Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0114/15.2BELLE
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26129
Nº do Documento:SA2202007010114/15
Data de Entrada:03/25/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAF de Loulé) datada de 7 de Novembro de 2018, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A…………… contra a decisão de indeferimento da reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRS do ano de 2013, no valor de 13.450,77.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
a) A questão decidenda é a interpretação da norma contida no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS;
b) Este, exclui de tributação das mais-valias os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar nas condições descritas nas suas alíneas;
c) Resulta pois claro da lei, a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, para a exclusão da tributação;
d) Significa isto que o legislador não disse menos do que queria:
e) O impugnante deixou de residir no imóvel objecto das mais-valias em 2009, data em que se divorciou;
f) Deixou de pertencer ao agregado familiar que ali tinha a residência permanente;
g) Não estão assim preenchidos nenhum dos pressupostos para a exclusão da tributação das mais-valias.
h) Pois na altura da alienação, este imóvel embora sua propriedade, não era sua habitação permanente;
i) Também e uma vez que se divorciou em 2009 da sua ex-mulher, que era quem lá residia permanentemente, este não era o seu agregado familiar.
j) Pelo que o Meritíssimo Juiz interpretou mal aquele preceito.

Contra-alegou o recorrido tendo concluído:
A.A fazenda pública, ao defender um conceito de “agregado familiar”, segundo o qual o recorrido não faz, ou não fazia, parte do “agregado familiar” da sua ex-cônjuge, por que não residia no imóvel de “partida”, esconde, voluntariamente, os seguintes factos, adquiridos: o recorrido foi casado com a beneficiária da vantagem fiscal; O recorrido viveu com ela e com os filhos, na casa de morada de família, na “casa de partida”, até ao momento do divórcio; o divórcio é um meio legítimo, lícito e constitucional de sessação da vida em comum de dois cônjuges, com consequências obrigatórias, no que respeita à organização material dos ex-cônjuges, em termos de domicílio de cada um; uma dessas consequências é que, onde anteriormente existia um agregado familiar composto por um casal e filhos, passa, agora, a existir uma realidade integrada por dois agregados familiares.
B.Além disso e acima de tudo, esquece que o bem vendido foi o imóvel onde o dito ex-casal teve a sua morada de família, de onde o recorrido se afastou, por força do divórcio, para nela deixar a residir a sua mulher com os seus filhos.
C.Para lá da conclusão anterior, Interpreta o conceito de “agregado familiar”, com uma concepção incompatível com a Constituição da República de 1976, quando defende que o recorrido não tem “agregado familiar” susceptível de caber na previsão do n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, por não viver com a sua anterior cônjuge.
D.O que coloca a Autoridade Tributária a recusar atribuir efeitos legítimos ao divórcio e à dissolução voluntária do casamento, tal como se ainda não tivéssemos ultrapassado o século XVI.
E.A Autoridade Tributária nega o conteúdo dos números 1 e 2 do artigo 13.º da Constituição da República. Não sendo verdade que legislador, quando está em causa a venda de um bem comum de ex-casal, tenha querido, somente e exclusivamente: “excluir da tributação das mais-valias quem efectivamente habitasse permanentemente no imóvel alienado ou o seu agregado familiar” Porque, essa interpretação da norma em causa ofende e revoga os n.ºs 1 e 3 do artigo 9.º do Código Civil e os artigos 13.º e 26.º do texto da Constituição da República.
F.Se o intérprete for capaz de compreender a “unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” Então é forçado a constatar que, quando o Código do Imposto único Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi aprovado já tinham ocorrido os seguintes marcos históricos: Concilio de Terento; Concílio Vaticano Segundo; 25 de Abril em Portugal; promulgação da Constituição de 1976; estabelecimento, em Portugal, do princípio da igualdade de Género.
G.Logo, o número 5 do artigo 10.º do CIRS tem de ser interpretado, à luz da filosofia constantes dos números 1 e 2 do artigo 13.º da Constituição da República, não podendo, por isso, o cônjuge homem ser discriminado, em relação ao cônjuge mulher, pelo facto de já não habitar, permanentemente, no “imóvel alienado”.
H.Assim, se a mulher beneficiou da isenção, ao vender o imóvel, património comum, o homem não pode deixar de usufruir da mesma isenção, relativamente ao valor por ele auferido pela venda do mesmo imóvel que foi propriedade comum.
I.O entendimento segundo o qual, o recorrido não beneficia da isenção do imposto de mais-valias dado: “Ou seja, resulta assim que para que estes ganhos sejam excluídos de tributação o código do IRS estabelece como necessária a simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.” Estando em causa a venda do imóvel que foi a casa de morada de família, por ex-membros de um casal de divorciados, fulmina, por expressa e obscena inconstitucionalidade material, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do Imposto Único Sobre Rendimento das Pessoas Singulares, por expressa violação do citado artigo 13.º da Constituição da República e do n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
J.A Administração Fiscal e Aduaneira, esqueceu-se, que segundo os números 1 e 2 do artigo 2.º do estatuto anexo ao Decreto-Lei n.º 215/89 de 1 de Julho de 1989, a norma do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, não constitui um benefício fiscal, mas sim uma isenção fiscal regular, normal e ordinária, o que constitui uma realidade diversa.
K.Para se estar em face de um benefício fiscal é necessário que a “isenção” tenha “carácter excepcional” e seja “instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”. Sucede que, no caso concreto, está-se perante a norma que regula a incidência do Imposto único Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, nas mais-valias que estas possam obter. O que é substancialmente diferente.
L.Está-se no estrito domínio da definição da incidência fiscal sobre rendimentos da categoria G 1, ou seja, os ditos incrementos patrimoniais, entre os quais as mais-valias e nunca perante: uma “isenção” dotada de “carácter excepcional”, instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”
M.O n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS limita-se a proceder à exclusão da incidência do IRS, sobre os ganhos aí definidos, o que, em não consubstancia qualquer: “isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais (…)” de carácter excepcional”, instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”

O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. No dia 5 de Maio de 2009, A……… e B……….. assinaram o documento denominado “contrato-promessa de partilha por divórcio dos bens comuns”.
2. No documento referido no ponto anterior, constava, entre o mais, que “ (…) a casa de morada de família, será vendida pelos outorgantes sem partilha”, imóvel que correspondia ao prédio urbano sito no ……., Lote…, freguesia e concelho de……., inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7667.
3. Da acta de conferência do Processo de Divórcio por mútuo consentimento n.º 1509/2009, datada de 2 de Junho de 2009, consta, designadamente, o seguinte escrito, denominado “acordo quanto à casa de mora de família”, entre A………… e B……….. o qual tem o seguinte teor:
“(…) “Os requerentes acordam que a casa de morada de família, sita na Urbanização …….., Lote .., freguesia e concelho de ……., é atribuída à requerente mulher, unicamente até à venda do prédio (…)”.
4. No “acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores” assinado entre A………. e B………., no âmbito do processo de divórcio supra referido, consta, designadamente, que “os menores ficam a residir com a progenitora, na sua residência, ……., lote .., …….., até à venda desta (…)”.
5. No dia 7 de Dezembro de 2012, B………... procedeu à alteração da sua morada, junto do Instituto dos Registos e do Notariado, indicando como nova morada “……….., Lote ……, ……., Lagoa”.
6. No dia 18 de Abril de 2013, A………. e B………… venderam, pelo valor de € 227.500,00, o imóvel sito no ………, freguesia e concelho de…….., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7667.
7. Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2013, apresentada em 28 de Maio de 2014, A……… declarou, no anexo G, ter recebido um total de € 113.750,00, resultante da venda referida no ponto 5 supra.
8. Mais declarou que, do produto da venda, a quantia de € 60.089,28 iria ser objecto de reinvestimento para habitação própria permanente.
9. No dia 5 de Agosto de 2014, A…………. comprou a fracção autónoma designada pela letra “L”, destinada a habitação, do prédio urbano designado por “Lote ………”, freguesia de …….., concelho de ……., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2416.
10. Em 16 de Julho de 2014, A……… apresentou declaração de substituição para os rendimentos auferidos em 2013, alterando-a para deixar de mencionar no anexo G a intenção de reinvestir qualquer valor.
11. A declaração de substituição referida no ponto anterior originou a liquidação n.º 2014 5005219749, com o valor a pagar de imposto de € 13.450,77.
12. A………… apresentou reclamação graciosa da supra referida liquidação, peticionando o direito ao reinvestimento das mais-valias e a anulação da liquidação.
13. Em 11 de Novembro de 2014, foi elaborada informação na Direcção de Finanças de Faro, no âmbito do processo de reclamação graciosa, na qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…) III – FACTOS
Consultado o sistema de Gestão de Registo de Contribuintes (SGRC), verifica-se que o reclamante desde 01/08/2011, até 20/12/2012 teve o seu domicílio fiscal em Urbanização ………. –………… , Lote … em …….., tendo alterado o seu domicílio fiscal para Lote ….. ……………. – freguesia de…….., Concelho de Lagoa, em 20/12/2012.
Dado que à data da alienação do imóvel, o domicílio fiscal do reclamante era diferente da localização do mesmo, não pode o mesmo ser objecto de reinvestimento, por já não ser a sua habitação própria e permanente, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
IV. PARECER
Pelo exposto verifica-se que o reclamante não pode beneficiar do reinvestimento uma vez que o prédio por si alienado, à data da alienação, já não ser a sua habitação própria e permanente, pelo que a liquidação ora reclamada se encontra correctamente elaborada nos termos a lei.
V – PROPOSTA DE DECISÃO
Nos termos do presente parecer, propõe-se que a reclamação seja: Indeferida (…)”.
14. Pelo ofício n.º 19841, de 11 de Novembro de 2014, foi comunicado a A……… o projecto de decisão referido no ponto antecedente, bem como para, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de audição.
15. Em 4 de Dezembro de 2014, a Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Faro converteu em definitivo o projecto de indeferimento previsto do pedido de reclamação graciosa apresentado por A……………..
16. O Impugnante afectou o imóvel referido no ponto 9 supra à sua habitação permanente.
17. Nos anos de 2008 e seguintes, pelo menos até 2012, Portugal atravessou uma grave crise económica, com reflexo nas transacções do mercado imobiliário.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido e, para tanto, seguir-se-á de perto o parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto.
O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Loulé, que julgou procedente estes autos de impugnação dirigidos contra o ato de liquidação de IRS do ano de 2013, no valor de € 13.450,77 euros.
Considera a Recorrente que o tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto no nº 5 do artigo 10º do CIRS, já que no seu entendimento não se verificam os pressupostos de exclusão da tributação, seja pelo facto do impugnante não ter habitação própria e permanente no imóvel objecto de venda, seja porque nele não residia o seu agregado familiar.
E termina pedindo a revogação da sentença e a manutenção da liquidação impugnada.
Na sentença recorrida deu-se como assente que na sequência de um processo de divórcio, ultimado em 02/06/2009, o impugnante e o seu ex-cônjuge acordaram que o imóvel que constituía a casa morada de família fosse atribuído ao ex-cônjuge até se ultimar a respetiva venda, o que ocorreu em 18/04/2013.
Mais se deu como assente que na declaração de rendimentos relativa a 2013, o impugnante declarou ter recebido o valor de € 113.750,00, correspondente a ½ do preço de venda, e pretender reinvestir o montante de € 60.089,28 euros, na aquisição de habitação própria e permanente, o que veio a ocorrer a 05/08/2014, data em que adquiriu uma fração autónoma, que afetou à sua habitação.
Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo” que a adotar-se o entendimento sufragado pela AT conduziria a dificultar a aquisição de habitação própria e permanente por parte do impugnante e criar um obstáculo ao acesso a nova habitação, o que contraria o espírito do legislador e é atentatório do disposto no artigo 65º da CRP.
Mais se considerou que esse entendimento viola o princípio da igualdade, por permitir apenas a um dos cônjuges o acesso à exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS, apesar de ambos revelarem, com a venda, a mesma capacidade contributiva.
Concluiu, assim, o tribunal "a quo" que «o entendimento do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS que melhor se encontra em conformidade com a Constituição é o de que um sujeito passivo, titular de habitação própria, em que a permanência na mesma é afastada por a casa de morada de família ter sido atribuída até à venda ao ex-cônjuge no âmbito do processo de divórcio, pode reinvestir em habitação própria permanente a mais-valia obtida com a alienação daquela, desde que reunidas as demais condições». E que «[N]o caso, seria posta em causa o princípio da igualdade fiscal na sua vertente horizontal, ao não se permitir, perante igual demonstração de capacidade contributiva, a exclusão de tributação a um dos sujeitos passivos de imposto».

Assim, questão que se coloca consiste em saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao dar como verificada a exclusão da tributação das mais-valias obtidas pelo impugnante/recorrido com a venda do imóvel, ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº5, do CIRS. E mais especificamente, se pelo facto de o cônjuge-marido ter deixado de residir no imóvel que constitua a casa morada de família, na sequência de acordo de divórcio em que a mesma foi atribuída ao cônjuge-mulher até à sua venda, se pode concluir que se mostram reunidos os requisitos previstos no citado preceito legal de exclusão da tributação das mais-valias.
Podemos extrair dos elementos levados ao probatório que o impugnante e aqui recorrido, em consequência de divórcio, deixou de residir no imóvel que servia de casa de morada de família, tendo os cônjuges acordado que o mesmo seria vendido, mas que até à sua venda continuaria a servir de residência do cônjuge-mulher e dos filhos. Mais resulta que esta situação perdurou entre a data do divórcio – 02/06/2009 – e a data da venda, ocorrida em 18/04/2013, sendo que nesse período o impugnante passou a residir noutro imóvel.
Resulta também da decisão proferida na reclamação graciosa -Dado que à data da alienação do imóvel, o domicílio fiscal do reclamante era diferente da localização do mesmo, não pode o mesmo ser objecto de reinvestimento, por já não ser a sua habitação própria e permanente, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS- que a AT considerou que, não residindo o impugnante no imóvel objeto de venda, não se mostravam reunidos os requisitos para que o mesmo preenchesse os requisitos da exclusão de tributação prevista no nº 5 do artigo 10º do CIRS, com eventual aplicação do montante auferido ou parte dele na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente, como o contribuinte manifestara na 1ª declaração que apresentara (intenção de aplicar o montante de € 60.089,28 – nº 8 do probatório).
Na verdade, em face dos elementos da sentença recorrida, não existem dúvidas que à data da venda do imóvel o impugnante e aqui Recorrido já não residia no mesmo há alguns anos (embora só em 07/12/2012 tenha alterado o seu domicílio fiscal – ponto 5 do probatório -, o divórcio ocorreu em 02/06/2009 – ponto 3 do probatório). E nessa medida, à data da venda, o imóvel em causa já não estava afeto a habitação própria e permanente do impugnante/recorrido, mas unicamente do ex-cônjuge, a quem havia sido atribuída a casa morada de família no âmbito do procedimento de divórcio.
A questão que se coloca consiste em saber se a atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges no âmbito do procedimento de divórcio implica a perda, por parte do outro cônjuge, da condição prevista no corpo do nº 5 do artigo 10º do CIRS.
Como tem sido realçado na doutrina e jurisprudência citadas na sentença recorrida, os motivos subjacentes à exclusão da tributação das mais-valias neste caso assentam na intenção do legislador de favorecer a aquisição de habitação própria e facilitar a mudança de casa (cfr. a este propósito, Rui Duarte Morais in “Sobre o IRS”, Almedina, Coimbra, 2008, p. 142; André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168; José Guilherme Xavier de Basto, “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra Editora, 2007, 412 e seguintes).
Assim para Xavier de Basto (José Guilherme, “IRS -Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, ob. cit. pág. 413), «o objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação …».
Nos casos de divórcio a venda do imóvel que serviu de casa de morada de família, e onde o casal tinha a sua vida estabilizada, resulta, na maioria das situações, da necessidade de reorganização da vida pessoal dos ex-cônjuges, uma vez que ambos carecem de dividir os bens do casal do modo a obter fundos que lhes permita aquela reorganização e seguir as suas vidas de forma independente.
Assim, a saída temporária de um dos cônjuges do lar familiar para outra habitação, até que se consiga proceder à venda da casa comum, trata-se precisamente disso, de uma ausência temporária, condicionada à nova condição do casal e ao surgimento de oportunidade para venda do imóvel.
No caso concreto dos autos não subsistem dúvidas que tanto o imóvel vendido e em cuja venda foram apuradas as pretensas mais-valias, como o imóvel adquirido pelo impugnante/recorrido, em cuja compra terá sido reinvestido parte do produto daquela venda, tiveram como afetação a sua habitação própria e permanente. E é esta condição cuja verificação o legislador exige no nº5 do artigo 10º do CIRS. Daí que se concorde com o entendimento sufragado na sentença recorrida no sentido de que o facto de o impugnante e aqui recorrido ter deixado de residir no imóvel durante um determinado período, na sequência do processo de divórcio e até se ultimar a respetiva venda, não põe em causa a verificação dessa condição.
Por outro lado, o facto de o impugnante/recorrido ter alterado em 2012 o seu domicílio fiscal para o seu novo local de residência – cfr. ponto nº 5 do probatório – não permite concluir que esta nova residência passou a ser a sua “habitação própria e permanente”. De facto, a presunção prevista no atual nº 12 do artigo 13º do CIRS (e à data nº 10) só foi introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12 (e atualmente com as alterações introduzidas pela Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro), motivo pelo qual à data da ocorrência dos factos em causa nos autos a AT não beneficiava de qualquer presunção (a qual sempre seria ilidível).
Considera-se, assim, que o conceito de “habitação própria e permanente” previsto no nº5 do artigo 10º do CIRS assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos (cfr. Neste sentido o acórdão do STA de 14/11/2018, proc 01077/11.9BESNT).
E nessa medida, e numa interpretação teleológica, no caso concreto dos autos, o que releva para aferir da verificação dos requisitos de exclusão da tributação das mais-valias, é saber se o imóvel vendido serviu ou não de “habitação própria e permanente” do impugnante e aqui recorrido, ainda que à data da venda, por condicionalismos específicos do procedimento de divórcio, este residisse noutro local. O que se mostra relevante para o legislador é que o produto da venda de um determinado imóvel com determinação afetação – habitação própria e permanente - seja reinvestido noutro imóvel com a mesma afetação, impondo apenas uma limitação temporal no que respeita ao reinvestimento e à afetação do imóvel destino do reinvestimento. Já quanto à contemporaneidade da sua utilização como habitação e venda a lei não impõe tal exigência.
Por outro lado dos elementos fixados na sentença recorrida resulta que no período em causa o impugnante e aqui recorrido não afetou qualquer outro imóvel a “habitação própria e permanente”, e que a sua duração decorreu da dificuldade na venda do imóvel, motivo pelo qual não há fundamento legal para que o mesmo não possa beneficiar da exclusão da tributação no reinvestimento do produto da venda.
Além de que, se assim não se entender, estar-se-á a colocar, como bem se refere na sentença recorrida, o impugnante numa situação desfavorável face à da sua ex-mulher que permaneceu na habitação até a mesma ser vendida, gerando-se, assim, uma desigualdade -violação do princípio da igualdade- entre os cônjuges, uma vez que a ele se lhe impõe o pagamento de mais-valias e a ela não.
Conclui-se, portanto, que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, tendo o tribunal “a quo” feito uma correta interpretação e aplicação do disposto no nº 5 do artigo 10º do CIRS, motivo pelo qual se impõe a improcedência do recurso.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 1 de Junho de 2020. – Aragão Seia (relator) - Suzana Tavares da Silva - Aníbal Ferraz. (vencido conforme voto que segue)

***


Vencido.

O artigo (art.) 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), com a epígrafe “Mais-valias”, encontra(va)-se enquadrado no respetivo Capítulo I “Incidência”, Secção I “Incidência real”. Para os anos de 2013 e 2014, o nº 5 de tal normativo, estatuía: «

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir; »

Enquanto norma de incidência (negativa), a matéria sobre que versa está sujeita ao princípio da legalidade tributária - cf. art. 8º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), bem como, eventuais lacunas que encerre não são suscetíveis de integração analógica - art. 11º nº 4 do mesmo compêndio legal, ou seja, os conceitos utilizados no analisado art. 10º nº 5 estão proibidos, pelo legislador, de serem estendidos a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.
Posto isto, in casu, sendo assumido que o impugnante, em 18 de abril de 2013, não tinha habitação própria e permanente no imóvel (identificado como casa de morada da família) que foi alienado e de cujo montante arrecadado recebeu metade, tendo, em 5 de agosto de 2014, aplicado parte desse proveito na aquisição de fração autónoma, destinada e que afetou a sua habitação própria e permanente, não posso, mesmo a coberto de todas as vicissitudes, dificuldades e condicionantes de um divórcio, defender que “… o facto de o impugnante e aqui recorrido ter deixado de residir no imóvel durante um determinado período, na sequência do processo de divórcio e até se ultimar a respetiva venda, não põe em causa a verificação dessa condição (que tanto o imóvel vendido e em cuja venda foram apuradas as pretensas mais-valias, como o imóvel adquirido pelo impugnante/recorrido, em cuja compra terá sido reinvestido parte do produto daquela venda, tiveram como afetação a sua habitação própria e permanente).”.
Outrossim, mesmo admitindo que a aplicação, na sua única interpretação admissível, do versado art. 10º nº 5 do CIRS pode, na situação dos autos, implicar a violação de princípios constitucionais, então, a solução, jurídica, passaria pela não aplicação da norma, por inconstitucionalidade; não pela construção de um regime privativo para sujeitos passivos divorciados.
Por estas razões, sinteticamente alinhadas, decidiria conceder provimento ao recurso, com as legais consequências.


*

[ Elaborei em computador e revi ]