Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0394/14.0BECTB
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23872
Nº do Documento:SA1201811270394/14
Data de Entrada:11/12/2018
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE CASTELO BRANCO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, SA peticionou, no TAF de Castelo Branco, ao abrigo do disposto nos art.ºs 102.º/5 e 45º/3, ambos do CPTA, contra o Município daquela cidade, a fixação de indemnização decorrente da impossibilidade de executar o julgado anulatório nas seguintes quantias
A) Lucros que a A………… deixou de auferir por não ocupar a posição de adjudicatária do procedimento AQ S 37/2014 e, consequentemente, não celebrar e executar o respectivo contrato: € 559,07;
B) Perda da visibilidade operacional: € 15.000,00;
C) Perda da possibilidade de obtenção de rácios de experiência profissional e da possibilidade de incremento de índices financeiros como o volume de negócios, o cash flow e o EBITDA: € 15.000,00;
D) Despesas judiciais com a interposição do presente processo: € 10.341,09, acrescido de montante, a liquidar, de despesas (custas judiciais e honorários) em que a A………… ainda venha a incorrer no presente processo judicial;
E) Custos com a elaboração da proposta e demais actos procedimentais: € 1.102,41;
F) Juros relativos às quantias indicadas nas alíneas A), B), C), D) e E) que se vençam à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais desde a data de notificação da Câmara Municipal de Castelo Branco do presente requerimento e até integral pagamento”.

Aquele Tribunal proferiu o seguinte julgamento:
- fixou em € 559,07 a indemnização por lucros que a Autora deixou de auferir por não ter sido a adjudicatária no procedimento em causa e, por isso, não ter podido celebrar e executar o respectivo contrato, acrescido dos devidos juros vencidos e vincendos.
- Absolveu o Réu dos restantes pedidos.

Decisão que o TCA Sul manteve.
É desse acórdão que a Autora vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora pediu a condenação do Município de Castelo Branco a pagar-lhe uma indemnização que a ressarcisse dos danos causados pela impossibilidade de executar o Acórdão que anulou a exclusão da sua proposta no concurso público aberto pela Câmara daquela cidade destinado à aquisição dos serviços de vigilância e segurança em determinados parques de estacionamento.
O TAF julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar à Autora a indemnização de 559,07 euros, acrescida dos devidos juros vencidos e vincendos, por ter sido esse o único prejuízo que aquela conseguiu provar.
Para tanto ponderou:
“... para além dos danos decorrentes da impossibilidade de executar a decisão judicial, …. em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva …. os arts. 102.º, n.º 5, e 45.º, ambos do CPTA, visam compensar o demandante pela actuação ilegal da Administração e pela impossibilidade de execução de uma sentença na qual obteria ganho de causa, inexistindo qualquer razão que justifique que tal compensação não abranja todos os danos gerados por força dessa situação. Por conseguinte, a indemnização estabelecida nos arts. 102.º, n.º 5, e 45.º, n.º 1 a n.º 4, poderá abranger não só os danos estritamente emergentes da impossibilidade de execução da sentença mas também os danos resultantes da prática do acto ilícito.
Todavia, sempre se diga que o ónus da prova dos danos sofridos em virtude da impossibilidade de execução da decisão judicial anulatória/condenatória e respectivo nexo de causalidade adequado incumbe à Requerente.
*
Ora, compulsada a factualidade julgada provada em 1) a 16) e julgada não provada em (i) a (xiii) …. constata-se que a Requerente apenas logrou provar os danos respeitantes aos lucros que não auferiu por impossibilidade de executar o contrato.
...
Ante o exposto, deve o Requerido ser condenado a pagar à Requerente, a título de indemnização pelo lucro que deixou de auferir com a execução do contrato, a quantia de € 559,07, acrescida de juros que se vençam desde a data de notificação do presente requerimento de fixação judicial de indemnização, até efectivo e integral pagamento.
….
Em suma, a Requerente apenas logrou provar o peticionado por si, sob a alínea A) do seu petitório. Ante o exposto, não pode este Tribunal condenar o Requerido, nos termos legais, nos pedidos formulados pela Requerente sob as alíneas B) a E), sendo certo que também não poderia ser o Requerido condenado nos juros peticionados quanto aos montantes referidos nas alíneas B) a E) [cf. art. 45.º do CPTA].
Procede, assim, parcialmente, a pretensão indemnizatória da Requerente.”

O TCA manteve essa decisão.
Para tanto começou por afirmar que a Recorrente carecia de razão na impugnação do julgamento da M.F. Com efeito, as respostas negativas dadas aos quesitos (i) a (xiii) resultaram da mesma não ter provado que do acto cuja ilegalidade foi declarada tivesse determinado uma perda da visibilidade operacional da Recorrente, a perda da possibilidade de obtenção de rácios de experiência profissional e de incremento de índices financeiros como o volume de negócios, o cash flow e o EBITDA. Como não tinha provado que tivesse tido as invocadas despesas com a elaboração da proposta e demais actos procedimentais e com a interposição desta acção. De resto, a redacção de diversos desses quesitos não fora a mais feliz o que impedia que as suas respostas conduzissem ao que a mesma pretendia.
Com efeito, a “formulação dos quesitos (i) a (xi) não preenche os requisitos adjectivos no tocante à alegação de “perda da visibilidade operacional” e “perda da experiência profissional” em matéria de oportunidade perdida e de frustração das hipóteses de “potenciar futuras aquisições de serviços” por o seu teor consistir em “afirmações de natureza vaga e abstracta, expressões de larguíssima margem de imprevisibilidade quanto ao conteúdo, insusceptíveis de concretização factual e de controlo do meio de prova oferecido …. cujo grau de aleatoriedade e de incerteza as torna insusceptíveis de sobre elas estabelecer um nexo de causalidade naturalístico (e jurídico, para quem assim o entenda) de adequação entre o acto de adjudicação inválido e o elenco de oportunidades perdidas e futuras vantagens frustradas na esfera perdidas”.
Ademais, inexistia fundamento para a requerida ampliação da matéria de facto.
Finalmente, a “questão trazida a recurso nos itens 62 a 65 e 67 a 68 das conclusões relativa à conformação da perda de execução de sentença como dano autónomo passível de indemnização configura questão nova que não foi colocada à apreciação do Tribunal a quo.” E que, por ser assim, não podia ser objecto do recurso.

3. A Recorrente pede a admissão desta revista para que se analisem as seguintes questões:
I. A primeira questão que se coloca na presente revista é a saber se tendo o tribunal de primeira instância, na sentença, procedido à selecção da matéria de facto relevante para a apreciação e decisão da questão decidenda e julgado alguns desses factos não provados, e tendo a parte recorrente impugnado a decisão quanto à matéria de facto, requerendo que, em sede recursiva, tais factos fossem considerados provados, pode o tribunal de recurso considerar que os mesmos consubstanciam valorações jurídico-conclusivas e não factos concretos e, assim, considerar inútil a apreciação da impugnação da decisão quanto à matéria de facto não provada? Ou, ao invés, está o tribunal de recurso vinculado a apreciar a impugnação da matéria de facto julgada não provada ou, pelo menos, a anular a decisão adotada em primeira instância, determinando o regresso dos autos à primeira instância para que a parte seja convidada a concretizar os factos alegadamente conclusivos por si invocados?
VIII. A segunda questão que se coloca nesta revista é a saber se, no âmbito de fixação judicial de indemnização devido nos termos do artigo 102.º n.º 5 e 45.° n.°3 do CPTA, estando reconhecido que se verificou uma situação de impossibilidade absoluta de execução de sentença, e o direito do autor a ser indemnizado por tal circunstância, caso este não logre demonstrar, o valor concreto dos prejuízos que sofreu, o tribunal está vinculado a, mesmo oficiosamente, fixar o valor da indemnização com base em juízos de equidade? Como tal, se o autor não requereu expressamente que, em caso de falta de demonstração do valor concreto dos prejuízos a indemnização fosse determinado equitativamente, e o tribunal de primeira instância, não tendo considerado demonstrado o valor do prejuízo, julgou o pedido improcedente, a falta de fixação cujo valor da indemnização com base na equidade pode ser arguida e conhecida em sede de recurso? Ou trata-se de uma questão nova?”

4. É sabido que o julgamento da M.F. não pode ser objecto do recurso de revista (art.º 150.º/3 do CPTA).
Por ser assim a Recorrente que havia impugnado, sem sucesso, esse julgamento na apelação que dirigiu ao TCA não pode, nesta sede recursiva, visando superar aquela impossibilidade, questionar, ainda que de forma indirecta, esse julgamento sustentando que o Acórdão recorrido se limitou a considerar que os factos não provados consubstanciavam valorações jurídico-conclusivas e não factos concretos e que, por isso, se deveria remeter os autos ao Tribunal de 1.ª Instância para que se corrigisse essa anomalia.
Acresce que o que aquele Aresto, verdadeiramente, questionou foi a redacção que o TAF deu aos referidos quesitos afirmando que essa redacção não permitia que lhes fosse dada outra resposta que não a que vem censurada.
Por outro lado, o recurso à equidade requerido pela Recorrente como forma de cálculo de indemnização só pode ter lugar quando o valor exacto dos danos não puder ser averiguado (art.º 566.º/3 do CC), circunstância que, no caso, se não verifica. Com efeito, nada impedia que a Recorrente, através da prova documental ou testemunhal, demonstrasse os exactos valores das suas perdas.

DECISÃO.
Termos em que se decide não admitir a revista.
Custas pela Recorrente
Porto, 27 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.