Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0196/15
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18965
Nº do Documento:SA2201505060196
Data de Entrada:02/20/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..................S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública vem interpor recurso excepcional de revista, ao abrigo do artigo 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 9 de Julho de 2013, no segmento relativo à decretada anulação da liquidação dos juros compensatórios, pese embora a legalidade e manutenção na ordem jurídica do acto de liquidação de IVA impugnado.
1.1. Concluiu as suas alegações, nos termos que se seguem:

A) Quanto à questão de saber se, nos casos em que a liquidação adicional é mantida na ordem jurídica pelo Tribunal por considerar que existiu, por parte do sujeito passivo, um errado enquadramento da sua situação jurídico-fiscal que levou a uma liquidação de imposto inferior à devida, faz sentido proceder-se à anulação de juros compensatórios que foram exigidos na decorrência da liquidação adicional de imposto efectuada, apenas com fundamento de que o sujeito passivo actuou diligentemente e isto sendo certo que o mesmo pode sempre indagar, junto da AT, sobre o correcto enquadramento tributário das operações que realiza, verificam-se os requisitos que justificam a admissão do presente recurso de revista.

B) Uma vez que tais questões assumem relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.

C) Na verdade, a questão acima identificada, por ter a ver com liquidação de juros compensatórios que, no caso, foi anulada pelo Tribunal, pese embora ter sido mantida a liquidação de imposto de que aquela decorre, e sem que houvesse sido imputada àquela liquidação qualquer vício próprio da mesma, por exemplo, falta de fundamentação, assume particular relevância jurídica ou social, atenta não só a questão em si, mas também, que essa questão transcende a própria natureza do caso em concreto, com o que fica evidente a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros que têm uma forte probabilidade de poderem vir a acontecer, sendo certo, por outro lado, que a resposta a dar a essa questão pode interessar a um leque alargado de interessados.

D) Até porque a admissão do presente recurso, no caso em concreto, se revela como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

E) Não sendo claro e isento de dificuldades superiores ao comum o quadro fundamentador da decisão controvertida, já que, o tratamento da questão em causa suscita dúvidas sérias, até por se apresentar contraditória a decisão de anular uma liquidação de juros compensatórios, quando é certo que os pressupostos que levam à manutenção, na ordem jurídica, da liquidação adicional apontam para uma incorrecta actuação do sujeito passivo, face ao disposto nas normas fiscais.

F) Para o que também contribuiu, em segundo lugar, o facto de o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, ter tratado a matéria de forma errada e juridicamente insustentável, sendo útil e necessária a intervenção do STA na sua qualidade de órgão de “última instância” de aplicação da justiça e de regulação do sistema.

G) Na verdade, tendo em conta o que foi considerado pelo Tribunal ora recorrido para manter a liquidação de IVA em causa, isto é, que o direito à dedução que o sujeito passivo, ora recorrido, pretendia fazer valer não foi por ele provado, quanto aos seus pressupostos legais e que o recurso a métodos indirectos pela AT foi legal, constitui, salvo o devido respeito, um erro grosseiro de direito, considerar-se, não obstante, que o contribuinte agiu com o zelo e diligência devidos no conhecimento do enquadramento fiscal da sua actividade económica.

H) É que, ainda que as operações em causa fossem de difícil definição quanto ao seu enquadramento fiscal, sempre ao sujeito passivo seria exigível que indagasse, junto da AT, sobre tal definição.

I) Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria de natureza jurídica complexa, acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação das normas legais relativas aos pressupostos que levam à verificação dos juros compensatórios, o que conduz à necessidade de melhor clarificação do conceito de “desculpabilidade” na responsabilidade pelo atraso na liquidação de imposto, sendo cedo, igualmente, que só com a intervenção do STA se assegura a boa aplicação da justiça no caso concreto, uma futura e necessária uniformidade de procedimentos sobre a matéria e se repara a existência de um erro grosseiro na interpretação e aplicação do direito.

J) Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação dos pressupostos legais que determinam a liquidação de juros compensatórios, dos artigos 35º da LGT e 89º do CIVA, na redacção à data aplicável aos factos, pelo que, não se deve manter.

K) Efectivamente, concordando nós com a premissa de que, para haver liquidação e obrigatoriedade de pagamento de juros compensatórios, por parte do contribuinte, o atraso na liquidação lhe deve ser imputável, já não se pode concordar com a ideia de que, no caso, inexiste tal nexo de imputabilidade que, note-se, não depende de um nexo de culpa mas de mera negligência.

L) No caso, sendo certo que há, claramente, um prejuízo para o Estado decorrente do facto de ter existido um atraso na liquidação, cumpriria sempre indagar se esse atraso poderia, de alguma forma, ser imputável à própria AT por, por exemplo, não ter clarificado a sua posição quanto à aplicação de uma determinada norma fiscal, uma vez que o normal é o atraso ser devido à culpa do sujeito passivo a quem o mesmo atraso é imputável.

M) Por outro lado, se é certo que esse nexo de culpa pode ser sempre ser afastado, também é certo que os requisitas de afastamento ou exclusão dessa culpabilidade devem ser aplicados com uma certa cautela, uma vez que irão sempre beneficiar o sujeito causador do dano em detrimento do efectivo lesado e daí falar-se no critério do “bom pai de família”.

N) Ora, no caso, os deveres gerais de diligência e aptidão de um “bom pai de família” apontam no sentido de não ser de excluir o nexo de culpabilidade, aferido em termos de mera negligência, da então impugnante.

O) Antes de mais, estamos não perante um sujeito passivo singular, mas perante uma concessionária, a Lusoponte, que dispõe de todos os meios necessários e com uma posição privilegiada que apontava para que, caso tivesse alguma dúvida sobre o correcto enquadramento fiscal e quanta à possibilidade de as operações em causa lhe darem, ou não, o direito à dedução de IVA, poderia sempre ter diligenciado junto da AT acerca do procedimento a adopta.

P) Não o tendo feito, há que realçar que, no caso, a então impugnante sempre pareceu estar segura relativamente à (indevida) existência do seu direito à dedução de IVA, o que se demonstra pelas circunstâncias do caso em concreto, em que nunca foi pedida qualquer informação à AT sobre o enquadramento das operações em causa e em que, inclusivamente, a AT, face à falta de elementos que deveriam ter sido fornecidos e que deviam constar da contabilidade da então impugnante, teve que recorrer à aplicação de métodos indirectos, para efectuar a liquidação em causa, por ser impossível o real apuramento dos custos das obras efectuadas.

Q) Donde, é de concluir que, até ao momento da interposição da presente impugnação judicial não havia, entre o sujeito passivo e a AT, qualquer divergência de critérios quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária.

R) E, deste modo, contrariamente ao que foi entendido pelo Acórdão recorrido, concluindo-se pela manutenção das liquidações impugnadas na ordem jurídica em virtude de o contribuinte ter incorrectamente exercido o direito à dedução de IVA, sem que tivesse diligenciado, junto da AT, sobre o seu correcto enquadramento fiscal, não está afastado o juízo de censurabilidade pelo atraso na liquidação do imposto devido ao Estado.


1.2. A Recorrida A……………, S.A., apresentou contra-alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

A) A existência de jurisprudência constante do STA no sentido da anulação dos juros compensatórios tal como decidida a quo — por todos, vide acórdão do STA de 30 de Novembro de 2011 (Rel. Francisco Rothes) proferido no processo nº 0619/11 — é, por si só, impeditivo da qualificação de tal questão como fundamental pelo que, desde logo e por esse motivo, não pode ser admitida a presente revista — cfr. acórdão do STA de 23 de Setembro de 2004 (Rel. Santos Botelho) proferido no processo nº 0891/04.

B) Não estamos perante uma decisão a quo que aplicou manifestamente mal o direito ao caso, ou no qual esteja patente que a decisão se mostra clara e objectivamente contrária à lei, uma vez que o sentido da decisão do Tribunal a quo vai de encontro com a Lei Fiscal, a jurisprudência e a doutrina segundo as quais apenas pode existir liquidação de juros compensatórios se ficarem demonstrados elementos ou indícios de censura na actuação do contribuinte.

C) A anulação da liquidação de juros compensatórios tal como decidida pelo Tribunal a quo, ficou a dever-se ao juízo daquele tribunal no caso em concreto, pelo que nunca pode a questão ser tida como sujeita à presente revista ao ter sido resolvida dentro das soluções possíveis de direito e em face das circunstâncias do caso em concreto, nomeadamente de acordo com a factualidade assente.

D) Efectivamente, cada caso é um caso em matéria de juros compensatórios; ou seja, a legalidade da liquidação de juros compensatórios depende das circunstâncias concretas e da factualidade dos autos, como bem decidiu o Tribunal a quo, aspecto reforçado pelo facto de a jurisprudência não hesitar a propósito da responsabilidade por juros compensatórios depender da possibilidade de se formular um juízo de censura a essa actuação — vide, por todos, o acórdão do STA de 19 de Novembro de 2008 (Rel. Miranda de Pacheco) proferido no processo 0576/08.

E) A discordância da Fazenda Pública é com o sentido da decisão a quo; todavia, como confirma a melhor jurisprudência, tal não é susceptível de legitimar a presente revista que, também por isso motivo, é inadmissível — neste sentido, são exemplares as seguintes palavras do próprio STA em aresto recente: «a reiterada discordância com o sentido da decisão, por si só, embora suscetível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para este efeito [recurso de revista excepcional] jurídico processual manifestamente ineficaz» — acórdão STA de 25 de Setembro de 2013 (Rel. Valente Torrão) proferido no processo nº 0380/13 (cit.).

F) Uma vez demonstrado que o presente recurso tem por objecto uma questão que não tem importância fundamental e que foi resolvida pelo Tribunal a quo dentro das soluções possíveis de direito e em face das circunstâncias do caso em concreto, requer-se que a doutíssima formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal recuse a admissão da revista nos presentes autos.

G) Acresce ao já referido que, caso se entenda que o presente recurso deva ser admitido — o que só se acolhe por hipótese académica e sem conceder — em caso algum o mesmo pode ser julgado procedente uma vez que a decisão do Tribunal a quo em manter a anulação da liquidação de juros compensatórios é irrepreensível à luz do Direito.

H) Em primeiro lugar, a Fazenda Pública pretende discutir o caso em concreto — o que é, desde logo, inadmissível numa revista excepcional, como vimos no capítulo anterior —, de forma tal que chega a assentar a sua argumentação no facto da Recorrida ser uma «empresa», especificando tratar-se de «uma [empresa] concessionária» (cit.), e identificando mesmo a denominação social da Recorrida (a pág. 8/14).

I) Em segundo lugar, o imposto em causa não é sequer devido pela empresa, como decreta a jurisprudência comunitária em matéria de IVA — vide acórdão de 26/05/2005, ‘KRETZTECHNIK AG’, proc. C-465/03 —, como julgou já este Venerando STA num processo em tudo semelhante aos dos Autos — cfr. acórdão de 3 de Julho de 2013 (Rel. Pedro Delgado) proferido no processo nº 01148/11 —, e como julgou, inclusivamente, a primeira instância nestes Autos.

J) Acresce que, através da Direcção de Serviços do IVA e do CEF, a própria AT já acolheu a jurisprudência comunitária e nacional no sentido da dedução do IVA relativamente a operações em idênticas situações à em apreço; inclusivamente, no âmbito de um recurso hierárquico apresentado pela própria Recorrida, com base nos mesmos factos e direito presentes in casu, a AT acabou por dar provimento ao recurso em 24 de Junho de 2013, revogando a liquidação de IVA anterior — cfr. informação nº 1719, de 17 de Junho de 2013.

K) A posição adoptada pela Fazenda Pública — que deveria pugnar pela alteração da decisão a quo quanto à liquidação adicional de imposto, por ter sido assim que a AT já decidiu em processos idênticos — de apresentar uma revista excepcional e pretender que não sejam anulados os juros compensatórios decorrentes da citada liquidação adicional de IVA, é mesmo reveladora de má-fé, evidenciada na contradição manifesta de posições e procurando tirar beneficio a nível processual, sem que a Recorrida compreenda efectivamente qual o beneficio.

L) A Fazenda Pública ensaia ainda a conclusão absurda e mal intencionada de que a Recorrida, por não ter solicitado uma informação vinculativa à AT(!), deveria sempre ter sido sujeita a liquidação de juros compensatórios, uma vez que, por não ter pedido tal informação, o enquadramento fiscal em causa não era susceptível de lhe ter causado dúvidas.., tese verdadeiramente inaudita e, diga-se, absurda à luz dos mais basilares princípios do Direito...

M) Contrariamente ao que insinua a Fazenda Pública, nunca a ora Recorrida se conformou com o enquadramento fiscal proposto pela AT, não havendo, ademais, qualquer elemento que indicie culpa ou negligência por parte da empresa.

N) Finalmente, e novamente ao contrário do que entende a Fazenda Pública, o acórdão recorrido também não carece de ser revogado quanto à anulação dos juros compensatórios, posto que surge, a esse respeito, na esteira da jurisprudência superior e da doutrina.

O) Efectivamente, o Tribunal a quo partiu da análise aos presentes Autos para concluir que era manifesta e muito significativa a incerteza sobre a correcta posição a adoptar e qual, em rigor, o enquadramento das operações em causa (resultando assente nos Autos a complexidade das operações em causa e dos enquadramentos fiscais em sede de IVA), pelo que não poderia existir qualquer juízo de censurabilidade imputável à ora Recorrida.

P) Atente-se nas peças processuais dos presentes autos para confirmar que existem argumentos muitos fortes a favor da posição da ora Recorrida, bem como desenvolvimentos jurisprudenciais sofisticados (inclusivamente acórdãos do TJUE, hoje TUE), diferentes perspectivas de encarar o papel da dedução do IVA em certas operações, bem como a sua relação com a actividade da empresa, tendo sido junto aos Autos parecer de um especialista em IVA muitíssimo reputado e independente, caso do Prof. Xavier de Basto.

Q) Segundo a melhor doutrina: - «é necessário que existe nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte, mas não basta uma conexão objectiva [...] assim é necessário que a sua conduta seja censurável»;- «não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando o contribuinte tenha actuado de boa fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável» — cfr. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias» in VV. (Lisboa, 1999) Problemas Fundamentais do Direito Tributário, p. 148 (cit.).

R) Ou seja, mesmo que se venha a entender que a liquidação adicional de imposto não era ilegal — o que a ora Recorrida não concebe à luz da Lei e da jurisprudência do STA, tendo apresentado um recurso por oposição de julgados — dúvidas não existem, nem nenhum indício resultou provado, que a posição da Recorrida foi razoável e que agiu sempre com diligência exigível, não lhe sendo imputável qualquer grau de censurabilidade.

S) Com efeito, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que Recorrida agiu com diligência e zelo, pelo que os juros compensatórios em caso algum poderiam ter sido liquidados tal como se decidiu a quo.

T) Uma vez demonstrado que bem decidiu o Tribunal a quo quanto à anulação dos juros compensatórios, deve o presente recurso improceder.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do STA emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não devia ser admitido, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos legais indispensáveis a essa admissão.

1.4. Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que constitui jurisprudência actualmente pacífica nesta Secção de Contencioso Tributário que o recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150º CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário.

2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no nº 5 do referido preceito legal.
Por conseguinte, este recurso só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental.
E como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, a relevância jurídica fundamental deve ser detectada perante questões de direito (substantivo ou processual) que apresentem especial complexidade ou quando a sua análise suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina. Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiverem em causa questões que apresentem contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso em análise e é conveniente formar uma orientação para a resolução de casos futuros, dada a existência de interesse comunitário significativo na resolução dessas questões.
Finalmente, a clara necessidade para uma melhor aplicação do direito há-de resultar da necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Ou quando esteja em causa uma decisão ostensivamente errada ou juridicamente absurda ou insustentável.
Vejamos se tais requisitos se verificam no caso em apreço, tendo presente que a questão que se coloca é a de saber se, uma vez que os actos de liquidação de IVA se mantêm na ordem jurídica – por ter existido, da parte do contribuinte, um errado enquadramento da sua situação jurídico-fiscal, que o levou a exercer de forma incorrecta o direito à dedução de IVA e determinou a realização da liquidação do imposto devido pela administração tributária – pode anular-se a liquidação dos juros compensatórios com base no afastamento de um juízo de censurabilidade à actuação do sujeito passivo e ao consequente atraso na liquidação do imposto.
Sobre esta matéria, considerou-se no acórdão recorrido, além do mais, o seguinte: «Os pressupostos ou requisitos dos juros compensatórios são os seguintes: i) ter existido um retardamento da liquidação do imposto (IVA); (ii) o retardamento da liquidação (IVA) causar prejuízo patrimonial ao credor tributário; (iii) o retardamento da liquidação (IVA) ser imputável ao sujeito passivo. Dito de outra forma, «constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e a imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte» (Ac. do STA, de 16.12.2010, P. 0587/10); a culpa «consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, aptidão e conhecimento de um bonus pater famílias» (Ac. do STA de 16.12.2010, P. 0587/10).
No caso em exame, o imposto liquidado e pago pelo contribuinte foi inferior ao devido, dado que considerou que havia imposto a deduzir, que afinal não o era. De referir que apesar de ser exigível ao contribuinte a diligência e zelo no conhecimento do enquadramento fiscal da sua actividade económica, a incerteza sobre a correcta posição do mesmo face às operações em causa (se consumidor final, se sujeito passivo de IVA), depõe no sentido do claudicar do juízo de exigibilidade e censurabilidade inerente à presente condenação, pelo que os juros compensatórios não se mostram devidos in casu.».

Donde se conclui, desde logo, pelo afastamento do requisito da relevância jurídica e social fundamental, nos termos que acima deixámos definidos, uma vez que a anulação da liquidação dos juros compensatórios se ficou a dever a um juízo de incensurabilidade, formulado pelo julgador, no que toca à actuação da impugnante face à natureza e especificidades das operações em causa, e, por conseguinte, à julgada inimputabilidade do atraso na liquidação do imposto a uma actuação culposa do contribuinte.
Ora, tal juízo diz exclusivamente respeito a um caso concreto e específico, pois só casuisticamente se pode aferir se ficaram ou não demonstrados elementos ou indícios reveladores de uma censura dirigida à actuação do contribuinte.
Aliás, a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal vide acórdãos do Pleno nº 0632/14, de 21.01.2015, e nº 01490/13, de 22.01.2014. vai no sentido de que «a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)», pelo que se a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento desse tipo de juros depende da existência de culpa por parte do contribuinte, esse juízo só pode ser aferido casuisticamente pelo julgador.
Por outro lado, a questão não apresenta relevância jurídica fundamental, uma vez que não denota especial complexidade nem suscita dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina, como ficou demonstrado. A resolução da questão, para além da sua fortíssima vertente casuística, não requer um esforço interpretativo particularmente difícil ou operações exegéticas de especial dificuldade, antes apresentando um grau de dificuldade que não ultrapassa o que é normal nas controvérsias judiciárias
Por seu turno, também soçobra o requisito da relevância social fundamental, uma vez que o caso não apresenta contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravase os limites do caso concreto, até porque já existem inúmeros acórdãos que revelam a orientação acima exposta.
Finalmente, constata-se que a posição assumida se enquadra no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as questões analisadas, não se evidenciando que o acórdão recorrido tenha tratado a matéria de forma pouco cuidada, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável. Acresce que a mera discordância quanto ao entendimento vertido no acórdão recorrido não implica a necessidade de uma intervenção deste tribunal para assegurar uma melhor aplicação do direito, sendo que, como se disse, não é, sequer, patente que a decisão se mostre ferida de erro manifesto ou grosseiro.
Deste modo, e face ao decidido no acórdão recorrido, cuja ponderação e raciocínio jurídico nada comporta de manifestamente anómalo ou ostensivamente errado, o presente recurso não logra colocar uma questão de alcance geral e fundamental no plano jurídico ou que assuma evidente repercussão comunitária.
Tanto basta para não considerar preenchidos os requisitos de que o nº 1 do art.º 150º faz depender a admissão do recurso de revista.


3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 6 de Maio de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.