Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02243/19.4BEBRG
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26230
Nº do Documento:SA22020071502243/19
Data de Entrada:05/21/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga) datada de 25 de Fevereiro de 2020, que julgou improcedente a reclamação apresentada no âmbito do Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º 0418201201047647, instaurado pelo Serviço de Finanças de Guimarães 1, contra o despacho de 20.05.2019 que lhe indeferiu o pedido de pagamento da nota de honorários e despesas apresentada.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) O presente recurso recai sobre os fundamentos de Direito, invocados pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, para indeferir a pretensão da reclamante, condenando a Autoridade Tributária (AT) ao pagamento do valor do depósito, por recurso analógico à regra plasmada no n.º 6 do art. 17.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
B) A recorrente fixou e fixa os seus honorários nos termos da lei, socorrendo-se dos critérios previstos nos n.º 1 e n.º 2 do art. 30.º da portaria 282/2013 de 29 de agosto, que integra o Código de Processo Civil (CPC), nos termos do disposto nos arts. 132.º, 712.º, 836.º e 837.º desse diploma, aplicável ex vi art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
C) O conteúdo funcional do cargo de fiel depositário está plasmado no Código Civil e Código de Processo Civil.
D) O legislador não pretende a criação de um depositário judicial "parente rico" e um depositário judicial "parente pobre", consoante este atue nos tribunais comuns ou nos tribunais administrativos e fiscais, respetivamente.
E) A norma do n.º 6 do art. 17.º do Regulamento das Custas Processuais está prevista para situações específicas de auxílio na alienação e administração de bens, compreendendo-se a remuneração das entidades aí referidas numa percentagem dos valores que auxiliam a recuperar.
F) Ao depositário judicial compete guardar o bem, zelando por ele, com a diligência do bonus pater familiae,mantendo-o nas melhores condições possíveis, considerando o normal desgaste infligido pelo decurso do tempo, apresentando-o sempre que lhe for solicitado pelo Tribunal, ou entidade competente para a penhora. O desempenho das aludidas obrigações tem um custo associado, que o legislador reconhece, e plasmou no regime de remuneração do depositário judicial, que fez constar do art. 30.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, que é uma lei especial, prevista para as execuções e, mais concretamente, para a remuneração do custo do depósito.
G) A sentença recorrida não justifica o afastamento da supramencionada norma, especial e específica, tendo "lançado mão" de uma outra, que é aplicada ao caso concreto através duma interpretação analógica extensiva, que não se justifica, uma vez que não há qualquer lacuna na lei.
Termos em que merece censura a douta sentença do Tribunal a quo, ora posta em crise, pela reclamante/recorrente, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que:
- revogue o despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1, ordenando o pagamento, pela AT, à reclamante/recorrente, nos termos da lei (n.º 1 e n.º 2 do art. 30.º da portaria 282/2013 de 29 de agosto), e segundo o princípio da equidade, do valor de 17.214,59€ (dezassete mil, duzentos e catorze euros e cinquenta e nove cêntimos).

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Contra B………… foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Guimarães 1, o PEF n.º 0418201201047647, para cobrança coerciva de IRS de 2020 e juros, no valor de € 2.023,42.
2. No âmbito do PEF referido em 01) foi penhorada a viatura do executado B…………, com a matrícula …-…-….
3. A viatura referida em 02) foi apreendida em 22.04.2014.
4. A reclamante foi nomeada fiel depositária da viatura referida em 02).
5. A viatura referida em 02) foi vendida e foi levantada em 26.04.2019.
6. A reclamante requereu ao Serviço de Finanças o pagamento de despesas de fiel depositária, no valor de € 17.214,59 respeitante a 1830 dias de parqueamento, reboque e IVA.
7. Em 20.05.2019 o Chefe de Finanças proferiu despacho a indeferir o pagamento dos valores peticionados pela reclamante.

Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.

Vem o presente recurso interposto por A…………, inconformada com a sentença proferida pelo TAF de Braga que lhe indeferiu parcialmente a reclamação apresentada contra o despacho proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças de Guimarães 1, o qual lhe havia recusado parcialmente o pedido de pagamento da nota de honorários e despesas apresentadas, no seguimento da sua prestação de serviços como fiel depositária em processo de execução fiscal.
Pretende a Reclamante a condenação do Serviço de Finanças no pagamento da totalidade da quantia peticionada, e consequentemente a anulação do despacho gerador do indeferimento parcial do requerido.
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente defende que os critérios a utilizar para pagamento de honorários de fiéis depositários em execuções fiscais são os previstos nos n.º 1 e n.º 2 do art. 30° da portaria 282/2013 de 29 de agosto, que integra o Código de Processo Civil (CPC), nos termos do disposto nos arts. 132°, 712°, 836° e 837° desse diploma, aplicável ex vi art. 2° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e ainda da equidade.
Diz a Recorrente que o desempenho das obrigações de um fiel depositário, tem um custo associado, que o legislador reconhece, e plasmou no regime de remuneração do depositário judicial, que fez constar do art. 30° da Portaria 282/2013, de 29 de agosto, que é uma lei especial, prevista para as execuções e, mais concretamente, para a remuneração do custo do depósito.
Pelo, que no seu entender é de toda a justiça o pagamento da quantia peticionada.
Pretende, assim, a recorrente, tal como resulta das conclusões da alegação do seu recurso (sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação -aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.°, nº 1, do Código de Processo Civil- que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso) que os critérios a utilizar na fixação da sua remuneração sejam aqueles que resultam do disposto no artigo 30.°, n.ºs. 1 e 2 da Portaria n.º 282/2013, de 29.08.

Vejamos então se estas normas têm aplicação ao caso dos autos.
Dispõe o artigo 30.º, sob a epígrafe "Preço pela utilização do depósito público ou equiparado":
1 - Pelo depósito de qualquer bem é devido o pagamento do preço ao depositário.
2 - O preço devido pela utilização do depósito público ou equiparado é fixado em 0,0075 UC por metro quadrado ou metro cúbico, consoante os casos, por cada dia de utilização.
3 - Ao preço devido pela ocupação do depósito público ou equiparado podem acrescer despesas extraordinárias de manutenção ou seguros especiais, quando existam e sejam justificadas em face da especial natureza dos bens penhorados.
4 - Os custos referidos nos números anteriores são imediatamente suportados pelo exequente, a título de encargos, sendo posteriormente imputados na conta de custas nos termos gerais.
(...)
Por sua vez, define o artigo 27.º do mesmo diploma legal o que se deve entender por depósito público e por depósito equiparado a depósito público:
1 - Por depósito público entende-se qualquer local de armazenagem de bens que tenha sido afeto, por despacho do diretor-geral da Direção-Geral da Administração da Justiça, à remoção e depósito de bens penhorados no âmbito de um processo executivo.
2 - Por depósito equiparado a depósito público entende-se qualquer local de armazenagem de bens que tenha sido afeto por um agente de execução à remoção e depósito de bens penhorados no âmbito de um processo executivo e cuja propriedade, arrendamento ou outro título que lhe confira a utilização do local ou dos serviços de armazenagem seja registado por via eletrónica junto da Câmara dos Solicitadores, nos termos da alínea o) do n.º 1 do artigo 123.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
(...)
Daqui resulta que o depósito público tem que ser um local de armazenagem dos bens penhorados no âmbito de uma execução, que é afecto à sua guarda e armazenagem pelo diretor-geral da Direção-Geral da Administração da Justiça, por sua vez, o depósito equiparado a depósito público é um local de armazenagem dos bens penhorados no âmbito de uma execução, que é afecto à sua guarda e armazenagem por um agente de execução cuja propriedade, arrendamento ou outro título lhe confira a utilização do local ou dos serviços de armazenagem seja registado por via eletrónica junto da Câmara dos Solicitadores.
Face aos contornos de facto dos presentes autos, surpreende-se com facilidade que o local onde a recorrente armazenou o veículo, na sua qualidade de fiel depositária, não integra qualquer um daqueles conceitos de depósito público ou de depósito equiparado a depósito público, pelo que, não lhe podem ser aplicáveis as regras estabelecidas no artigo 30.º destinadas à fixação do preço pelo depósito.
Na verdade, nem o local onde a recorrente armazenou o veículo pode ter aquela qualificação, porque não resultou de afectação por parte do director-geral, nem de afectação por parte de agente de execução, nem a recorrente tem uma das qualidades legalmente previstas, não é o director-geral, nem agente de execução, para que o local de depósito por si escolhido possa assumir tal qualificação, precisamente porque não se mostram respeitadas as exigências legalmente estabelecidas.
Assim, não lhe assiste razão ao pretender que lhe sejam aplicadas tais regras, uma vez que se tratam de regras especiais e específicas para as situações aí previstas.
Improcede, assim, o recurso que nos vinha dirigido.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 15 de Julho de 2020. – Aragão Seia (relator) - Nuno Bastos – Gustavo Lopes Courinha.