FPP, de 27.05.2021, que decidiu retirar da ordem de trabalhos (cfr. ponto 3) a votação do pedido de admissão da mesma como membro ordinário da FPP.

Formulou os seguintes pedidos: “(i) Declara[da] nulidade, ou, caso assim não se entenda, anular a deliberação da Assembleia Geral da Demandada de 27 de março de 2021 que retirou da votação o ponto 3. da ordem de trabalhos referente ao pedido de filiação como Membro Ordinário da Demandante, da FPP, por falta de fundamento legal, estatutário e regulamentar e violação das normas dos arts. 167º do Código Civil e 10º dos Estatutos da FPP, ponto esse cuja apreciação já havia sido iniciada em sede da referida Assembleia; (ii) Reconhec[ido] o direito da Demandante, enquanto agente desportivo representativo dos treinadores de patinagem artística, a ser admitido enquanto membro da FPP, reconhecendo que a mesma preenche as condições legais e regulamentares de filiação definidas nos termos dos seus estatutos: (iii) Condena[da] a FPP a proceder à convocação de uma Assembleia Geral com vista a apreciar e deliberar o reconhecimento do direito da Demandante em ser admitida como membro ordinário da FPP em obediência ao mencionado artigo 9° do RJPD.”

O TAD julgou procedente a acção anulando a deliberação da Assembleia-Geral de 27.03.2021, “através da qual se decidiu retirar da ordem de trabalhos [cfr. ponto 3] a votação do pedido de admissão da Demandante como Membro Ordinário da FPP, aqui Demandada” (alínea a) da “Decisão").

E, “b) condenar a Demandada a:
b.1) votar favoravelmente o pedido de admissão da Demandante como Membro Ordinário da Demandada, em conformidade com a proposta de admissão formulada pela respetiva Direção, salvo se outra circunstância a isso obstar, mas sem reincidir nos vícios determinantes da anulação, e
b.2) convocar e realizar uma Assembleia-Geral para o fim assinalado no ponto anterior, em prazo não superior a 30 (trinta) dias."

O TCA Sul para o qual a FPP apelou [questionando apenas o segmento decisório da alínea b) do acórdão do TAD], defendendo que aquela decisão violava (entre outras disposições) o disposto no art. 12º, nº 2 dos Estatutos da Recorrente segundo o qual, a admissão, suspensão e expulsão de um Membro depende da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na Assembleia Geral: ou seja, a admissão de um Membro não é automática, mas sim, sujeita a votação e aprovação com três quartos dos votos dos delegados presentes, exigindo-se assim uma votação com maioria qualificada dos presentes
O acórdão recorrido considerou que estava em causa no recurso apenas o ponto b.1) do dispositivo do acórdão arbitral, referindo, nomeadamente o seguinte:
“26. Porém, de acordo com o disposto no artigo 12º, nºs 1 e 2 destes mesmos Estatutos, compete à assembleia-geral da Federação de Patinagem de Portugal decidir quanto à admissão, suspensão ou expulsão de um membro nos termos dos seus estatutos e regulamentos em vigor, decisão essa que está dependente da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na assembleia-geral, quer esta reúna em primeira ou em segunda convocação.
27. Deste modo, tal como salienta a recorrente, uma vez que a sua assembleia geral não chegou a deliberar sobre o pedido de admissão da recorrida, pois esse ponto foi retirado da respetiva ordem de trabalhos, o determinado no ponto b. 1) do dispositivo do acórdão arbitral teria como consequência retirar aos delegados a sua liberdade de voto, porquanto seriam obrigados a votar num determinado sentido, que seria o da admissão da recorrida, sendo certo que de acordo com o nº 2 do artigo 12º dos Estatutos da recorrente a admissão de um membro não opera de forma automática, estando antes sujeita a votação e aprovação por três quartos dos votos dos delegados presentes, ou seja, a uma votação e aprovação com maioria qualificada dos presentes.
28. Finalmente, e não menos imponente, haverá que atentar no princípio da divisão ou da separação de poderes, o qual embora não implique uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração, pressupõe uma proibição funcional do juiz afectar a essência do sistema de administração executiva, ou seja, de abstenção da ofensa da autonomia do poder administrativo (o núcleo essencial da sua discricionariedade), enquanto medida definida pela lei daquilo que são os poderes próprios de apreciação ou decisão conferidos aos órgãos da Administração (cfr. artigos 3°, nºs 1 e 3, 71°, nº 2, 95°, nº 3, 167º, nº 3 e 179º, nºs 1 e 5 todos do CPTA, preceitos estes dos quais claramente se infere a preocupação do legislador em assegurar ou mesmo reservar/preservar os denominados "espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa").
29. Assim, estando previsto no nº 2 do artigo 12º dos Estatutos da recorrente que a admissão de um membro não opera de forma automática, estando antes sujeita a votação e aprovação por três quartos dos votos dos delegados presentes, ou seja, a uma votação com maioria qualificada dos presentes, não podia o TAD condenar, como condenou, a recorrente - na verdade a assembleia-geral da recorrente - a votar favoravelmente uma qualquer proposta que lhe fosse apresentada com vista á admissão de um novo membro, sob pena de ofensa da autonomia do poder deliberativo daquela federação. (…)
31. E, sendo assim, o acórdão arbitral incorreu em erro de julgamento ao determinar no seu dispositivo a condenação da assembleia-geral da demandada, e aqui recorrente, a votar favoravelmente o pedido de admissão da demandante como membro ordinário daquela, porquanto tal condenação viola não só o disposto no artigo 12º, nº 2 dos Estatutos da recorrente, que determina que a admissão, suspensão e expulsão de um membro depende da aprovação de três quartos dos votos dos delegados presentes na assembleia-geral, como também o disposto no artigo 59º, nº 2 dos mesmos Estatutos, que dispõe que as deliberações da assembleia-geral são tomadas à pluralidade de votos, e ainda o princípio da separação de poderes."
Assim, o acórdão recorrido julgou procedente o recurso, revogando o decidido no ponto b1) do dispositivo do acórdão arbitral (supra transcrito).

Alega a Recorrente na presente revista que as instâncias trataram a questão do sentido e alcance do art. 9º do RJFD de forma inconsistente (nomeadamente o TAD), impondo-se que este Supremo Tribunal se pronuncie “de forma decisiva sobre o tema”, afirmando que o estatuto de utilidade pública desportiva de que gozam as federações desportivas obriga-as a aceitar a inscrição de quaisquer indivíduos ou associações desportivas que cumpram os requisitos estatutários de filiação, por força daquele art. 9º. Mais alegando que o referido preceito não confere qualquer discricionariedade às federações desportivas, estando estas vinculadas a admitir como membros ordinários os requerentes que preencham os requisitos estatutários de filiação, sem que a imposição para o efeito ditada por qualquer tribunal constitua qualquer violação da separação de poderes ou da liberdade de voto (cfr. conclusões D. a I. das alegações da revista).
A tese da Recorrente não é, porém, convincente, face às questões suscitadas no recurso interposto pela aqui Recorrida para o TCA Sul, de erro de julgamento por violação dos arts. 12º e 57º dos Estatutos da FPP (no que agora interessa).
Com efeito, em sede de recurso as questões a apreciar são as de saber se a decisão recorrida - no caso o acórdão proferido pelo TCA Sul -, foram bem ou mal apreciadas, devendo tal decisão ser mantida, alterada ou revogada (cfr. arts. 144º, nº 2 do CPTA, e 639º, nº 1 e 635º, ambos do CPC), sendo essas as delimitadas pelo recorrente nas suas alegações (mormente nas conclusões), sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, e, simultaneamente contidas nas questões que haviam sido submetidas ao Tribunal a quo.
Ora, no caso em apreço a FPP/Recorrente não submeteu à apreciação do TCA Sul qualquer questão relativa à aplicação e interpretação do art. 9° do RJFD, pelo que se a aqui Recorrente pretendia submeter ao crivo daquele Tribunal tal questão [por considerar inconsistente o decidido nessa matéria pelo TAD] devê-lo-ia ter feito pedindo a ampliação do objecto do recurso, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação (cfr. art. 636, nº 1 do CPC), o que não fez.
Assim, tal questão não pode ser conhecida no presente recurso por não ter sido objecto do recurso interposto para o TCA Sul, tratando-se de questão nova apenas suscitada nesta sede de revista.
Acresce que, tal como as questões foram submetidas à apreciação do TCA Sul, não se vê que haja qualquer erro ostensivo por parte do acórdão recorrido ao interpretar as normas dos Estatutos da FPP, mormente o seu art. 12º, nº 2, bem como os princípios relativos à separação de poderes e ao exercício do direito de voto dos delegados em assembleia geral (art. 59º, nº 2 dos referidos Estatutos).
Com efeito, o acórdão recorrido mostra-se fundamentado de forma consistente e plausível, nos termos acima transcritos.
Assim sendo, e apesar da divergência das instâncias no decidido, parecendo o acórdão recorrido estar correctamente fundamentado, quanto às questões submetidas à sua apreciação, não se justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, não se vendo igualmente, que a concreta questão que nos autos se discute [diversa da que a Recorrente pretenderia discutir nesta revista e que respeitaria à compatibilidade das normas dos Estatutos da Recorrida com o art. 9° do RJFD] detenha uma relevância jurídica ou social superior ao normal, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022. - Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.