Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01960/03
Data do Acordão:01/13/2004
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
RECURSO JURISDICIONAL.
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO.
INCONSTITUCIONALIDADE.
Sumário:I - Consideram-se proferidos em 2.º grau de jurisdição, para o efeito da previsão contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º da LPTA, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo emitidos em sede de recursos jurisdicionais de decisões dos tribunais administrativos de círculo, ainda que neles se conheça, pela primeira vez, de determinada questão, como, por exemplo, da caducidade.
II - Não é inconstitucional aquela norma interpretada no sentido de que não é admissível recurso de tais acórdãos, salvo se fundado em oposição de julgados.
Nº Convencional:JSTA00060117
Nº do Documento:SA12004011301960
Data de Entrada:12/09/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:DREG REC HID GRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO SUSPEFIC.
Legislação Nacional:LPTA85 ART103 N1 A.
CONST97 ART20 N1 ART214 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC47375 DE 2002/12/11.; AC STA PROC1278/02 DE 2003/03/27.; AC STA PROC28273 DE 1994/11/17.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. A... requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada a suspensão de eficácia de decisão do Director Regional do Ordenamento do Território e dos Recursos Hídricos da Secretaria Regional do Ambiente da Região Autónoma dos Açores.
1.2. Por sentença daquele tribunal de 2.11.2002, o pedido foi indeferido.
1.3. Dessa sentença, interpôs recurso, o qual foi julgado deserto, por despacho do mesmo tribunal de 14.1.2003.
1.4. Deste despacho interpôs recurso, ao qual veio a ser negado provimento por Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 22.5.2003.
1.5. Deste acórdão interpôs recurso, que não admitido.
1.6. Do respectivo despacho veio reclamação para o do Presidente deste STA, o qual decidiu, por despacho de 27 de Agosto de 2003:
“O ora Reclamante interpôs recurso, no processo pendente no TCA, invocando a contradição entre este e o acórdão proferido no Processo n.º 33897, pelo qual tal recurso deveria ser admitido, em conformidade com o disposto no art. 24.º. al. b) do ETAF.
O despacho sob reclamação não se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso à luz desse dispositivo legal (cfr. ainda artigo 103.º, n.º 2, da LPTA, ambos na redacção do DL n.º 229/96, de 29 de Novembro).
Por outro lado, vem agora a entidade recorrida, ao abrigo do art. 79.º, n.º 3, da LPTA, arguir a caducidade da suspensão, juntando certidão da não entrada de recurso contencioso de anulação no Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada.
Termos em que deverá ser proferido novo despacho, sobre a admissão do recurso por oposição de julgados, conhecendo, porém, a arguida excepção da caducidade”.
1.7. Por acórdão de 9.10.2003, o Tribunal Central Administrativo deliberou:
“(...)
Em face do exposto, acordam os juizes da 1.ª Secção (2.ª subsecção) do TCA em declarar a caducidade da suspensão de eficácia, e em não admitir o recurso por oposição de julgado, por manifesta impossibilidade superveniente da lide (art. 287.º al. e) do Cód. Processo Civil)”.
1.8. É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, que foi admitido por despacho no TCA, de 6.11.2003, “a processar como agravo em matéria cível, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivos”. 2.
2.1. O juiz relator suscitou, por despacho de 16.12.2003, o entendimento de que se não podia conhecer do recurso. Fê-lo nos seguintes termos:
1 - Ao pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo compete conhecer dos recursos de acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo, proferidos em último grau de jurisdição, com fundamento em oposição de julgados, bem como do seguimento desses recursos – artigo 24.º, alíneas b’) e c) do ETAF, na redacção do DL n.º 229/96, de 29 de Novembro.
Por sua vez, à Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, pelas suas subsecções, compete conhecer dos recursos de acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo em 1.º grau de jurisdição – artigo 26.º, n.º 1, alínea a), do mesmo ETAF.
Esta distribuição de competências compagina-se com o regime de impugnação das acórdãos do TCA. Na verdade, salvo por oposição de julgados, não é admissível recurso dos acórdãos do Tribunal Central Administrativo que decidam em 2.º grau de jurisdição - artigo 103.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção do DL n.º 229/96, de 29 de Novembro.
2 - O acórdão do Tribunal Central Administrativo, sob recurso, insere-se na fase de recurso jurisdicional de decisão do Tribunal Administrativo de Ponta Delgada em meio processual acessório de suspensão de eficácia.
Assim, só seria admissível recurso fundado em oposição de julgados.
Mas o recorrente não funda o recurso em oposição de julgados.
Nos termos do artigo 687.º, n.º 4, do CPC a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior.
Afigura-se que se está perante recurso que não devia ter sido admitido e do qual não se pode conhecer.
Nos termos dos artigos 102.º da LPTA, 704.º, 749.º e 762.º do Código de Processo Civil, convida-se as partes a pronunciar-se, querendo – prazo, 10 dias.
Depois, ao Ministério Público”.
2.2. O recorrente pronunciou-se nos seguintes termos:
“1. – O presente recurso não foi interposto para o pleno da Secção do contencioso Administrativo do STA, mas sim para a Secção de Contencioso Administrativo deste venerando Tribunal.
2. – Por isso, estamos no campo de aplicação do art. 26.º do ETAF cuja alínea a) do n.º 1 que permite conhecer «dos recursos de acórdãos da Secção do contencioso administrativo do TCA proferidos em 1.º grau de jurisdição».
3. – Ora, acontece que o TCA ao decidir dum pedido de caducidade que lhe foi em primeira mão formulado (já que o TAFPD não se pronunciou sobre essa excepção que não foi arguida sequer) proferiu tal decisão em primeiro grau de jurisdição.
4. – Efectivamente, é a primeira vez que tal matéria foi abordada nestes autos, foi pelo TCA em primeira instância e seria até inconstitucional não permitir ao recorrente (com ela justamente inconformado), socorrer-se de pelo menos um grau superior de jurisdição (art. 214.3 da CRP).
5. – Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida não fez correcta interpretação da lei processual, no julgamento duma excepção a que nem foi dada oportunidade ao recorrente de responder.
6. – E esse erro só pode ser reparado mediante recurso que também só pode ser interposto para o STA, dado nenhum outro tribunal da hierarquia judicial administrativa dispor de competência para tanto.
7. – Assim sendo, deverá o presente recurso continuar admitido e como tal correr os seus termos”.
2.3. A entidade requerida pronunciou-se deste modo:
“1. - A decisão recorrida foi proferida em 2.° grau de jurisdição pelo que não admite recurso - cfr. art. 26.° n.° 1 alínea a) do ETAF
2. - Com efeito, dispõe o n° 1 alínea a) do art. 103. da LEPTA que, salvo oposição de julgados, não é admissível recurso de acórdãos do Tribunal Central Administrativo que decidam em segundo grau de jurisdição.
3. - Permitimo-nos transcrever parte do preâmbulo do Dec. Lei n.° 229/96 de 29-11:
"Foi pela Lei n.° 49/96, de 4 de Setembro, concedida autorização legislativa ao Governo para criar e definir a organização e a competência de um novo tribunal superior da jurisdição administrativa e fiscal, designado Tribunal Central Administrativo.
A tal objectivo nuclear se dedica o presente diploma. De facto, é agora criada uma instância jurisdicional intermédia entre os tribunais administrativos de circulo e o Supremo Tribunal Administrativo, destinada a receber grande parte das competências hoje a cargo deste último, por forma a descongestionar o seu crescente volume de serviço. (...)
Realça-se, desde logo: o reforço das competências do Supremo Tribunal Administrativo no campo da uniformização da jurisprudência, passando a admitir-se, para esse efeito, recurso das decisões dos plenos das secções ou que as tenham como decisão fundamento, bem como recurso das decisões do Tribunal Central Administrativo; a atribuição às secções do Supremo Tribunal Administrativo do conhecimento dos recursos de acórdãos do Tribunal Central Administrativo proferidos em 1.° grau de jurisdição; a admissibilidade de recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões dos tribunais administrativos e fiscais consideradas qualitativamente mais importantes; a manutenção de apenas dois graus de recurso na jurisdição administrativa (..)"
4. - Nestes termos e secundando inteiramente o douto despacho a que se responde, o recurso não deve ser admitido pois dele este Venerando Tribunal não pode conhecer”.
2.5. A EMMP emitiu o seguinte parecer:
“Efectivamente afigura-se-nos que se está perante um recurso jurisdicional que não deveria ter sido admitido, sendo que em conformidade com o art° 687°, n° 4, do CPC, não está este Supremo Tribunal vinculado ao despacho que o admitiu. Nessa medida, revemos a posição anteriormente assumida, ao emitirmos o parecer de fls 129 e 130. Conforme decidiu o acórdão deste STA de 97.02.25, no processo n° 33594 (in Ap. DR de 99.11.25, p. 1412 e 1413), "grau de jurisdição para efeitos do previsto na alínea a) do art° 103° da LPTA, é o que resulta da posição em que o tribunal é chamado a decidir: directamente (por acção ou recurso) ou em 2ª via, por via de recurso ou meio análogo".
Assim, o acórdão do TCA, que se pronunciou sobre a caducidade da suspensão de eficácia foi proferido em segundo grau de jurisdição.
E não procede a invocação de que, sendo a primeira vez que tal matéria é apreciada em tribunal, tal entendimento é violador da Constituição da República Portuguesa, por não permitir ao recorrente socorrer-se de um grau superior de jurisdição; além disso, a norma do art. 214°.3 da C.R.P., que o recorrente cita, não respeita a matéria aqui em causa.
A norma do art° 20°, n° 1, da Constituição, ao assegurar a todos o recurso aos tribunais não impõe que a legislação ordinária, em qualquer hipótese, haja de garantir sempre aos interessados o acesso a sucessivos graus de jurisdição, mas antes postula que, onde aquela legislação tenha admitido diversos graus de jurisdição, seja consentida, ao nível dos vários graus admitidos, a via de recurso, sem quaisquer discriminações de ordem económica (vd ponto V do sumário do ac. do T.C. n° 65/88, de 23.03.88)
Nestes termos, damos sem efeito o parecer de fls. 129 e 130, e, emitimos, agora, parecer no sentido de que não deverá este STA conhecer do recurso jurisdicional”.
Cumpre apreciar e decidir.
3.1. De acordo com o artigo 687.º, n.º 4, do CPC, a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior.
Como se expendeu no despacho do juiz relator que suscitou o entendimento do não conhecimento do recurso, ao pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo compete conhecer dos recursos de acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo, proferidos em último grau de jurisdição, com fundamento em oposição de julgados, bem como do seguimento desses recursos – artigo 24.º, alíneas b’) e c) do ETAF, na redacção do DL n.º 229/96, de 29 de Novembro. Por sua vez, à Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, pelas suas subsecções, compete conhecer dos recursos de acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo em 1.º grau de jurisdição – artigo 26.º, n.º 1, alínea a), do mesmo ETAF.
Esta distribuição de competências compagina-se com o regime de impugnação dos acórdãos do TCA. Na verdade, salvo por oposição de julgados, não é admissível recurso dos acórdãos do Tribunal Central Administrativo que decidam em 2.º grau de jurisdição - artigo 103.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção do DL n.º 229/96, de 29 de Novembro.
O acórdão do Tribunal Central Administrativo, sob recurso, insere-se na fase de recurso jurisdicional de decisão do Tribunal Administrativo de Ponta Delgada, ou seja, é acórdão proferido em segundo grau de jurisdição, e não em primeiro grau.
Em termos da determinação do grau de jurisdição, e para efeito de impugnação de decisão que venha a ser tomada, é indiferente, ao contrário do que sustenta o recorrente, que nessa fase de segundo grau o tribunal se pronuncie, ainda que pela primeira vez, sobre determinada questão. Continua a ser decisão proferida em segundo grau de jurisdição, porque, efectivamente, o grau de jurisdição não flutua ao sabor do conhecimento primário ou secundário de certa ou certa questão.
No quadro de definição dos recursos, o grau de jurisdição resulta, como se assinala no Ac. deste STA referenciado no parecer da EMMP, da posição em que o tribunal é chamado a decidir: directamente, por dever conhecer do pedido inicialmente formulado - por exemplo, em acção, recurso, ou, como no caso, em meio processual acessório -, ou em segunda ou terceira via, por virtude de recurso ou meio análogo.
Esta tem sido, aliás, a posição tomada neste STA, ilustrada, nomeadamente, para além do já mencionado aresto, pelo acs., em subsecção, de 17.11.94, rec. 28273 (Apêndice ao Diário da República, pág. 8081) e de 27.03.2003, rec. 1278/02 (1ª sub), e, no Pleno, de 11.12.2002, rec. 47375 (Apêndice de 5.11.2003, pág.1410), para cuja mais alongada fundamentação se remete.
Assim, no presente caso, e nos termos do artigo 103, n.º 1, alínea a), da LPTA, só seria admissível recurso fundado em oposição de julgados, que não é o fundamento do presente recurso.
3.2. O recorrente na sua pronúncia ao despacho do juiz relator suscita a inconstitucionalidade da não admissão de recurso numa situação destas, citando o art. 214.º, n.º 3, da C.R.P..
Como se sublinha no parecer da EMMP, a norma do artigo 214º, n.º 3, da C.R.P. não respeita à matéria aqui em causa.
De qualquer modo, também como naquele parecer se adianta, a norma do art. 20°, n° 1, da Constituição, ao assegurar a todos o recurso aos tribunais não impõe que a legislação ordinária, em qualquer hipótese, haja de garantir sempre aos interessados o acesso a sucessivos graus de jurisdição.
Muito recentemente, debruçando-se sobre uma situação de contornos similares à presente - decisão do STA que julgou deserto recurso de sentença de tribunal administrativo, pretendendo o aí recorrente que tal decisão fosse configurada como decisão de primeiro grau (trata-se do Ac. de 27.3.2003 retro mencionado) - o Tribunal Constitucional, pelo Ac. 510/2003, de 28.10.2003 (Diário da República II Série, de 6.1.2004) manteve que, ainda que por mera hipótese de raciocínio se considerasse a decisão ali impugnada como de 1.º grau, não existiria qualquer inconstitucionalidade no facto de dela não ser admissível recurso; e reafirmou, na decisão sumária que precedeu o acórdão, e com citação de anterior aresto, que não existe “um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do processo penal)”.
Acompanha-se e remete-se para a fundamentação produzida neste acórdão, quanto à questão da inconstitucionalidade, julgando-se, aqui também, que não se verifica qualquer inconstitucionalidade na norma do artigo 103.º, n.º 1, alínea a), da LPTA na interpretação que dela se faz.
4. Pelo exposto, não se toma conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente.
Taxa de justiça: duzentos euros (200 €); procuradoria: cem euros (100 €).
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004
Alberto Augusto Oliveira – Relator – Fernanda Xavier – António Madureira