Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0624/03
Data do Acordão:06/18/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:IRS.
LOTEAMENTO.
BENS DA HERANÇA.
MAIS VALIAS.
OPERAÇÕES COMERCIAIS.
ACTIVIDADE COMERCIAL.
ACTIVIDADE ACIDENTAL.
Sumário:I - Os ganhos provenientes do loteamento de um terreno, que veio ao património do impugnante por herança, antes da concretização desse loteamento, são rendimentos comerciais (rendimentos da categoria C do CIRS) e não mais-valias (rendimentos da categoria G do CIRS).
II - Isto mesmo que esse loteamento tenha resultado de uma actividade ocasional do loteador (impugnante), que exerce profissão diversa.
Nº Convencional:JSTA00060075
Nº do Documento:SA2200306180624
Data de Entrada:03/21/2003
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST PORTO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART4 ART10.
CCOM888 ART2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., identificado nos autos, impugnou judicialmente, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, a liquidação adicional de IRS de 1992 e juros compensatórios.
Alega que o terreno que vendeu (que lhe veio ao património por herança, e que posteriormente urbanizou com o irmão) deve ser tributado (os ganhos) como mais-valias, pelo que assim os indicou (rendimentos da categoria G).
A FP porém discordou, entendendo que tais ganhos devem ser tributados pela categoria C (rendimentos comerciais e industriais).
O Mm. Juiz do 1º Juízo daquele Tribunal julgou a impugnação procedente.
Inconformado, o representante da FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
1. Consiste a questão controvertida em saber se os ganhos realizados com a venda de lotes de terreno, que o impugnante herdou como terreno único e loteou têm enquadramento na categoria C, como rendimento proveniente -da actividade comercial ou industrial, ou na categoria G, como rendimentos de mais-valias, por se tratar de ganhos ocasionais ou fortuitos.
2. Considera o Tribunal a quo que tais rendimentos caem sob a alçada da categoria G, por não estarem relacionados com qualquer actividade comercial, apesar das diversas operações levadas a efeito pelo impugnante tendente ao seu loteamento, com vista à sua valorização aquando da -venda.
3. Diversamente, entende a recorrente que da conjugação dos preceitos legais aplicáveis (art. 4° e 10º CIRS), extrai-se que nas alíneas dos nºs. 1 e 2 do art. 4° são descritas as actividades de natureza comercial ou industrial cujos rendimentos integram a categoria C que têm como objecto a prática de actos de comércio, nas quais se incluem algumas cuja qualificação poderia suscitar dúvidas, e que o art. 10° tem carácter residual na medida em que exclui da tributação na categoria G os ganhos obtidos mediante alienação onerosa dos bens e direitos referidos nas suas alíneas que devem ser considerados proveitos na determinação do lucro tributável das actividades comerciais, industriais ou agrícolas, conforme resulta do próprio preâmbulo do CIRS.
4. Neste contexto, e considerando que o impugnante procedeu ao loteamento do terreno para o vender, conforme resulta dos autos, independentemente da forma como o terreno veio à sua propriedade, não pode dizer-se que o ganho obtido com a venda dos lotes tenha sido meramente fortuito e inesperado, pois resultou da acção do seu proprietário conducente à sua valorização tendo em vista a alienação, o que o retira da incidência da categoria G, como rendimento de mais-valia, tradicionalmente independente da actuação do destinatário do ganho sendo atraído para a categoria C, encontrando previsão na alínea e) do n. 1 do art. 4º.
5. Que a actividade de loteamento empreendida pelo proprietário do terreno é uma actividade comercial resulta ainda da natureza do acto.
6. A actividade de loteamento de prédios, nomeadamente a empreendida pelos proprietários dos terrenos, é pois uma actividade comercial, nos termos do art. 2º do Código Comercial e taxativamente enquadrada no regime de tributação dos rendimentos comerciais e industriais, categoria C do IRS, nos termos do art. 4 do CIRS, e não susceptível de enquadramento na categoria G, por expressamente excluída do corpo do n. 1 do art. 10º do CIRS.
7. A douta sentença recorrida violou o disposto nos citados artºs. 4º e 10º do CIRS.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
a) Em 20/07/94 o impugnante entregou a declaração Modelo 2 para efeitos de IRS referente ao ano de 1992 juntamente com a qual entregou o Anexo G onde referia a venda de lotes indicando como valor de realização Esc. 9.082.000$00 e de aquisição Esc. 4.228.000$00 e as despesas de 3.033.000$00, tudo conforme documentos de folhas 7 a 9 do processo administrativo apenso.
b) Em 21/04/95 foi alterado o rendimento colectável do impugnante com a seguinte fundamentação: "1. ACTIVIDADES EXERCIDAS O sujeito passivo exerceu as actividades de «Agricultura e Pecuária-Avicultura» e de «Venda de Terrenos para a Construção» (...) Ambas as actividades encontram-se abrangidas pelas regras de incidência da alínea e) do n. 1 e alínea a) do n. 2, respectivamente do art. 4º do Código do IRS, pelo que os seus rendimentos são tributados pela Categoria C - rendimentos Comerciais e Industriais. (...) 3 - -LOTEAMENTO 3.1 – Proveitos No ano em análise e de acordo com as fotocópias das «escrituras de compra e venda» em anexo à Ordem de Serviço, o sujeito passivo procedeu à venda das restantes parcelas de terreno (10) para construção, que constituíam o loteamento, pelo valor de 9.272.000$00. Constatou-se que o valor da avaliação dos lotes 33 e 45 é superior ao constante das respectivas «escrituras de compra e venda»; não obstante desconhecermos a sua localização e os preços de venda/m2 se encontrarem dentro dos limites considerados normais para a localidade, iremos considerar como preço de venda o valor da avaliação, por serem estes por que foi liquidado o imposto de Sisa. Deste modo, as vendas são calculadas em 11.608.000$00. 3.2 - Custos as despesas do loteamento constituído por 45 parcelas, totalizam 9.634.998$00 conforme documentos exibidos, em posse do sujeito passivo, não obstante não se encontram escrituradas no livro de «Despesas»", tudo conforme documentos de folhas 27 a 31 do processo administrativo apenso.
c) Pelo impugnante foi deduzida reclamação nos termos do art. 84º do CPT.
d) A Comissão de Revisão deliberou deferir parcialmente a reclamação fixando ao impugnante o rendimento de 8.430.790$00 referindo quanto aos custos que «A comissão decidiu aceitar os custos declarados pelo contribuinte com excepção da verba de Esc. 18.780.000$00 referente ao valor atribuído para pagamento do imposto sucessório uma vez que a tributação da venda de lotes se enquadra na alínea e) do n. 1 do art. 4º do CIRS ou seja categoria C e como tal a determinação do resultado daquela categoria rege-se pelas normas do Código do IRC por remissão do art. 31º do CIRS (...) O valor atribuído para pagamento do imposto sucessório não pode ser um custo da categoria C uma vez que não se enquadra no já referido art. 23º do CIRC.
e) Em consequência a Administração Fiscal procedeu à liquidação do imposto conforme documento a folhas 6.
3. A questão a apreciar é esta: os rendimentos em causa (ganhos obtidos com a venda dos lotes) cabem na categoria C ou G?
Por outras palavras: tais ganhos constituem mais-valias (categoria G) ou rendimentos comerciais ou industriais (categoria C)?
O impugnante precisou a questão do seguinte modo, no art. 12º da petição inicial:
“… O contribuinte apenas exerceu a actividade de avicultor e limitou-se apenas a liquidar um terreno urbanizado. Não o comprou para vender mas sim limitou-se a valorizar o mesmo. Por esta razão considerou os ganhos obtidos como mais-valias e assim os indicou (art. 10º do CIRS). Os ganhos obtidos com a venda dos lotes não são ganhos comerciais nem industriais mas antes mais-valias com a valorização do terreno, pelo que os mesmos se integram no art. 10º, n. 1, al. a) do CIRS. Assim é de considerar como custo de aquisição o valor considerado para efeitos de imposto sucessório liquidado – art. 43º, 1, do CIRS”.
Quid juris?
Vejamos.
Dispunha o art. 10º do CIRS (na redacção então vigente):
1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis …
Quer dizer que a alienação em causa poderá gerar mais-valias, desde que a operação de alienação de lotes não seja considerada rendimento comercial.
Dispunha, por sua vez, o art. 4º do CIRS, sob a epígrafe “rendimentos da categoria C”:
1 – Consideram-se rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial, incluindo:

e) Actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos…
Pois bem.
Para excluir os ganhos obtidos com a venda dos lotes do seu enquadramento nesta sede (“rendimentos da categoria C”), o Mm. Juiz referiu que tal só seria possível se a actividade urbanística desenvolvida pelo impugnante decorresse “do normal exercício de actividade”, ou seja, se se integrasse “na actividade normalmente desenvolvida pelo sujeito passivo”, o que não é o caso, pois o impugnante “herdou determinados prédios” relativamente aos quais “realizou operações de loteamento”.
E, concluindo que não era esse o modo de vida do impugnante, deu-lhe razão.
Será assim?
Entendemos que não.
No anterior Código do Imposto de Mais-Valias, consideravam-se mais-valias “os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda”, pretendendo-se tributar “valorizações meramente ocasionais, ou, no dizer dos ingleses, ganhos trazidos pelo vento” (vide preâmbulo do CIMV - nºs. 2 e 4).
Ora é a esta luz que se há-de ver se estamos ou não perante mais-valias.
E, como resulta do probatório, as valorizações não foram ocasionais, nem fruto do acaso ou da sorte.
Antes foram consequência de um conjunto de actos e operações que, tendo tido início em 1980, só lograram concretização em 1987 (vide art. 3º da petição inicial).
O que retira aos ganhos obtidos pelo impugnante aquele carácter ocasional, próprio das mais-valias.
Será assim de afastar da hipótese dos autos essa ideia de mais-valias.
A menos que não seja possível inserir tais ganhos no art. 4º do CIRS.
Já vimos que o Mm. Juiz entende que tal não é possível, por não ser essa (actividade urbanística e exploração de loteamentos) a actividade normal do impugnante, ou seja, não se dedica ele, a título profissional, a uma tal actividade.
Pois bem.
Diferentemente do Mm. Juiz entendemos que o exercício, mesmo ocasional, de uma actividade objectivamente comercial ou industrial, com o fito de obter lucros, enquadra-se ou pode enquadrar-se no conceito de rendimento comercial.
Logo rendimento da categoria C.
E é esta a hipótese dos autos.
O impugnante, ora recorrido, desenvolveu uma actividade, ocasional embora, que teve como fito o loteamento de um terreno para o vender seguidamente com ganhos.
Ou seja, estamos perante uma actividade comercial.
A decisão recorrida não pode pois manter-se.
Aliás, e num parêntesis final, pensamos até, na esteira do recorrente, que as múltiplas operação necessárias ao loteamento, levadas a cabo pelo impugnante, integram-se no conceito de acto de comércio, com definição no art. 2º do Código Comercial.
4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se, em consequência, improcedente a impugnação.
Custas pelo impugnante, ora recorrido, mas apenas na 1ª Instância.
Lisboa, 18 de Junho de 2003
Lúcio Barbosa (Relator) - Alfredo Madureira - Baeta de Queirós