Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01025/17.2BESNT 0740/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23626
Nº do Documento:SA12018092101025/17
Data de Entrada:07/20/2018
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:HOSPITAL DA SENHORA DA OLIVEIRA DE GUIMARÃES, EPE E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, L.dª intentou, no TAF de Sintra, contra o Hospital Senhora da Oliveira de Guimarães, acção de contencioso pré contratual onde formulou os seguintes pedidos:
1) Seja anulado o ato de adjudicação, por vício de violação de lei;
2) Seja condenada a entidade demandada a praticar ato de adjudicação da proposta apresentada pela A………….”
Indicou como contra interessada B…………, L.dª.

O TAF julgou a acção improcedente.

E o TCA Sul, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a A………… vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora deduziu, no TAF de Sintra, contra o HOSPITAL SENHORA DA OLIVEIRA DE GUIMARÃES indicando como contra-interessada B…………, LDA - acção de contencioso pré-contratual, pedindo (1) a anulação da deliberação do Conselho de Administração do Réu, de 21.06.2017 que adjudicou à contra-interessada o fornecimento de reagentes para o serviço de imunohemoterapia - Virologia (cargas virais) e (2) a sua condenação a praticar acto de adjudicação da prestação dos serviços em causa à Autora.
Para tanto, e no essencial, alegou que o Réu errou ao pontuar a sua proposta e a proposta da contra interessada nos sub factores 2.4 e 2.5 do Programa do Concurso e que esse erro viciou a classificação final.

Sem sucesso, já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente.

A Autora apelou para o TCAS sustentando que a sentença recorrida fizera defeituoso julgamento não só no tocante à selecção da M. F. como no respeitante à questão de mérito.

Todavia, não logrou o provimento do seu recurso.
No que tange à M.F., por o Acórdão ter considerado que a Recorrente “não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, limitando-se a remissões para as peças processuais respectivas. E se refere que o tribunal a quo errou ao não seleccionar e dar como provados os factos “acima elencados” (cfr. 12. da sua alegação), certo é que não concretiza afinal quais são esses factos que deviam constar do probatório e que não constam.
A este propósito, tem que relembrar-se que não é a este Tribunal de recurso que está cometida a tarefa de descortinar no corpo alegatório qual a factualidade impugnada e concretamente qual aquela que deve ser dada como provada. É sim ao impugnante da matéria de facto que cabe entre outros o ónus de indicar os concretos meios de prova que suportam a sua impugnação, ónus que não é cumprido quando se remete para os documentos juntos aos autos, sem a devida individualização e sem a indicação concreta do que daqueles se extrai como facto provado.”

No que se refere ao mérito, pelas razões assim sumariadas:
“i) É à Administração, porque melhor preparada e apetrechada do que o Tribunal, que compete avaliar se determinado elemento ou requisito técnico, não jurídico, proposto por um concorrente, dá resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento.
ii) Neste quadro, e não vindo imputado sequer erro grosseiro da apreciação feita, terá que aceitar-se a posição da Entidade Adjudicante, alicerçada em juízos técnicos efectuados por parte do júri do concurso, de que:
- No subfactor 2.4 de valorização das propostas, o critério fixado é apenas o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ml”, sendo que esse limite mínimo não foi fixado para uma condição específica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra [e, se assim fosse, teria de ser expressamente fixado no caderno de encargos]; e que
- No subfactor 2.5 relativo a "calibração externa dos ensaios quantitativos", o texto descritivo admite quaisquer metodologias de calibração externa para a pontuação com 20 pontos no subfactor, seja, v.g., a metodologia da “curva de calibração externa” ou “padrão interno”.
iii) Só ocorre litigância de má-fé se se adquirir nos autos elementos suficientes para o juízo de que o comportamento da parte foi enformado por dolo ou por negligência grosseira.”

3. A Autora não se conformou com esse julgamento pelas razões constantes das seguintes conclusões:
“XXl. A decisão do douto Tribunal Central Administrativo Sul padece, assim, de um manifesto erro de julgamento relativamente ao cumprimento pela RECORRENTE do ónus prescrito pelo artigo 640.° do CPC, devendo ser anulada com vista (i) à ampliação da matéria de facto, conforme resulta do artigo 662.°, n.º 1 do Código de Processo Civil e do artigo 149.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; ou (ii) à determinação da baixa dos autos para o competente julgamento à luz dos meios de prova apresentados, caso se considere que o processo não contém todos os elementos probatórios suficientes a dar como provada a matéria elencada no n.º 10 do § 3.º do recurso da sentença proferida em primeira instância, nos termos do artigo 662.°, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30 de abril de 2013, processo n.º 00944/04.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
XXII. Com o devido respeito, que é muito, o douto Tribunal a quo parte do pressuposto errado de que o que está em discussão é um requisito técnico, portanto insindicável.
XXIII. Sucede que o que importa discutir são, tão só, factos, isto é, se:
a) As peças do procedimento determinavam que o “Limite mínimo de deteção do kit de genotipagem de VHC < 500UI/ml (MT4)” era preenchido desde que o mesmo ocorresse pelo menos com uma das amostras biológicas, soro ou plasma (subfactor 2.4.);
b) O Modelo de avaliação, no subfactor 2.5. - Calibração externa dos ensaios quantitativos, admitia a metodologia de “padrão interno”.

4. São duas as questões suscitadas nesta revista; a de saber se o Acórdão errou ao indeferir a pretensão da Recorrente de alteração da selecção dos factos e a de saber se o mesmo decidiu correctamente a questão de mérito.
Como acima ficou dito a revista é um recurso excepcional que só pode ser admitido em duas circunstâncias muito concretas; por um lado, «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental», por outro, «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Ao que acresce que o julgamento da matéria de facto não pode ser sindicado nesta sede, atenta a circunstância dela se destinar a julgar apenas de direito (art.º 150.º/3 do CPTA).
Deste modo, encontra-se liminarmente afastada a possibilidade da revista ser admitida para se ajuizar da bondade do julgamento da M.F.
Por outro lado, a questão de mérito suscitada na revista é muito direccionada a um caso de contornos muito concretos, dificilmente repetíveis, pelo que a sua importância jurídica está longe de ser fundamental.
Finalmente, as instâncias fundamentaram as suas decisões de modo semelhante sendo o seu discurso jurídico claro e convincente, apesar de tecnicidade da matéria em causa. O que vale por dizer que a admissão deste recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Porto, 21 de Setembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.