Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0734/15
Data do Acordão:12/02/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IRS
MAIS VALIAS
FACTO TRIBUTÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RECTROACTIVIDADE
Sumário:I - O Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. E sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si.
II - Razão por que o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.
III - A Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. Razão por que se impõe aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12º da LGT.
IV - As mais-valias produzidas antes de 27/07/2010 com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no nº 2 do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 de 26 de Julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS.
Nº Convencional:JSTA00069451
Nº do Documento:SAP201512020734
Data de Entrada:06/11/2015
Recorrente:Z........
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:UNIFORM JURISPRUDÊNCIA
Objecto:DECIS ARBITRAL CAAD PROC771/2014-T.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:DL 10/2011 ART25.
CPTA ART152.
LGT ART12.
CIRS ART10.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01763/13 DE 2014/06/04.; AC STAPLENO PROC01292/14 DE 2015/09/16.; AC STAPLENO PROC01504/14 DE 2015/09/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – Z……….., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2, 3 2 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável por remissão daquelas normas, interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 6 de Maio de 2015 no processo n.º 771/2014-T, por alegada contradição com o decidido no Acórdão deste STA de 8 de Janeiro de 2014, proferido no recurso n.º 1078/12.
O recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
A – A questão que se coloca no processo arbitral onde veio a ser proferida a douta decisão impugnada é, no essencial, se a alteração ao regime da tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários promovida pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, e consequente revogação do n.º 2, do artigo 10.º do CIRS, apenas se aplica às alienações de valores mobiliários que ocorram após a data da entrada em vigor daquela Lei ou se, pelo contrário, se aplica ao saldo final das mais valias geradas ao longo do ano de 2010, e assim também às alienações que ocorreram antes da sua entrada em vigor.
B – Ou, se se quiser e simplificando, qual a Lei aplicável à transmissão onerosa de acções, detidas há mais de 12 meses, realizada em 30/04/2010 pelos recorrentes.
C – Questão que, assim colocada, convoca ainda a questão prévia sobre se nas mais-valias mobiliárias o facto tributário ocorre no momento da alienação ou apenas no final do ano, no momento do apuramento do respectivo saldo.
D – A decisão arbitral impugnada, partindo do pressuposto prévio de que o facto tributário se verifica apenas no momento do apuramento do saldo entre mais e menos-valias, ou seja, no final do ano, decidiu pela aplicação da Lei n.º 15/20010, de 26 de Julho, ao caso dos recorrentes, e assim pela tributação das mais-valias geradas com a alienação de acções, ignorando o facto de, à data da alienação, o n.º 2 do artigo 10.º do CIRS ainda se encontrar em vigor.
E – Em oposição, o acórdão fundamento da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 08/01/2014, no processo n.º 01078/12, partindo do pressuposto de que nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS o facto tributário ocorre no momento da alienação, conclui ser este o momento relevante para determinar a aplicação no tempo da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
F – Sustenta ainda, a latere e a título meramente complementar, que ainda que assim não fosse, caso se concluísse, como se faz na decisão arbitral impugnada, que o facto jurídico-fiscal é complexo e de natureza sucessiva, sempre se impunha, em respeito pelo comando do n.º 2, do artigo 12.º da LGT, que apenas se tributassem as mais-valias relativas ao período decorrido a partir da entrada em vigor da Lei nova.
G – À manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, concorre ainda manifesta identidade quanto aos pressupostos de facto que os tornam susceptíveis de ser enquadrados na mesma hipótese normativa.
H – É que, o acórdão fundamento aprecia e decide um caso de impugnação da liquidação de IRS em que se tributava, com fundamento na aplicação da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, a alienação de acções de uma sociedade, detidas há mais de doze meses, ocorrida em 19/04/2010.
I – E a situação do recorrente, absolutamente sobreponível àquela, reporta-se à alienação que fez, em 30/04/2010, de acções de uma sociedade, que detinha há mais de doze meses, tendo a Administração Tributária efectuado uma liquidação oficiosa para tributação de tais ganhos, igualmente com fundamento na mesma Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
J – Verificados que estão os pressupostos de identidade e contradição entre a decisão impugnada e o acórdão fundamento, cumpre passar à análise da infracção imputada à douta decisão impugnada.
ASSIM,
L – O facto tributário deve ser localizado no tempo de acordo com a respectiva norma de incidência.
M – A norma de incidência sobre tributação de mais-valias em sede de IRS encontra-se nos artigos 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CIRS.
N – De acordo com a norma de incidência, os ganhos, qualificados como mais-valias, resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação destes, sendo esse, pois, o da alienação (e não o do apuramento da matéria colectável, da declaração, da liquidação, ou outro), o momento relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova quando esta não disponha em sentido diverso.
O – A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, não estabelece nenhum regime transitório, mas apenas que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – artigo 5.º.
P – Razão pela qual, deve entender-se, em conformidade com o disposto no n.º 1 dos artigos 12.º da Lei Geral Tributária e do Código Civil, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.
Q – Sustentar, como se faz na douta decisão impugnada, que a Lei n.º 15/2010 se deve aplicar aos factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor (in casu em 30/04/2010) é, antes de mais, uma questão de violação de lei expressa.
R – Ainda que assim não fosse, a interpretação de que a Lei n.º 15/2010 é aplicável a factos totalmente ocorridos antes da sua entrada em vigor sempre constituiria retroactividade própria ou autêntica, como tal violadora do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
S – Mas mesmo analisando a questão pelo prisma enunciado na douta decisão impugnada, ou seja, de que o facto tributário não ocorre no momento da alienação mas no final do ano com o apuramento do saldo das mais e menos-valias – posição que nos merece as maiores reservas, com que não se concorda e cuja análise apenas se considera a título meramente académico – ainda assim a Lei n.º 15/2010 não seria de aplicar ao caso dos autos.
T – É que, para esse caso dispõe o n.º 2 do artigo 12.º da LGT, no sentido de que “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.
U – É neste sentido que decide, também, o douto acórdão fundamento, embora o faça a título meramente complementar, como ali expressamente se afirma, na perspectiva de esgotar todos os ângulos de análise da questão.
V – À fundamentação aqui expressa, que encontra arrimo na douta decisão proferida no acórdão fundamento, mas também no parecer aí vertido do EMMP, do acórdão desse Venerando Tribunal de 04/12/2013, proferido no processo n.º 01582/13 e ainda nas decisões arbitrais do CAAD proferidas nos processos n.º 25/2011 – T, 135/2013-T e 770/2014-T, concorrem ainda fundamentos de racionalidade e coerência que não poderão deixar de ser considerados.
X – Juntamente com o pedido de pronúncia arbitral do ora recorrente e com ele conexo deram ainda entrada outros dois, a que foram atribuídos os números de processo 770/2014-T e 784/2014 –T.
Z – Os três casos reportam-se à mesma circunstância de facto, apenas diferindo a identidade dos sujeitos passivos.
AA – Que, no presente caso, é o recorrente.
BB – E, naqueles dois outros eram os seus pais e irmão, que detinham, igualmente há mais de doze meses, o remanescente das participações sociais da mesma entidade, alienadas por todos na mesma altura.
CC – Ora, no processo n.º 770/2014-T (já transitado em julgado) foi decidido, com base nas mesmas circunstâncias de facto, anular a liquidação oficiosa de IRS, promovida pela AT, com fundamento na inaplicabilidade da Lei n.º 15/2010 à alienação de acções, detidas há mais de 12 meses, ocorrida em 30/04/2010.
DD – Sendo que, no presente caso, como no processo n.º 748/2014-T (de cuja decisão foi igualmente interposto recurso para o Pleno da Secção de Contencioso do STA), foi decidido em sentido inverso.
EE – É manifesto que tal situação, conjugada com as decisões que vinham sendo proferidas em sentido unívoco por este Venerando Tribunal, além de manifestamente violadora dos princípios da igualdade e da segurança jurídica na vertente material da confiança, ínsitos nos artigos 13.º e 2.º da CRP, configura uma situação que, aos olhos do cidadão comum e por muito informado que seja, é ininteligível e, como tal, difícil de compreender e aceitar.
FF – Donde se conclui que, a decisão arbitral aqui impugnada fez uma menos correcta interpretação e aplicação do disposto, entre mais, nos artigos 9.º/1.a), 10º./1.b) /2.a)/3, estes do CIRS, 12.º/1/2 da LGT e artigo 5.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, preceitos que violou.
GG – A interpretação e aplicação dos preceitos supracitados, nos termos em que o faz a douta decisão impugnada, viola ainda o princípio constitucional expresso da proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos rectoactivos, previsto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, bem como o princípio da igualdade e da segurança jurídica na vertente material da confiança, consagrado nos artigos 13.º e 2.º da CRP.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES-CONSELHEIROS, DOUTAMENTE SUPRIRÃO,
deve o
presente recurso ser admitido e, julgada a questão controvertida no sentido propugnado pelo recorrente, ser anulada a douta decisão arbitral, proferindo-se acórdão que conclua não ser aplicável a Lei n.º 15/2010, de 26 de Agosto à alienação de acções ocorrida antes da sua entrada em vigor e, em consequência, determine a anulação da liquidação de IRS do Recorrente respeitante ao exercício fiscal de 2010, com as legais consequências.
Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, farão a costumada JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 125/127 dos autos, pronunciando-se no sentido de que há contradição operante entre a decisão recorrida e o douto Acórdão fundamento e, quanto ao mérito, no sentido da procedência do recurso e consequente anulação da decisão arbitral recorrida.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.
- Fundamentação -

5 – Questões a decidir
Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e bem assim a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.
Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso, julgando se bem andou a decisão arbitral recorrida ao julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
1 – A liquidação objecto do presente processo arbitral tem origem na correcção meramente aritmética à matéria colectável em IRS de 2010, por omissão à declaração de rendimentos de mais-valias obtidas com a alienação de acções em 18/05/2010, as quais eram detidas pelo Requerente há mais de 12 meses.
2 – A AT determinou um acréscimo à matéria colectável no montante de €308.498,00, sobre o qual fez incidir a taxa de tributação autónoma de 20% prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS (na redacção em vigor a 31/12/2010).
3 – Como fundamento desta imposição, a AT considerou que a alteração ao Código do IRS introduzida pela Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho é aplicável às mais-valias com venda de acções obtidas antes da sua entrada em vigor, nomeadamente quanto à revogação do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS e à alteração da taxa de tributação constante do n.º 4 do artigo 72.º.
4 – A liquidação em causa foi emitida na sequência de um procedimento de inspecção interna levado a cabo pela Direcção de Finanças de Coimbra da AT.
5 – Não tendo sido paga a liquidação cuja legalidade aqui se discute, veio a AT a instaurar o competente processo de execução fiscal, no Serviço de Finanças da Figueira da Foz -2, com o n.º 3284201401095757.
6 – Na sequência da citação para tal processo, o SP, ali executado, apresentou requerimento de suspensão do processo de execução fiscal, manifestando a intenção de discutir a legalidade da dívida exequenda e oferecendo como garantia adequada, a hipoteca voluntária sobre um imóvel.
7 – Em 30/04/2010, o requerente era detentor de 998 acções, de valor nominal de 10 euros cada, representativas de 19,96% do capital social da sociedade X………., S.A.
8 – A sociedade anónima denominada X………., S.A., NIPC ………., tinha, naquela data, o capital social de €50.000,00, constituído por 5000 acções do valor nominal de €10 cada.
9 – Em 30/04/2010 o Requerente alienou a totalidade das participações que detinha na sociedade X………, S.A., correspondente a 998 acções, de valor nominal de €10 cada, que foram adquiridas pela sociedade V………, S.A, NIPC ……….., pelo valor de €310.000,00.
10 – Tais participações haviam sido adquiridas pelo Requerente em 2005.
11 – A referida alienação de acções foi a única realizada pelo Requerente no ano de 2010.
12 – O Requerente não declarou quaisquer mais-valias resultantes da alienação daquelas participações sociais.

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento – Acórdão deste STA de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01078/12:
1) Em 18/06/2002, por escritura pública do Cartório Notarial de Porto de Mós, C……………, farmacêutica, e marido, e, D……………, farmacêutica, e marido cederam à ora impugnante, A………., NIF ………….., residente na E………….., a quota de valor nominal de 4.000€, de que ela é titular na sociedade “D………, Lda”, pelo preço de 498.797,90€- Doc 6, fls.32-36;
2) Em 19/04/2010, a impugnante, A…………., NIF ……….., pelos contratos designados «Contrato de Compra e Venda de Valores Mobiliários», de fls. 25/ss, 28/ss e 30-31, transmitiu: à sociedade “ F…………. Lda”, 797 (das 800) acções nominativas de que era titular na sociedade “B………….., Lda” (SA) pelo preço de 1.992.500,00€; à G…………, farmacêutica, 02 (das 800) acções nominativas de que era titular na “B…….., Lda” (SA) pelo preço de 5.000,00€; e a H…………, 01 (das 800) acções nominativas de que era titular na dita “B………….., Lda” (SA) pelo preço de 2.500,00€ [tudo num total de 2.000.000,00€];
3) As referidas 800 acções resultaram da transformação em sociedade anónima da sociedade comercial por quotas que girou sob a firma “B…………. Lda”, em que a ora Impugnante detinha uma participação social adquirida, aquando da supra referida escritura pública de cessão de quotas;
4) No dia 26/07/2010, foi publicada no DR, Série I, n° 143, a Lei n° 15/2010, de 26/07, com o título sumariado «Introduz um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores e altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.», cujo artigo 2° diz «Revogação de disposições no âmbito do Código do IRS» «São revogados os n°s 2 e 12 do artigo 10° do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n° 442-A/88, de 30 de Novembro.» e cujo artigo 5° tem a redacção seguinte: «Entrada em vigor» «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua deve publicação.»
5) Em 2010, a impugnante obteve rendimentos do trabalho no valor de 58930,00€ e de mais-valias em acções o valor de 1.501.202,10€, conforme declaração de IRS mod. 3, entregue à AT em 23/06/011 (fls. 15) — doc 2, fls. 15 a 24 e fls. 2 a 13 do PA anexo;
6) Em 03/07/011, a AT procedeu à liquidação de IRS da impugnante, do ano de 2010, com o n° 20115004776403, de 150.457,57€ e juros compensatórios, ora impugnada — doc. 1, fls.14;
7) A presente impugnação deu entrada em 27/10/011, cfr. fls. 2.

7 – Decidindo
7.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após - caso seja de reconhecer a existência de tal oposição -, se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.
A decisão arbitral recorrida julgou totalmente improcedentes os pedidos de pronúncia arbitral deduzidos pelo ora recorrente – de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2010 e respectivos juros compensatórios, relativa a mais-valias geradas com a alienação de acções, detidas há mais de 12 meses pelo seu titular, realizada em 30 de Abril de 2010 -, no entendimento de que o facto tributário sub judice, não será de natureza instantânea, ao contrário do que a jurisprudência em questão entende, mas um facto complexo de formação sucessiva e que devidamente interpretado o regime legal da tributação das mais-valias resultante da entrada em vigor das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 1 de Julho, tal como explanado no voto de vencido proferido no processo 135/2013T do CAAD, conclui-se pela intencionalidade deste tributar o saldo resultante da totalidade das mais e menos-valias realizadas no período de tributação em curso na data da entrada em vigor daquela lei, não sendo de aplicar ao caso dos autos o disposto no artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária em razão da especialidade do Código do IRS em relação àquela lei.
Conclui a decisão arbitral recorrida que entendendo-se que o regime legal da tributação em IRS das mais-valias resultante das alterações àquele Código introduzidas pela da Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, teve em vista a sujeição ao novo regime das totalidade das mais-valias auferidas no exercício de 2010, e que tal comando legislativo não enferma de qualquer inconstitucionalidade, nem é afastado por qualquer outra norma legal que com ela se encontre numa relação de antinomia, haverá que confirmar o acto tributário objecto dos presentes autos, improcedendo – na integra – os pedidos arbitrais.
Por sua vez, o Acórdão invocado como fundamento negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do TAF de Leiria que julgara procedente a impugnação judicial de liquidação de IRS do ano de 2010 e respectivos juros compensatórios, relativa a mais-valia obtida com a venda de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses ocorrida em 19 de Abril de 2010, no entendimento de que as alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5.º da Lei n.º 15/2010), porquanto nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º, n.º 1 da LGT e do CC), mais consignando, a título complementar, que, ainda que fosse de aceitar entendimento da AF de que estamos perante um facto jurídico complexo de natureza sucessiva, sempre deveria ser tomado em conta o art. 12.º, n.º 2 da LGT (…) ou seja, apenas podia ser tributado à taxa de 20% o saldo entre as mais-valias e menos-valias relativo ao período decorrido a partir de 27.7.2010, (alienação que no caso dos autos inexiste) sendo o saldo relativo ao período anterior a essa data tributado à luz das regras vigentes antes da entrada em vigor da lei nova – isto é, excluindo de tributação a alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses e tributando a alienação de acções detidas pelo seu titular durante menos de 12 meses à taxa de 10%.

A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma - a de saber se às mais-valias resultantes da venda de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses ocorrida em data anterior, de 2010, à da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, era ou não aplicável o regime introduzido por aquela lei, designadamente a revogação do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 15/2010 -, tendo sido objecto de decisões expressas opostas - assumidamente opostas na decisão arbitral recorrida, aliás -, num e noutro aresto, perante quadros fácticos substancialmente idênticos, no sentido de subsumíveis à mesma hipótese normativa.
Há, pois, entre a decisão arbitral recorrida e a sufragada no Acórdão fundamento oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, sendo manifesto que a decisão arbitral recorrida é contrária à jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, expressa nos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 16 de Setembro de 2015, proferidos nos recursos n.º 1292/14 e 1504/14, através dos quais o Pleno da Secção aderiu ao entendimento já antes da decisão arbitral recorrida expresso no acórdão fundamento e naquele que, apreciando a mesma questão, o precedeu.

Deve, pois, o recurso prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

7.2. Do mérito do recurso
Entendemos que o legislador, ao prever recurso para uniformização de jurisprudência de decisões arbitrais, pretendeu assegurar a igualdade de tratamento entre situações iguais, independentemente de serem julgadas por Tribunais estaduais ou por tribunais arbitrais, dando a última palavra sobre o adequado modo de resolver o litígio ao órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, o Supremo Tribunal Administrativo.
Ora, este STA, em Pleno da Secção e por unanimidade, já exprimiu o seu entendimento sobre a questão controvertida também no caso dos autos, sendo esta posição de reafirmar aqui.
Daí que, pelos fundamentos expressos nos Acórdãos deste STA de 16 de Setembro de 2015, proferidos nos recursos n.º 1292/14 e 1504/14, para cuja fundamentação se remete e aqui também se acolhe, impõe-se, sem mais delongas e no provimento do recurso, anular a decisão arbitral recorrida (artigo 152.º, n.º 6 do CPTA) e, em substituição, julgar procedentes os pedidos, anulando as liquidações sindicadas.

- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a decisão arbitral recorrida e, em substituição, julgar procedentes os pedidos, anulando as liquidações sindicadas.

Junte cópias dos Acórdãos proferidos em 16 de Setembro último, recursos n.º 1202/14 e 1504/14.

Sem custas.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2015. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – José Maria da Fonseca Carvalho.

Nota: Os acórdãos supra identificados encontram-se tratados e divulgados informaticamente nesta base de dados.