Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:035/22.2BALSB
Data do Acordão:03/22/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VÍCIOS
AVALIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - Constitui requisito da admissibilidade do recurso a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT que a orientação perfilhada na decisão impugnada não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos);
II - Estando em causa saber se os vícios dos atos de avaliação do valor patrimonial tributário podem constituir fundamento da revisão dos atos de liquidação de IMI e AIMI subsequentes e estando a decisão arbitral recorrida, nesse âmbito, de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo o recurso não deve ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P30741
Nº do Documento:SAP20230322035/22
Data de Entrada:02/26/2022
Recorrente:A... INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A... INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., NIPC ..., com sede na Avenida ..., ... Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro [doravante “RJAT”], interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão arbitral proferido em 25 de janeiro de 2022 no processo n.º 510/2021-T CAAD, que julgou improcedente o pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado perante o Serviço de Finanças de Lisboa 10, relativo às liquidações do IMI dos anos de 2018 e 2019 e às liquidações do AIMI dos anos de 2019 e 2020, que apuraram um valor a pagar no montante global de € 191.065,06, invocando oposição entre essa decisão e (i) a decisão arbitral, proferida em 24.06.2021, no processo n.º 500/2020-T (1ª Decisão Fundamento), (ii) o acórdão do TCAS proferido no processo n.º 2765/12, de 31.10.2019 (2ª Decisão Fundamento) e (iii) a decisão arbitral, proferida em 10.05.2021, no processo n.º 487/2020-T (3ª Decisão Fundamento), todos transitados em julgado.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida em 25.01.2021, no processo n.º 510/2021-T, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado junto do CAAD, e, nesse sentido, determinou manter os atos de liquidação de IMI e AIMI impugnados.

B. A Decisão Recorrida está em frontal oposição com (i) a decisão arbitral, proferida em 24.06.2021, no processo n.º 500/2020-T (1ª Decisão Fundamento), (ii) o acórdão do TCAS proferido no processo n.º 2765/12, de 31.10.2019 (2ª Decisão Fundamento) e (iii) a decisão arbitral, proferida em 10.05.2021, no processo n.º 487/2020-T (3ª Decisão Fundamento), todos transitados em julgado.

C. Em todas as quatro Decisões (Recorrida e Fundamentos) estava em causa a questão da admissibilidade do pedido de revisão, por parte do sujeito passivo, de liquidações de IMI, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, com fundamento em vícios dos atos de fixação do VPT, sendo que a oposição se verifica na medida em que, na Decisão Recorrida, o tribunal arbitral decidiu que a revisão não era admissível, enquanto que, nas Decisões Fundamento, os tribunais decidiram que era admissível (embora convocando questões essenciais de direito diferentes).

D. As quatro Decisões versam sobre situações fácticas idênticas, pois em todos eles está em causa uma impugnação – na sequência do indeferimento tácito de pedido de revisão de ato tributário – de atos de liquidação de IMI calculados sobre o VPT de terrenos para construção, com fundamento em vícios inerentes aos respetivos atos de fixação do VPT.

E. Também o quadro legal em que assentaram as quatro Decisões é precisamente o mesmo.

F. Existe uma oposição direta entre a Decisão Recorrida e a 1ª Decisão Fundamento, quanto à questão essencial de saber se são relevantes, como fundamento de anulação de liquidações de IMI, os vícios do ato de fixação do VPT com base no qual foram calculadas as liquidações, quando esse ato de fixação não foi impugnado com recurso aos meios especificamente previstos para o efeito.

G. A Decisão Recorrida conclui que os vícios do ato de fixação não podem ser arguidos para efeitos de anulação das liquidações de IMI, enquanto que a 1ª Decisão Fundamento conclui precisamente o contrário.

H. A 2ª Decisão Fundamento é, na primeira parte, idêntica à 1ª Decisão Fundamento (até porque esta última faz suas as palavras do douto Acórdão do TCAS, que aqui constitui a 2ª Decisão Fundamento), mas depois apresenta um segundo fundamento para a sua decisão, estando este também em contradição com a Decisão Recorrida.

I. Com efeito, a 2ª Decisão Fundamento considera que – independentemente da questão de saber se o vício do ato de fixação do VPT pode ser ou não arguido em impugnação judicial das liquidações após consolidação da ordem jurídica da fixação desse valor – a AT estará sempre vinculada a aceitar o pedido de revisão oficiosa, pois o erro na fixação do VPT é a si imputável, para efeitos do artigo 78, n.º 1, da LGT, e, mesmo que assim não se entendesse, ocorre uma injustiça grave e notória para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.;

J. Ou seja, o TCAS entende, na 2ª Decisão Fundamento, que a AT tem a obrigação legal de efetuar a revisão oficiosa das liquidações de IMI, por erro resultante de uma errada fixação do VPT e também porque ocorre uma injustiça grave e notória.

K. Pelo contrário, a Decisão Recorrida decide em sentido oposto, ou seja, não tendo sido efetuado pedido de revisão quanto ao próprio ato de fixação do VPT, a AT não tem a obrigação de efetuar essa revisão quando o pedido é efetuado em relação às próprias liquidações, não relevando a questão do erro nas próprias liquidações.

L. No que respeita à 3ª Decisão Fundamento, ocorre também uma oposição com a Decisão Recorrida, pois aquela decidiu que o pedido de revisão é admissível com fundamento em vícios do ato de fixação do VPT antecedente, sempre que se verifique uma situação de injustiça grave ou notória resultante d apropria liquidação, ao abrigo dos n.º 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.

M. Ao invés, a Decisão Recorrida decidiu que a questão da injustiça grave ou notária, prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78.º, só se pode colocar em relação a um pedido de revisão do ato de fixação do VPT – e não das próprias liquidações de IMI.

N. Decidindo-se pela existência da oposição acima identificada, deverá este Venerando Tribunal decidir pela anulação da Decisão Recorrida e pela procedência da impugnação.

O. Com efeito, sendo certo que os atos de fixação do VPT consubstanciam atos destacáveis e, por conseguinte, autonomamente impugnáveis, é igualmente verdadeiro que a não impugnação de um ato de avaliação do VPT ilegal teria como consequência a perpétua emissão de atos de liquidação subsequentemente ilegais que seriam, eles próprios, inimpugnáveis, violando-se assim frontalmente o princípio fundamental do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da CRP.

P. No caso em apreço, resulta evidente que estamos perante uma ilegalidade – em virtude da fixação de um VPT claramente superior ao que resultaria caso a fórmula de cálculo legalmente prevista tivesse sido corretamente aplicada pela AT – ilegalidade esta que já foi, de resto, expressamente reconhecida pela AT na Instrução de Serviço n.º 60318/2021, de 05.04.2021, emitida pela Direção de Serviços de Justiça Tributária, junta aos autos arbitrais pela Recorrente em 18.10.2021) – que culminou na emissão de liquidações de imposto em montante muito superior ao devido, diretamente impugnáveis por estarmos perante erro imputável aos serviços que, além do mais, se traduziu numa injustiça grave e notória na esfera da Recorrente.

Q. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre deveria a impugnação ter sido julgada procedente, pois, ao contrário do decidido pela Decisão Recorrida, o presente caso tem também pleno cabimento no âmbito do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, uma vez que estamos perante uma situação de injustiça grave e notória, que não deriva de erro imputável a comportamento negligente da Recorrente.

R. De resto, uma interpretação da norma contida no 1.º do artigo 78.º da LGT, segundo a qual a AT não pode admitir a revisão de um ato de liquidação de IMI porque os vícios invocados contra esse ato dizem respeito ao ato de fixação do VPT que lhe antecedeu, tendo este se consolidado na ordem jurídica por não ter sido impugnado autonomamente, é inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito.

S. Da mesma forma, uma interpretação da norma contida no 4.º do artigo 78.º da LGT, segundo a qual a AT não pode admitir a revisão de um ato de liquidação de IMI porque a injustiça grave ou notória, invocada contra essa liquidação, resulta do ato de fixação do VPT que lhe antecedeu, tendo este se consolidado na ordem jurídica por não ter sido impugnado autonomamente, é inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito.».

Concluiu pedindo fosse dado provimento ao recurso, fosse revogada a decisão recorrida e fosse substituída por acórdão que, julgando as questões controvertidas em moldes similares aos constantes das decisões fundamento, anulasse as liquidações sindicadas.

O recurso foi admitido, com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que condensou nas seguintes conclusões:

A. No presente recurso não vem demonstrada, justificada ou fundamentada a identidade da matéria de facto em todos os acórdãos fundamento com a decisão recorrida, nomeadamente, a qualificação dos respetivos imóveis como terreno para construção, ano em que se procedeu à determinação do valor patrimonial tributário (VPT), a fórmula de cálculo que foi aplicada ou se houve reclamação ou pedido de segunda avaliação do VPT.

B. A petição de recurso interposto pela Recorrente não dá cumprimento disposto no n.º 2 do artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo ser rejeitado.

C. Alias, no que se refere à 2ª e 3ª decisão fundamento, apenas a título conclusivo é referida a identidade da matéria de facto.

D. Donde, caso não se decida pela rejeição do recurso, o mesmo deverá ser limitado a eventual contradição entre a decisão recorrida e a 1.ª decisão fundamento.

E. Não obstante, é bom de ver que não se verifica contradição entre a decisão fundamento e a decisão recorrida.

F. Enquanto, na decisão recorrida é analisada e decidida a tempestividade do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).

G. Na decisão fundamento é analisada e decidida a legalidade da fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário aplicada pela Autoridade Tributária face ao enquadramento normativo em vigor.

H. Enquanto numa situação está em causa a interpretação e aplicação do artigo 78.º da LGT,

I. No outro acórdão está em causa a interpretação e aplicação dos artigos 38º, 39º e 45.º CIMI.

J. Na verdade e ao contrário do que pretende fazer valer a Recorrente, a divergência de fundamentação não admite uniformização de jurisprudência, apenas o respetivo segmento decisório.

K. A decisão judicial que se pronuncie sobre a (in)admissibilidade do procedimento de revisão oficiosa não está em contradição com a decisão em que o pedido de revisão é intempestivo.

L. Face ao exposto, em virtude de não se verificar identidade quer da matéria de facto, quer da matéria de direito.

M. Nem se verificar oposição de julgados deve ser rejeitado o presente recurso por falta de cumprimento dos requisitos legais.

N. Também não se verifica qualquer violação da garantia constitucional do acesso ao direito uma vez estão legalmente previstos vários instrumentos legais que a Recorrente poderia ter lançado mão para fazer valer a sua pretensão quanto ao cálculo do valor patrimonial tributário.


*

O. Admitindo-se, por mera cautela de patrocínio, que o recurso é admitido e que este Supremo Tribunal entende que nada obsta à apreciação da questão ex novo, inexiste qualquer erro de julgamento do Tribunal a quo, devendo manter-se a Decisão Arbitral recorrida. Vejamos:

P. A Recorrente vem questionar a legalidade atos de liquidação exclusivamente, com base em vícios do ato que fixou o valor patrimonial tributário.

Q. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

R. O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,

S. O qual, se não for impugnado nos termos e prazo fixado consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher, por força do princípio da certeza e da segurança jurídica

T. Neste sentido vejam-se os Acórdãos deste Tribunal de 30-06-1999, processo n.º 023160, de 02-04-2003, processo n.º 02007/02, de 06-02-2011, processo n.º 037/11, de 19-09-2012, processo n.º 0659/12, de 5-2-2015, processo n.º 08/13, de 13-7-2016, processo n.º 0173/16, de 10-05-2017, processo n.º 0885/16, de 18.10.2018, processo n.º 1808/12.0, de 15.2.2017 processo n.º 633/14, do Tribunal Central Administrativo Sul Acórdãos n.ºs 5964/12 de 20/12/2012, 5964/12 de 20/12/2012, 03586/09 de 25.04.2010 e Processo n°02125/07 de 12.02.2008 bem como do Tribunal Arbitral, Acórdãos n.ºs 398/2021-T, 487/2020-T, 540/2020-T, 40/2021-T, 510/2021-T, 528/2021-T, 756/2021-T, 754/2021-T 652/2021-T,667/2021-T,697/2021-T,659/2021-T,654/2021-T e 601/2021.

U. Admitir que o valor patrimonial tributário como se decidiu no Acórdão fundamento poderia ser a todo o tempo alterado, estar-se-ia a pôr em causa a validade dos efeitos jurídicos de diferentes e variados atos que para diferentes efeitos o assumem como referencial

V. Este entendimento levaria a que coexistissem no mesmo período dois ou mais VPT´s em clara violação dos critérios legais de fixação do valor de um determinado bem e criando uma situação caótica e de indefinição de uma realidade objetiva com base na qual se desenvolve a atividade económica e o poder tributário do Estado e com isso ficaria em risco o princípio da certeza e segurança jurídica, princípio basilar de um estado de direito.

W. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

X. Mas mesmo no caso de se considerar admissível o recurso ao procedimento previsto no artigo 78.º da LGT, ainda que não esteja legalmente prevista a revisão de atos desta natureza, - i.e. que fixam o valor patrimonial tributário - sempre a ação seria considerada intempestiva, pelo que a decisão arbitral deve ser mantida dada a sua coerência interpretativa.

Y. A interpretação e aplicação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.

Z. A Administração Tributária está vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo estando obrigada ao integral cumprimento da lei vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.

AA. Em face do exposto deve manter-se a decisão recorrida.».

A Digna Magistrada do M.º P.º foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer no sentido de não ser tomado conhecimento do recurso, por a pronúncia da decisão arbitral sindicada não ter incidido sobre a questão de mérito.

Por despacho do relator, foi a Recorrente convidada a indicar por qual das decisões que indica como fundamento opta, com a advertência de que, se o não fizesse dentro do prazo, o recurso não seria admitido.

Através do seu requerimento último, veio a Recorrente informar que optava pela decisão arbitral, proferida em 24 de junho de 2021, tirada no processo arbitral n.º 500/2020-T (“1.ª Decisão Fundamento”).

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

A. A Requerente foi proprietária, até 31/1/2020, do terreno para construção identificado na Caderneta Predial Urbana constante de Doc. 1 apenso aos presentes autos.

B. Nos termos da referida Caderneta Predial Urbana, o VPT do referido terreno, que deu origem às liquidações ora em causa, foi apurado em 31/12/2014.

C. A Requerente efetuou o pagamento das liquidações de IMI (dos anos de 2018 e 2019, pelo montante de € 41.942,51 cada) e AIMI (dos anos de 2019 e 2020, pelo montante de € 54.590,02 cada) ora em causa, como se prova pelos respetivos comprovativos de pagamento, constantes de Docs. 2 e 3 apensos aos presentes autos.

D. Não concordando com as referidas liquidações, a Requerente apresentou, a 29/1/2021, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10, um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação das mesmas, nos termos do disposto no art. 78.º da LGT (vd. Doc. 4 apenso aos presentes autos).

E. Presumindo a formação de indeferimento tácito desse pedido de revisão oficiosa, por transcurso do prazo previsto no art. 57.º, n.º 1, da LGT, a Requerente apresentou, em 26/8/2021, o presente pedido de pronúncia arbitral.

F. Ainda que a Requerente alegue, na sua p.i., que o presente pedido de pronúncia arbitral incide sobre a “legalidade das referidas liquidações”, justifica a sua discordância com as mesmas apenas no facto de “entender que [elas] têm por base um VPT determinado com base numa fórmula de cálculo ilegal” (vd. §11.º da p.i.). A Requerente não alega quaisquer vícios específicos ou próprios das liquidações de IMI e AIMI em causa.

G. Não obstante o motivo da referida discordância dizer respeito a ato de fixação de valores patrimoniais, a Requerente não promoveu ou requereu uma segunda avaliação do prédio em causa, “no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro [sujeito passivo] tenha sido notificado” (vd. art. 76.º, n.º 1, do CIMI). Tal facto releva porque apenas do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) é que cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (vd. art. 77.º, n.º 1, do CIMI). Não tendo sido esgotados os referidos meios graciosos, a ora Requerente ficou impossibilitada de proceder à impugnação autónoma de tal ato destacável, no prazo de 3 meses após “a notificação [do ato de fixação dos valores patrimoniais] ao contribuinte” (vd. art. 134.º, n.ºs 1 e 7, do CPPT). A não impugnação tempestiva do referido ato pela ora Requerente permite concluir que se formou caso decidido ou resolvido sobre a avaliação do prédio em causa.».

4.1. A decisão arbitral fundamento relevou a matéria de facto que, a seguir, se transcreve parcialmente: «(...)

a) Nos anos a que se referem as liquidações em causa, acima melhor identificadas, a A... era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia da ... sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-...; e a B... do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... da freguesia de ... e ... .

b) Na determinação do VPT dos prédios propriedade da A..., a AT:

- relativamente aos prédios inscritos sob os artigos matriciais U-..., U-... e U..., considerou um coeficiente de localização de 1,50 e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,050;

- relativamente aos prédios inscritos sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-... e U-..., a considerou um coeficiente de localização de 1,50;

- relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial U-..., considerou um coeficiente de localização de 1,25 e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,010.

c) Na determinação do VPT dos prédios propriedade da B..., a AT considerou um coeficiente de afetação de 1,10 e um coeficiente de localização de 2,10 aplicáveis aos prédios edificados com destino a serviços.

d) Em todos os casos, no cálculo do VPT realizado pela AT foi considerada a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

e) As Requerentes apresentaram pedidos de revisão oficiosa das liquidações que ora impugnam, em 02.03.2020 e 04.03.2020, com fundamento em erro imputável aos serviços e, subsidiariamente, em injustiça grave ou notória, pedidos esses que não foram objeto de decisão expressa, decorrido que foi o respetivo prazo legal.

f) As Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado.».


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5. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 510/2021-T, do CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em vícios que aponta à determinação do valor patrimonial tributário do imóvel ali em causa.

A Recorrente não se conforma com o assim decidido por entender que a decisão arbitral recorrida está em contradição com a decisão arbitral que indica como «decisão fundamento», tirada no processo n.º 500/2020-T, que também correu termos junto do CAAD) [alínea “B)” das conclusões do recurso]

Invocou como fundamento da admissibilidade do recurso o artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”) e o artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

Decorre do sobredito que o presente recurso tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Conforme referido no ponto 66 das doutas alegações de recurso «a questão decidida consiste em determinar se, sendo os atos de avaliação do VPT atos destacáveis autonomamente impugnáveis, podem ou não os vícios desses atos constituir fundamento para a revisão dos atos de liquidação emitidos com base naqueles».

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo já uniformizou jurisprudência sobre essa questão.

No recente acórdão do Pleno da Secção de 23 de fevereiro último, tirado no processo n.º 102/22.2BALSB (que, de resto, também teve por objeto uma decisão arbitral que apreciou o pedido de declaração de ilegalidade de ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI com fundamento em a errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e qualidade e conforto no cálculo do VPT de terrenos para construção), foi decidido que «[d]eixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.».

Significa isto que a decisão arbitral está, na parte recorrida, de acordo com a mais recente jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Ora, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o recurso não é admitido de a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Assim sendo, o presente recurso não deve ser admitido.

O que, a final, se decidirá.


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6. Conclusão

6.1. Constitui requisito da admissibilidade do recurso a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT que a orientação perfilhada na decisão impugnada não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos);

6.2. Estando em causa saber se os vícios dos atos de avaliação do valor patrimonial tributário podem constituir fundamento da revisão dos atos de liquidação de IMI e AIMI subsequentes e estando a decisão arbitral recorrida, nesse âmbito, de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo o recurso não deve ser admitido.


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7. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Custas pela RECORRENTE.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 22 de março de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.