Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0572/20.3BEALM
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
DECISÃO
MÉRITO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I – Das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando configurem decisões de mérito e respeitem a matéria exclusivamente de Direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
II – Não constitui “decisão de mérito”, para efeitos das regras de competência aplicáveis, um despacho que recusa a apresentação de uma nova petição inicial, por entender não se verificarem os condicionalismos determinantes da absolvição de instância.
Nº Convencional:JSTA000P28663
Nº do Documento:SA2202112090572/20
Data de Entrada:07/05/2021
Recorrente:A……………..
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A………………., melhor identificados nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada proferida 07 de Abril de 2021 que veio a não admitiu a nova petição inicial por ela apresentada ao abrigo do n.º 2 do artigo 279.º do CPC.
Apresentam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo errou ao ter rejeitado a nova petição inicial de reclamação apresentada pela Recorrente em 05/03/2021.
2. Com efeito, o Tribunal recorrido, por decisão judicial, ao ter rejeitado liminarmente, por falta de conclusões, a reclamação apresentada pela ora Recorrente junto da Autoridade Tributária, reconheceu a existência duma excepção dilatória inominada, a qual se enquadra no art.º 278.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. E, por tal motivo, tal decisão teve como consequência legal a absolvição da instância da Autoridade Tributária.
4. Ao contrário do que foi entendimento do Tribunal recorrido, a Recorrente dispunha do prazo de 30 dias, contados a partir do trânsito em julgado da decisão de rejeição liminar da Reclamação por si apresentada junto da Autoridade Tributária, para apresentar um novo articulado, conforme dispõe o art.º 279.º, n.º 2 do CPC.
5. Assim, ao não ter admitido a nova petição inicial de reclamação oportunamente apresentada pela Recorrente em 05/03/2021, o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.os 278.º, n.º 1, al. e) e 279.º, n.º 2, ambos do CPC.

I.2 – A Representante da Fazenda Pública vem nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 569.º, n.º 1, 2.ª parte, 629.º, n.º 3, al. c), e 641.º, n.º 7, todos do CPC, apresentar resposta a fls. 294 a 303 do SITAF, no sentido que a reclamante, ora requerente não arguiu junto do órgão de execução fiscal (OEF) a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo que serve de fundamento à execução nos termos do disposto no artigo 165º n.º 1 al. b) do CPPT, pelo que a mesma não pode ser apreciada pelo tribunal a quo.
Falece os argumento expendidos pela recorrente quanto alegada nulidade da notificação da penhora e sua manutenção da casa morada de família como também a alegada prescrição das dividas exequendas, devendo para o efeito ser julgada totalmente improcedente a reclamação por ela deduzida.

I.3 – Ministério Público
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
A……………… veio interpor recurso para STA do despacho proferido pelo TAF de Almada que não admitiu nova petição inicial de Reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT apresentada após o trânsito em julgado de despacho que rejeitou a 1ª Petição inicial por falta de conclusões de acordo com o disposto no artigo 277º, nº1 do CPPT por a Reclamante não ter apresentado nova petição corrigida, apesar de ter sido notificada para o fazer no prazo de 10 dias, sob pena de rejeição liminar da PI apresentada.
A Recorrente sintetizou as suas Alegações de Recurso da forma seguinte:
“1. O Tribunal a quo errou ao ter rejeitado a nova petição inicial de reclamação apresentada pela Recorrente em 05/03/2021.
2. Com efeito, o Tribunal recorrido, por decisão judicial, ao ter rejeitado liminarmente, por falta de conclusões, a reclamação apresentada pela ora Recorrente junto da Autoridade Tributária, reconheceu a existência duma excepção dilatória inominada, a qual se enquadra no art.º 278.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. E, por tal motivo, tal decisão teve como consequência legal a absolvição da instância da Autoridade Tributária.
4. Ao contrário do que foi entendimento do Tribunal recorrido, a Recorrente dispunha do prazo de 30 dias, contados a partir do trânsito em julgado da decisão de rejeição liminar da Reclamação por si apresentada junto da Autoridade Tributária, para apresentar um novo articulado, conforme dispõe o art.º 279.º, n.º 2 do CPC.
5. Assim, ao não ter admitido a nova petição inicial de reclamação oportunamente apresentada pela Recorrente em 05/03/2021, o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.os 278.º, n.º 1, al. e) e 279.º, n.º 2, ambos do CPC.”
A questão a apreciar consiste em saber se o douto despacho/sentença recorrido incorreu em erro de julgamento de direito ao não admitir a nova petição inicial (aperfeiçoada), com os fundamentos que, em síntese, se elencam:
- resulta do teor literal do nº2 do artigo 279º do CPC invocada pela Reclamante que a sua aplicação se circunscreve aos casos em que tenha sido proferida decisão de absolvição da instância, não se mostrando aplicável à situação dos autos a mencionada disposição legal, pois não foi proferida decisão de absolvição da instância;
- o entendimento da reclamante de que a decisão de rejeição liminar da reclamação por falta de conclusões se enquadra no disposto no referido art.º 278º n.º 1 al. e) do CPC e, embora não o tenha referido expressamente, teve como efeito a absolvição da Fazenda Pública da instância, não procede por não fazer sentido, em situação como a dos presentes autos, decidir pela absolvição da instância da Fazenda Pública, quando a mesma não foi chamada à acção.
Razão pela qual o Tribunal, in casu, não concluiu pela absolvição da instância;
- o Acórdão do STA de 30.04.2013, proferido no processo n.º 0454/13, invocado pela reclamante em defesa das sua posição, no qual se admitia a aplicação do disposto no então n.º 2 do artigo 289.º do CPC/1961, parte do pressuposto que ocorreu a absolvição da instância da Fazenda Pública (justificando, assim, a sua posição), o que na realidade, não aconteceu, como decorre do próprio teor do mencionado acórdão;
- por outro lado, se até à alteração ao artigo 560.º do CPC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho, seria possível, numa situação de rejeição liminar como a dos presentes autos, valer-se da faculdade prevista no referido artigo 560.º, aplicável “ex vi” do no n.º 1 do artigo 590.º, também do CPC, podendo apresentar nova petição no prazo de 10 dias, com a nova redacção daquela disposição legal, tal não é possível no caso dos autos, dado que a faculdade prevista no artigo 560.º do CPC passou a poder ser usada apenas em causa que não importe a constituição de mandatário, não estando a parte representada por mandatário, o que não é o caso dos autos, pois a parte está representada por mandatário;
- acresce que, tendo a Reclamante sido notificada da decisão de rejeição liminar da reclamação em 15.01.2021 (terceiro dia útil posterior à data do envio do ofício de notificação – artigo 248.º, n.º 1, do CPC), o prazo de 10 dias terminou no dia 25.01.2021, pelo que, tendo a nova petição inicial sido apresentada no dia 05.03.2021 (fls. 106 a 108 e 109 a 122), a mesma sempre seria intempestiva.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos ter sido correcta a decisão de não admissão da nova petição inicial.
Com efeito, a Reclamante sustenta a apresentação de nova petição aperfeiçoada no entendimento de que a decisão de rejeição da 1ª petição inicial configura absolvição da instância da FP e, por consequência, é aplicável o disposto no art.º 279.º n.º 2 do CPC, sendo admissível a propositura de nova acção e aproveitando-se todos os efeitos da primeira, nomeadamente quanto aos prazos de caducidade, se a nova acção for intentada dentro do prazo de 30 dias a contar da data de trânsito em julgado da decisão que absolve o réu da instância, como se verifica.
Todavia, como se afirma na douta sentença recorrida, a decisão que recaiu sobre a primeira petição inicial foi um despacho de rejeição liminar e não uma sentença de absolvição da instância da FP pelo que nunca lhe seria de aplicar o disposto no n.º 2 do art. 279º, do CPC.
No sentido da impossibilidade da aplicação do preceito atrás referido ao despacho de rejeição liminar da 1ª petição inicial, convocamos o que se escreveu no douto Acórdão do STA proferido em 26-04-2012, 0255/12, ainda que respeitante a preceito do CPC de 1961 mas de conteúdo idêntico que:
“Começando pelo art. 289.º, n.º 2, do CPC, diremos que o mesmo apenas logra aplicação nos casos em que tenha sido proferida decisão de absolvição da instância, como resulta inequivocamente do respectivo teor. Na verdade, depois de no n.º 1 daquele artigo dizer que «A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto», o n.º 2 refere que «Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância».
Acresce que o que estava em causa no despacho que rejeitou a 1ª petição inicial era a falta de um pressuposto processual - falta de conclusões na PI de acordo com o disposto no artigo 277º, nº1 do CPPT - condição de admissibilidade da Reclamação nos termos do artigo 276º pelo que não faria sentido a absolvição da instância uma vez que a Reclamação ainda não tinha produzido qualquer efeito.
Por outro lado, no caso em apreço, tendo em conta a função das conclusões, afigura-se-nos, que à data da apresentação da petição aperfeiçoada sempre estaria precludido o direito da Reclamante para o fazer pois, como consta daquela, “… foi ordenada a notificação da Reclamante para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao aperfeiçoamento do referido articulado mediante a apresentação de petição inicial com conclusões, nos termos do citado preceito.
Referido despacho, por ofício datado de 21.12.2020 (cfr. fls. 94), o mesmo não procedeu, até à presente data, ao solicitado aperfeiçoamento da petição inicial, tendo já decorrido o prazo concedido para o efeito, o qual terminou em 04.01.2021 [no limite, terminaria em 07.01.2021, ou seja, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, perante o pagamento da multa correspondente, nos termos previstos no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC)…”.
Ou seja, foi concedido à Reclamante o benefício de apresentar nova petição com conclusões, no prazo de 10 dias, o que aquela não cumpriu pelo que não tendo atacado através do competente recurso (a apresentar no prazo de 15 dias nos termos do artº 283º do CPPT) a decisão de rejeição da 1ª PI, precludiu o seu direito, não podendo continuar a usufruir de vantagem sucessiva, através do disposto no artigo 560º do CPC ( para o qual também remete o nº1 do artigo 590º do CPC ) .
No entanto, mesmo que se equacionasse a aplicação do disposto no artigo 560º do CPC à situação em apreço, como se refere na decisão, ora recorrida, “ … tendo a Reclamante sido notificada da decisão de rejeição liminar da reclamação em 15.01.2021 (terceiro dia útil posterior à data do envio do ofício de notificação – artigo 248.º, n.º 1, do CPC), o prazo de 10 dias terminou no dia 25.01.2021, pelo que, tendo a nova petição inicial sido apresentada no dia 05.03.2021 (fls. 106 a 108 e 109 a 122), a mesma sempre seria intempestiva….”
Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

I.4 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – De facto
O despacho proferido pelo TAF de Almada a fls. 268 e seguintes do SITAF, tem o seguinte conteúdo que se transcreve:
No seguimento da notificação da sentença proferida nos autos, que rejeitou liminarmente a reclamação, por a Reclamante não ter apresentado a reclamação com conclusões, mesmo após ter sido notificada para suprir tal falta, veio a Reclamante, em 05.03.2021, apresentar nova petição inicial de reclamação (fls. 106 a 108 e 109 a 122), invocando o n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo Civil (CPC) – como a mesma refere no requerimento de fls. 256-258, só por lapso manifesto utiliza o (correspondente) anterior n.º 2 do artigo 289.º do CPC/1961.
Ora, dispõe o artigo 279.º do CPC, sob a epígrafe “Alcance e efeitos da absolvição da instância”:
“1 - A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.
2 - Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
(…).”.
Como resulta do teor literal da norma supra reproduzida, invocada pela Reclamante, a sua aplicação circunscreve-se aos casos em que tenha sido proferida decisão de absolvição da instância. O que não é o caso dos autos.
Como se refere no acórdão do STA de 26.04.2012, proferido no processo n.º 0255/12, referindo-se ao anterior artigo 289.º do CPC/1961, mas transponível para o correspondente actual n.º 2 do artigo 279.º do CPC/2013, “o mesmo apenas logra aplicação nos casos em que tenha sido proferida decisão de absolvição da instância, como resulta inequivocamente do respectivo teor. Na verdade, depois de no n.º 1 daquele artigo dizer que «A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto», o n.º 2 refere que «Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância»”.
Assim, não se mostra aplicável à situação dos autos a mencionada disposição legal, pois não foi proferida decisão de absolvição da instância.
Defende a Reclamante, no requerimento de fls. 256 a 258, no exercício do contraditório sobre esta questão, que “a decisão de rejeição liminar da reclamação por falta de conclusões se enquadra no disposto no referido art.º 278º n.º 1 al. e) do CPC e, como tal, pese embora não o tenha referido expressamente, teve como efeito a absolvição da Fazenda Pública da instância”.
Contudo, não procede tal argumento.
Com efeito, não faz sentido, em situação como a dos presentes autos, decidir pela absolvição da instância da Fazenda Pública, quando a mesma não foi chamada à acção. Razão pela qual o Tribunal, in casu, não concluiu pela absolvição da instância.
Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.06.2017 (processo n.º 259/16.1T8PBL.C2), em situação de procedência de excepção de incompetência, “se o processo comportar despacho liminar e o juiz, ao proferi-lo, julgar o tribunal absolutamente incompetente, a petição inicial é liminarmente indeferida, nos termos do art. 590-1, pois não faria sentido a absolvição da instância dum réu perante o qual a propositura da ação ainda não houvesse produzido efeito”.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.2012, processo n.º 1763/11.3TJLSB.L1-1, no qual se conclui:
“Conhecida e declarada a incompetência do tribunal em razão da matéria, no despacho liminar, não é caso de absolvição dos RR. da instância, mas antes de indeferimento liminar da petição inicial”.
A jurisprudência do STA tem seguido este entendimento, sendo unânime em considerar que, verificada uma excepção dilatória, tal determina o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na sentença (já após a citação da entidade demandada/réu) - cfr. artigos 590.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 608.º, n.º 1, todos do CPC).
Entendendo igualmente que, ocorrendo decisão de indeferimento/rejeição liminar, nunca será de aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC, anterior n.º 2 do artigo 289.º do CPC/2013.
Como exemplos desta jurisprudência, vejam-se os acórdãos do STA de 26.04.2012 (processo n.º 0255/12), de 20.04.2016 (processo n.º 068/16), e de 29.06.2016 (processo n.º 0613/16).
No mesmo sentido do mencionado entendimento jurisprudencial, pronunciou-se igualmente o ilustre Concelheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, pág. 543 e 544.
Tendo a Reclamante invocado, em favor da sua posição, o acórdão do STA de 30.04.2013, proferido no processo n.º 0454/13, no qual se admitia a aplicação do disposto no então n.º 2 do artigo 289.º do CPC/1961, resulta da sua leitura que o mesmo parte do pressuposto que ocorreu a absolvição da instância da Fazenda Pública (justificando, assim, a sua posição), o que na realidade, não aconteceu, como decorre do próprio teor do mencionado acórdão.
De todo o exposto resulta a inadmissibilidade da apresentação de nova petição inicial ao abrigo do n.º 2 do artigo 279.º do CPC.
Sendo que, por outro lado, se até à alteração ao artigo 560.º do CPC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho, seria possível, numa situação de rejeição liminar como a dos presentes autos, valer-se da faculdade prevista no referido artigo 560.º, aplicável ex vi do no n.º 1 do artigo 590.º, também do CPC, podendo apresentar nova petição no prazo de 10 dias, com a nova redacção daquela disposição legal, tal não é possível no caso dos autos, dado que a faculdade prevista no artigo 560.º do CPC passou a poder ser usada apenas em causa que não importe a constituição de mandatário, não estando a parte representada por mandatário, o que não é o caso dos autos, pois a parte está representada por mandatário.
Ao que acresce que, tendo a Reclamante sido notificada da decisão de rejeição liminar da reclamação em 15.01.2021 (terceiro dia útil posterior à data do envio do ofício de notificação – artigo 248.º, n.º 1, do CPC), o prazo de 10 dias terminou no dia 25.01.2021, pelo que, tendo a nova petição inicial sido apresentada no dia 05.03.2021 (fls. 106 a 108 e 109 a 122), a mesma sempre seria intempestiva.
Nos termos e com os fundamentos expostos, não se admite a nova petição inicial apresentada pela Reclamante.
Notifique.
Almada, 07 de Abril de 2021
O Juiz de Direito

II.2 – De Direito
I. Vem o presente Recurso interposto da decisão do TAF de Almada, o qual decidiu não admitir uma nova petição inicial de reclamação da decisão do órgão de execução fiscal apresentada pela reclamante (já corrigida com as conclusões da alegação de recurso), uma vez que a norma citada “… circunscreve-se aos casos em que tenha sido proferida decisão de absolvição da instância. O que não é o caso dos autos.
Para assim decidir, entendeu a decisão recorrida, em síntese, que ao rejeitar liminarmente a primeira petição inicial, por falta das respetivas conclusões da alegação de recurso nos termos do n.º 1 do artigo 277.º do CPPT, não fazia sentido decidir pela absolvição da Fazenda Publica da instância, uma vez que ela não foi sequer chamada à acção, razão pela qual o Tribunal a quo concluiu no seu despacho pela não absolvição da instância. E, não ocorrendo a mesma, também os efeitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 279.º do CPC não se verificariam.
Por seu turno, a Recorrente sustenta que a decisão do Mmº Juiz ao rejeitar liminarmente a petição inicial da reclamação por falta de conclusões constitui uma excepção dilatória inominada prevista no artigo 278.º n.º 1 alínea e) do CPC.

II. Antes da análise desta questão, impõe-se a este Tribunal decidir acerca da sua própria competência, quer dizer, resolver a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT.

III. Ora, quanto à competência deste Supremo Tribunal para decidir o presente Recurso, já adiantamos que não consideramos este Supremo Tribunal competente para o efeito.
Nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT (na redação introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro), das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando respeite a questão de mérito e exclusivamente de Direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artigo 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do Tribunal ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso, sendo ainda certo que, como decorre do artigo 641.º, n.º 5 do CPC, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a exceção suscitada, a qual se consubstancia na incompetência da Secção de Contencioso Tributário do STA em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve, para tal efeito, aferir-se pelo quid disputatum ou quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum; por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 91; Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 223 e ss.).
Ora, atentando a que, nos termos do artigo 26.º, alínea b) do ETAF (na redação introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro), se atribui competência à Secção do Contencioso Tributário do STA para conhecer dos recursos interpostos das decisões de mérito que versem exclusivamente sobre questões de Direito dos Tribunais Tributários, e que, por sua vez, o artigo 38.º, alínea a) do mesmo diploma atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se precisamente o disposto no citado artigo 26.º, alínea b), deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, a competência deste Supremo Tribunal está circunscrita a decisões de mérito que versem exclusivamente sobre questões de Direito e que, à data da prolação da decisão ora recorrida – a 7 de Abril de 2021 – já se encontravam em vigor e produziam efeito as novas redações em matéria de competências introduzidas por aquelas Leis – cfr., entre muitos outros, os recentíssimos Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 01272/18, de 7 de Abril de 2021, ou no processo n.º 0429/14, de 10 de Março de 2021 (disponíveis em www.dgsi.pt).

IV. No que ao presente caso interessa, referir-se-á que, para tal delimitação, deve entender-se que o recurso não tem por objecto uma decisão de mérito se, como aqui sucede, não chega a conhecer do fundo da causa.
Ora, fácil é concluir que um despacho que rejeita admitir uma nova petição inicial, por considerar não verificada a absolvição de instância – no seguimento de um convite expresso anterior à apresentação de Conclusões na Petição Inicial de uma Reclamação, não cumprido pela ora Recorrente - nunca pode considerar-se como uma decisão de mérito.
Com efeito, ao ser proferido, tal despacho precludiu, precisamente, o conhecimento da questão que constitui o pedido vertido na petição inicial da Reclamação, a saber, a contestação da regularidade da penhora de um imóvel.

V. Assim, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul, para o qual os autos devem ser remetidos nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do CPPT.
Fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões.


III. Conclusões
I – Das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando configurem decisões de mérito e respeitem a matéria exclusivamente de Direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
II – Não constitui “decisão de mérito”, para efeitos das regras de competência aplicáveis, um despacho que recusa a apresentação de uma nova petição inicial, por entender não se verificarem os condicionalismos determinantes da absolvição de instância.

IV. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em considerar a incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça em 1 UC.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.