Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0906/15.2BEALM
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO
DOMÍNIO PÚBLICO MUNICIPAL
DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA
Sumário:I - O legislador determinou de forma inequívoca, através do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».
II - Demonstrado nos autos que entre a ora Recorrente e o Município foi celebrado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, no âmbito do qual aquela paga a este uma renda anual, é de concluir que aquele fica isenta do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão.
III - A interpretação do quadro jurídico referido em I não viola os princípios de autonomia financeira e o poder tributário dos Municípios consagrados nos artigos 238.º e 241.º da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P27485
Nº do Documento:SA2202104070906/15
Data de Entrada:03/10/2020
Recorrente:EDP DISTRIBUIÇÃO - ENERGIA, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE PALMELA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. EDP – Distribuição de Energia, SA, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação de taxas de ocupação do espaço público, referentes ao ano de 2014, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou as respectivas alegações que concluiu nos seguintes termos:

«1.ª Na presente ação de impugnação judicial discute-se, essencialmente, se os atos de liquidação de taxas de ocupação do espaço público municipal de Palmela relativas a abertura de valas e colocação de cabos de distribuição de energia elétrica de média tensão, durante o ano de 2014, no montante global de € 34.761,19 (trinta e quatro mil setecentos e sessenta e um euros e dezanove cêntimos) consubstancia uma violação ao disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, sendo, por conseguinte, ilegal.

2.ª Paralelamente, discute-se, ainda, se os referidos atos de liquidação foram praticados em erro sobre os respetivos pressupostos de facto.

3.ª Chamado a pronunciar-se sobre o pedido formulado pela RECORRENTE, o Tribunal a quo conclui pela inexistência dos vícios de ilegalidade acima apontados, tendo, em consequência, julgado improcedente a presente ação de impugnação.

4.ª Sucede, porém, que a decisão recorrida padece de manifestos erros de julgamento, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine a anulação dos identificados atos de liquidação.

5.ª Com efeito, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efetiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão afetas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).

6.ª Dito de outro modo, o legislador determinou de forma inequívoca, através do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da atividade de energia elétrica, com infraestruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Elétrica em Baixa Tensão, «com [a consequente] total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».

7.ª Neste sentido, impondo o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, os municípios sejam financeiramente compensados pela utilização do seu espaço público com as infraestruturas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão através da obtenção da renda anual prevista no mencionado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Elétrica em Baixa Tensão, qualquer taxa municipal dirigida a comutar a mesma utilização é, inexoravelmente, ilegal.

8.ª De resto, contrariamente ao que vem sugerido na sentença recorrida, o artigo 3.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro — interpretado no sentido de que o pagamento da renda efetuado ao abrigo do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Elétrica em Baixa Tensão desonera a RECORRENTE do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infraestruturas de distribuição de energia elétrica em baixa, média ou alta tensão — está conforme a Constituição da República Portuguesa.

9.ª Em face de todo o exposto, impõe-se, pois, concluir que os atos de liquidação da taxa municipal de ocupação e de utilização sub judice padecem do vício de ilegalidade, por violação do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de novembro, devendo, nessa medida, a decisão judicial recorrida ser revogada e substituída por outra que determine, conforme se peticionou inicialmente, a anulação de tais atos de liquidação.

10.ª Em qualquer caso, contrariamente ao que vem assumido na sentença recorrida — a ocupação do espaço público municipal com as insfraestruturas de distribuição de energia elétrica aqui em causa foi, necessariamente, inferior ao período (anual) considerado nos atos de liquidação corporizados nas faturas anexas aos ofícios n.ºs 16426/2014 e 16472/2014 (faturas n.ºs 1634 e 13917).

11.ª Neste sentido, deve, em qualquer caso, a decisão recorrida ser substituída por uma outra que reconheça a existência do referido erro sobre os pressupostos de facto em que assentam os atos de liquidação materializados nos ofícios n.ºs 16426/2014 e 16472/2014 (faturas n.ºs 16534 e 13917), procedendo, também por esta razão, à sua anulação.

1.3. O Município de Palmela (doravante Recorrido), não obstante ter sido notificado da interposição e admissão do recurso, não contra-alegou.

1.4. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por não se verificar que a sentença recorrida tenha incorrido em erro de julgamento ao julgar não verificados os erros sobre os pressupostos de direito e de facto suscitados na petição inicial, devendo, em conformidade, ser confirmada na ordem jurídica.

1.5. Cumpre decidir, submetendo-se, para este efeito, os autos à Conferência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso, as conclusões do recurso permitem concluir que o seu objecto está circunscrito à questão do erro de julgamento de direito do julgado, ainda que desdobrada em dois fundamentos: (i) erro de julgamento na parte em que o Tribunal decidiu que as taxas impugnadas não padecem de erro sobre os pressupostos de direito, por não violarem o disposto no artigo 3.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro; (ii) erro de julgamento na parte em que o Tribunal julgou verificado erro sobre os pressupostos de facto porque, face aos factos apurados, devia ter concluído que a ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica aqui em causa foi necessariamente inferior ao período (anual) considerado nos actos de liquidação impugnados.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

1. A Impugnante exerce a actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão, no território continental de Portugal – facto não controvertido;

2. Em 14 de Setembro de 2000, foi atribuída à Impugnante, pelo Director Geral da Energia, em representação do Estado Português, a licença vinculada de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão no território de Continente, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de Julho – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

3. A licença referida no ponto anterior foi convertida em contrato de concessão nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, tendo o contrato de concessão da actividade de distribuição de electricidade através da rede eléctrica nacional de distribuição de electricidade em média e alta tensão sido formalizado no dia 25 de Fevereiro de 2009 – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

4. A Impugnante é titular de diversas concessões municipais de distribuição de energia, atribuídas por diversos municípios do país, mediante contratos de concessão celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, da Portaria n.º 454/2011, de 5 de Maio, do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto e do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro – facto não controvertido;

5. Em 7 de Julho de 2002, a Impugnante renovou com o Município de Palmela o “contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município de Palmela– cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;

6. No “contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município de Palmela” referido no ponto anterior, consta, designadamente, o seguinte:


Artigo 1º

Objecto da concessão


1- A Câmara Municipal, outorgando em representação do Município de Palmela (a seguir designada por Câmara), concede à EDP Distribuição - Energia, SA (a seguir designada por EDP Distribuição), a distribuição de energia eléctrica em baixa tensão na área do Município de Palmela.

(...) 


Artigo 2º

Transferência de direitos e poderes


A concessão implica a transferência, para a EDP Distribuição, do exercício dos direitos e poderes da Câmara necessários à gestão e exploração do serviço público de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão durante o prazo da concessão ou enquanto esta subsistir.

(...)


Artigo 4º

Utilização das vias públicas


1- Dentro da área da concessão, a EDP Distribuição terá o direito de utilizar as vias públicas, bem como os respectivos subsolos, para o estabelecimento e conservação de obras e canalizações aéreas ou subterrâneas de baixa, média ou alta tensão, com o fim de prover ao fornecimento de energia eléctrica.

2- Quando se torne necessária a realização de obras na via pública, a EDP Distribuição solicitará o seu licenciamento à Câmara, salvo acordo entre as partes ou se tal se revelar impossível ou inconveniente, em virtude de ocorrência de avaria ou caso de força maior.

(...) 


Artigo 5º

Meios necessários ao exercício da concessão


1- A EDP Distribuição obriga-se a providenciar para que sejam postos à disposição da concessão os meios materiais e humanos necessários à boa execução da actividade concedida, a realizar todos os trabalhos necessários à boa conservação das instalações abrangidas pela concessão e, de um modo geral, a assegurar a continuidade de prestação do serviço público de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão na área do Município de Palmela.

2- A EDP Distribuição terá todos os direitos e obrigações a que por lei esteja vinculada, no âmbito do serviço público de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, em tudo o que não esteja especificamente estabelecido no presente contrato de concessão.

(...)


Artigo 12°

Encargos da concessão e isenções


A concessão confere à Câmara o direito a uma renda e à EDP Distribuição o direito a isenções, nomeadamente quanto ao uso dos bens do domínio público municipal, as quais serão determinadas por portaria ministerial, sendo aquela e estas indissociáveis, pelo que nenhuma delas será devida separadamente.

(...)


Artigo 27º

Trabalhos nas redes e outras instalações abrangidas pela concessão e respectivos encargos


1- Competem à EDP Distribuição, e constituem seu encargo, todos os trabalhos de conservação, reparação, remodelação e reforço das redes e outras instalações abrangidas pela concessão, por forma a serem convenientemente satisfeitas as necessidades de consumo de energia eléctrica.

– cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;

7. Em 27 de Março de 2014, a Impugnante dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Palmela pedido de autorização para abertura de vala com 230m para instalação do cabo MT do tipo LXHIOZ1 (be) 3*1*40 da linha de média tensão e 15m de cabo BT do tipo LVAV 3*185*95, na Rua do Caçarino, Algeruz, Palmela – cfr. fls. 98 dos autos;

8. Em 8 de Outubro de 2014, os serviços do Impugnado remeteram à Impugnante o ofício n.º 16426/2014, atinente ao assunto “abertura de vala e colocação de tubagem – ocupação ou utilização do solo e/ou subsolo municipal”, do qual se extrai o seguinte extracto:

«Na sequência do v/ofício datado de 27/03/2014, vimos pela presente transmitir a V. Exas., que deverão, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data de recebimento da presente notificação, proceder ao pagamento das taxas correspondentes à ocupação do domínio municipal, no valor de 9 362,99€ (nove mil, trezentos e sessenta e dois euros e noventa e nove cêntimos).

As taxas a pagamento encontram-se previstas no capítulo VII, n° 1 e n.º 5.1, da Tabela de Taxas Municipais:

"N° 1 Ocupação de Espaço Público.

a) Pela apresentação do pedido inicial/renovação de licença de ocupação de via pública - 41,55€;

N.° 5.1 Taxa municipal aplicável por ocupação ou utilização de solo e/ou subsolo e/ou espaço aéreo municipal, com infraestruturas e equipamentos conexos, designadamente às concessionárias/operadores de serviços públicos.

a) Tubos, condutas, cabos condutores e similares (ml ou fração/ano)

a. 2) Superior a 200 mm 12,37 €

b) Abertura de vala (m2 ou fração/dia) 2,47 €"

Deste modo, as taxas a liquidar são as seguintes:

Ocupação de Espaço Público

Pela apresentação do pedido inicial/renovação de licença de ocupação de via pública - 41,55€;

Pela abertura de vala (m2 ou fração/ano)

Abertura de vala - 138m2 x 2,47€/dia x 19 dias = 6 476,34€;

Pela ocupação do espaço público com rede subterrânea

Cabos de média tensão secção 240mm - 230 ml x € 12,37/ml/ano = 2 845,10€».

– cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial;

9. A acompanhar o ofício referido no ponto anterior encontrava-se a factura n.º 16534/2014, no valor de € 9.362,99, emitida em nome da Impugnante – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial;

10. Em 12 de Março de 2014, a empresa A............, Lda., dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Palmela pedido de autorização para intervenção/ocupação da via pública, para abertura de vala, com 2029,80m, para “linha de média tensão subterrânea a 15 KV, denominada por ST15-82-13 C F DONAUER”, na localidade da Salgueirinha, Pinhal Novo, Palmela, que deu origem ao processo administrativo n.º 1957/2014 – cfr. fls. 1 a 10 do processo administrativo n.º 1957/2014 apenso aos autos;

11. Com data de 2 de Abril de 2014, consta a informação n.º 5821/14, elaborada pelos serviços do Impugnado no âmbito do processo administrativo n.º 1957/2014, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte: “A empresa A............, Lda.” apresentou, em 27/4/2014, plano de trabalhos para a execução da linha de média tensão subterrânea a 15 KV denominada por ST 15-82-13 C F DONAUER. Da análise do plano de trabalhos apresentado aferiu-se o seguinte: A empresa propõe a execução de 2000ml em troços de 250ml com a duração de 2 dias, 1 dia para abertura de vala e 1 dia para colocação de cabos e fecho de vala; Com base no plano de trabalhos, verifica-se que os dados a ter em conta para o cálculo das taxas são a duração de 16 dias com a ocupação de 200m2 por dia. A empresa informa que a EDP será a responsável pela exploração e manutenção da infra-estrutura instalada” – cfr. fls. 37 do processo administrativo n.º 1957/2014 apenso aos autos;

12. Em 24 de Abril de 2014, os serviços do Impugnado comunicaram à empresa A............, Lda., através do ofício n.º 7613/2014, da mesma data, atinente ao assunto “autorização para intervenção em via pública – infra-estruturas subterrâneas electricidade – Salgueirinha – Pinhal Novo”, designadamente, de que “[e]m resposta ao solicitado no vosso ofício referido em epígrafe e após análise aos elementos apresentados, somos a informar que nada há a opor à realização dos trabalhos (…). No entanto, devido a tratar-se de linha média tensão, haverá lugar a pagamento de taxa e serão V. Exas. notificados com a brevidade possível”cfr. fls. 31 do processo administrativo n.º 1957/2014 apenso aos autos;

13. Com data de 28 de Abril de 2014, consta como paga a factura n.º 7473/2014, emitida pelo Município de Palmela em nome da empresa A............, Lda., no valor de € 7.977,55, referente a “taxa administrativa 200m2 (área de vala por dia) x 2 2,48€ (dia) x 16 dias”, mais nela constando “importância referente à abertura de vala – Rua do Pinhal da Salgueirinha, Rua General Costa Gomes, Rua Alto do Cascalho e Rua das Sesmarias – Salgueirinha – Pinhal Novo – (proc.º 1957/2014)” – cfr. fls. 39 do processo administrativo n.º 1957/2014 apenso aos autos;

14. Em 8 de Outubro de 2014, os serviços do Impugnado remeteram à Impugnante o ofício n.º 16472/2014, atinente ao assunto “ocupação ou utilização do domínio municipal – colocação de tubagem de secção 240mm”, do qual se extrai o seguinte extracto:

«No seguimento da obra realizada pela empresa A............ (abertura de vala), na Rua do Pinhal da Salgueirinha, Rua General Costa Gomes, Rua Alto do cascalho e Rua Sesmarias - Salgueirinha - Pinhal Novo vimos pela presente transmitir a V. Exas., que deverão, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data de recebimento de presente notificação, proceder ao pagamento das taxas correspondentes à ocupação do domínio municipal (colocação de tubagem secção 240 mm), no valor de 25 150,18€ (vinte cinco mil cento e cinquenta euros e dezoito cêntimos).

As taxas a pagamento encontram-se previstas no capítulo VII, n° 1 e n.º 5.1, da Tabela de Taxas Municipais. '

“N° 1 Ocupação de Espaço Público.

a) Pela apresentação do pedido inicial/renovação de licença de ocupação de via pública - 41,55€;

N.° 5.1 Taxa municipal aplicável por ocupação ou utilização de solo e/ou subsolo e/ou espaço aéreo municipal, com infraestruturas e equipamentos conexos, designadamente às concessionárias/operadores de serviços públicos.

a) Tubos, condutas, cabos condutores e similares (ml ou fração/ano)

a.2) Superior a 200mm 12,37€".

Deste modo, as taxas a liquidar são as seguintes:

Ocupação de Espaço Público

Pela apresentação do pedido inicial/renovação de licença de ocupação de via pública - 41,55€;

Pela ocupação do espaço público com rede subterrânea

Cabos de média tensão secção 240mm - 2 029,80 ml x 12,37€/ml/ano = 25 108,63€».

– cfr. documento n.º 14 junto com a petição inicial;

15. A acompanhar o ofício referido no ponto anterior encontrava-se a factura n.º 13917/2014, no valor de € 25.150,18, emitida em nome da Impugnante – cfr. documento n.º 14 junto com a petição inicial;

16. Em 30 de Julho de 2014, a Impugnante dirigiu à Câmara Municipal de Palmela pedido de autorização para construção de um novo posto de transformação de serviço público e para o arvoramento de um pórtico no alinhamento da linha de média tensão existente, necessário para se estabelecer a alimentação MT à nova infra-estrutura, na Rua Custódio Simões, Algeruz, Palmela – cfr. fls. 114 dos autos;

17. Na mesma data, a Impugnante dirigiu à Câmara Municipal de Palmela pedido de autorização para construção de um novo posto de transformação de serviço público, em Brejos do Assa, Palmela – facto que se extrai do processo administrativo n.º 2347/2015 (cfr. fls. 19);

18. Em 8 de Outubro de 2014, os serviços do Impugnado remeteram à Impugnante o ofício n.º 16462/2014, atinente ao assunto “ocupação ou utilização do domínio municipal”, do qual se extrai o seguinte extracto:

«Na sequência dos v/ofícios datados de 30/07/2014, vimos pela presente transmitir a V. Exas., que deverão, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data de recebimento de presente notificação, proceder ao pagamento das taxas correspondentes à ocupação do domínio municipal (colocação de dois postos de transformação), durante os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2014 (4 meses), no valor de 137,75€ (cento e trinta e sete euros e setenta e cinco cêntimos).

As taxas a pagamento encontram-se previstas no capítulo VII, n° 1 e n.º 5.1, da Tabela de Taxas Municipais.

O pagamento poderá ser efetuado nos espaços de atendimento:

– cfr. documento n.º 12 junto com a petição inicial;

19. A acompanhar o ofício referido no ponto anterior encontrava-se a factura n.º 16533/2014, no valor de € 137,75, emitida em nome da Impugnante – cfr. documento n.º 12 junto com a petição inicial;

20. Em 8 de Outubro de 2014, os serviços do Impugnado remeteram à Impugnante o ofício n.º 16447/2014, atinente ao assunto “ocupação ou utilização do domínio municipal – colocação de um posto de serviço público”, do qual se extrai o seguinte extracto:

Na sequência dos v/ofícios datados de 30/07/2014, vimos pela presente transmitir a V. Exas., que deverão, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data de recebimento da presente notificação, proceder ao pagamento das taxas correspondentes à ocupação do domínio municipal (colocação de dois postos de transformação), durante os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2014 (4 meses), no valor de 137,75€ (cento e trinta e sete euros e setenta e cinco cêntimos).

As taxas a pagamento encontram-se previstas no capítulo VII, n° 1 e n.º 5.1, da Tabela de Taxas Municipais.

O pagamento poderá ser efetuado nos espaços de atendimento:» – cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial;

21. A acompanhar o ofício referido no ponto anterior encontrava-se a factura n.º 16528/2014, no valor de € 110,27, emitida em nome da Impugnante – cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial;

22. Em 10 de Novembro de 2014, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação comunicados pelos ofícios n.º 1624/2014, 16447/2014, 16462/2014 e 16472/2014 – cfr. documento n.º 17 junto com a petição inicial;

23. A factura n.º 16528/2014, no valor de € 100,27, comunicada à Impugnante pelo Município de Palmela através do ofício n.º 16447/2014, foi anulada em 27 de Outubro de 2015 – cfr. fls. 1 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos:

24. Em 11 de Março de 2015 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a presente impugnação judicial – cfr. fls. 1 dos autos.

3.2. Fundamentação de Direito

3.2.1. Como deixámos exarado no ponto 1.1. deste acórdão, o presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a acção de impugnação judicial intentada contra os actos de liquidação de taxas municipais emitidos pelo Município de Palmela.

3.2.2. Para a Recorrente o julgado padece de erro de julgamento porque o Tribunal a quo não só interpretou nem aplicou correctamente o regime emergente do artigo 3º, n.º 4 do Decreto- Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, como legitimou a consideração de um tempo de ocupação do espaço público que não foi o considerado para efeitos de cálculo da concreta liquidação impugnada.

3.2.3. Concretizando a sua posição, ainda que em resumo nosso, podemos dizer que para a Recorrente (i) o actual regime jurídico aplicável à actividade de distribuição de energia, mais concretamente o n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, ao estabelecer que obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens, impõe que o pagamento da renda efetuado ao abrigo do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão desonera as respectivas concessionárias, como é o seu caso, do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média ou alta tensão; (ii) o Governo, que detém o poder de fixar a remuneração a que os municípios têm direito pela concessão, impôs especificadamente que o valor da referida renda também compreende a remuneração da ocupação do domínio público municipal com equipamento das redes de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão e que é essa renda anual prevista no mencionado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, sendo, por isso, ilegal qualquer taxa dirigida a comutar essa mesma ocupação.

3.2.4. Dissemos já, que a Impugnação, na parte objecto de recurso, foi julgada improcedente. Acrescentamos agora que, para sustentar esse julgamento, o Meritíssimo Juiz a quo, depois de adiantar que da factualidade apurada resulta que “todos os actos impugnados se reportam à abertura de valas e/ou ocupação/utilização do solo /subsolo do domínio Municipal com actos materiais que se reportam à distribuição de energia em média tensão, efectuados na sequência de pedidos efectuados pela Impugnante» invocou ainda os seguintes argumentos (i) o contrato de concessão que a Impugnante renovou com o Município de Palmela apenas respeita à distribuição de energia em baixa tensão, tal como resulta do artigo 1.0, n.º 1 do mesmo, nada dispondo quanto à distribuição de energia em média tensão, questão a que aludem os autos; (ii) o artigo 7.º do contrato de concessão prescreve que se encontram expressamente excluídas do seu âmbito as redes de média e alta tensão e os respectivos postos de seccionamento traduzindo, expressamente, a vontade de delimitar o regime jurídico aplicável, incluindo o fiscal, à distribuição de energia eléctrica de baixa tensão; (iii) o artigo 12.º do referido contrato preceitua que "[a] concessão confere à Câmara o direito a uma renda e à EDP Distribuição o direito a isenções) nomeadamente quanto ao uso dos bens do domínio público municipal as quais serão determinadas por portaria ministerial, sendo aquela e estas indissociáveis) pelo que nenhuma delas será devida separadamente", pelo que, as isenções de que a Impugnante pode beneficiar com base no contrato de concessão respeitam unicamente à distribuição de energia em baixa tensão, pois é este o objecto da concessão; (iv) a portaria ministerial a que alude a cláusula 12.a do citado contrato de concessão foi publicada nos termos do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, e apenas se reporta às rendas devidas como contrapartida da distribuição da energia eléctrica em baixa tensão, como desde logo se pode colher do respectivo preâmbulo, naturalmente, com expressão positiva nos seus artigos seguintes, em momento algum consagrando uma isenção genérica e total quanto às taxas municipais aplicáveis quanto à utilização/ocupação do solo/subsolo municipal para instalação de equipamento destinado às redes de média e alta tensão; (v) do n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, resulta que a isenção de taxas municipais pela utilização do solo e do subsolo municipal só é aplicável quando estiver em causa, a final, a distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, ainda que para tanto seja necessário efectuar alguma intervenção nas redes de média e alta tensão; (vi) o regime jurídico estabelecido no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, não pode ser encarado como uma isenção aplicável universalmente, independentemente da vontade externada pelos Municípios, quanto às redes de média e alta tensão, o que significa que foi intenção do legislador deixar na disposição de cada um dos Municípios a atribuição dessas isenções relativas à utilização de bens do domínio municipal, por via da celebração de contratos de concessão, em que, além do mais, podem ser concedidas isenções fiscais tendo em vista o não pagamento de taxas, assim se respeitando a sua autonomia nesse campo, legal e constitucionalmente consagrada; (vii) apesar do artigo 4.º do contrato de concessão fazer referência à utilização das vias públicas pela Impugnante, incluindo os subsolos, para o estabelecimento e conservação de obras e canalizações aéreas ou subterrâneas de baixa, média ou alta tensão, com o fim de prover ao fornecimento de energia eléctrica, tal utilização do domínio público municipal quanto à parte de média e alta tensão apenas constitui o meio de tornar possível o objecto da concessão e que é o fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão na área do município de Palmela, não tendo, pois, por objecto regular as contrapartidas devidas nestas utilizações pela Impugnante.

Tudo, para concluir que, não tendo sido concedido à Impugnante, pelos citados instrumentos legais (contrato de concessão e Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro) qualquer isenção de taxa por ocupação do solo e subsolo municipais de passagem de linhas e redes de média tensão, como as relativas aos actos ora em crise, os actos de liquidação de taxas são legais e como tal deviam ser mantidos na ordem jurídica.
3.2.5. Sem prejuízo de se registar que no caso destes autos a questão da ilegalidade de direito em apreço foi apreciada na sentença recorrida por referência ao quadro jurídico convocado pela Impugnante, podemos desde já adiantar que o julgamento não será, em recurso, mantido na ordem jurídica.

3.2.6. Efectivamente, este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo de forma recorrente a pronunciar-se sobre esta questão e no mesmo sentido desde a prolação do acórdão de 17 de Fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 434/14.3BEALM - que, de resto, envolveu as mesmas partes, o mesmo tipo de acto e muito similar fundamentação -, julgando ser de reconhecer razão à ora Recorrente.

3.2.7. Subscrevendo, sem qualquer reserva, as razões de facto e de direito que naquele aresto foram aduzidas, que aqui as acolhemos como fundamento da nossa decisão, e considerando ainda o preceituado no artigo 8.º do Código Civil, passamos a transcrever, na parte relevante, o referido julgamento:

«2.2.2 DA (I)LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DAS TAXAS

«Vejamos:

O Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, «estabelece os princípios gerais da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, bem como as condições a que devem obedecer os contratos de concessão a favor da EDP, quando a exploração seja feita nesse regime» (cfr. o preâmbulo do diploma).

Nos termos do art. 6.º, n.º 2, desse diploma legal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 17/92, de 5 de Fevereiro, «[o]s municípios que tenham celebrado, ou venham a celebrar, com a EDP contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão terão direito a receber desta uma renda, a fixar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia», rendas essas definidas por portaria, designadamente pela Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril.

Mas, não se circunscrevendo a actividade da EDP à distribuição de electricidade em baixa tensão, a sua actividade como concessionária da distribuição de electricidade vem regulada noutros diplomas legais, designadamente no Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/172/2006/08/23/p/dre/pt/html.), que desenvolve os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/29/2006/02/15/p/dre/pt/html.), regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade.

Dispõe o n.º 1 da Base XXV do Capítulo IV do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 172/2006 (a que se refere o n.º 6 do art. 38.º), quanto aos direitos da concessionária à utilização do domínio público: «No estabelecimento de instalações da rede de distribuição ou de outras infra-estruturas integrantes da concessão, a concessionária tem o direito de utilizar os bens do Estado e das autarquias locais, incluindo os do domínio público, nos termos da lei».

Por essa utilização dos bens do domínio público ou privado municipal, as autarquias têm direito a uma contrapartida, tal como previsto no art. 44.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, contrapartida que se traduz no pagamento da renda prevista no Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro.

Na verdade, dispõe o n.º 4 do art. 3.º desse diploma legal:

«A obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (sublinhados nossos).

Assim, como ficou dito no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 2020, proferido no processo com o n.º 902/13.4BEALM (Disponível em

http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a0e00d2939af710d80258617004308b1.), apesar de a questão aí discutida ser outra (Nesse aresto estava em causa a legalidade de uma taxa por ocupação do denominado espaço aéreo municipal cobrada por um município à empresa transportadora de energia eléctrica.):

«Neste caso, como afirmam alguns autores, a posição jurídica de autoridade legitimada em que se encontra a concessionária da rede eléctrica e a situação de sujeição ao pagamento de indemnização ou compensação pela afectação do espaço dominial, faz desaparecer qualquer contraprestação possível da estrutura de uma eventual taxa a esse título, impossibilitando uma tributação, cfr. Paulo Dias Neves, em https://www.e-publica.pt/volumes/v2n1a11.html.

Ou seja, as redes de energia eléctrica de distribuição em MT e BT estão isentas de taxas de ocupação do subsolo por força do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro».

Igualmente, na Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril (ELI: https://data.dre.pt/eli/port/437/2001/04/28/p/dre/pt/html.), que regulamenta o Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, se prevê expressamente no art. 11.º que «[a] obrigação do pagamento de renda pelo concessionário tem como condição necessária o direito deste à total isenção do pagamento de taxas pela utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente pela ocupação das vias públicas com as redes de transporte e distribuição de energia eléctrica».

Em conclusão, do n.º 3 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, decorre que o pagamento da renda efectuado ao abrigo de Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão desonera as respectivas concessionárias do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média ou alta tensão.

Por outro lado, contrariando a argumentação do Recorrido, de que «[o] contrato de concessão em Baixa Tensão, celebrado entre o Município (…) e a EDP, excluiu expressamente as infra-estruturas de Média Tensão e Alta Tensão», nada permite concluir que esse contrato restrinja a referida isenção à distribuição de energia eléctrica em baixa tensão – admitindo, apenas para efeitos de exposição, que o pudesse fazer –, uma vez que o art. 4.º desse contrato limita-se a atribuir à EDP “o direito de utilizar as vias públicas, bem como os respectivos subsolos, para o estabelecimento e conservação de obras e canalizações aéreas ou subterrâneas de baixa, média ou alta tensão, com o fim de prover ao fornecimento de energia eléctrica”.

Note-se ainda que o facto de nos arts 6.º e 7.º do contrato de concessão celebrado entre a Recorrente e o Município se distinguir entre as “instalações abrangidas” e as “não abrangidas pela concessão” e se excluir da concessão as redes de média e alta tensão, tem como único propósito delimitar as instalações que, no final do contrato de concessão, irão reverter para o município, nos termos do art. 13.º do contrato de concessão e do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, dele não podendo retirar-se argumento algum em favor da tese do Recorrido, ao contrário do que este sustenta.

Concluímos, pois, que o legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».

Nem se diga que a interpretação que ora subscrevemos viola a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios, em violação dos princípios consagrados nos arts. 238.º e 241.º da CRP.

A este propósito, limitar-nos-emos a remeter para a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

- n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004, proferido no processo com o n.º 803/03, disponível em

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040288.html.

- n.º 285/2006, de 3 de Maio de 2006, proferido no processo com o n.º 1020/04, disponível em

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060285.html.) que, no seu acórdão n.º 288/2004 – em que apreciou a norma que atribuía à concessionária de serviço público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão –, concluiu que as isenções de taxas que venham a ser concedidas em benefício de um serviço público essencial não constituem uma violação do princípio da autonomia do poder local, em especial do princípio da autonomia financeira local.

Como refere o Tribunal Constitucional, da autonomia financeira e da disposição de património próprio das autarquias locais não pode resultar «uma garantia de todas e quaisquer posições patrimoniais contra a fixação, pelo Estado e na prossecução das suas incumbências próprias, do regime de utilização de bens como as vias públicas, tal como não pode resultar dessas garantias uma reserva de competência para todo o regime das taxas municipais. Ponto é que o conteúdo ou núcleo essencial da autonomia local não seja afectado»; o conteúdo ou núcleo da autonomia local são preservados face a isenção que apenas «afecta as autarquias na obtenção de receitas a partir de uma determinada utilização de certos objectos patrimoniais específicos: pela passagem de instalações […] pela via pública, mas “permanece em geral intocada a possibilidade de fruição económica do património da autarquia quanto a tudo o resto”, sem se afectar a “constituição financeira das autarquias”»; a isenção governamental que procura atender a interesses públicos constitucionais ultrapassa o âmbito das autarquias locais e, nesta medida, a dimensão da sua autonomia.

Assim, e porque a criação de condições para a existência de um serviço público de distribuição de electricidade constitui um modo de prosseguir objectivos com relevância constitucional, faz todo o sentido que o legislador pretenda isentar de determinados ónus as entidades que desempenham, ainda que em regime de concessão, uma actividade de primordial importância para a colectividade nacional e que teria, na sua falta, de ser assumida pelo próprio Estado.

Por tudo o que ficou dito, concluímos que os actos de liquidação das taxas municipais ora impugnados padecem do vício de violação de lei que lhe é assacado, motivo pelo qual a sentença recorrida, que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento e, nessa medida, merece a censura que lhe é feita pela Recorrente.

(…) 2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».

II - Demonstrado nos autos que entre a ora Recorrente e o Município foi celebrado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, no âmbito do qual aquela paga a este uma renda anual, é de concluir que aquele fica isenta do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão.

I - A referida interpretação não viola o disposto nos arts. 238.º e 241.º da CRP (que consagram a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios)».

3.2.8. Face ao que deixámos exposto, não subsistem dúvidas quanto a deverem ser julgadas totalmente procedentes as conclusões do presente recurso na parte relativa ao imputado erro de julgamento de direito, o que, per se, constitui fundamento suficiente para que seja concedido provimento ao recurso e anulados os actos de liquidação das taxas impugnados e determina que se julgue prejudicada a apreciação da questão do erro sobre os pressupostos de facto que a Recorrente igualmente suscitou em recurso.

3.2.9. O Recorrido, integralmente vencido, suportará as custas em 1ª instância e nesta instância de recurso [artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT].

4. DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, assim anulando os actos de liquidação impugnados.

Custas pelo Recorrido.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Abril de 2021. – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.