Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0538/18
Data do Acordão:09/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23563
Nº do Documento:SA2201809120538
Data de Entrada:05/28/2018
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………., Ld.ª, melhor identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.44/48, a qual indeferiu liminarmente a petição de reclamação por ela apresentada na execução fiscal nº 3085201601200070, em que é executada a sociedade B……… – Sucursal em Portugal.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões, aperfeiçoadas na sequência de despacho proferido a fls. 77:

«I. Resulta da douta sentença o seguinte: «Face ao exposto, perante aquela ineptidão, ao abrigo das normas citadas e nos termos do art. 590º n°1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do disposto no art.2° corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, indeferimos liminarmente esta Reclamação de A……….., L.dª apresentada na execução n°3085201601200070 e apensos, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 3, em que é executada a sociedade B……… - Sucursal em Portugal.
II. Desde já, cumpre-nos esclarecer que a ora reclamante dirigiu ao douto Serviço de Finanças um requerimento, a requerer a atribuição do efeito suspensivo de uma reclamação anteriormente apresentada, o qual o próprio Órgão de Execução Fiscal entendeu ser uma reclamação,
III. Aliás, é esse o cerne dos presentes autos, a atribuição do efeito suspensivo à reclamação.
IV. Ademais a ora reclamante em momento algum recebeu qualquer mensagem, pelo próprio sistema de comunicações com a informação do insucesso do envio,
V. Portanto, em momento algum, deverá a ora reclamante ver os seus direitos restringidos apenas porque o douto serviço de Finanças alega não ter recebido o email,
VI. Aliás, o douto tribunal entende erradamente o seguinte: “pois que de todo o modo a Reclamação foi enviada a Juízo e, que se saiba, ainda não é da responsabilidade dos órgãos de execução fiscal o insucesso imputável ao emitente de mensagens via e-mail de petições, por causas que lhes sejam estranhas àqueles.»
VII. Ainda é necessário relevar que o douto tribunal, sem motivo aparente e justificativo alegou o seguinte: “Acrescenta a final que em 28 de novembro de 2017 foi a Reclamante citada por reversão dos autos sobre si, enquanto infiel depositária arts. 233º e 224º nº1 corpo e alínea b), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Remata dizendo que em face disso se entendeu que a Reclamação era inútil, mas aquela entendeu que não, mantendo a pretensão da sua remessa a Juízo. “(sublinhado nosso)
VIII. Não se compreendendo o motivo pelo qual o douto tribunal apelidou a ora reclamante de infiel depositária,
IX. A verdade é que mais uma vez o douto tribunal procura forçadamente apontar deficiências na actuação da ora reclamante,
X. Ora, no entendimento do douto tribunal a quo “não fora a informação do Órgão de Execução Fiscal, jamais se perceberia sequer o enquadramento real da Reclamante na execução”,
XI O que não se compreende uma vez que a causa de pedir, o pedido e a identificação da decisão que se pretendia reclamar eram bem explicitas,
XII. Ainda, sobre o meio de defesa,
XIII. É o próprio Órgão de Execução Fiscal a considerar como meio adequado a reclamação.
XIV. Relativamente ao valor da acção, entende o tribunal a quo fixar o valor de 2500 €.
XV. O que, salvo o devido respeito não se compreende uma vez que se trata na presente acção de penhora de créditos.
XVI. Pelo que não pode o douto tribunal fixar o valor tão baixo da acção, devendo pois o valor ser de 15.000,01€ por se tratar do valor mais adequado ao litígio,
XVII. Bem como à salvaguarda dos direitos de defesa da ora reclamante.
XVIII. Impugnando-se, desde já, o valor da acção.
XIX. A douta sentença não se pronunciou sobre as questões suscitadas no requerimento da ora reclamante.
XX. Pelo que estamos perante uma nulidade de sentença, nos termos do artº 615º, nº 1, al. d) do CPC,
XXI. Na realidade é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
XXII. O que realmente foi o caso!
XXIII. Pois que o douto tribunal a quo não se pronunciou sobre o efeito suspensivo,
XXIV. Ademais, o douto tribunal procurou pronunciou-se de mérito sobre a reclamação propriamente dita, no entanto sem qualquer fundamentação.
XXV. Sendo que qualquer decisão deve estar devidamente fundamentada, nos termos do violando assim o artº 607º nº 3 do CPC “ Seguem-se os fundamentados, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”, bem como o artº 154º do CPC e ainda o artº 205º do CRP.
XXVI. A fundamentação é essencial para a ora reclamante poder exercer o seu Direito de Defesa, nomeadamente o Princípio do Contraditório.
XXVII. A violação do Princípio do Contraditório é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, visto que a subjacente irregularidade cometida se mostra capaz de influir no exame ou decisão da causa.
XLI. Posto isto e com base no supra alegado, não poderá a ora reclamante sufragar tal entendimento, pelo que requer-se a V Exªs a devida revogação da douta sentença e o devido atribuição do efeito suspensivo à reclamação apresentada, assim dignificando a tão douta e costumada JUSTIÇA!

2 – A Fazenda Pública não contra alegou.

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu fundamentado parecer no sentido do não provimento do recurso, pronunciando-se no sentido de que não se verificam as invocadas nulidades da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação e além do mais, opinando no sentido de que «a PI da reclamação judicial de AOEF, que faz fls. 12/21 dos autos é, manifestamente, inepta/imprestável.»

Em seu entender, «a referida peça não identifica, minimamente, o concreto ato ou decisão do OEF objeto da reclamação judicial, nem, logicamente, são invocados quaisquer vícios de forma ou substâncias de que o mesmo pudesse sofrer.»
Quanto ao valor da acção entende o Ministério Público que «resultando da informação oficial constante dos autos, como se refere a fls. 45 do despacho judicial, que a génese de toda esta problemática tem a ver com a penhora de créditos no valor de € 109.899,71 parece ser este o valor da ação, nos termos do disposto no artigo 97.°-A /1/e) do CPPT.»
Propondo que se fixe o valor da causa em € 109.899,71 e, que, no restante, se negue provimento ao recurso.

4- Notificadas as partes deste parecer do Ministério Público nada vieram dizer.

5 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

6 – O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
«Nos presentes autos incidentais da execução n°3085201601200070 e apensos, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 3, tal como se mostram autuadas, observamos o seguinte:
- há uma petição dirigida ao Órgão de Execução Fiscal, a fls.2-8, com anexos a fls.9-11, de A………., que, se bem se alcança perceber, versa sobre a não receção de uma petição de Reclamação de Ato do Órgão de Execução Fiscal, datada de 27 de novembro de 2017, invetivando ainda contra a não atribuição à Reclamação de efeito suspensivo do processo;
- há uma outra petição, de A…………, L.dª desta feita dirigida ao Tribunal, a fls.12-21, com anexos a fls.22-24, com repetição da primeira petição a fls.25-29, seguida desta segunda, em cópia, a fls.30-35.
Esta segunda petição - que portanto será a tal de Reclamação, de que foi tentado o envio em 27 de novembro de 2017 e que é petição reclamatória propriamente dita — a Reclamante expõe por que razão ela deve ela subir e ser decidida de imediato, arts.1°- 10.º. Depois, arts.11°-58°, expõe que houve reversão da execução sobre si, sem que alguma vez lhe tenham sido comunicados os factos e fundamentos da reversão; aliás, mais à frente diz mesmo que não houve sequer uma citação.
Em face disso conclui, pois, por que toda a execução, enquanto sobre si revertida, é ilegal, nomeadamente no que decorre da omissão de notificação anterior, ou concomitantemente, dos atos que implicam a responsabilidade assacada, como do estabelecimento da própria relação processual executiva, com a citação omissa, terminando a pedir, portanto, a anulação ou declaração de nulidade da execução enquanto sobre si incidente. É indicada prova testemunhal.
Perante a autêntica aberração processual que vem descrita na petição reclamatória — tanto mais que se referia ser um caso de reversão sem citação, o que é de todo inconcebível — leu-se mais atentamente ainda que o normal o que teria, então, o Órgão de Execução Fiscal a dizer.
Na sua informação, o Órgão de Execução Fiscal expõe que os problemas relativos ao envio por e-mail da petição reclamatória, em novembro, se ficaram a dever ao tamanho dos documentos então submetidos a envio. De todo o modo, acrescenta, o insucesso do envio é relatado ao emitente da mensagem, pelo próprio sistema de comunicações utilizado.
Depois, quanto ao tramitado, o Órgão de Execução Fiscal explica que a reversão de que fala a Reclamante não foi, senão, o prosseguimento em bens seus, na sequência de não haver documentado um pagamento de créditos, enquanto notificada como devedora da sociedade executada, B…….. - Sucursal em Portugal, no âmbito da penhora de créditos desta.
Concretizando, diz que na sequência da notificação da penhora de créditos a Reclamante invocou o pagamento de duas faturas por aquela emitidas, no valor de €109.899,71 - que foi o crédito que motivara a notificação de penhora a ela dirigida. Perante isso foi-lhe então pedido demonstrasse o pagamento [anterior à penhora, o que a Reclamante nunca fez. Assim, o Órgão de Execução Fiscal, por despacho de 13 de novembro de 2017 converteu «em definitivo o despacho de reversão da dívida [daquela dívida, supõe-se, e não de da dívida exequenda!] [sobre a ora Reclamante], contra o devedor do crédito» à sociedade executada.
E mais diz o Órgão de Execução Fiscal que é esse despacho o «o da presente reclamação judicial, por falta de fundamentação, não ser citação e não indicar os meios de defesa».
Acrescenta a final que em 28 de novembro de 2017 foi a Reclamante citada por reversão dos autos sobre si, enquanto infiel depositária, arts. 233° e 224° n°1 corpo e alínea b), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Remata dizendo que em face disso se entendeu que a Reclamação era inútil, mas aquela entendeu que não, mantendo a pretensão da sua remessa a Juízo.
III
Do cotejo das petições com o que é dito pelo Órgão de Execução Fiscal pensamos ser agora sobremaneira evidente que a petição reclamatória apresentada é aquela referida em I, no segundo ponto - já que a outra, do primeiro ponto, não só se dirige ao Órgão de Execução Fiscal como, por outra parte, se mostra agora sem objeto, pois que de todo o modo a Reclamação foi enviada a Juízo e, que se saiba, ainda não é da responsabilidade dos Órgãos de Execução Fiscal o insucesso imputável ao emitentes de mensagens via e-mail de petições, por causas que lhes sejam estranhas àqueles.
Analisando-a em cotejo com o que é dito pelo Órgão de Execução Fiscal sobre o curso da execução, forçoso é concluir que a petição está desinserida de todo do iter processual percorrido e, maxime, do então em curso, parecendo denotar aliás incompreensão do encadeado de atos que iam sendo praticados na execução e que lhe iam sendo notificados. Por outra parte, a petição omite completamente o conhecimento dos atos de que tinha sido dado conhecimento à Reclamante e, com a paralela omissão de uma qualquer referência à penhora de créditos, gera uma descrição da execução totalmente incompreensível e em absoluto ilegal.
Decorre porém do que é descrito pelo Órgão de Execução Fiscal que, independentemente da bondade intrínseca da tal “reversão”, os atos realizados tomam-na compreensível e perfeitamente inteligível, de um puro ponto de vista formal, em cotejo com as normas aplicadas.
Como quer que seja, com base no que é descrito na petição resulta que ela é inepta, nos termos do art. 186° n°2 corpo e alínea a) do Código de Processo Civil, pois não identifica minimamente a causa de pedir, o concreto ato do Órgão de Execução Fiscal que a motiva, arts. 276°ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Dir-se-ia até que se insurge contra a execução globalmente considerada, ou então contra atos extraprocessuais ou, mesmo, a atos anteriores à execução, tal a insistência na omissão de notificações conforme o disposto no art. 36° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. De todo o modo, mesmo nessa(s) leitura(s), nunca poderia tal ser matéria de uma Reclamação sobre ato imputáveis a um dado Órgão de Execução numa dada execução.... Como dito, não fora a informação do Órgão de Execução Fiscal, jamais se perceberia sequer o enquadramento real da Reclamante na execução. Desconhece-se, pois, qual o concreto ato reclamado. E mesmo que se admitisse que o ato a que a Reclamação se dirige é o tal despacho do Órgão de Execução Fiscal, de 13 de novembro de 2017, que converteu «em definitivo o despacho de reversão da dívida contra o devedor do crédito» à sociedade executada, como ele mesmo, Órgão, sugere, a verdade é que na petição referência alguma lhe é feita, consequentemente omitindo-se o que nele porventura esteja mal ou seja ilegal. Esse despacho em si mesmo considerado também não seria, aliás, reclamável, tanto mais que enquanto não fosse objeto da comunicação, no contexto da citação do infiel depositário, não era ainda eficaz nem, por isso, suscetível de lesar quem quer que fosse, designadamente a ele. Seria, ainda, de qualquer modo, passível de impugnação, hoc sensu, mas no âmbito da oposição à execução, enquanto despacho que intendia a alterar a legitimidade passiva, uma vez efetuada a citação, nos termos gerais da invocação da ilegitimidade [substantiva] para se ser executado.
Aqui chegados, sempre se dirá que decorre das informações prestadas pelo Órgão de Execução Fiscal - abstraindo da insusceptibilidade de uma Reclamação como a presente - que entretanto a Reclamante foi citada, donde que aquilo que parecem ser ilegalidades gerais decorrentes de falta de uma notificação/citação para os termos dos autos, que entende oporem-se á sua execução a título pessoal, na execução movida a outrem, nesse sentido parecem ter-se dissolvido, tornando-se questões inúteis, para o que também o Órgão de Execução Fiscal chamou a atenção.
Em face do todo exposto, perante aquela ineptidão, ao abrigo das normas citadas e nos termos do art. 590º n°1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do disposto no art.2° corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, indeferimos liminarmente esta Reclamação de A……….. L.dª apresentada na execução n°3085201601200070 e apensos, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 3, em que é executada a sociedade B……….. - Sucursal em Portugal.
Uma vez que a Reclamação presente se não enquadra nas legalmente previstas, fixamos aos autos, ao abrigo e para efeitos do disposto no art.97°-A n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o valor de €2.500, dada a simplicidade do tramitado.»

7. Do objecto do recurso:
Como é sabido são as conclusões que delimitam o objecto do recurso.
Nas conclusões o recorrente deve apresentar, de forma sintética, os fundamentos porque pede a alteração ou a anulação da decisão.
Fundamentos esses que são traduzidos na enunciação das questões de direito cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido.
No caso em apreço, vistas as conclusões das alegações, as questões a decidir reconduzem-se a saber:
a) Se o despacho do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls. 44/48, que indeferiu liminarmente a reclamação deduzida pela recorrente na execução n°3085201601200070 e apensos, padece de nulidade por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação (artigos 615º, nº1, alíneas c) e d) do CPC e 125º nº 1 do CPPT).
b) Se o despacho recorrido padece também de erro de julgamento ao indeferir liminarmente a petição inicial e ao fixar o valor da causa em 2500 euros.

Em suma resulta das conclusões das alegações de recurso que a Recorrente centra a sua discordância com a decisão impugnada num alegado juízo nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, invocando a violação do disposto nos artigos 615º, nº1, alínea d), 607º, nº 3 e 154º do Código de Processo Civil, e 205º da CRP, e num alegado erro de julgamento no indeferimento liminar e na fixação do valor da causa, sendo nesta perspectiva que vai ser apreciado o recurso.


7.1 A questão da nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia.

Alega a recorrente que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre as questões suscitadas no requerimento da reclamante e ora recorrente, nomeadamente sobre a atribuição de feito suspensivo à reclamação, que seria o cerne da sua pretensão, no que teria incorrido em omissão de pronúncia.
Esta argumentação não pode, no entanto, obter acolhimento
Vejamos.
Preceitua o artº 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil que ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questão submetida pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
No mesmo sentido aponta o artº 608º, nº 2 do mesmo diploma legal que dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora no caso em apreço, a circunstância de a sentença recorrida não se ter debruçado sobre as questões relativas ao efeito suspensivo da reclamação de actos do órgão da execução fiscal, não conduz a omissão de pronúncia. Concluindo a decisão recorrida, fundamentadamente, pela rejeição liminar da petição inicial, nada mais haveria que apreciar, não cabendo na lógica da sentença o conhecimento sobre qualquer questão de mérito que tivesse sido suscitada na petição
Aliás invocando fundamento para a rejeição liminar da petição inicial, o juiz não pode apreciar o mérito desta, sob pena de excesso de pronúncia (Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2010, recurso 199/10, in www.dgsi.pt.).
Poderá eventualmente ocorrer erro de julgamento da decisão sindicada, determinante da respectiva revogação, mas não nulidade desta.

Do exposto se infere que não se pode falar, a este respeito, da existência de dever de pronúncia, pelo que improcede a arguida nulidade.

7.2 Da alegada nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação.

Neste segmento do recurso, e de forma algo contraditória com a alegação de omissão de pronúncia, a Recorrente imputa também à decisão sindicada nulidade por falta de fundamentação.
Argumenta que o «tribunal procurou pronunciar-se de mérito sobre a reclamação propriamente dita, no entanto sem qualquer fundamentação» (conclusão 24ª).
Também aqui improcederá o recurso.
Com efeito, como é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Já por outro lado a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, que afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140, bem como os Acórdãos desta secção do Supremo Tribunal Administrativo de 1/09/2010, recurso 653/10, 07.12.2010, recurso 1075/09 e de 02.03.2011, recurso 881/10, in www.dgsi.pt.
No caso subjudice, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto,
é patente que no despacho recorrido estão bem explicitados , através da análise petição inicial de reclamação e da informação oficial constante dos autos, os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida no sentido de indeferir liminarmente a petição inicial.

Ali se refere que «a petição está desinserida de todo do iter processual percorrido» e que do seu conteúdo «não resulta minimamente identificado o acto ou actos do órgão de execução fiscal que fossem reclamados.»
Refere-se ainda, em sede de fundamentação, que «a petição omite completamente o conhecimento dos atos de que tinha sido dado conhecimento à Reclamante e, com a paralela omissão de uma qualquer referência à penhora de créditos, gera uma descrição da execução totalmente incompreensível».
Resulta ainda do despacho recorrido que a respectiva a fundamentação jurídica está explicitamente enunciada com remissão para os termos dos arts. art. 186°n°2 corpo e alínea a) do Código de Processo Civil e arts. 276°ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, normas essas que o Tribunal a quo considerou serem aplicáveis por se entender, com base no que é descrito na petição, que a mesma é inepta, pois não identifica minimamente a causa de pedir, o concreto acto do Órgão de Execução Fiscal que a motiva.
Em suma o despacho sindicado está suficientemente fundamentado, de facto e de direito, através da análise que faz da petição inicial de reclamação e da informação oficial que consta dos autos, sendo que nele ficaram bem expressas as razões que se julgaram relevantes no sentido de se entender ser de rejeitar liminarmente a petição inicial, e em termos que nada comprometem a sua recorribilidade.

Improcederá, pois, a arguida nulidade.

7.3 Do alegado erro de julgamento imputado à decisão sindicada
No que se refere ao erro de julgamento imputado ao despacho de indeferimento liminar a recorrente alega que «dirigiu ao douto Serviço de Finanças um requerimento, a requerer a atribuição do efeito suspensivo de uma reclamação anteriormente apresentada, o qual o próprio Órgão de Execução Fiscal entendeu ser uma reclamação» e que esse é o cerne dos presentes autos, «a atribuição do efeito suspensivo à reclamação».
Mais argumenta que «a causa de pedir, o pedido e a identificação da decisão que se pretendia reclamar eram bem explícitas».
No despacho recorrido considerou-se que a recorrente não identifica minimamente naquela peça o concreto acto ou decisão do órgão de execução fiscal de que pretende reclamar, nem os vícios de forma ou substancia que tal acto possa sofrer.
No mesmo sentido se pronuncia o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo.
De facto analisada a petição inicial que é, em substância, um enunciado de princípios e afirmações comuns de direito, constata-se que a recorrente se insurge contra a execução fiscal, globalmente considerada, não se entendendo bem a causa de pedir e ou pedido que acabou por ser expresso do seguinte modo:
“ Termos em que, com os mais de direito doutamente supridos, seja a presente reclamação dada por provada e procedente, em estrito cumprimento da tão acostumada e douta justiça
Como quer que seja não deveremos olvidar que no caso em apreço estamos em sede de despacho de indeferimento liminar.
Sendo que, como é hoje reiterado e uniforme entendimento da jurisprudência desta secção, que também sufragamos, o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - é este o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.

No caso apreço, face ao alegado pela recorrente de que «dirigiu ao douto Serviço de Finanças um requerimento, a requerer a atribuição do efeito suspensivo de uma reclamação anteriormente apresentada, o qual o próprio Órgão de Execução Fiscal entendeu ser uma reclamação» e face ao teor da informação do serviço de finanças de fls. 37, que também assim o admite, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida de que a reclamação carece de objecto, não é tão claro e razoavelmente indiscutível que justifique um despacho de indeferimento liminar por ineptidão da petição inicial, pelo menos sem que o Tribunal, ao abrigo do artº 590º, nº 4 do Código de Processo Civil, convide a reclamante para proceder ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de alegada, exercendo os poderes-deveres que resultam do princípio da cooperação, de modo a fazer cumprir os princípios da tutela judicial efectiva e pro-actione, de modo a obter uma decisão de mérito.

Daí que, face a tal requerimento, se impunha, como se impõe, o convite à reclamante, para aperfeiçoamento mediante a especificação do concreto acto do órgão de execução fiscal reclamado bem como os vícios que lhe imputa.
A concepção das regras e princípios processuais que presidiram ao despacho recorrido mostram-se ultrapassadas e desajustadas do modo pelo qual se devem hoje olhar as regras processuais, como um meio e não um fim em si mesmo, impondo ao juiz a todo o tempo a conformação do processo de modo a obter decisão de mérito (Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.03.2018, recurso 933/17.) .
Impõe-se, assim, a revogação do despacho recorrido, pelo que procede nesta parte a alegação de recurso.

7.4 Quanto ao valor da acção
A recorrente deu à causa o valor de € 15.000,00 (fls. 34).
O tribunal recorrido fixou o valor de € 2.500, ao abrigo do disposto no artigo 97.°- A/2 do CPPT.
A recorrente não se conforma com a atribuição de tal valor, uma vez está em causa uma penhora de créditos, não existe simplicidade do tramitado “devendo, pois, o valor ser de 15.000,01€ por se tratar do valor mais adequado ao litígio.”
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido de que, resultando da informação oficial constante dos autos, como se refere a fls. 45 do despacho judicial, que a génese de toda esta problemática tem a ver com a penhora de créditos no valor de € 109.899,71 parece ser este o valor da ação, nos termos do disposto no artigo 97.°-A /1/e) do CPPT.
Também assim entendemos, atenta a regra que decorre daquele artº 97.º-A, nº 1, al. e) do CPPT para fixação do valor da causa no contencioso associado à execução fiscal.
Termos em que se fixa o valor da causa em € 109.899,71.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância a fim de aí ser proferido despacho de convite para aperfeiçoamento da petição inicial nos termos supra referidos.
Custas pela recorrida, sem taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 12 de Setembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.