Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0104/20.3BALSB
Data do Acordão:03/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
ANULAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, que não se deve ter por verificado se o acto de liquidação for anulado em consequência da anulação, por falta de fundamentação, do acto tributário.
Nº Convencional:JSTA000P27420
Nº do Documento:SAP202103240104/20
Data de Entrada:09/28/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA - DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA
Recorrido 1:A.....................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, vem, nos termos do artigo 152º, nº1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do nº 2, do art. 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no processo n.º 668/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA no processo nº 087/18.0BALSB, de 28 de novembro de 2018, na parte referente ao direito a juros indemnizatórios, quando a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação nos termos do n.º1 do art. 43º da LGT.

Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

I. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral proferida no processo nº 668/2019–T pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

II. A Decisão arbitral recorrida foi proferida na sequência do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela ora Recorrida contra o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada da liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no valor de €15.581,64.

III. Em suma, a Decisão arbitral, decidiu pela procedência da impugnação com a anulação da liquidação por vício de falta de fundamentação, contudo, no que respeita à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, considerou haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, por entender que: “Nos presentes autos, verifica-se que a ilegalidade da liquidação controvertida é imputável à AT”.

IV. Ora, a Decisão arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão fundamento, proferido pelo STA no processo nº 087/18.0BALSB, de 28.11.2018, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, mais precisamente. na parte referente ao direito a juros indemnizatórios, quando a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação nos termos do n.º1 do art. 43º da LGT.

V. O Acórdão Fundamento, por sua vez, considerou que: “se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios”.

VI. Assim, entre o douto Acórdão fundamento e a Decisão arbitral recorrida, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber: se são devidos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º n.º 1 da LGT em virtude da anulação de acto tributário por falta de fundamentação da liquidação, foi decidida diferentemente na Decisão arbitral recorrida e no Acórdão fundamento.

VII. Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, quer no Acórdão fundamento quer na Decisão recorrida, apreciando as liquidações que foram objecto de impugnação judicial e arbitral, consideraram que estavam inquinadas de vício de falta de fundamentação, tendo concluído pela procedência do vício de falta de fundamentação.

VIII. Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que, quer o Acórdão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão de saber se eram devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, na sequência da anulação da liquidação por vício de forma, concretamente por falta de fundamentação das liquidações.

IX. Contudo, o Acórdão fundamento e a Decisão arbitral recorrida decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.

X. Assim, enquanto para a decisão arbitral recorrida foi considerado existir tal direito, já para o Acórdão fundamento, pelo contrário, não existe tal direito porquanto:

“O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.” (Sublinhado nosso.)

XI. No caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, justifica-se pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma situação de facto, da anulação da liquidação, por falta de fundamentação da liquidação, foi entendida e decidida de forma diferente quanto ao direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT.

XII. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do art. 152º do CPTA.

XIII. A infracção a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão arbitral viola o disposto no nº 1 do art. 43º da LGT, e decidiu de forma diametralmente oposta à jurisprudência maioritária.

XIV. Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no art. 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência destinam-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

XV. No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os que são enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.

XVI. Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p.809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.

XVII. Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts 152.º n.º 1 do CPTA e 27.° n.º 1 al. b) do ETAF.

XVIII. Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que são devidos juros indemnizatórios na sequência da anulação de uma liquidação por se ter considerado enfermava de falta de fundamentação fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 43.º n.º 1 da LGT, aos factos.

XIX. Na verdade, no caso dos autos a liquidação foi anulada em sede arbitral sustentada no vício de falta de fundamentação do acto de liquidação. Ora, em face disso, entendeu a decisão arbitral, que ficava “prejudicado o conhecimento das outras causas de pedir”.

XX. Donde, tendo em conta que na génese da anulação da liquidação está um vício de forma, consubstanciado na falta de fundamentação, e não propriamente um erro de facto ou de direito, tal anulação não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação.

XXI. Assim, a decisão arbitral, não podia decidir que a anulação da liquidação por vício de falta de fundamentação preenchia os requisitos do artigo 43° da LGT, e desse modo condenar a entidade ora Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios ao Sujeito Passivo.

XXII. Por seu turno, da análise da mesma questão pelo Acórdão fundamento, foi decidido que, inexiste direito a juros indemnizatórios, quando a anulação do acto de liquidação se baseia unicamente em vício formal de falta de fundamentação.

XXIII. E o douto Acórdão fundamento conclui do seguinte modo:

« Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em: -conceder provimento ao recurso e, em consequência, uniformizar jurisprudência com o seguinte sentido: O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios. -anular parcialmente a decisão arbitral recorrida, no que respeita aos juros indemnizatórios, com os fundamentos atrás expostos.»

XXIV. Decorre, de todo o exposto, que a Decisão recorrida, ao ter subsumido o caso sub judice ao n.º1 do art. 43º da LGT, considerando que se verificavam os pressupostos para atribuição de juros indemnizatórios, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre o Acórdão Arbitral proferido no proc. nº 668/2019-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no proc. nº 087/18.0BALSB, de 28.11.2018, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por Acórdão consentâneo com o quadro legal vigente, de acordo com o qual, inexiste o direito a juros indemnizatórios, quando a anulação da liquidação se fundamenta unicamente no vício formal de falta de fundamentação.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

1. O presente recurso foi interposto pela AT da decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 668/2019-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial proposta pela Recorrida e, concomitantemente, determinou a anulação da liquidação adicional de IMT impugnada (e respectivos juros compensatórios), bem como a condenação daquela entidade no reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

II. Defende a AT que a referida decisão - na parte referente ao direito a juros indemnizatórios - se encontra em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 28 de novembro de 2018, no âmbito do processo n.º 087/18.0BALSB, e que deve ser o entendimento perfilhado neste último a merecer acolhimento nos presentes autos.

III. A vexata quaestio em causa neste recurso prende-se, assim, com o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), quando a anulação de um acto de liquidação decorra da verificação do vício de falta de fundamentação.

IV. Na decisão recorrida, o tribunal a quo verificando que a ilegalidade da liquidação controvertida era imputável à AT, determinou que a aí Requerente teria direito "(...) em conformidade com o disposto nos arts. 24. n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data de pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que serão incluídos."

V. Ou seja, a para o tribunal arbitral, a constatação de que a ilegalidade da liquidação controvertida ­ de onde resulta evidentemente que a mesma é indevida (!) -era imputável à AT foi o bastante para que se concluísse estarem verificados os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios consagrado no artigo 43.º da LGT.

VI. Por sua vez, no Acórdão invocado como fundamento pela AT ficou firmado o entendimento - que a AT pretende aqui fazer valer - segundo o qual o direito a juros consagrado no artigo 43.º da LGT "(...) depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios. "

VII. Segundo o entendimento aí perfilhado, "(...) a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais). "

VIII. Entende a AT que é o entendimento sufragado neste aresto que deve prevalecer nos presentes autos; no entanto, e salvo o devido respeito, a Recorrida não pode concordar com esta tese.

IX. Admitindo que o legislador, neste como em todos os casos, "consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (cfr. n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil), não se poderá considerar ter qualquer arrimo na letra da lei a interpretação restritiva do artigo 43.º da LGT sufragada no Acórdão fundamento, no sentido de que o legislador apenas se pretendeu reportar naquela norma aos erros sobre os pressupostos de facto ou sobre os pressupostos de direito de que tenha resultado o pagamento de uma prestação tributária de carácter indevido face às normas substantivas.

X. Ademais, constatada a função essencial que o dever de fundamentação desempenha num Estado de Direito Democrático, a interpretação do artigo 43.º da LGT sufragada no Acórdão fundamento parece contrariar manifestamente a unidade e coerência do sistema jurídico, resultado esse que não se pode considerar tenha sido pretendido pelo legislador.

XI. Por último, diga-se que a referida interpretação se afigura inconstitucional por violação dos princípios da transparência, da legalidade (cfr. artigo 268.º, n.º 2, da CRP), do Estado de Direito Democrático (cfr. artigo 2.º da CRP) e da igualdade (cfr. artigo 13.º da CRP).

XII. Não se descortinam quaisquer razões atendíveis para negar o direito a juros indemnizatórios quando uma liquidação seja anulada por falta de fundamentação.

XIII. Sobretudo tendo em conta que negar o direito a juros indemnizatórios nestes casos poderá significar negar o direito a juros indemnizatórios a um contribuinte que foi objecto de um acto de liquidação enfermado de erro, que em virtude da ausência de fundamentação, o tribunal se viu impossibilitado de conhecer.

XIV. Quando o tribunal constate que determinada liquidação é ilegal por motivo imputável à AT - como não poderá deixar de considerar-se a falta de fundamentação - será forçoso concluir que a mesma é indevida.

XV. Nestes casos, havendo lugar a qualquer pagamento, terá de considerar-se que o mesmo foi realizado em montante superior ao legalmente devido.

XVI. A verificação destes pressupostos deve considerar-se bastante para que se reconheça o direito a juros indemnizatórios consagrados no artigo 43.º da LGT.

XVII. A decisão recorrida não merece qualquer censura porquanto é aquela que melhor se compagina com a letra da lei e com a unidade do sistema jurídico - sobretudo, tendo em conta a importância e a função do dever de fundamentação.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EXAS. QUE SE DIGNEM CONSIDERAR TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da verificação dos pressupostos para prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência e, quanto ao mérito, no sentido do provimento do recurso, conforme jurisprudência consolidada da Secção, fixando-se jurisprudência no sentido decisório pelo Acórdão Fundamento proferido por este Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que “… se a anulação de um ato de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.



- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento relativamente à mesma questão fundamental e direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber se a decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento ao condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios num caso, como o dos autos, em que a liquidação foi anulada por vício de falta de fundamentação.

6 – Matéria de facto

6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

1. A requerente é filha de B…………. e C……………….;

2. Em 13/10/2017, faleceu no Brasil B………….., sem testamento ou qualquer outra disposição e última vontade;

3. O falecido era casado em comunhão de adquiridos e deixou 3 filhos.

1. (sic) Em 18/07/2018, foi efetuada em Lisboa, pelo solicitador …………., por documento particular, a partilha da meação e da herança dos bens sitos em território nacional, conforme documento 8 junto ao pedido arbitral.

2. Dessa partilha faziam parte os seguintes imóveis:

a) Fracção autónoma designada pela letra “P” do prédio urbano sito na Rua ……….., n.º ….., descrito na primeira Conservatória do registo predial de Cascais com o n.º 290 da união de freguesias de Cascais e Estoril, inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º ……., com o valor patrimonial tributário de €230.310,00:

b) Fracções autónomas designadas pelas letras “E”, “G”, “H”, “I”, e “N” do prédio urbano sito na ……………, n.º …. e .…-…, descrito na 1.º Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 2908 da freguesia de S. Domingos de Rana, inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º ……, cada uma com o valor patrimonial tributário de €14.212,75 (com excepção da fracção autónoma designada pela letra “N”, cujo valor patrimonial tributário era de €15.398,85),

c) Prédio rústico situado na ………, ……, freguesia de Chão de Couce, Ansião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ansião sob o n.º 2450 da freguesia de Chão de Couce, inscrito na correspondente matriz predial rústica sob o artigo n.º ….., com o valor patrimonial tributário de €48,98;

d) Prédio urbano sito no ……., freguesia de Chão de Couce, Ansião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ansião sob o n.º 2450 da freguesia de Chão de Couce, inscrito na correspondente matriz predial rústica sob o artigo n.º ….., com o valor patrimonial tributário de €78.200,00;

e) Prédio rústico denominado “……”, situado no ………., freguesia de Chão de Couce, concelho de Ansião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ansião sob o n.º 6640 da freguesia de Chão de Couce, inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º ……, com o valor patrimonial tributário de €30,80;

f) Prédio rústico denominado “………”, situado no …………, freguesia de Chão de Couce, concelho de Ansião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ansião sob o n.º 6641 da mesma freguesia, inscrito na correspondente matriz predial rústica sob o artigo n.º ……, com o valor patrimonial tributário de €2,71;

3. O valor da meação do cônjuge sobrevivo é de €2.649,088, conforme consta no referido documento de partilha;

4. O valor do quinhão hereditário de cada um dos três filhos é de €883.029,33, conforme consta do documento de partilha;

5. Foi adjudicado, a título de meação, ao cônjuge sobrevivo parte do crédito de suprimentos sobre a sociedade D……….. – Construção e Gestão Imobiliária de Empreendimentos, Lda, no valor de €2.649.088, conforme documento de partilha junto como documento 8 ao pedido arbitral;

6. Aos três filhos foram adjudicados, em compropriedade e em partes iguais, todos os restantes bens e direitos e ainda a parte remanescente do crédito de suprimentos, no valor total de €2.649.088, conforme documento de partilha junto como documento 8 ao pedido arbitral;

7. A Requerente foi notificada de uma demonstração de liquidação de IMT provisória com o n.º de registo 2018/345444, junta ao pedido arbitral como documento 2;

8. O irmão da Requerente, E……….., requereu ao Serviço de Finanças de Ansião, certidão contendo os números, valores e data limite de pagamento das liquidações de IMT e Imposto do Selo, emitidas na sequência da partilha efetuado por óbito de seu pai, B…….., juntando ao pedido o documento particular de partilha.

9. Em 28-03-2019, foi emitida certidão, assinada pela TAT ………….., do Serviço de Finanças de Ansião, onde se certifica que “(…) foram efetuadas as seguintes liquidações: (…) – Liquidação de IMT n.º 5991893, no montante de €15.581,64, data limite de pagamento 2018/11/30; Liquidação Imposto de selo n.º 2018 1003625142, no montante de €2,156,68, data limite de pagamento 2018/11/12, em nome de A………..., NIF ……….”.

10. A requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação de IMT.

11. A reclamação graciosa foi objeto de dez decisões de indeferimento, em 03/07/2019, conforme documento 6 junto ao pedido arbitral;

12. As decisões de indeferimento contêm a seguinte fundamentação:

“FACTOS:

No dia 18 de julho de 2018, foi, no escritório do Solicitador ……………., elaborado um documento particular de Partilha e Meação e da Herança, pelo qual o reclamante procedeu à partilha dos bens e direitos nela identificados, com os outros outorgantes, no caso a sua mãe e os seus dois irmãos.

Nessa partilha, foram adjudicados, em compropriedade e, partes iguais, ao reclamante e aos seus dois irmãos, os bens imóveis descritos na referida escritura.

- O DIREITO

Dispõe o n.º 5 do art.º 2.º do CIMT (Código do Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) que “Em virtude do n.º 1, são também sujeitas a IMT, designadamente: “alínea c) (disposição legal, aliás transcrita pelo reclamante no ponto 89”) “O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, no ato de divisão ou partilhas sendo que, conforme dispõe o art. 4.º alínea a) CIMT, “Nas divisões ou partilhas, o imposto é devido pelos adquirentes dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens”.

Dispõe, ainda, a regra 11.º do n.º 4 do art. 12.º do mesmo Código que “Nas partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do n.º 5 do art. 2.º, é calculada em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha.”.

Na liquidação do IMT reclamado foram observadas todas as normas legais referenciadas”.

13. A Requerente interpôs o presente pedido de pronúncia arbitral em 04-10-2019.

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

A) A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo de natureza interna, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro em cumprimento das Ordens de Serviço n.°s OI201501782/3, de 18/09/2015, o qual foi de âmbito parcial em sede de IRC e incidiu sobre os períodos de tributação de 2012 e 2013;

B) Daquele procedimento inspetivo resultou a realização de correções aritméticas, nos montantes de € 32.802,95 e de € 31.005,46, relativas, respetivamente, aos períodos de tributação de 2012 e de 2013;

C) No Relatório Final de Inspeção Tributária que foi elaborado no âmbito do referido procedimento inspetivo, as correções então efetuadas em sede de IRC, foram justificadas, no que ora releva, do seguinte modo:

i) Nos anos de 2012 e 2013, foram declarados pela Requerente os rendimentos e despesas relacionados com o imóvel de que a mesma é proprietária (evidenciados no Quadro n.° 1, reproduzido a págs. 5 do Relatório): (segue quadro)

ii) Nos anos de 2012 e 2013, as rendas recebidas corresponderam às seguintes faturas (evidenciadas nos Quadros n.°s 2 e 3, reproduzidos respetivamente a págs. 5 e 6 do Relatório): (seguem quadros 2 e 3)

iii) No Anexo 1 ao Relatório Final de Inspeção Tributária “estão discriminadas as despesas suportadas, tendo sido elaborados com base nos documentos facultados pelo sujeito passivo” (pág. 6 do Relatório);

iv) As importâncias recebidas a título de renda pela Requerente “são consideradas rendimentos prediais (categoria F do IRS, artigo 8º”) (pág. 6 do Relatório);

v) “As despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais encontram-se previstas no artigo 41.º do CIRS “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8º, deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontram documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis que incide sobre o valor dos prédios….cujo rendimento tenha sido englobado” - redação em vigor em 2012”(págs. 6 e 7 do Relatório);

vi) “No Anexo 1, coluna «Despesas enquadráveis no artigo 41.º do CIRS», estão identificadas as despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais (pág. 7 do Relatório);

vii) Tratando-se de um imóvel arrendado durante alguns períodos, “as despesas dedutíveis deverão ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja, 74 dias em 2012 e 85 em 2013, conforme resulta do quadro nº 2, o que corresponde a 20,22% (74/365) e 23,29% (85/365)”(pág. 7 do Relatório);

viii) Aplicando tais percentagens aos valores considerados nos termos do artigo 41.° do CIRS, temos o seguinte (evidenciado no Quadro n.° 4 reproduzido a págs. 7 do Relatório): (segue quadro)

ix) O rendimento líquido da categoria F, nos montantes constantes do Quadro n.° 4 (evidenciado a págs. 8 do Relatório) “corresponde à matéria tributável em sede de IRC” (segue quadro)

x) Apurou-se, assim, IRC a pagar adicionalmente no montante de € 4.920,44, no ano de 2012, por aplicação da taxa de 15%, nos termos da alínea f) do n.° 4 do artigo 87.° do CIRC e, no ano de 2013, no montante de € 7.751,37, por aplicação da taxa de 25% em 2013, nos termos da mesma norma;

xi) Os Quadros constantes do Anexo 1 do Relatório evidenciam a seguinte informação: (segue quadro)

D) Foram emitidos em nome da Requerente a demonstração de liquidação de IRC n.° 2016 8310032115, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.° 2016 00000016514 e a demonstração de acerto de contas n.° 2016 00001049703, ambas datadas de 1 de fevereiro de 2016, por referência ao período de 2012, bem como, a demonstração de liquidação de IRC n.° 2016 8310032137, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.° 2016 00000016844 e a demonstração de acerto de contas n.° 2016 00001068871, ambas de 2 de fevereiro de 2016, por referência ao período de 2013;

E) A Requerente procedeu, em 29 de março de 2016, ao pagamento do imposto e dos juros compensatórios apurados naquelas liquidações, no montante total de € 5.439,71;

F) A Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Loulé, Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação de IRC de 2012 e 2013 identificados no ponto D) do probatório;

G) Através do Oficio n.° 11366, de 17 de outubro de 2016, da Direção de Finanças de Faro, a Requerente foi notificada do Projeto de Indeferimento Parcial da referida Reclamação Graciosa, com os fundamentos que aí constam;

H) Por Ofício n.° 12946, de 24 de novembro de 2016, da Direção de Finanças de Faro, a Requerente foi notificada da decisão final proferida no processo de reclamação graciosa referido nos pontos F) e G) do probatório, tendo sido mantida a decisão de deferimento parcial projetada;

I) Na sequência da decisão referida no ponto H) do probatório, foram emitidos atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios n°s 2016 8310036935 e 2016 8310036957, com referência, respetivamente, a 2012 e 2013.

No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

A- A impugnante é uma sociedade comercial, cujo objecto social é a exploração de hotéis.

B- Em 31/05/1999 a impugnante apresentou a declaração de IRC (modelo 22), relativamente ao exercício de 1998, acompanhada dos anexos 22-A e 22-D, tendo autoliquidado imposto no montante de Esc. 192.242.549$00.

C- O imposto mencionado na alínea anterior foi pago em 02/06/1999, através da guia 42801021180.

D- Foi emitida e remetida à impugnante a liquidação n.º 2310192002, referente a IRC do exercício de 1998, no montante de Esc. 1.728.673$00, sendo o montante de Esc. 1.691.806$00 respeitantes a juros compensatórios liquidados ao abrigo do art.° 84.° do CIRC e o montante de Esc. 36.868$00 referentes a juros liquidados ao abrigo do art.° 86.° do CIRC.

E- A impugnante procedeu ao pagamento dos juros mencionados na alínea anterior em 03/12/1999.

7 – Decidindo

7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Questionado no presente recurso é apenas a condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, efectuada pela decisão arbitral recorrida, após a anulação da liquidação de IMT sindicada naquele processo arbitral, por vício de falta de fundamentação, o único conhecido naqueles autos.

Quanto a esta questão, é manifesta a existência de contradição de julgados entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo invocado como fundamento, pois enquanto a decisão recorrida considerou – sem questionar sequer –, ser legalmente adequada a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios na sequência de anulação de acto tributário em razão da sua falta de fundamentação, o Acórdão fundamento julgou – em conformidade com a jurisprudência pacífica deste STA -, que a anulação de um acto tributário em consequência de vício de forma da falta de fundamentação não dava origem ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1 da LGT.

A decisão recorrida não é conforme – antes é absolutamente desconforme -, com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA sobre a questão – constante, aliás, de vários Acórdãos do Pleno (cfr., para além do Acórdão invocado pela recorrente AT como Acórdão-fundamento, o proferido em 30 de setembro último no proc. 2009/18.9BALSB, que, por sua vez, remete para Acórdão do Pleno de Janeiro de 2020), razão pela qual o recurso deve prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

7.2 Da apreciação do mérito do recurso

A questão de saber se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos casos em que a liquidação é anulada por mero vício de forma, designadamente por falta de fundamentação, tem sido reiteradamente trazida a este STA, em recursos interpostos pela AT de decisões arbitrais que insistem em condenar a AT ao pagamento de juros em casos em que, segundo jurisprudência uniforme, pacífica e reiterada deste STA, tais juros não são devidos.

Limitar-nos-emos, pois, a reiterar o que sobre esta questão tem o STA decidido, por remissão para o Acórdão do Pleno proferido sobre a questão em 30 de setembro último (processo n.º 2009/18.9BALSB), apenas porque é dos mais recentes. Escreveu-se aí e reitera-se neste lugar:

A questão que vem suscitada no presente recurso foi recentemente decidida pelo Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 29 de Janeiro de 2020 (proc. 2005/18.6BALSB), em sentido que aqui se reitera, pelo que nos limitamos a transcrever o que então se disse:

«[…]

Sobre as razões pelas quais o artigo 43.º, n.º 1 da LGT não abrange a atribuição de juros indemnizatórios em caso de anulação do acto tributário com fundamento em vício de forma (falta de fundamentação) já se pronunciou inúmeras vezes a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, sempre de forma unânime e reiterada, como atestam o acórdão fundamento e o último aresto referido, em sentido do qual não iremos divergir.

Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.

Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.

Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.

Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013, “[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.

É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.

[…]». (fim de citação).

Termos em que o recurso será provido, uniformizando-se, uma vez mais, jurisprudência no seguinte sentido: O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, que não se deve ter por verificado se o acto de liquidação for anulado em consequência da anulação, por falta de fundamentação, do acto tributário.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a decisão arbitral recorrida no segmento sindicado – referente à condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios -, julgando ao invés não serem devidos juros indemnizatórios.

Custas pela recorrida, que contra-alegou.

Comunique-se ao CAAD.


Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 24 de março de 2021. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.