Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02349/11.8BELSB
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APOSENTAÇÃO
FUNCIONALISMO ULTRAMARINO
CADUCIDADE
Sumário:I - O acto emanado da CGA que arquivou o pedido do requerente de atribuição de uma pensão de aposentação por ter exercido funções na antiga Administração Ultramarina constitui um efectivo indeferimento da sua pretensão.
II - O regime especial que permitia a atribuição dessa pensão caducou com a entrada em vigor do DL n.º 210/90, de 27/6.
III - Consubstanciava um novo pedido de aposentação que não poderia ser deferido ao abrigo do art.º 2.º, do DL n.º 210/90, o que foi apresentado pelo requerente em 21/10/2010, ainda que não se tenha provado que lhe fora notificada a decisão final do seu requerimento de aposentação formulado em 12/1/82.
Nº Convencional:JSTA000P25548
Nº do Documento:SA12020020602349/11
Data de Entrada:09/16/2019
Recorrente:CGA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1. A Caixa Geral de Aposentações (doravante CGA), inconformada com o acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do TAC de Lisboa que julgara procedente a acção administrativa especial contra ela intentada por A…………, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

A) O presente recurso é admissível nos termos do n.º 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), uma vez que das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos “pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo (...) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e, em especial, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, quando tenha por fundamento violação de lei substantiva ou processual, no caso do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de junho.

B) A decisão recorrida deve ser revogada, por o despacho de arquivamento de 10 de novembro de 1989 não ter sido considerado caso decidido, tal como foi determinado, em caso semelhante, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de julho de 2011, proferido no Processo n.º 102/11, em sede de recurso de Revista.

C) Efetivamente, o pedido de pensão formulado pelo ora recorrido, em 12 de janeiro de 1982, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de novembro, e legislação complementar, foi indeferido, por despacho de 10 de novembro de 1989, proferido por um Diretor de Serviços, por o autor não ter apresentado os elementos indispensáveis para a conclusão do processo.

D) Por o aludido pedido se encontrar arquivado em 1 de novembro de 1990, data de caducidade do regime, encontrava-se decidido àquela data, e, como tal, por não haver nessa data qualquer pensão requerida que houvesse de ser decidida, não há lugar à aplicação do artigo 2° do Decreto-Lei n.° 210/90, de 27 de junho.

E) Ora, para a concessão da pensão em causa não basta a prova dos requisitos de tempo de prestação de serviço e descontos para a aposentação, nem o momento em que é efetuada, é também necessário que a pensão tenha sido requerida até 1 de novembro de 1990, ou seja terá de estar pendente de decisão àquela data, o que, no caso “sub judice”, tal não acontece, uma vez que o requerimento apresentado em 12 de janeiro de 1982 estava indeferido desde 10 de novembro de 1989, por despacho de arquivamento.

F) Entendimento que tem vindo a ser sustentado à luz da jurisprudência que se vem firmando sobre a mesma matéria, designadamente, para além do Acórdão já mencionado no presente articulado (Processo n.º 102/11, os proferidos nos Processos nºs 429/11, 659/11, 1164/11, 202/12, 184/13, 564/13, 988/13 e 1255/13 da Secção do STA, e, em especial, os Acórdãos do Pleno de 6 de fevereiro de 2002, de 26 de junho de 2003 e 9 de março de 2004, proferidos, respetivamente, nos Processos nºs 47.004, 1140/02 e 44.960 (Aliás, enunciados e evidenciados, a fls. 11 a 13, do douto Acórdão n.º 184/13, de 13 de fevereiro de 2014, do STA).

G) Questão que, em definitivo, ficou encerrada, com o Acórdão proferido em Plenário (Recurso n.º 134/15, que se anexa, como doc. 1) que terá decidido pela não admissão de recurso de uniformização de jurisprudência, por já se encontrar consolidada a tese da lesividade do ato de arquivamento, após o decurso do prazo legalmente previsto para ser sindicado.

H) O Acórdão recorrido não julgou de harmonia com a lei e com a prova dos autos.

O recorrido contra-alegou, tendo enunciado as conclusões seguintes:

“a)- O fundamento do presente recurso de revista é uma eventual dissonância da qualificação jurídica atribuída ao despacho de 10/11/89 por parte do acórdão recorrido relativamente à jurisprudência dominante consolidada;

b)- Porém, tal dissonância, ao contrário do invocado pela recorrente não existe;

c)- A decisão emergente do acórdão recorrido não se fundamenta na natureza de tal despacho mas nos factos materiais que fixou de que o mesmo nunca tendo chegado ao conhecimento do recorrido, quer por via de notificação, quer por via de sua intervenção no processo administrativo, não se consolidou;

d)- Não estão reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 150.° do CPTA para poder ser aceite o presente recurso”.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.°, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

Pelo digno Magistrado do MP junto deste STA, foi emitido parecer, onde se concluiu que o recurso não merecia provimento.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

a) Em 12.1.1982, A………… requereu ao Sr. Administrador Geral da Caixa Geral de Depósitos que lhe fosse concedida a aposentação ao abrigo do Decreto-Lei n° 23/80, de 29 de Fevereiro;

b) Ao requerimento que antecede juntou Certidão, de 28.9.1981, emitida pelo Director de Serviços, responsável pela Secretaria Geral do Instituto Nacional de Seguros e Previdência Social, certificando que o A. «prestou serviço na extinta Caixa de Previdência dos Trabalhadores da Função Pública nos seguintes períodos: // de Vinte e três de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e seis a trinta e um de Julho de mil novecentos e sessenta e seis, como contínuo eventual; de um de Agosto do mesmo ano a Janeiro de mil novecentos e sessenta e oito, desempenhou as funções de aspirante eventual; de Janeiro de mil novecentos e sessenta e oito a Janeiro de mil novecentos e setenta e um, teve que interromper o serviço para cumprimento do serviço militar; foi readmitido em Fevereiro de mil novecentos e setenta, como segundo escriturário; em Outubro de mil novecentos e setenta e dois, foi contratado para exercer as funções de terceiro oficial, categoria que desempenhou até Setembro de mil novecentos e setenta e quatro. // Por ser verdade ...»;

c) Por ofício com a referência 531.ELW. 1733468-1, de 30.10.1986, a então Caixa Nacional da Previdência, solicitou ao A. a apresentação do certificado de nacionalidade e fotocópia do cartão de contribuinte fiscal;

d) Pela informação, de 10.11.1989, do Chefe de Serviço da Caixa é proposto o arquivamento do processo face a “impossibilidade de obter do interessado elementos indispensáveis à conclusão do processo” com a indicação de que “[o] processo poderá vir a ser reactivado quando o interessado remeter os documentos pedidos”;

e) Na informação que antecede foi exarado o despacho de “Concordo” de 10.11.1989;

f) O A. juntou, em 9.1.1991, ao processo administrativo Certidão, emitida pelo Instituto Nacional de Seguros e Previdência Social da República da Guiné-Bissau, de 28.11.1990, certificando que ele foi «trabalhador da extinta Caixa de Previdência dos Trabalhadores da Função Pública nos seguintes períodos e categorias: // de Vinte e três de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e seis a trinta e um de Julho de mil novecentos e sessenta e seis, como contínuo eventual; // De um de Agosto de mil novecentos e sessenta e seis a quinze de Janeiro de mil novecentos e sessenta e oito, como aspirante interino; // De dezasseis de Janeiro de mil novecentos e sessenta e oito a quinze de Janeiro de mil novecentos e setenta e um, foi chamado a prestar serviço militar; // De quinze de Fevereiro de mil novecentos e setenta e um a onze de Outubro de mil novecentos e setenta e dois, como segundo escriturário; // De doze de Outubro de mil novecentos e setenta e dois a trinta de Setembro de mil novecentos e setenta e quatro, como terceiro oficial contratado, tendo descontado sempre para compensação de aposentação. // Por ser verdade ...»;

g) Pela informação, de 31.3.2000, do Chefe de Serviço da Caixa é proposto o indeferimento do pedido por «- Não ter apresentado no prazo estabelecido, os documentos indispensáveis para atender ao pedido, nomeadamente as provas de efectividade de Junções a fls. 19 e 20 // - Face à exposição do interessado a fls. 21, parece de informá-lo de que o processo será reaberto logo que apresente os documentos em falta. // -Audiência prévia. // (...)”;

h) Na informação que antecede foi exarado o despacho de “Concordamos” de 31.3.2000;

i) Pela informação, de 25.2.2003, do Chefe de Serviço da Caixa é proposto o indeferimento do pedido por “- Não estando em causa as provas de efectividade e o mínimo de 5 anos de descontos para compensação da aposentação, verifica-se, contudo, que não tem o requisito da idade (60 anos), previsto no artigo 37°, nº 1, do Estatuto da Aposentação, por remissão do n.º 2 do artigo 1° do D.L. 362/78, de 28/11, como foi decidido pelo Acórdão do TCA, Secção de Contencioso Administrativo, em 2002/01/10, no Rec. N.º5010/00. Audiência prévia. // (...)

j) Na informação que antecede foi exarado o despacho de “Concordamos” de 25.2.2003;

l) Por ofício de 3.2.2003, o A. foi notificado do projecto de despacho de indeferimento – por não ter o requisito da idade (60 anos) – para efeitos de audiência prévia, tendo apresentado pronúncia em 18.2.2003;

m) Em 30.10.2009, o A. dirigiu à CGA requerimento com o seguinte teor: “Em 22-05-2006 entreguei nessa Caixa um requerimento sobre o assunto em epígrafe, do qual junto cópia (doc. 1). Até ao momento e apesar do tempo entretanto decorrido não foi dada qualquer resposta a esse mesmo requerimento. // Encontro-me bastante doente e vivo da pensão social mínima, pelo que tenho grandes carências como é evidente. // Assim, venho mais uma vez renovar o meu anterior pedido no sentido de, com a máxima urgência, me ser atribuída e liquidada a pensão de aposentação a que tenho direito pelo tempo de serviço que prestei ao Estado Português.”;

n) O “doc. 1” junto tem o seguinte teor: “Tendo em atenção o v/ofício acima referenciado de 2003/02/03 (...), e uma vez que atingi os 60 (sessenta) anos de idade em 22/5/06, venho requerer a V. Exa. que, a partir desta data me seja atribuída e liquidada a pensão de reforma a que tenho direito. (...)”;

o) Em 22.11.2010, o A. apresentou na CGA requerimento de teor idêntico ao que antecede, acrescentando no final “(...) na ex-Província Ultramarina da Guiné”.

3. O ora recorrido, alegando reunir os requisitos consignados no DL n.º 362/78, de 28/11 e ter requerido, em 12/1/82, a aposentação ao abrigo deste diploma, que veio a reiterar em 30/10/2009 e em 22/11/2010 sem obter qualquer resposta, intentou, no TAC, acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido, pedindo a condenação da CGA a praticar o acto que reconhecesse o seu direito à obtenção da pensão de aposentação com efeitos reportados a 12/1/82 e ao pagamento dos juros de mora calculados à taxa legal desde 1/2/82.

O TAC condenou a CGA a praticar o acto administrativo de deferimento da pensão de aposentação requerida pelo A. a partir de 1 de Fevereiro de 1982, mês seguinte ao da apresentação do requerimento, e a realizar as operações aritméticas e os actos materiais necessários à fixação do montante mensal da pensão, ao apuramento global das mensalidades vencidas, e dos juros vencidos a partir de Fevereiro de 2011, e a pagar tudo ao A.

Esta decisão foi confirmada pelo acórdão recorrido, na sequência de recurso que dela foi interposto pela CGA para o TCA-Sul, com o fundamento que o acto de arquivamento, datado de 10/11/89, se consubstanciava num despacho de indeferimento do requerimento de aposentação do ora recorrido que, no entanto, por falta de notificação, não se consolidara na ordem jurídica como caso resolvido, motivo por que os requerimentos apresentados em 30/10/2009 e em 22/11/2010 não podiam ser considerados pedidos novos mas apenas de mera reapreciação daquele que fora inicialmente formulado em 12/1/82, não sendo, por isso, extemporâneos face ao que dispunham os art°s. 1.º e 3.°, ambos do DL n.º 210/90, de 27/6.

Contra este entendimento, a recorrente, na presente revista, fundando-se na doutrina constante do Ac. do STA de 13/7/2011 – Proc. n.º 102/11, alega que em 1/11/90 – data da caducidade do regime instituído pelo DL n.º 362/78 – o pedido de aposentação formulado pelo A. já se encontrava arquivado, pelo que, nessa data, não havia qualquer pedido pendente de decisão, devendo, por isso, o requerimento de 22/11/2010 ser considerado um novo pedido, formulado num momento em que a lei já não conferia o direito peticionado.

Vejamos se lhe assiste razão.

Resulta da matéria fáctica provada que, em 12/1/82, o ora recorrido requereu à CGA que lhe fosse atribuída uma pensão de aposentação nos termos do regime instituído pelos DLs. nºs. 362/78 e 23/80, de 29/2, para os ex-funcionários da Administração Ultramarina. Após esse procedimento ter sido arquivado por despacho de 10/11/89, face à “impossibilidade de obter do interessado elementos indispensáveis à conclusão do processo” e de o pedido ter sido indeferido por despacho de 31/3/2000, por não terem sido apresentados, no prazo estabelecido, os documentos indispensáveis para o atender, nomeadamente, as provas de efectividade de funções, o recorrido, em 22/11/2010, renovou o seu pedido de concessão da pensão de aposentação.

Conforme entendeu a sentença do TAC, é este requerimento de 22/11/2010 – sobre o qual não recaiu qualquer decisão – que está na base da acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido que foi intentada pelo ora recorrido, onde a questão a apreciar era a de saber se ele tinha direito à concessão da pensão de aposentação que requerera.

Tendo o requerimento inicial de concessão da pensão de aposentação sido objecto de despacho de arquivamento – o qual produziu logo o efeito denegatório da pensão requerida (cf., entre muitos, os Acs. do Pleno de 6/2/2002 e de 26/6/2003, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 47044 e 1140/02 e o da Secção de 15/9/2016, proferido no processo n.º 208/16) – e, posteriormente, de despacho de indeferimento, a questão que se coloca é a de saber se, apesar de não estar demonstrado que estes actos tenham sido notificados ao recorrido ou que este deles teve conhecimento, se deve entender que o seu requerimento de 22/11/2010 correspondeu a um novo pedido de concessão dessa pensão formulado quando já estava em vigor o DL n.º 210/90, de 27/6, que revogara o regime anterior.

Não há dúvidas que do art.º 2.°, do DL n.º 210/90, resulta que as pensões requeridas antes de 1/11/90 podiam continuar a ser atribuídas. Porém, para assim suceder, seria necessário que o processo se encontrasse pendente, ou seja, que nessa data ainda não tivesse resolução final. Efectivamente, como se escreveu no Ac. do STA de 13/7/2011 – Proc. n.º 102/11, “com o DL n.º 210/90 o legislador pretendeu pôr um ponto final na atribuição das pensões, ressalvando apenas as já requeridas e ainda não decididas. Estas pensões podiam ser atribuídas, quer os seus processos já estivessem, nessa data, devidamente instruídos, mas ainda não decididos, quer se ainda viessem a sê-lo. O que era necessário era que o processo tivesse sido instruído previamente e estivesse pendente nessa data”.

Ora, porque o pedido de atribuição da pensão de aposentação formulado pelo ora recorrido já fora decidido, não se pode entender que, por aplicação do art.º 2.º, do DL n.º 210/90, ele tinha direito ao deferimento do seu requerimento de 21/11/2010. É que se já havia decisão final do pedido formulado em 12/1/82, o apresentado em 21/11/2010 corresponde a um novo pedido que não poderia ser deferido ao abrigo do citado art.º 2.º.

E não põe em causa este entendimento o facto de não se ter provado que a decisão de indeferimento foi notificada ao recorrido, ou que este dela teve conhecimento, pois, ainda que ela não possa ser oposta àquele como acto firme na ordem jurídica, o procedimento não deixou de se extinguir.

Assim sendo, merece provimento a presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e julgando a acção totalmente improcedente.

Custas, nas instâncias e neste STA, pelo ora recorrido.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2020. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Jorge Artur Madeira dos Santos.