Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/22.0BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PEDIDO DE REVISÃO
Sumário:Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado por decisão arbitral, os juros indemnizatórios apenas serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT], motivo por que se a decisão anulatória for proferida dentro desse prazo de um ano, não há lugar a juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA000P31803
Nº do Documento:SAP20240124062/22
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
A Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira vem, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do artigo 25.º, n.º2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, da decisão arbitral proferida em 25 de Fevereiro de 2022, no processo n.º 617/2021-T, por alegada oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 0722/14, na parte relativa aos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação por iniciativa do contribuinte nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral proferida em 25.02.2022, no processo n.º 617/2021-T, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 28/01/2015, processo n.º 0722/14, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, mais precisamente, o dies a quo a partir do qual devem ser contabilizados os juros indemnizatórios.
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 28/01/2015, processo n.º 0722/14, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte.
C) A Decisão Arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento ao enquadrar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no nº 1 do art. 43º da LGT, e, considerar como termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios a data do pagamento indevido do imposto, contrariando a Jurisprudência reiterada do STA, que se cita, por todos, além do Acórdão fundamento, o Acórdão proferido em de 23.05.2018, pelo Pleno STA no Processo nº 01201/17,e que determina quanto ao termo inicial dos juros indemnizatórios de revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte, com o entendimento vertido no respectivo Sumário: “O artigo 43º, nº3, c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.”
D) Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com o Acórdão fundamento, condenar a AT a pagar à Requerente arbitral juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto por aplicação do nº1, do art. 43º da LGT e do nº10 do art. 35º também da LGT, diversamente do que determina esse normativo legal para as situações, como a dos autos, de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, em que são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
F) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, e, “Pelo exposto, se declara que os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado, ou seja, a partir de 24/11/2008”. (Sublinhado nosso)
H) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº6, do art. 152º do CPTA.
I) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto no nº 3, al c), do art. 43º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
J) Ora, o pedido de revisão oficiosa cujo indeferimento tácito constitui o objeto da ação arbitral foi apresentado no dia 06.05.2021, sendo que, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após aquela data, de acordo com o prazo estabelecido no n.º 3, al c) do art. 43.º da LGT, ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral recorrida.
K) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no art. 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência destinam-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
L) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os que são enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
M) Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p.809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
N) Decorre, de todo o exposto, que o Acórdão recorrido, ao não ter subsumido o caso sub judice à al c), do nº3 do art. 43º da LGT, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a Decisão Arbitral proferida no proc. nº 617/2021-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no proc. nº 0722/14, de 28.01.2015, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por Acórdão consentâneo com o quadro legal vigente, de acordo com o qual, apenas existe direito a juros indemnizatórios, decorrido um ano da data da apresentação da Revisão Oficiosa.

Não houve contra-alegações.

A EPGA junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de “dever ser admitido o presente recurso e conhecer-se do seu mérito, julgando-se procedente o recurso e sendo proferido Acórdão de uniformização de jurisprudência que reitere a orientação jurisprudencial constante do douto Acórdão do Pleno do STA proferido no processo 1/22.8BALSB, em 23-02-2023.”.

Notificadas as partes do teor do parecer do Ministério Público, nada disseram.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
“17. A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objecto social a promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, bem como exploração de hotéis com restaurante.
18. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:
i. Liquidação n. ...28, referente ao ano de 2017, no montante total de € 126.279,83;
ii. Liquidação n. ...70, referente ao ano de 2018, no montante total de € 126.279,83;
iii. Liquidação n.º ...47, referente ao ano de 2019, no montante total de € 107.266,74;
iv. Liquidação n.º ...63, referente ao ano de 2020, no montante total de € 104.203,49.
19. A Requerente apresentou, em 06.05.2021, pedido de revisão oficiosa contra essas liquidações, não tendo a Requerente sido notificada de qualquer projecto de decisão da revisão oficiosa apresentada, e em 07.08.2021 formou-se a presunção de indeferimento tácito da revisão oficiosa apresentada.
2.1.2.O acórdão fundamento considerou provados os seguintes factos:
A. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes B… e C…, na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “A…, S.A.”, ora impugnante, cujo teor ora se transcreve parcialmente: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com SETE MILHÕES SEISCENTOS E SETENTA E CINCO MIL EUROS, elevando-o para DEZ MILHÕES DE EUROS, através da emissão de um milhão quinhentos e trinta e cinco mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D…, SGPS, S.A. (…)”. - fls. 34/37 dos autos.
B. No ato de outorga da escritura pública referida em A) a impugnante “A…, S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 30.700,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS. – fls. 38 dos autos.
C. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes E… e C… na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “F…, S.A.”, ora impugnante, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com CINCO MILHÕES DUZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, elevando-o para SETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS, através da emissão de um milhão e cinquenta mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D…., SGPS, S.A. (…)”. – fls. 39/42 dos autos.
D. No ato de outorga da escritura pública referida em C) a impugnante “F…, S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 21.000,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS. - fls. 43 dos autos.
E. Em 23/11/2007, as sociedades impugnantes, em coligação, apresentaram um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de imposto de Selo identificados nas alíneas B) e D), com a consequente restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios - fls. 44/55 dos autos e 1/12 do processo de revisão oficiosa apenso aos autos.
F. Não foi proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão oficiosa a que se alude em E).
G. A petição de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 01/08/2008 - cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.


2.2. O direito
2.2.1. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 25.º do RJAT, tem como fundamento a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o indicado acórdão do STA “quanto à mesma questão fundamental de direito”.
De acordo com o n.º2 do invocado artigo 25.º, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. E, por força do disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal, ao recurso é aplicável com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 152.º do CPTA.
Um dos requisitos de admissão deste recurso, cujo objectivo é resolver a existência de um conflito de jurisprudência, é, portanto, a existência de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o invocado acórdão do STA e a decisão arbitral impugnada.
Quanto à “mesma questão fundamental de direito”, é jurisprudência consolidada do Pleno desta Secção que: (i) a identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto pressupõe uma situação de facto substancialmente idêntica; (ii) não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Vejamos então se a alegada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito se verifica.
No caso, como resulta das conclusões de recurso, sustenta a Recorrente que o entendimento sufragado pela decisão arbitral (recorrida) está em contradição com o do acórdão do STA (Pleno) de 28/1/2015, Processo 0722/14, no que se refere ao segmento relativo aos juros indemnizatórios, mais concretamente quanto ao dies a quo a partir do qual devem ser contabilizados os juros indemnizatórios no caso de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto tributário, por iniciativa do contribuinte.
Na decisão arbitral, perante uma impugnação deduzida na sequência do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa da liquidação do imposto apresentado pelo contribuinte em 6/5/2021, foi julgado procedente o pedido de anulação da liquidação de imposto impugnada e, em consequência, foi, além do mais, reconhecido o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 e 35.º, n.º 10, da LGT; artigos 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20/12/2016) até à data do processamento da respectiva nota de crédito (conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT).
No acórdão fundamento, após ser reconhecida a existência da invocada oposição de julgados, conheceu -se do mérito do recurso, reafirmando a jurisprudência do STA segundo a qual “pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].”.
Estamos, pois, perante duas decisões (expressas) opostas sobre a mesma questão de direito - a do termo inicial relevante para a contagem dos juros indemnizatórios -, com base em situação fáctica idêntica, já que, em ambos os casos, foi julgado procedente pedido de anulação da liquidação de imposto, deduzido na sequência do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa da liquidação. Contudo, enquanto a decisão arbitral considerou serem devidos juros indemnizatórios a contar da data do pagamento indevido do imposto, no acórdão fundamento foi considerado que os mesmos são devidos apenas depois de decorrido um ano após o pedido de revisão.
Verificando-se a invocada oposição de julgados e uma vez que a orientação perfilhada na decisão arbitral não está de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [cf. artigo 152.º, n.º3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 25.º do RAJT], importa passar para o conhecimento do mérito do recurso.
2.2.2. A questão aqui em causa não é nova e tem merecido resposta pacífica, uniforme e reiterada do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA, e para a qual se remete, no sentido de que nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento (expresso ou tácito) daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado - cf., entre tantos, acórdãos STA de 29/9/2022 (Processos 51/22.4BALSB; 64/22.6BALSB; 112/21.7BALSB), de 23/11/2022 (Processo 93/22.0BALSB); de 23/2/2023 (Processo 1/22.8BALSB; Processo 154/21.2BASLSB); de 28/9/2023 (Processo 22/23.3BALSB); de 22/11/2023 (Processo 88/23.6BALSB; Processo 110/23.6 BALSB).

Como a este propósito se deixou exarado no recente acórdão de 22/11/2023, Processo 88/23.6BALSB: “(…) Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 11 de Dezembro de 2019 no processo n.º 58/19.9BALSB, dispensando a junção deste aresto porque indicamos onde está disponível.
Nesse acórdão ficou decidido que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.
Acolheu-se aí a fundamentação de acórdão anterior na mesma Secção (o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 27 de Fevereiro de 2019, no processo n.º 22/18.5BALSB, no presente recurso invocado como acórdão fundamento). No que ora releva, reafirmou-se o entendimento - que, de resto, já vinha uniformizado – no sentido de que não devem distinguir-se, para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, as situações em que é deduzido o pedido de revisão e a administração revê o acto mais de um ano após a dedução desse pedido, daquelas em que a administração não revê o acto mas este vem a ser anulado judicialmente após mais de um ano a contar desse pedido.
No caso sub judice, a liquidação com o n.º ...85, efectuada em 15 de Setembro de 2017, foi objecto de pedido de revisão em 18 de Dezembro de 2020, o qual foi indeferido por decisão de 23 de Junho de 2021 [cfr. alíneas F), N) e Q) dos factos provados], mas a liquidação veio a ser anulada por decisão do CAAD proferida em 3 de Dezembro de 2021.
Ou seja, a decisão anulatória foi proferida (em 3 de Dezembro de 2021) dentro de um ano após a apresentação do pedido de revisão (que ocorreu em 18 de Dezembro de 2020), motivo por que, nos termos da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, não são devidos juros indemnizatórios.
Assim sendo, não pode deixar de ser anulada a decisão arbitral, no que se refere à liquidação com o n.º ...85, na parte em que concedeu juros indemnizatórios e fixou o termo inicial da contagem dos mesmos na data do pagamento do imposto, como decidiremos a final.”

No caso vertente, o pedido de revisão das liquidações impugnadas (referentes aos anos de 2017 a 2020) foi apresentado em 6/5/2021 [cf. ponto 19) do probatório supra reproduzido] e a decisão arbitral (recorrida) que anulou essas liquidações foi proferida em 25/2/2022. Ou seja, a decisão que anulou as liquidações foi proferida dentro de um ano a contar da data da apresentação do pedido de revisão oficiosa. Pelo que, em conformidade com a jurisprudência consolidada deste STA vinda de referir não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.
Deste modo, não pode manter-se a decisão arbitral no segmento impugnado, procedendo, consequentemente, o presente recurso.

3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, reafirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal, conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral no segmento recorrido.

Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça por não ter contra-alegado (artigo 7.º, n.º 2 do RCP a contrario).

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.