Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/12.0BEFUN
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28506
Nº do Documento:SA220211110018/12
Data de Entrada:07/20/2021
Recorrente:AT - RAM
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório –

1 – A Fazenda Pública da Região Autónoma da Madeira veio, ao abrigo do disposto no artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor recurso para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25 de março de 2021 que concedeu provimento ao recurso interposto por A………… e B…………, com os sinais dos autos, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgara improcedente a impugnação judicial apresentada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS n.º 2010 5004562258, referente ao ano de 2006.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) O acórdão objeto da presente revista fixou, nomeadamente, como questão a decidir a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não estarem reunidos os pressupostos de que depende a exclusão de tributação prevista no art.º 10.º, n.º 5 alínea b), do CIRS (cfr. fls. 6 do acórdão).
B) No acima referenciado acórdão, datado de 25/03/2021, o Tribunal a quo concedeu provimento ao recurso interposto pelos Impugnantes, pelo que decidiu “…revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial procedente e anular o ato impugnado…” (sublinhado nosso),

C) por considerar que o ato impugnado está “…inquinado de vício de lei por erro nos pressupostos, tendo a sentença recorrida que validou a decisão da AT incorrido em erro de julgamento…” (vide fls. 27 do acórdão).
D) Todavia, uma leitura atenta do acórdão revela (vide fls. 18 do acórdão) que, em rigor, o que o TCA Sul imputa ao ato impugnado é o vício de forma, por falta de fundamentação:
“Aos recorrentes foi transmitida uma fundamentação do acto impugnado – tendo sido com base nela que intentaram a presente impugnação judicial e que consistia unicamente no facto de não se poder considerar como reinvestimento os valores despendidos na construção de outro imóvel – sendo que, mais tarde, em sede de contestação, foram confrontados com uma outra fundamentação completamente inovatória, que consistiu em terem “outorgado um mútuo com hipoteca sobre o terreno para construção, no valor de € 104.375,00”. Ora esta fundamentação a posteriori que não é contemporânea do acto nem contextual, é legalmente inadmissível, pois, não cumpre as exigências do dever legal de fundamentação, não podendo considerar-se como fazendo parte integrante do acto impugnado…” (sublinhado e negrito nossos).
E) Não lhe assiste, contudo, fundamento para ter assim, erradamente, decidido, uma vez que efetivamente, e objetivamente, não se encontram reunidos os pressupostos de que depende a exclusão de tributação prevista no art.º 10.º, n.º 5 alínea b), do CIRS,
F) o que significa que a legalidade da liquidação de IRS em causa é inabalável.
G) Acontece que a AT, sempre no âmbito do art.º 10.º, n.º 5 alínea b) do CIRS, invocou primeiro (em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico) não se encontrar reunido um suposto pressuposto e depois (em sede de contestação à impugnação judicial) invocou outro pressuposto (esse, sim, inabalável), admitindo que o primeiro pressuposto nem pressuposto era,
H) o que, com o devido respeito, criou algum equívoco quer nos Impugnantes, quer no Tribunal Administrativo Sul.
I) Na verdade, por estarmos no âmbito de uma impugnação judicial de decisão de indeferimento de recurso hierárquico, interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa, salvo melhor opinião, o acórdão recorrido deveria ter discriminado a que “acto impugnado” em concreto se refere,
J) se ao indeferimento do recurso hierárquico, se ao indeferimento da reclamação graciosa ou se à liquidação.
K) visto que na impugnação judicial de decisão de recurso hierárquico interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa podem ser invocados não só os vícios do ato de liquidação,
L) como também os vícios próprios da decisão da reclamação graciosa,
M) e ainda os próprios da decisão do recurso hierárquico (neste sentido pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 1877/2003 de 16/06/2004).
“G) Por escritura pública de 31 de Outubro de 2006 de Mútuo com Hipoteca de fls 151 a 153, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual a Caixa Geral de Depósitos concederam a A………… e B………… um empréstimo de € 104.375,00 tendo este constituído hipoteca sobre o prédio urbano – terreno para construção – situado no ………, freguesia da Santa Maria Maior, Funchal (fls 151 a 153, dos autos); S. R. Tribunal Central Administrativo Sul
H) Segundo as cláusulas do documento complementar que também rege o Mútuo referido em G) que o empréstimo se destina à construção do imóvel hipotecado para habitação própria e permanente (fls 155 a 165, dos autos);…
N) Pela AF foi efectuada a liquidação nº 20105004562258, referente ao ano de 2006 de IRS, no montante a pagar de €24.309,36;
O) No dia 2 de Agosto de 2010 os impugnantes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação referida em N);”.
P) Conforme ponto O) do probatório, no dia 2 de Agosto de 2010 os impugnantes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto N) do probatório.
Q) A referida reclamação graciosa não foi fundamentada de facto e de direito, tendo os Impugnantes se limitado a “…apresentar a minha discordância…” com a liquidação, a declarar “…não percebo como é que dá uma coleta tão alta.”, e a afirmar que alguém referira que os valores reinvestidos pareciam não ter sido considerados (cfr. fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa junto aos autos), pelo que não apontou qualquer vício em específico à liquidação. Se tivesse apontado, a decisão da reclamação graciosa poderia eventualmente ter sido mais específica.
R) Sucede que quem apreciou e decidiu a referida reclamação graciosa (e o posterior recurso hierárquico) não foi exaustivo ao elencar os fundamentos da liquidação em apreço,
S) e antes se limitou a defender a liquidação com base no facto de, no caso concreto, o montante de € 99.663,53 ter sido reinvestido na construção da habitação própria e permanente dos Impugnantes,
T) e de a alínea b) do n.º5 do artigo 10.º do CIRS (com a redação em vigor em 2006, dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que vigorou até à nova redação introduzida pela Lei n.º 64- A/2008, de 31/12), apenas excluir da tributação os ganhos provenientes da venda do imóvel, se o produto da sua venda/realização for aplicado na “aquisição a que se refere a alínea anterior”, isto é, a aquisição da “propriedade de outro imóvel” ou de “terreno para construção”,
U) e não da “construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel” (sublinhado nosso).
V) Refira-se en passant que tal interpretação da lei foi, entretanto, abandonada pela AT, pelo que a ser apreciada hoje em dia a decisão da reclamação graciosa teria com certeza sido outra.
W) De qualquer modo, o cerne da questão é que em sede de contestação a Fazenda Pública veio defender a liquidação com base no facto de os Impugnantes terem outorgado um mútuo com hipoteca sobre o terreno para construção aqui em causa, através de escritura pública, que refere expressamente “…mútuo com hipoteca sobre o terreno para construção…”, e de documento complementar à escritura, cuja cláusula 2ª refere que “O empréstimo destina-se à construção do imóvel atrás hipotecado…”.
X) Ora, de acordo com a jurisprudência assente deste Supremo Tribunal Administrativo (STA) “O emprego do vocábulo reinvestimento, implica em si mesmo, a reafectação de um determinado capital (o produto da alienação anterior), a um fim específico, e não a simples afectação de capital à aquisição de bens, como se entenderia se ao invés fosse utilizada a expressão investimento.”, cfr. Acórdão nº 01774/2003 de 03/03/2004. (sublinhado nosso)
Y) É igualmente relevante nesta matéria o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 1241/2009 de 24/03/2010, segundo o qual “I - Nos termos do disposto no artigo 10º nº 5 do CIRS (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 10-B/96, de 23 de Março) constitui um pressuposto da exclusão da tributação em IRS que o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado exclusivamente ao mesmo fim no prazo de 24 meses. II - O reinvestimento a que se reporta esse preceito é tão só o reinvestimento do produto da alienação e não o investimento através de empréstimo bancário, pelo que tendo a impugnante, para a aquisição de um novo imóvel, recorrido totalmente a crédito bancário, não pode ver as mais-valias excluídas de tributação. III - Só com a Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro é que os encargos decorrentes da amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel passaram a ser contemplados na exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente.”. (sublinhado e negrito nossos)
Z) Do mesmo modo, defende o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 892/2008 de 11/02/2009 “I - Os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar encontram-se excluídos da tributação em sede de IRS (mais valias) no caso da aquisição de novo imóvel com a mesma destinação ter ocorrido nos 12 meses anteriores à data da realização do produto daquela alienação (alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS). II - Todavia, essa exclusão não acontece se o contribuinte para a aquisição do novo imóvel recorreu a crédito bancário.”. (sublinhado nosso)
AA) Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 938/2004 de 07/12/2004: “Como tem vindo a decidir uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, está em causa o reinvestimento do «produto da alienação», a utilização do montante recebido com a alienação na aquisição do novo imóvel. Se o contribuinte, para aquisição do novo imóvel recorreu a crédito bancário, a aquisição do novo imóvel, na parte em que houve utilização de crédito bancário, não foi feita utilizando o produto da alienação e, por isso, na parte não utilizada não pode entender-se ter havido o reinvestimento necessário para excluir a tributação. Se o crédito utilizado não chega para cobrir os custos de aquisição do novo imóvel, estar-se-á perante um reinvestimento parcial, situação em que o benefício respeita apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido. (Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: – de 14-1-2004, proferido no recurso n.º 1357/03; – de 3-3-2004, proferido no recurso n.º 1774/03; – de 24-3-2004, proferido no recurso n.º 2053/03; – de 16-6-2004, proferido no recurso n.º 392/04; – de 25-5-2004, proferido no recurso n.º 2052/03; – de 19-5-2004, proferido no recurso n.º 2048/03.)”. (sublinhado nosso)
BB) Significa isto que a norma constante do artigo 10º nº 5 alínea a) do CIRS é desde sempre interpretada no sentido de que, em caso de empréstimo bancário, apenas constitui produto de alienação reinvestido na aquisição da propriedade ou na construção de outro imóvel determinante da exclusão de tributação a eventual diferença positiva entre o valor de aquisição do novo imóvel (ou o valor de construção do novo imóvel, como é o caso) e o montante do empréstimo bancário (neste sentido, novamente o supra citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 938/2004 de 07/12/2004).
CC) E se dúvidas houvesse quanto a esta interpretação, tal vem aliás expressamente mencionado quer nos campos 506 a 511 do quadro 5 do anexo G à declaração modelo 3 de IRS, quer nas respetivas instruções de preenchimento, onde se pode ler “…excluindo a parte do valor de aquisição efetuada com recurso ao crédito;”.
DD) Posto isto, se ao montante de despesas efetuadas nos 24 meses posteriores à alienação deduzirmos o valor recorrido ao crédito, temos um valor negativo, não existindo assim qualquer diferença positiva entre o valor de construção do novo imóvel e o montante do empréstimo bancário suscetível de constituir produto de alienação reinvestido, e não existindo assim reinvestimento nos termos do artigo 10º nº 5 do CIRS.
EE) Conclui-se, pois, que o ato de liquidação em causa é válido, é eficaz e está fundamentado,
FF) pelo que, mesmo que eventualmente os atos de indeferimento dos procedimentos graciosos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, por lapso, não tenham sido fundamentados corretamente, isso em nada afeta a legalidade da liquidação de IRS em apreço.
GG) Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade do recurso de revista excecional, constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
HH) Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
II) Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
JJ) A questão de saber se a verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação, isto é, em momento posterior à efetivação da liquidação, poderá projetar efeitos invalidantes sobre o ato de liquidação que o antecede assume relevância social suficiente à admissão do recurso de revista excecional, quer pelo risco de fazer perigar a eficácia do direito, quer ainda pela flagrante violação do princípio da segurança jurídica, o que naturalmente se repercute na comunidade.
KK) Posto isto, no caso sub judice, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta, desde logo, no facto de a questão identificada ter a virtualidade de se repetir num número elevado de casos futuros.
LL) Encontra-se, pois, identificada a questão jurídica a ser apreciada pelo STA, e demonstrados os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, previstos no artigo 150º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
MM) A sentença proferida pelo TAFF julgou improcedente a impugnação com fundamento no facto de os Impugnantes terem obtido para pagamento da construção da sua habitação um empréstimo bancário no valor de € 104.375,00.
NN) Ora, os Impugnantes omitiram a existência de tal empréstimo, durante todo o procedimento de reclamação graciosa, e todo o procedimento de recurso hierárquico,
OO) e só em sede de contestação veio a Fazenda Pública alegá-lo.
PP) E é com tal facto que os Impugnantes não se conformam.
QQ) Nos termos dos artigos 101º alínea a) da LGT e 97º do CPPT, a impugnação judicial, é o processo judicial tributário, por excelência, e tem por função a tutela plena e efetiva em tempo útil, dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária (art. 96.º do CPPT) surgindo em regra, na sequência de um ato tributário, com o qual o contribuinte não está de acordo, no todo ou em parte, por considerar ter ocorrido uma ilegalidade.
RR) Como se deduz da finalidade da impugnação judicial definida no artigo 124º do CPPT, a impugnação judicial é o meio processual adequado para obter a anulação de um ato praticado pela administração tributária, ou a declaração da sua nulidade ou inexistência.
SS) Acontece que, para os Impugnantes, a por si invocada ilegalidade da liquidação advém da alegada ilegalidade dos fundamentos invocados para indeferir o recurso hierárquico, e esquece que esse recurso hierárquico (tal como a impugnação judicial que se lhe seguiu) está igualmente a apreciar a legalidade do ato de liquidação per se.
TT) Neste sentido, mutatis mutandis, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 1877/2003 de 16/06/2004, já invocado em sede de contestação, “Conforme se extrai da al. c) do n° 1 do artigo 97° do CPPT, o processo de impugnação judicial instaurado na sequência e por causa do indeferimento expresso de uma reclamação graciosa tem por objecto imediato esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação cuja anulação é visada a final (cfr. Acórdão deste Venerando STA de 07/06/2000, Proc. 21.556). …nunca um vício procedimental da decisão da reclamação poderá consequenciar a anulação do acto tributário, como acto posterior que é a este. Tal vício poderá anular a decisão administrativa proferida na reclamação mas com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão na reclamação, sanado o cometido vício procedimental mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada.” (sublinhado e negrito nossos).
UU) Nestes termos, tendo a questão da existência de um empréstimo para pagamento da construção da habitação dos Impugnantes sido alegada por uma das partes não pode é o tribunal deixar de se pronunciar sobre a mesma,
VV) e pronunciando-se não pode deixar de concluir pela legalidade da liquidação.
WW) Efetivamente, a decisão do tribunal (neste caso do TCA Sul) no sentido de que os atos de indeferimento dos procedimentos graciosos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico não foram fundamentados corretamente, é insuficiente e incapaz de suportar uma decisão conferente ao acolhimento da pretensão do Impugnante, no sentido de que a liquidação não subsista.
XX) Para a liquidação não subsistir, como pretendem os Impugnantes (e o TCA Sul no acórdão ora recorrido), é necessário que se comprove estarem preenchidos os pressupostos do reinvestimento.
YY) A contrario, para a liquidação subsistir, como pretende a Fazenda Pública, é necessário que se comprove não estarem preenchidos os pressupostos do reinvestimento,
ZZ) e foi exatamente isso o que a Fazenda Pública fez, se bem que em sede de contestação.
AAA) Assim, mesmo que se considere que os atos de indeferimento dos procedimentos graciosos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico erraram, por não terem sido fundamentados corretamente (ao não consideraram como reinvestimento os valores despendidos com a construção do imóvel, e ao fundamentaram essa não consideração na alínea b) do 10º nº 5), a verdade é que se verifica que não existiu no caso concreto qualquer reinvestimento,
BBB) não existindo, pois, qualquer injustiça ou ilegalidade em tributar os Impugnantes nos termos da liquidação em apreço.
CCC) Posto isto, a decisão recorrida, no sentido de ser deferida a impugnação, não pode ser mantida (ainda que por diversa ordem de razões das apresentadas pela AT em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico).
DDD) Por sua vez, o acórdão do TCA Sul ora em apreço (vide fls. 18 do acórdão) concedeu provimento ao recurso interposto pelos Impugnantes, com fundamento no facto de “Aos recorrentes foi transmitida uma fundamentação do acto impugnado – tendo sido com base nela que intentaram a presente impugnação judicial e que consistia unicamente no facto de não se poder considerar como reinvestimento os valores despendidos na construção de outro imóvel – sendo que, mais tarde, em sede de contestação, foram confrontados com uma outra fundamentação completamente inovatória, que consistiu em terem “outorgado um mútuo com hipoteca sobre o terreno para construção, no valor de € 104.375,00”. Ora esta fundamentação a posteriori que não é contemporânea do acto nem contextual, é legalmente inadmissível, pois, não cumpre as exigências do dever legal de fundamentação, não podendo considerar-se como fazendo parte integrante do acto impugnado…” (sublinhado e negrito nossos).
EEE) Ora, se é verdade que em sede de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico (atos imediatamente impugnados) foi transmitida aos Impugnantes uma fundamentação da liquidação (ato mediatamente impugnado)
FFF) e que em sede de processo judicial (contestação), foi transmitida “…uma outra fundamentação completamente inovatória…” da liquidação (ato mediatamente impugnado),
GGG) tal constatação é relevante para aquilatar da legalidade, apenas, do indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico (atos imediatamente impugnados),
HHH) não da legalidade da liquidação (ato mediatamente impugnado).
III) Assim sendo, à data da liquidação de IRS de 2006 aqui em causa o empréstimo já havia ocorrido (a 31/10/2006, recorde-se), logo a fundamentação fornecida em sede de contestação é contemporânea da liquidação (ato mediatamente impugnado), e, por conseguinte, não é nem a posteriori, nem extemporânea, conforme defendido no acórdão recorrido.
JJJ) Além do mais, ressalvado melhor entendimento, o tribunal de 2ª Instância deveria ter procedido à anulação do ato de indeferimento do recurso hierárquico,
KKK) e de seguida conhecido os vícios imputados ao próprio ato tributário, objeto do recurso hierárquico.
LLL) Com efeito, vem sendo entendido de modo uniforme e constante pelo Supremo Tribunal Administrativo, que embora a decisão de indeferimento constitua o objeto imediato da impugnação judicial e o ato tributário de liquidação o seu objeto mediato, tal distinção é irrelevante, porque ambos integram o âmbito de conhecimento do tribunal (Vide, por todos, Acórdãos de 7.06.2000 e 16.06.2004, proferidos respetivamente nos processos n°s 21556 e 1877/03, disponíveis no endereço www.dgsi.pt).
MMM) A existência de vício de forma, por falta de fundamentação, significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do ato por estar afetado de ilegalidade. (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.02.2009, proferido no processo n.º 0766/08, disponível no endereço www.dgsi.pt).
NNN) Contudo, a verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação ou de recurso hierárquico, isto é, em momento posterior à efetivação da liquidação, nunca poderá projetar efeitos invalidantes sobre o ato de liquidação que o antecede
OOO) e sendo certo, igualmente, que apesar de tal vício poder vir a determinar a anulação da decisão administrativa proferida na reclamação graciosa ou no recurso hierárquico, «com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão judicial, sanado o cometido vício procedimental, mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2012, proferido no processo n.º 0376/12, disponível no endereço www.dgsi.pt).
PPP) Ora, anulado o indeferimento do recurso hierárquico cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao ato tributário,
QQQ) uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao ato tributário (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2016, proferido no processo n.º 427/16, disponível no endereço www.dgsi.pt).
RRR) Assim sendo, impendia sobre o TCA Sul o conhecimento das ilegalidades imputadas ao ato de liquidação de IRS de 2006.
SSS) No caso em apreço, como não foram imputados quaisquer vícios em concreto à liquidação (nem em reclamação graciosa, nem em recurso hierárquico, nem em impugnação judicial), impunha-se-lhe que considerasse o facto de que houve recurso ao crédito para construção do imóvel, e daí retirasse todas as consequências legais.
TTT) Cabia assim ao TCA Sul conhecer do mérito da causa, uma vez que havia já sido fixada matéria de facto pertinente à pronúncia de mérito, sendo possível apreciar o fundo da causa, sendo que o Tribunal superior só em casos de exceção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito por aquele.
UUU) Termos em que não pode manter-se o acórdão recorrido que concedeu provimento ao recurso por considerar “… o acto impugnado inquinado de vício de lei por erro nos pressupostos, tendo a sentença recorrida que validou a decisão da AT incorrido em erro de julgamento, não podendo manter- se na ordem jurídica.”.
VVV) Em suma,
WWW) Os Impugnantes na reclamação graciosa nada de concreto imputaram à liquidação.
XXX) No recurso hierárquico e na impugnação judicial (em que se impugnaram os atos de indeferimento da reclamação graciosa, e do recurso hierárquico, respetivamente) o argumento dos Impugnantes foi, se o motivo da AT para indeferir a reclamação graciosa e o recurso hierárquico é que a liquidação não considerou o reinvestimento porque o artigo 10º nº 5 alínea b) do CIRS apenas considera reinvestimento o produto da alienação do imóvel utilizado na aquisição de outro imóvel (e no caso em apreço foi utilizado na construção), esse motivo não é válido pois o artigo 10º nº 5 alínea b) do CIRS considera igualmente reinvestimento o produto da alienação do imóvel utilizado na construção de outro imóvel.
YYY) No recurso para o TCA Sul o argumento dos Impugnantes foi, se o motivo da AT para a liquidação não considerar o reinvestimento é que o artigo 10º nº 5 alínea b) do CIRS apenas considera reinvestimento o produto da alienação do imóvel utilizado na aquisição ou construção de outro imóvel sem recurso ao crédito bancário, esse motivo não é válido pois não foi antes invocado pela AT para indeferir a reclamação graciosa e o recurso hierárquico.
ZZZ) E o que a AT pugna é que se esse motivo não foi antes invocado pela AT para indeferir a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, esses atos de indeferimento são inválidos.
AAAA) Porém, a liquidação não o é,
BBBB) pelo que, só poderá improceder a alegada falta de fundamentação do ato tributário stricto sensu, isto é, da liquidação.
CCCC) Acresce dizer, caso assim não se entenda o que não se concede, entende a Fazenda Pública que se deverá considerar inoperante o alegado vício formal, sob pena de se incorrer numa clara violação do princípio anti formalista.
Por todos, veja-se o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 05/12/2014 proferido no processo 02171/09.1BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, de onde se extrai parte do seu sumário:
“1 - O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio antiformalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias. 2- Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.”
DDDD) constando na sua fundamentação:
“Assim, atento o princípio do aproveitamento do ato administrativo, e sendo possível a ratificação do ato nos termos do art° 137°, nos 1 e 3 do CPA, admite-se como legitima a decisão não determinante da anulação da decisão impugnada.
Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante (cfr. Acórdão do TCAN, de 22/06/2011, proferido no processo n.º 00462/2000-Coimbra).
Como resulta, igualmente, dos acórdãos do Colendo STA nº 0888/06, de 22.11.2006 e nº 249/03 de 12.3.03 «Se, não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição …, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur».
Mais se refere no acórdão do Pleno do Colendo STA, de 12.11.03, no recurso nº 41291, com relevância para a questão aqui em apreciação, que «... nos casos em que se apura, em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão efetiva dos direitos dos interessados, não se justificará a anulação do ato mesmo que se esteja perante qualquer erro de apreciação da lei» …”.
Tendo-se em conta que a repetição do ato que aqui porventura se anularia, com base na procedência dos verificados vícios, conduziria a que se praticasse necessariamente um novo ato, nos termos do qual a pretensão da recorrente continuaria indeferida, impõe-se pois a prolação de decisão como a aqui recorrida que, em razão e fundamento no princípio em referência, declarasse a inoperância das ilegalidades verificadas e, consequentemente, mantivesse o ato administrativo recorrido na ordem jurídica apesar da sua ilegalidade.
Estamos pois, como se disse já, em presença da aplicação do princípio sintetizado no brocardo latino utile per inutile non vitiatur”.
Como se refere no já referenciado Acórdão deste TCAN nº 00462/2000-Coimbra, de 22-06-2011 “Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.”
EEEE) Com efeito, salvo o devido respeito por outros entendimentos, o acórdão recorrido viola, nomeadamente, o art.º 10.º, n.º 5 alínea b), do CIRS.
Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada, na parte em que vem recorrida.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da não admissão do recurso com a seguinte fundamentação específica:

Decorre do acórdão recorrido que o TCA concluiu pela verificação do vício de erro de julgamento da sentença de 1ª instância, por nesta se ter atendido a fundamentação aduzida pela Fazenda Pública em sede de contestação e que não havia servido de suporte à fundamentação do ato impugnado por parte da Administração Tributária; Mais especificamente, a sentença de 1ª instância atendeu à existência de um empréstimo bancário para concluir pela não verificação dos requisitos de exclusão da tributação das mais-valias, quando tal facto não serviu de suporte à fundamentação do ato tributário por parte da AT.

Resulta, assim, que não estamos perante um vício de falta de fundamentação que afete apenas a validade do procedimento gracioso (vício formal) e cujos efeitos o TCA tenha entendido repercutirem-se na validade do acto tributário impugnado, como pretende fazer crer a Recorrente, mas sim perante o vício de fundamentação “a posteriori” do ato tributário impugnado, que o TCA entendeu ser violador das garantias contenciosas do contribuinte/administrado e contender com a validade do julgado em 1ª instância, o que são realidades jurídicas distintas.

Assim sendo, a questão jurídica que a Recorrente invoca como suporte para a admissão do recurso de revista não tem correspondência com o julgado no acórdão recorrido, motivo pelo qual carece de qualquer relevância na resolução da presente lide.

Afigura-se-nos, assim, que o recurso não deve ser admitido.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 7 a 15 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –


5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Embora o recurso tenha sido interposto ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, atenta a data da decisão recorrida e o meio processual em que foi proferida (recurso de decisão proferida em impugnação judicial) é ao abrigo do disposto no artigo 285.º do CPPT que o devia ter sido e que será apreciado.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Sul sob escrutínio concedeu provimento ao recurso interposto pelos ora recorridos da sentença do TAF do Funchal que julgara improcedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS n.º 2010 5004562258, referente ao ano de 2006, no entendimento de que o acto de liquidação carecia de fundamentação legal, sendo posterior ao acto sindicado, e como tal inatendível, a fundamentação apresentada pela AT para não considerar o reinvestimento das mais-valias imobiliárias como excluídas de tributação ao abrigo do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

Do decidido requer a Fazenda Pública na RAM revista, pretendendo ver reapreciada a questão de saber se a verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação, isto é, em momento posterior à efetivação da liquidação, poderá projetar efeitos invalidantes sobre o ato de liquidação que o antecede, alegando que se trata de questão que assume relevância social suficiente à admissão do recurso de revista excecional, quer pelo risco de fazer perigar a eficácia do direito, quer ainda pela flagrante violação do princípio da segurança jurídica, o que naturalmente se repercute na comunidade, tendo a virtualidade de se repetir num número elevado de casos futuros (cfr. conclusões JJ e KK das alegações de recurso).

Acontece, porém, que, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA a questão jurídica que a Recorrente invoca como suporte para a admissão do recurso de revista não tem correspondência com o julgado no acórdão recorrido, motivo pelo qual carece de qualquer relevância na resolução da presente lide.

De facto, perscrutando atentamente o teor do acórdão sindicado, dele não resulta que o Tribunal tenha entendido que a falta de fundamentação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico projete efeitos invalidantes sobre o acto tributário, o que considera, isso sim, é que falta ao acto tributário a fundamentação contemporânea legalmente exigível para que este tenha suporte legal, porquanto a que consta da contestação não é atendível (porque não é contextual e contemporânea do acto) e a que consta do acto tributário não é idónea a afastar a aplicabilidade do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

Carece, pois, de justificação a admissão da revista, pois que a questão colocada pela recorrente não é relevante no presente recurso e a decisão tomada pelo TCA não enferma de erro ostensivo ou manifesto que justifique a respectiva admissão, nem a questão decidenda tem novidade ou complexidade jurídica de maior.

Pelo exposto, o recurso não será admitido.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2021 - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.