Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01403/18.0BELSB
Data do Acordão:05/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24542
Nº do Documento:SA12019051001403/18
Data de Entrada:04/09/2019
Recorrente:A.......... E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do STA:

RELATÓRIO:
A……………… em seu nome e em nome de seus filhos B…………, C…………, D……………. intentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, acção administrativa especial impugnando o despacho, de 02/07/2018, do Sr. Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que indeferiu o seu pedido de protecção internacional, de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias.

Aquele Tribunal julgou a acção procedente, anulando o despacho impugnado e condenando o Réu a proceder à instrução do procedimento e a proferir nova decisão.
E o TCA Sul, para onde o Recorrido apelou, concedeu provimento ao recurso.

É desse acórdão que vem a presente revista com fundamento na errónea aplicação do direito. (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC julgou a acção procedente com a seguinte fundamentação:
“......
Na verdade, a requerente apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF junto do posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, em 18.5.2018, pedido de proteção às autoridades portuguesas. Pedido esse extensível aos seus filhos menores.
Em cumprimento do art.º 16º, nº 1 da Lei de Asilo, no dia 6.6.2018 foi a requerente ouvida em declarações .... quanto aos fundamentos do seu pedido de proteção. No curso da diligência, voluntariamente, descreveu que, em agosto de 2017, foi «abusada» por três indivíduos que pretendiam saber onde estava o marido da autora, que é ativista.
No final da diligência foi-lhe entregue cópia autenticada do auto de declarações e notificada para, querendo, no prazo de 5 dias, se pronunciar, por escrito, sobre o conteúdo do auto de declarações, em conformidade com o disposto no art. 17º, nº 2 da Lei de Asilo.
....
Pelo que, até à decisão impugnada foram cumpridas as formalidades legais exigidas para o caso.
Quanto à decisão final, diz o art.º 24º, nº 4 da lei de Asilo que o SEF profere decisão fundamentada sobre os pedidos no prazo máximo de 7 dias.
Resultando do art. 26º, nº 4 que o decurso do prazo previsto no art. 24º, nº 4 sem que tenha sido notificada a decisão determina a entrada do requerente em território nacional, seguindo-se a instrução do procedimento, nos termos dos arts 27º e segs da Lei de Asilo.
....
Porém, quer sobre a data do Pedido de Proteção Internacional, apresentado em 18.5.2018, quer após as declarações da autora, em 6.6.2018, decorreram bem mais de 7 dias até ser proferida a decisão de 2.7.2018, que indeferiu o Pedido de asilo e de proteção subsidiária, por ser considerado infundado, nos termos do art 19º, nº 1 da Lei de Asilo.
Prevendo a lei a cominação para o decurso do prazo sem ter sido proferida decisão fundamentada, a qual determina a instrução do pedido e que não pode o mesmo ser considerado infundado nos termos do disposto no art 19º da Lei de Asilo.
Nesta circunstância, a decisão impugnada viola, na qualificação jurídica do tribunal, o disposto nos arts 24º, nº 4, e 26º, nº 4, da Lei de Asilo.
E assim sendo, atenta a falta de instrução do Pedido de Proteção Internacional, existe fundamento para anulação do ato impugnado, com condenação da demandada a proceder à instrução do procedimento e a proferir nova decisão, de acordo com a lei. Nisto consiste a condenação, pois a violação do disposto nos arts 24º, nº 4 e 26º, nº 4 da Lei de Asilo, não conduz à decisão pretendida pela autora, de concessão de asilo a si e aos seus filhos.”

O Recorrido apelou para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso pelas razões que se destacam.
......
Efectivamente, o bloco normativo que compete em via de subsunção da factualidade provada não é o referente aos pedidos de protecção internacional apresentados nos postos de fronteira (art° 24° n° 4 Lei do Asilo) mas o concernente aos pedidos formulados em território nacional, competindo ao director nacional do SEF proferir despacho fundamentado "sobre os pedidos infundados e inadmissíveis" no prazo de 30 dias contado da data do pedido pelo interessado (art° 20° n° 1 Lei do Asilo), sendo que a lei atribui ao decurso do prazo sem que haja pronúncia o sentido jurídico de admissão do pedido (art° 20° 2 Lei do Asilo).
Donde se conclui pela procedência das questões trazidas a recurso nos itens 1 a 5 das conclusões.

3. Como se acaba de ver as instâncias divergiram no tocante à interpretação da factualidade fixada nos autos, com o TAC a entender que dela resultava que a Recorrente havia formulado um pedido de protecção internacional num posto de fronteira e que, por isso, a sua resolução passaria pela aplicação das normas atinentes a esse tipo de pedido e o TCA a entender que aquele pedido deveria ser qualificado como um pedido formulado em território nacional e que, por essa razão, sendo outras as normas aplicáveis, não havia que julgar procedente a acção.
As questões relativas aos pedidos de protecção internacional têm vindo a colocar-se na jurisdição administrativa com significativa frequência e, atenta a dificuldade de interpretação do bloco normativo constante da Lei do Asilo referente a essa problemática, vêm sendo decididas de modo divergente, como é exemplo o caso dos autos.
Deste modo, e porque a questão suscitada não só é juridicamente importante como é grande a sua capacidade de replicação justifica-se a admissão da revista tendo em vista a estabilização da jurisprudência e a uniformidade de procedimentos administrativos em matéria desta relevância social.
Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 10 de Maio de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.