Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03097/11.4BEPRT
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31030
Nº do Documento:SA22023052403097/11
Data de Entrada:02/17/2023
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



A..., Lda., Apelada e Impugnante, em que é Apelante e Impugnado a Fazenda Pública, ambos melhor identificados nos autos, não se conformando com o acórdão proferido pelos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, com a Ref. n.º 007718827, no âmbito da improcedência da sua impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRC n.º ...94, ...95, ...02 e respetivos juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2006 a 2008, mui respeitosamente, vem ao abrigo do disposto nos termos dos n.ºs 2 e 4 do artigo 285.º e 286.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso de Revista, com efeito devolutivo e a subir imediatamente nos próprios autos, para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO.

Alegou, tendo concluído:
I) O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo n.º 3097/11.4BEPRT, que julgou procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública revogando a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
II) Com a presente ação, a Recorrente impugnou judicialmente as liquidações adicionais de n.ºs ...94, ...95, ...02, no âmbito do seu IRC e referente aos anos de 2006, 2007 e 2008, no montante de 45.480,50€ e ainda das liquidações de juros compensatórios do mesmo período com os n.ºs ...29; ...31; ...35; ...39 e ...41, no montante de 3.116,57€ efetuada pela Fazenda Pública, aqui Recorrida.
III) As mencionadas liquidações adicionais tiveram origem nas correções aritméticas efetuadas em sede de IRC, - no âmbito de uma ação inspetiva levada a cabo contra as sociedades “B...” e “C..., Lda.”, considerando a Recorrida que as faturas constantes na contabilidade da impugnante não correspondem a reais prestações de serviços.
IV) As correções efetuadas pela Recorrida resultaram num imposto a pagar pela Recorrente, no montante global de 45.480,50€, acrescido de juros compensatórios de 3.116,57€.
V) A Recorrente entende que são ilegítimas as correções efetuadas pela Recorrida que deram origem às aludidas liquidações no âmbito do IRC da Recorrente.
VI) Nesta senda, e na nossa humilde opinião, o Tribunal de 1.ª instância, proferiu a seguinte decisão: “ Nos termos expostos, julga-se a presente impugnação parcialmente procedente e, por via disso, anulam-se parcialmente as liquidações impugnadas, na parte em que a AT procedeu a correções em sede de IRC relacionadas com a dedução de custos contidos nas faturas emitidas por B..., Lda” e “C..., Lda”, mantendo-se as liquidações na parte restante “(ponto IV da sentença).
VII) O acórdão aqui recorrido decidiu, sem sentido contrário do Tribunal de 1.ª instância e proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação judicial.”
VIII) A Recorrente pretende que sejam declaradas nulas as já melhor identificadas liquidações atendendo que a decisão da Recorrente e o acórdão recorrido violam as seguintes disposições legais: 58.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º da Lei Geral Tributária; o artigo 350.º do Código Civil (CC), o artigo 23.º do CIRC; o artigo 3.º do CPA (Código de Processo Administrativo) e artigos 104.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
IX) E ainda os seguintes acórdãos: Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, datada de 21 de Abril de 2010, Processo n.º 0774709, decisão do Centro de Arbitragem Administrativa, Processo n.º 844/2019-T; Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 12 de Janeiro de 2017, Processo n.º 00171/06.2BEBRG; Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 11 de Julho de 2019, Processo n.º 1296/10.5BELRA; AC. do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14 de Janeiro de 2004, Processo n.º 1480/03; Ac. Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 3 de Março de 2022, Processo n.º 543/16.4BEPRT, Ac. Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 21 de Novembro de 2019, Processo n.º 01625/16.8BEPRT, devendo a impugnação judicial da Recorrente proceder.
X) Urge uma melhor aplicação do direito ao caso concreto, pelo que, a Recorrente vem interpor o presente recurso de revista, por considerar que o acórdão recorrido viola as disposições legais constantes em IX).
XI) Sem prescindir e em virtude de uma incorreta aplicação do direito, o Tribunal Central Administrativo do Norte acaba por incorrer em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa visto que a lei, in casu, exigia uma certa espécie de prova para a existência do facto que a Recorrida não juntou aos autos.
Se não vejamos, resta-nos indicar as disposições que foram violadas pelo acórdão recorrido:
XII) O artigo 266.º da Constituição Portuguesa norteia os princípios fundamentais pelos quais se deve pautar a Administração Pública no seu relacionamento com os cidadãos. A atividade da Recorrida deve respeitar os princípios da legalidade, imparcialidade, justiça, boa-fé e igualdade.
XIII) O artigo 3.º do CPA, no seu n.º 1, estipula que: “1 - Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
XIV) Assim, o relatório dos SIT devia conter elementos de modo objetivo e fundamentado que legitimasse a alteração efetuada nas declarações contabilísticas da Recorrente, o que, no caso em concreto, não sucedeu.
XV) Nos termos do artigo 23.º do CIRC, para efeitos da determinação do lucro tributável de uma empresa, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC., disposição, esta, também violada pelo acórdão e pela Recorrida na medida em que desconsiderou faturas em que a Recorrente figurava como sujeita passiva e que deveriam ser entendidas como prova dos gastos com a sua atividade.
XVI) O artigo 75.º da LGT estipula uma presunção legal de veracidade das declarações contabilísticas dos contribuintes.
XVII) Até então, a Recorrente tinha a sua situação fiscal regularizada, inexistindo razoes para desconfiar da autenticidade das declarações por si emitidas em sede de IRC.
XVIII) Como a referida presunção legal é a seu favor, a Recorrente não tem que fazer prova do facto a que ela conduz, - ou seja da veracidade da sua informação fiscal - conforme o estipulado no artigo 350.º do Código Civil.
XIX) Para que as liquidações oficiosas efetuadas pela Recorrida sejam consideradas legitimas, esta deveria ter em sua posse prova que consubstancie factos objetivos, comprovados e sérios, manifestamente indicadores da falsidade das faturas que pretende desconsiderar no âmbito do artigo 23.º do CIRC.
XX) O relatório dos SIT no âmbito da ação inspetiva levada a cabo em duas fornecedoras da Recorrente, refere que as faturas – melhor identificadas nos autos – em que a Recorrida figura como sujeito passivo, são falsas, por não corresponderem a serviços efetivamente prestados.
XXI) Conforme bem decidiram V. Exas., no âmbito das chamadas “faturas falsas”, no acórdão datado de 21 de Abril de 2010, no processo n.º 0774/09: “O entendimento sempre perfilhado é o de que à Administração cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artigo 342º do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação. E, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja a efectiva existência das alegadas transacções.”
XXII) De acordo com o decidido no Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do Processo n.º 844/2019-T, “Dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real das empresas e da capacidade contributiva decorre que a dedutibilidade de gastos efetivamente suportados para efeitos de determinação do lucro tributável da empresa pode ser objeto de prova através de elementos que, complementando a fatura que não contenha todos os elementos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC, comprovem a materialidade das operações.”
XXIII) Outro dos indícios que a Recorrente aponta, além da forma legal das faturas, prende-se pelo facto de uma das visadas (Fatura n.º ...25... de 2006.10.30), fazer referência a um auto de medição que não esta arquivado junto da mesma, nem foi exibido à Recorrente (conforme pag 5 ponto 1.1 do mencionado relatório que serviu de base para o acórdão recorrido).
XXIV) A falta de auto de medição também não é suficiente para afastar a presunção legal do artigo 75.º da LGT.
XXV) A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 12 de Janeiro de 2017, no âmbito do processo n.º 06686/13, refere o seguinte: “I. Não tendo a Administração Tributária recolhido indícios suficientemente sérios, objectivos e credíveis para suportar, às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável e de proceder à liquidação, é de concluir que esta não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige. II.A não apresentação de Autos de Medição e folhas de obra só por si nada significa, ou seja, não constitui indício sério de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Na verdade, é necessário levar em consideração que nada impede que uma empresa contrate uma terceira para a realização de uma obra sem exigência da elaboração de tal documento, pois que, em regra, apenas tem por finalidade medir o volume e quantidades de trabalhos executados em ordem a permitir a emissão da factura correspondente. III.O Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que o princípio da neutralidade do IVA se reflecte no regime das deduções, que visa libertar por inteiro o contribuinte do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas.”.
XXVI) Também a Recorrida põe em causa o meio de pagamento utilizado entre a Recorrente e as suas fornecedoras, atendendo que o mesmo foi realizado por cheque ou em numerário, considerando estar em causa o artigo 63.º C da LGT.
XXVII) Sendo que os serviços efetivamente prestados dizem respeito a cedência de pessoal (cuja a identificação dos R e aluguer de máquinas.
XXVIII) A este propósito, veja-se o acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, datada de 20 de Dezembro de 2011, com o processo n.º 00171/06.2BEBRG, quanto aos meios de pagamento considerou o seguinte:
“Em segundo lugar, a administração indicou no seu Relatório indícios referentes aos meios de pagamento dos serviços referidos nas facturas, as quais teriam sido pagas em numerário. Neste ponto, diremos que a inexistência de provas de pagamento que deriva da circunstância de os mesmos serem efectuados em numerário é, em geral, uma circunstância indiciadora de práticas de evasão ou fraude fiscal e encontra-se, não poucas vezes, associada ao fenómeno da chamada facturação falsa. No entanto, com base nesse indício e dada a fragilidade dos demais que antes referimos, não é possível fundar, objectivamente, qualquer conclusão quanto à inexistência da prestação de serviços, uma vez que, também neste particular, a experiência comum demonstra a ocorrência, em sectores menos sofisticados da vida económica, a efectivação, pelas mais diversas razões e nem sempre ilegítimas, de pagamentos em numerário. Acresce que, no caso concreto, os indícios relativos aos meios de pagamento usados pela Recorrente são irrelevantes uma vez que, é pacífico, na óptica da própria administração tributária, que a Recorrente teve de contratar terceiros para lhe prestarem serviços sendo de presumir que essa contratação foi onerosa e que, portanto, implicou pagamentos que a sua contabilidade apenas releva terem sido feitos em numerário.
XXIX) É entendimento pacifico entre a jurisprudência que o meio de pagamento não pode ser um indício que afaste a veracidade das declarações fiscais entregues pela recorrente, pelo que, ao contrário do decidido, também aqui a presunção legal do artigo 75.º da LGT deverá prevalecer.
XXX) A decisão da Recorrida e, concomitantemente, o acórdão recorrido violam o artigo 104.º da CRP, o imposto sobre as empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. Esse rendimento real é apurado nos termos da lei contabilística expressa no SNC, pela diferença entre os rendimentos obtidos e os gastos suportados num determinado período, normalmente um ano civil.
Tal rendimento real é obtido em sentido económico, isto é, quando se fazem os negócios e se incorrem em gastos, independentemente do seu recebimento ou pagamento em termos financeiros.
XXXI) A Recorrida defende as correções adicionais efetuadas ao IRC da Recorrente com base em discrepâncias que encontrou na contabilidade das fornecedoras do serviço em questão, e que se prendem com: a falta de pagamento de declarações junto da AT e da Segurança Social, falta de pagamento de contribuições, falta de apresentação de registos contabilísticos, inexistência de estrutura, pagamentos das faturas em numerário e em cheques levantados ao balcão, insuficiência de aquisições para os volumes faturados, indicação por crimes de fraude fiscal qualificada por emissão de faturas falsas, existência de clientes que regularizaram voluntariamente os valores registados.”
XXXII) A Recorrente, enquanto sujeito passivo e cliente, não tem que conhecer a vida tributária dos seus fornecedores. A este propósito, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Julho de 2019, no processo n.º 1296/10.5BELRA, que bem decidiu, no mencionado sentido: «da circunstância de um sujeito passivo se dedicar à emissão de facturas falsas, não pode concluir-se, sem mais, que não exerça simultaneamente a actividade para que está colectado (no caso do emitente, a de construção civil). Daí a necessidade, também, da recolha de indícios, seguros e credíveis, centrados na relação concreta por ele estabelecida com o utilizador, de modo a poder estabelecer-se algum nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador. Porque, o que verdadeiramente importa apurar é se os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo emitente, independentemente do incumprimento generalizado das obrigações legais e fiscais (art.º31.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) a que ele está vinculado no exercício da actividade prestadora. Serve isto para dizer que um sujeito passivo pode não ter assalariados inscritos na segurança social, não reter e/ou não entregar ao Estado o imposto sobre remunerações pagas, nem declarar à AT operações com terceiros fornecedores de bens e serviços (…), sem que isso represente per si um indício forte da irrealidade das operações facturadas, sendo certo que a capacidade empresarial do emitente nem sempre poderá ser apreendida e medida a partir da sua estrutura de custos declarada (com assalariados e operações com terceiros), bastando pensar, no sector da construção civil, na recorrente situação de alocação de trabalho indiferenciado com recurso a mão-de-obra clandestina» (sublinhado nosso).
XXXIII) O Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1924/08.2BELRS, datado de 28 de Novembro de 2021: “ I. A circunstância de a empresa emitente das faturas estar indiciada por emissão de faturas falsas e ter falhas declarativas e de cumprimento das suas obrigações (considerando que a AT se fundou exclusivamente no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA) não afasta o facto de ter ficado provado que foram prestados os serviços por quem se apresentou perante a Impugnante, cuja boa-fé nunca foi posta em causa, como trabalhador / encarregado da sociedade emitente das faturas.”
XXXIV) A Recorrida não conseguiu provar os indícios que errada e ilegitimamente aponta à aqui Recorrente, quando era a esta a quem lhe competia o ónus da prova nesta matéria.
XXXV) Vide, o Ac. do Tribunal Central Administrativo do Sul, no seu acórdão datado de 11 de Julho de 2019, no âmbito do processo n.º 1296/10.5BELRA, decidiu o seguinte: “. 1. Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. 2. No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”. 3. Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. 4. No caso, concluindo-se que a AT não demonstrou os pressupostos legitimadores da sua actuação correctiva, cumprindo o ónus da prova que lhe competia na demonstração de indicadores seguros, credíveis e consistentes de que as facturas contabilizadas pela impugnante não reflectem reais e efectivas operações económicas, é inútil averiguar sobre a prova da veracidade das transacções.
XXXVI) Como a Recorrida não logrou provar os indícios para o afastamento do artigo 75.º da LGT ao caso em concreto, não tinha a Recorrente que fazer prova da sua materialidade (embora a prova testemunhal dos autos enuncie o excesso de trabalho da mesma face ao número de trabalhadores que possuía e a necessidade de contratar tarefeiros ao Sr. AA).
XXXVII) Aliás, a decisão da Recorrida, além de violadora das disposições legais e da jurisprudência aqui em causa, é uma atitude conhecida entre os Tribunais, pelo que, não deve lograr a sua pretensão.
XXXVIII) A este propósito, veja-se o AC. do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 03-03-2022, Processo n.º 543/16.4BEPRT: “V - A administração tributária não cumpre o ónus que sobre si recai se os factos-índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão, nomeadamente quando a elaboração do RIT subjacente aos presentes autos tem como pano de fundo, aparentemente, a existência de matéria sobre a empresa fornecedora, sendo que deveria ter sido feito o enquadramento da situação concreta por forma a tornar claro o desenho da situação em apreço, sob pena de resumir o procedimento a apurar se a aqui Recorrida contabilizou faturas deste ou daquele sujeito passivo, a quem se colou o rótulo de “emitente de faturas falsas”, o que redunda numa situação de “pesca de arrasto.”
XXXIX) Também quanto aos juros compulsórios os mesmos devem ser recalculados, na senda, do AC. do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Outubro de 2019, processo n.º 01364/15: “ II - Não tendo a Administração Tributária explicado, no próprio acto de liquidação, de que forma foi alcançado o valor dos juros compensatórios liquidados ao sujeito passivo, não indicando, designadamente, o período de contagem considerado e a taxa de juro aplicada, não pode deixar de se concluir pela verificação do vício de falta de fundamentação quanto a esse acto tributário. IV - Nos termos do que dispõe o artigo 35º, nº 7, da LGT, no caso de falta apurada em acção de fiscalização os juros compensatórios são devidos até aos 90 dias posteriores à data da sua conclusão.
XL) Face ao exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado por violação das seguintes normas legais artigo 58.º, 74.º, 75.º, 76.º e 77.º da LGT, artigo 23.º do CIRC, artigo 3.º do CPA, artigo 104.º e 266.º da CRP e dos seguintes acórdãos Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, datada de 21 de Abril de 2010, Processo n.º 0774709, decisão do Centro de Arbitragem Administrativa, Processo n.º 844/2019-T; Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 12 de Janeiro de 2017, Processo n.º 00171/06.2BEBRG; Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 11 de Julho de 2019, Processo n.º 1296/10.5BELRA; AC. do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14 de Janeiro de 2004, Processo n.º 1480/03; Ac. Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 3 de Março de 2022, Processo n.º 543/16.4BEPRT, Ac. Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 21 de Novembro de 2019, Processo n.º 01625/16.8BEPRT, devendo a impugnação judicial da Recorrente proceder.
XLI) Sem prescindir, pode ainda entender-se que, o acórdão recorrido padece de um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por ofender as normas legais já aqui explanadas.
XLII) Nos termos do artigo 76.º da LGT, o relatório da ação inspetiva faz fé, no entanto, nenhum documento autêntico pode ser considerado quando atenta e viola lei substantiva e processual.
XLIII) A modificação à matéria de facto efetuada pelo acórdão recorrida com base na mencionada prova documental viola lei processual e substantiva e atenta contra a jurisprudência dos tribunais portugueses.
XLIV) Nestes termos, deve o presente acórdão ser revogado e ser reconhecida à Recorrente razão na impugnação judicial deduzida e, consequentemente, as liquidações oficiosas de IRC- Imposto sobre o Rendimento Coletável n.º ...94, ...95, ...02, no montante de 45.480,50€ (quarenta e cinco mil quatrocentos e oitenta euros e cinquenta cêntimos), enerente aos anos de 2006, 2007 e 2008, e ainda as liquidações relativas a juros compensatórios n.ºs ...29, ...31, ...35, ...39 e ...41 serem declaradas anuladas com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se a admissão do presente recurso interposto pela Recorrente e, concomitantemente, que o mesmo seja considerado totalmente procedente, as liquidações oficiosas de IRC- Imposto sobre o Rendimento Coletável n.º ...94, ...95, ...02, no montante de 45.480,50€ (quarenta e cinco mil quatrocentos e oitenta euros e cinquenta cêntimos), inerente aos anos de 2006, 2007 e 2008, e ainda as liquidações relativas a juros compensatórios n.ºs ...29, ...31, ...35, ...39 e ...41 serem declaradas anuladas com todas as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Constitui igualmente jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que atento o carácter extraordinário do recurso excepcional de revista não cabem no seu âmbito a apreciação de alegadas nulidades da decisão recorrida, devendo estas, ao invés, ser arguidas em reclamação para o Tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
Finalmente, também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional.

Vejamos.
No essencial a recorrente pretende com o recurso de revista, que intentou para melhor aplicação do direito, que este Supremo Tribunal reaprecie o acórdão recorrido no sentido de decidir a questão colocada nos autos em sentido oposto ao do acórdão recorrido e seguindo a apreciação que foi feita na 1ª instância.
Lido atentamente o acórdão recorrido resulta à evidência que a decisão se fundou unicamente na apreciação da matéria de facto provada e não provada, bem como das ilações de facto que daí se retiraram, interpretando-se de acordo com a jurisprudência deste Supremo as regras do ónus da prova no que respeita às “facturas falsas”.
Assim, escreveu-se com interesse, após se analisar toda a prova produzida:
Ora, considerando o que se acaba de concluir, e perante aquele quadro indiciário que suporta a conclusão da administração tributária de que as facturas em causa não se reportam a prestações efetivas de serviços (cumprindo, assim, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia) impunha-se à Impugnante, ora Recorrida, fazer a prova de que esses serviços foram prestados.
e mais à frente
Nesta senda, não tendo a Impugnante feito prova, como se lhe impunha, da materialidade das operações em causa, resta concluir, que os valores mencionados nas faturas em apreciação não poderão ser contabilizados como custos/gastos para efeitos de IRC nos respetivos exercícios.
Como resulta claramente da norma constante do n.º 4 do artigo 285º do CPPT, a este Supremo Tribunal não cabe reapreciar a matéria de facto provada e não provada, nem reapreciar as conclusões de facto que da mesma se extraíram, pelo que, uma vez que a apreciação do presente recurso implica tal apreciação, não pode o mesmo ser admitido e também porque não está em causa a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 24 de Maio de 2023. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.