Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0671/18.1BELLE
Data do Acordão:02/02/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).
II - A AT imputa ao contribuinte o facto de não ter declarado rendimentos nos termos descritos, o que implica que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação, sendo que é ainda apontado que o sujeito passivo pretendeu retirar vantagem patrimonial da não liquidação, entrega ou pagamento de imposto, entendendo-se mesmo que está em causa conduta susceptível de configurar ilícito criminal, o que significa que pode ser afirmada a culpa dos Recorrentes nos termos descritos pela singela razão de que existia facto tributário que obrigava aquela à liquidação, visto tratar-se de operações tributáveis nos indicados termos fixados na própria sentença que, nessa parte, não foi posta em crise.
III - A culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”, o que não sucede na situação dos autos, na medida em que as condutas praticadas, nomeadamente a ocultação de factos e valores que deveriam ter sido declarados à administração fiscal, visaram a não liquidação, entrega ou pagamento de impostos, tendo a vantagem patrimonial ilegítima sido de € 83.715,84 em 2015.
IV - Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.
V - Perante os elementos que enquadram a liquidação em apreço de acordo com o RIT e que evidenciam a bondade da mesma e outros elementos descritos no probatório, como a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios, que contém todos os elementos necessários à sua percepção, designadamente a disposição legal aplicável, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado, tem de entender-se que não existe qualquer situação de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, não existindo qualquer elemento que possa colocar em crise a compreensão da decisão tomada pela AT e, nesta medida, a capacidade dos Recorrentes para elaborarem a melhor defesa perante as liquidações em apreço.
Nº Convencional:JSTA000P28902
Nº do Documento:SA2202202020671/18
Data de Entrada:05/24/2021
Recorrente:A............... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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Processo n.º 671/18.1BELLE (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A…………… e mulher B……………, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 13-12-2020, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2018 5005338609 e juros compensatórios n.º 2018 80000156304, referentes ao ano de 2015, a que corresponde a demonstração de acerto de contas de IRS n.º 2018 00005906857, no valor de € 90.468,11.


Formularam nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. O presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo é interposto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 in fine, do artigo 280.º do CPPT, contra a sentença proferida no dia 14 de dezembro de 2020, nos termos da qual se julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os atos de se julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoa Singulares (“IRS”) n.º 2018 5005338609, no valor de €93.460,86 e respetiva liquidação de Juros Compensatórios n.º 2018 800000156304, no valor de €6.752,27, praticados pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 3 de julho de 2018, com referência ao exercício de 2015, a que corresponde a Demonstração de Acerto de Contas de IRS n.º 2018 00005906857 (Compensação n.º 2018 00015552498), da qual resultou o valor total a pagar de €90.468,11;

II. Conforme demonstrado nas presentes alegações de Recurso, a Sentença Recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito, julgando legal o ato de liquidação de juros compensatórios sem lograr provar a culpabilidade dos Recorrentes no retardamento da liquidação, requisito esse legalmente exigido nos artigos 35.º, n.º 1, da LGT e o art. 91.º, n.º 1, do CIRS, sem o qual as liquidações não podem ser;

III. De acordo com o disposto no artigo 91.º do Código do IRS “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”;

IV. Dispõe, por sua vez, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”;

V. Ficou demonstrado nos presentes autos que, em nenhum momento no âmbito do procedimento de liquidação em causa, a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrou os pressupostos legais de que depende a liquidação de Juros Compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT, que prevê adicionalmente o período pelo qual os mesmos são devidos e a respetiva taxa;

VI. Atenta a doutrina mais reconhecida e a jurisprudência que se tem sedimentado, os juros compensatórios só serão de liquidar no caso de haver prejuízo para a Autoridade Tributária e Aduaneira, por facto imputável - a título de culpa – ao sujeito passivo, ora Impugnante (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 4 de maio de 1999, Processo n.º 946/98);

VII. Como sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respetivo imposto (...) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de outubro de 2002, Processo n.º 1145/02);

VIII. Tendo em conta a jurisprudência mais recente, são de referir os Acórdãos de 21/01/2015 e 16/11/2016, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 632/14 e 954/16, ambos do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que o primeiro é perentório ao afirmar que, “a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência)” e, o segundo refere que “não pode ter-se como fundamentada a liquidação de juros compensatórios da qual, com referência à mesma liquidação de IRS, constam dois valores base sem que se justifique o porquê, e não se faz alusão alguma ao motivo por que os valores das taxas de juros são os aí referidos, designadamente indicando as disposições legais que os suportam e prevêem”;

IX. Exige-se, assim, uma ação voluntária, dirigida a um aproveitamento indevido e conhecido, ou cognoscível, por parte do sujeito passivo, relativamente às legítimas receitas do Estado. E, neste âmbito particular, atento o disposto nos artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º, n.º 1, do CC, cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar e provar estes factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, designadamente, a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto, ou seja, demonstrar o pressuposto da liquidação de juros compensatórios que se traduz na “existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação e, bem assim, um juízo de censura, a título de dolo ou negligência, aferido em abstrato, segundo a diligência do «bonus pater familias»” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de outubro de 2001, Processo n.º 25.803);

X. A jurisprudência tem defendido que não se verifica a imputabilidade exigida por lei no caso de o “retardamento da liquidação (...) [resultar] de simples divergência, não culposa, de critérios entre o contribuinte e a Administração tributária” (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Fevereiro de 1998, Processo n.º 22.325, e de 23 de Outubro de 2002, Processo n.º 1145/02);

XI. Acresce o facto de, no mesmo arresto ter defendido ainda o Supremo Tribunal Administrativo que, à imputabilidade referida na lei não “basta a mera ligação objetiva do facto ao contribuinte (...) comportando ainda um juízo subjetivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta, um juízo de censura, numa palavra, a culpa” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de fevereiro de 1998, Processo n.º 22.325);

XII. Ora, esta culpa tem de ser apreciada ou, pelo menos, ser objeto de ponderação por parte da Administração Tributária e exteriorizada na fundamentação dos atos tributários. Isto significa que a liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática de qualquer liquidação adicional de imposto, só podendo corresponder, ao invés, ao resultado final de todo o processo cognitivo e valorativo onde se estabeleça o nexo de causalidade referido e se formule um juízo de censura quanto à atuação do contribuinte (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de outubro de 2001, Processo n.º 25.034);

XIII. Assim, “O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará: a-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente; b-Os termos inicial e final da contagem dos juros; c-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros; d-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas; e-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte” (cf. Acórdão, 6670/13, de 17-10-2013, do Tribunal Central Administrativo Sul);

XIV. Conforme se logrou demonstrar no presente Recurso, não foi, no entanto, o que fez a Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso vertente, limitando-se a exigir, de forma automática o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respetiva liquidação, inquinando, assim, os atos tributários de liquidação de juros compensatórios impugnados, de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º, n.º 1, da LGT e, bem assim, de vício de forma por falta de fundamentação, em violação do disposto no artigo 77.º da LGT;

XV. Em suma, a liquidação de juros compensatórios impugnada é ilegal, por não verificação do pressuposto legal para a sua liquidação: não se verificou o atraso na liquidação por facto imputável aos contribuintes, como é exigido pelos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º da LGT, nem houve demonstração, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, em momento algum, da culpa dos Recorrentes no alegado atraso na liquidação, quando o ónus desta demonstração lhe incumbia, nos termos e para os efeitos do artigo 74.º da LGT;

XVI. No que se reporta às formalidades legais, “o princípio geral do nosso direito é o de que todas as formalidades prescritas na lei são essenciais. A sua não observância, quer por omissão quer por preterição, no todo ou em parte, gera a ilegalidade do ato administrativo” (op. cit., pág. 252). Assim, “o ato será ilegal se não forem respeitadas todas as formalidades prescritas por lei, quer em relação ao procedimento administrativo, que preparou o ato, quer relativamente à própria prática do ato em si mesma”, sendo consideradas “insupríveis aquelas formalidades cuja observância tem lugar no momento em que a lei exige que elas sejam observadas, por contraposição àquelas formalidades, de carácter “suprível”, que a lei manda cumprir num certo momento mas que se forem cumpridas em momento posterior ainda vão a tempo de garantir os objetivos que foram estabelecidos.” (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Vol. III, 1989, págs. 250 e ss., págs. 252 e ss.);

XVII. De entre as formalidades referidas, está, neste caso, a necessidade de prova, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, da ocorrência de facto imputável ao sujeito passivo que conduziu ao retardamento da liquidação do imposto, o que, desde logo, não se verificou;

XVIII. Destarte, tendo em consideração a interpretação ilegal das normas acima referidas levada a cabo pelo Tribunal a quo, deverá, sem necessidade de outros fundamentos, ser anulada a liquidação de juros compensatórios em crise, por preterição de formalidade legal do procedimento tributário que lhe veio a dar origem, em virtude de não se ter provado a ocorrência de facto imputável ao sujeito passivo que conduziu ao retardamento da liquidação do imposto em causa, conforme exigido pelos artigos 35.º, da LGT e 91.º, do CIRS;

XIX. A ser acolhido o entendimento proposto pelos Recorrentes - de resto, o único conforme à lei -, deverá ser, reflexamente, determinada a condenação da Recorrida ao pagamento dos juros indemnizatórios sobre o montante de juros compensatórios indevidamente pago, no montante de €6.752,27, devendo esses juros ser contados desde a data do pagamento indevido, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e do art. 61.º, n.º 5, do CPPT, e, bem assim, condenada a Requerida ao pagamento das custas na proporção do seu decaimento - o que desde já se requer.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, DEVENDO, CONSEQUENTEMENTE, SER DETERMINADA A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, POR A MESMA TER INCORRIDO EM ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE DIREITO, E SER SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DOS RECORRENTES, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, A RESTITUIÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS INDEVIDAMENTE PAGOS, ACRESCIDO DOS CORRESPONDENTES JUROS INDEMNIZATÓRIOS E, BEM ASSIM, DEVERÁ SER DETERMINADA A CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS NA PROPORÇÃO DO SEU DECAIMENTO.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento da decisão recorrida que sancionou o acto de liquidação de juros compensatórios sem qualquer prova da culpabilidade dos Recorrentes no retardamento da liquidação, requisito esse legalmente exigido nos artigos 35.º, n.º 1, da LGT e o art. 91.º, n.º 1, do CIRS, sem olvidar a questão da falta de fundamentação da aludida liquidação de juros compensatórios.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Os Impugnantes foram sujeitos a acção de inspecção pelo Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças, ao ano de 2015, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201800837 – cfr. fls. 35 a 44 dos autos;

2. No âmbito do procedimento inspectivo referido no ponto anterior foi elaborado relatório de inspecção tributária, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

[Imagem]

cfr. fls. 35 a 44 dos autos;
3. Em sequência foi emitida, pela Direcção de Finanças de Faro, “Nota de Fixação / Alteração de IRS”, em nome dos Impugnantes e para o ano de 2015, estabelecendo um rendimento em sede de categoria A para o Impugnante marido de € 493.989,49, e rendimento líquido total de € 489.892,18 para o agregado – cfr. fls. 45 dos autos;
4. Em resultado do rendimento fixado para o ano de 2015 foi elaborada, em 30 de Junho de 2018 e em nome dos Impugnantes, a liquidação de IRS n.º 2018 5005338609, no valor a pagar de € 93.460,86 - cfr. fls. 26 dos autos;
5. Com data de 3 de Julho de 2018, consta emitida em nome dos Impugnantes a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018 00000156304, no valor total de € 6.752,27, da qual se extrai o seguinte excerto:
[Imagem]

- cfr. fls. 27 dos autos;
6. Em 3 de Julho de 2018 foi emitida, em nome dos Impugnantes, a nota de cobrança/demonstração de compensação a que corresponde o número de documento 2018 000059006857, referente ao ano de 2015 e no valor a pagar de € 90.468,11 - cfr. fls. 28 dos autos;
7. No dia 8 de Agosto de 2018, os Impugnantes procederam ao pagamento do valor de € 90.468,11, referente ao apuramento de imposto melhor identificado nos pontos que antecedem - cfr. fls. 46 dos autos;
8. Entre 1 de Outubro de 1968 a 3 de Dezembro de 1990, o Impugnante A………….. foi funcionário do Banco C…………. – facto que emerge da declaração a fls. 29 e 30 dos autos;
9. Em 4 de Dezembro de 1990, o Impugnante A…………. passou a exercer funções no Banco D…………. - facto que se extrai de fls. 31 e 32 dos autos.
10. Em 18 de Dezembro de 2014, o Impugnante A………….. e o Banco D…………., acordaram a revogação do contrato de trabalho existente, com efeitos a partir de 31 de Março de 2015 e o pagamento de uma compensação pecuniária de € 650.622,28 – facto que se retira de fls. 76 a 78 dos autos;
11. Em 17 de Novembro de 2016 foi emitida a liquidação de IRS referente ao ano de 2015, em nome dos Impugnantes e no valor a pagar de € 2.992,75 – cfr. fls. 34 dos autos.
II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.
II- C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil].

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar do invocado erro de julgamento da decisão recorrida que sancionou o acto de liquidação de juros compensatórios sem qualquer prova da culpabilidade dos Recorrentes no retardamento da liquidação, requisito esse legalmente exigido nos artigos 35.º, n.º 1, da LGT e o art. 91.º, n.º 1, do CIRS, sem olvidar a questão da falta de fundamentação da aludida liquidação de juros compensatórios.

Tal como referem os Recorrentes, conforme resulta da petição inicial, da liquidação de IRS impugnada resultou, adicionalmente, a demonstração de liquidação de Juros Compensatórios, com o valor de pagamento que ascende a € 6.752,27, relativamente ao ano de 2015.

De acordo com o disposto no artigo 91.º do Código do IRS “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.

Dispõe, por sua vez, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Nesta sequência, os Recorrentes defendem que em nenhum momento no âmbito do procedimento de liquidação em causa, a AT demonstrou os pressupostos legais de que depende a liquidação de Juros Compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT, que prevê adicionalmente o período pelo qual os mesmos são devidos e a respectiva taxa, limitando-se a exigir, de forma automática o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respectiva liquidação, inquinando, assim, os actos tributários de liquidação de juros compensatórios impugnados, de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º, n.º 1, da LGT e, bem assim, de vício de forma por falta de fundamentação.

Será assim?

A decisão recorrida afastou a pretensão dos Recorrentes nesta sede, considerando que “a actuação dos Impugnantes que levaram à necessidade de serem os Serviços de Inspecção Tributária a fixarem um rendimento superior ao declarado em sede de IRS, no ano de 2015, estão suficientemente descritos e plasmados no relatório de inspecção tributária emitido” e ainda que “Resultando igualmente provado que a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios contém todos os elementos necessários à sua percepção, designadamente a disposição legal aplicável, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado - cfr. ponto 5 do probatório.”.

Pois bem, em termos substantivos, temos que a jurisprudência deste Supremo Tribunal não se afasta do exposto pelos Recorrentes, como se colhe do Acórdão de 28-04-2021, Proc. nº 02577/12.9BELRS, www.dgsi.pt, onde se ponderou que:

“…

Estabelece o artigo 35º da LGT, em linha com o art.º 91.º do Código do IRS, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

A exigência de pagamento de juros compensatórios é a forma de compensar o Estado pelo atraso na liquidação e pagamento de imposto, imputável ao contribuinte, dependendo da verificação cumulativa de ambos os pressupostos.

Como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 0942/16 “os juros compensatórios assumem a natureza de indemnização por facto ilícito, exigindo-se a verificação de um nexo de causalidade entre o retardamento liquidação e o comportamento do sujeito passivo: a responsabilidade pelo seu pagamento radica na culpa do causador do dano, consistente na omissão censurável de um dever de diligência (art. 483° do CCivil). No mesmo sentido se decidiu no Acórdão proferido no processo n.º 0632/14, (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

No tocante à invocada falta de fundamentação afigura-se-nos que a mesma se não verifica e o impugnante não teve quaisquer dúvidas quanto à compreensão da decisão tomada pela AT nem a sua defesa foi de alguma forma prejudicada por deficiente percepção dos motivos da decisão. Aliás, como considerou o tribunal a quo, “decorre do pedido de revisão oficiosa, apresentado pelo Impugnante, que o mesmo compreendeu, na íntegra, o que fundamentou, quer de facto, quer de direitos, os atos de liquidação”.

É que a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, a qual resulta comprovada nos autos pelo que, estando verificados os pressupostos de que a lei (artº 35º da LGT) faz depender o direito do Estado a liquidar juros compensatórios, não devem os mesmos ser anulados.

Na verdade, estando demonstrada a legalidade das correcções, o atraso das liquidações é claramente imputável ao impugnante ao não imputar os proveitos ao exercício em causa pelo que tais juros são devidos por forma a completar a indemnização devida, compensando o Estado do ganho perdido até ter alcançado a reintegração do seu crédito.

Sempre que a liquidação do imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessários para que a referida liquidação possa ser operada.

Não fazendo o contribuinte a entrega ou apresentação, designadamente porque entende que não tem essa obrigação declarativa, ou fazendo-a mas contendo deficiências, fica sujeito, aquando liquidar o imposto, a juros compensatórios, que são devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte.

Já o Conselheiro Rodrigues Pardal, in «Questões de Processo Fiscal» - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, págs. 19 e ss, luminosamente ensinava que «Os juros compensatórios aparecem como um agravamento "ex-lege" proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.

Fundamentam-se no princípio geral de que a utilização de um capital ou de uma coisa frutífera alheia obriga o utente ao pagamento de uma quantia correspondente ao tempo do respectivo gozo. Trata-se de uma «indemnização» pelo dano resultante do atraso da liquidação (cfr. artº 562º do Cód. Civil).» (...)

Os juros compensatórios integram mais um caso de cláusula penal legal- «sopratassa», dos italianos (artº 5º da Lei de 7 de Janeiro de 1929, nº 4) - tendo a mesma natureza que a obrigação de imposto, liquidando-se conjuntamente com a obrigação principal.»

E segundo a jurisprudência Uniforme do S.T.A. (vide, por todos, o Acórdão supra transcrito), são três os requisitos da existência de juros compensatórios, a saber:- (i) retardamento da respectiva liquidação base; (ii) do imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.

Trata-se, pois, de uma obrigação com carácter indemnizatório, com equivalente no direito privado na responsabilidade pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação (artº 798º CCivil).

O nexo de imputação do facto (:- o retardamento da liquidação) ao agente (:-o contribuinte) - nos termos gerais de direito, porque só há responsabilidade objectiva quando expressamente prevista (artº 483º do C Civil) -‚ um nexo subjectivo baseado na culpa, na modalidade de erro de conduta, traduzido no incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação fiscal acessória de apresentar a declaração de rendimentos num determinado prazo e de, nessa declaração, informar com verdade, por uma certa forma e com observância dos critérios impostos pelas leis fiscais.

O princípio da legalidade da tributação impõe que se afira a obrigação de juros pelo princípio da causalidade adequada face ao qual o retardamento da liquidação‚ devido ao contribuinte, a conduta omissiva ou deficiente deste é causalmente adequada à verificação do dano até ao momento em que a AF deva praticar o acto legalmente previsto para pôr termo às consequências danosas dessa conduta omissiva. …”.

Com este pano de fundo, resulta claro que a pretensão dos Recorrentes está condenada ao insucesso, na medida em que, tal como resulta do RIT, a AT concluiu que “a situação descrita constitui omissões e inexactidões praticadas na declaração de rendimento modelo 3 de IRS, consubstanciada na omissão de rendimentos para o ano de 2015, constitui infracção ao artigo 57º e 97º do CIRS. Estes factos e procedimentos configuram ilícito criminal previsto e punível pelo artigo 103 “fraude” do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho. Verifica-se que as condutas praticadas pelo S.P. nomeadamente a ocultação de factos e valores que deveriam ter sido declarados à administração fiscal, visaram a não liquidação, entrega ou pagamento de impostos, tendo a vantagem patrimonial ilegítima sido de € 83.715,84 em 2015, valor superior a € 15.000,00 – a) nº 1 e nº 2 do artigo 103º do mesmo regime.”

A partir daqui, é manifesto que a AT imputa ao contribuinte o facto de não ter declarado rendimentos nos termos descritos, o que implica que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação, sendo que é ainda apontado que o sujeito passivo pretendeu retirar vantagem patrimonial da não liquidação, entrega ou pagamento de imposto, entendendo-se mesmo que está em causa conduta susceptível de configurar ilícito criminal.

Assim sendo, na situação dos autos, entende-se que pode ser afirmada a culpa dos Recorrentes nos termos descritos pela singela razão de que existia facto tributário que obrigava aquela à liquidação, visto tratar-se de operações tributáveis nos indicados termos fixados na própria sentença que, nessa parte, não foi posta em crise.

Por isso, existindo facto tributário à luz das considerações expostas, há que falar em retardamento da entrega da declaração, e que resultou prejuízo para o Estado e, onde há dano, há responsabilidade do contribuinte, sendo devidos juros compensatórios.

Diga-se ainda que, para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto, sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, como se refere no Acórdão do S.T.A. de 18-02-1998, Proc. nº 22325.

Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do S.T.A., consagrada, entre outros, no acórdão de 11-10-2011, Proc. nº 04163/10, www.dgsi.pt, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”.

E essa “compreensibilidade” não surge no caso concreto porquanto, como já se disse, as condutas praticadas pelo S.P. nomeadamente a ocultação de factos e valores que deveriam ter sido declarados à administração fiscal, visaram a não liquidação, entrega ou pagamento de impostos, tendo a vantagem patrimonial ilegítima sido de € 83.715,84 em 2015, sendo que, como já ficou dito, existia facto tributário que obrigava aquela à liquidação, visto tratar-se de operações tributáveis nos indicados termos fixados na própria sentença que, nessa parte, não foi posta em crise, o que implica a improcedência da pretensão dos Recorrentes neste âmbito.

Nesta sequência, e quanto à matéria da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tal como se aponta na decisão recorrida, a jurisprudência deste Supremo Tribunal refere que “[e]stá cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros” - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 2016, Proc. nº 0805/15, www.dgsi.pt.

Pois bem, perante os elementos que enquadram a liquidação em apreço de acordo com o RIT e que evidenciam a bondade da mesma e outros elementos descritos no probatório, como a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios, que contém todos os elementos necessários à sua percepção, designadamente a disposição legal aplicável, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado, tem de entender-se que não existe qualquer situação de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, não existindo qualquer elemento que possa colocar em crise a compreensão da decisão tomada pela AT e, nesta medida, a capacidade dos Recorrentes para elaborarem a melhor defesa perante as liquidações em apreço, o que conduz à total improcedência do presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 02 de Fevereiro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.