Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:036/12
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VALOR PATRIMONIAL
Sumário:I – Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (art. 268.º, n.º 3, art. 77.º da LGT e art. 125.º do CPA).
II – A liquidação de IMI que não dá conta alguma da forma como foi determinado o valor patrimonial tributário não pode ter-se por suficientemente fundamentada, a menos que se demonstrasse que a AT anteriormente tinha procedido à pertinente comunicação dos motivos por que esse valor foi fixado no montante considerado naquele acto.
Nº Convencional:JSTA00067532
Nº do Documento:SA220120419036
Data de Entrada:01/16/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IMI
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART280 N4
LOFTJ99 ART31 N1 ART24 N1
DL 303/2007 DE 2007/08/24 ART11 ART12
LGT98 ART77 N2
CONST76 ART268 N3
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART17 ART25
CIMI03 ART36 ART47
Referência a Pareceres:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIV PAG418.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A…… (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrido) deduziu impugnação judicial, pedindo a anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foi efectuada relativamente a um prédio urbano e ao ano de 2004 com fundamento em vício de falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente por ter dado como verificada a falta de fundamentação do acto impugnado no que respeita ao valor patrimonial tributário que nele foi considerado.

1.3 Inconformada com essa decisão, a Fazenda Pública dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:
«
I. A douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2004, por considerar procedente o vício de forma por insuficiência de fundamentação que equivale a falta de fundamentação, atento o previsto no artº 125º, nº 2, do CPA.

II. Para tal, a Mmª Juíza [do Tribunal]a quo” considerou que o acto de liquidação é omisso por não dar a conhecer ao impugnante o itinerário cognoscitivo seguido pela AT no que se reporta ao valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia da … (concelho do Porto) sob artigo matricial 313.

III. A questão que se coloca é a de saber se, efectivamente, o acto de liquidação notificado ao impugnante padece de vício de forma por falta de fundamentação, por não ter cumprido o propósito de informar o impugnante do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, nem conhecer das razões de facto e de direito que determinaram a sua prática.

IV. O artº 77º da Lei Geral Tributária (LGT) prescreve um direito à fundamentação de todas as decisões em matéria tributária que afectem os direitos ou interesses do contribuinte,

V. da mesma forma que o artº 124º do CPA estatui o correspondente dever (de fundamentação) a cargo da Administração,

VI. e, nos termos do artº 125º nºs 1 e 2 do CPA se determina que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão ... equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto”.

VII. “In casu”, os elementos constantes do documento de cobrança remetido ao impugnante (onde se integra a liquidação), não podem deixar de se considerar suficientes para que o contribuinte conheça a razão da liquidação impugnada (cfr se refere em 11),

VIII. e possa compreender o iter cognoscitivo que presidiu à liquidação (vide, neste sentido os Acórdãos do STA de 2/04/2004, in procº 0882/07, de 20/02/2008 in procº 0765/07, de 11/02/2009 in procº 0767/07).

IX. Resulta, ainda, da leitura informativa da nota, que “na presente liquidação foi observado o disposto no artº 25º do DL 287/2003 de 12/11”,

X. Donde, da conjugação dos elementos referidos não poderiam restar dúvidas ao impugnante quanto à razão pela qual foi emitida a referida nota de cobrança (com) sequente à primeira actualização do valor patrimonial do referido imóvel, bem como,

XI. tal como igualmente se refere na contestação, uma “invocada” ausência de fundamentação da liquidação do ano de 2003 (e por arrastamento do ano em causa), jamais se mostrou impeditiva de a ela reagir contra a liquidação base em causa deduzindo a reclamação prevista no artigo 20º do DL 287/2003 e apresentou impugnação, pondo em causa o valor determinado como valor patrimonial, discutindo os pressupostos objectivos e subjectivos desse acto, assinalando os vícios que no seu entender afectaram esse acto, e discorrendo sobre a errada interpretação do concreto normativo aplicado.

XII. Em face dos elementos constantes da nota demonstrativa da liquidação, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, estar devidamente fundamentada a liquidação ora impugnanda.

XIII. Ao decidir no sentido que decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas.

Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, na parte que ora se recorre, com as legais consequências» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.).

1.5 O Recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:

«A recorrente acima identificada vêm sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 57/75, em 22 de Junho de 2011.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida da liquidação de IMI de 2004 referente ao artigo matricial urbano 00313, da freguesia de …, do Município do Porto, no entendimento de que o acto tributário não se encontra suficientemente fundamentado, no que concerne ao iter que levou à determinação do valor patrimonial tributário.
A recorrente apresentou alegações, tendo concluído nos termos de fls. 97/99, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.º/3 e 690.º/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
O recorrido contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 110/112, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
Nos termos do n.º 2 de tal artigo a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
De acordo com o art. 125.º/1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ou seja, a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.1 [1 Acórdão do STA, de 2009.04.15, proferido no recurso n.º 065/09, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt]
Ora, como resulta assente a fundamentação do acto em crise é a constante do próprio documento de notificação e que faz fls. 12 autos, pois no PA inexiste qualquer fundamentação da liquidação.
Da fundamentação consta a identificação e localização do imóvel, o ano a que respeita a liquidação, o valor patrimonial tributário, a taxa, a colecta, que a taxa aplicada foi aprovada pela Assembleia Municipal do Porto e que foi observado o estatuído no artigo 25.º do DL 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que aprovou o CIMI.
Todavia, não consta discriminado na fundamentação o caminho que levou a Administração Tributária a apurar o valor patrimonial de € 166.129,00 e não outro qualquer.
Efectivamente, desconhece-se se o VPT atribuído tem fundamento no estatuído no artigo 16º, números 1 a 4, n.º 5 ou 17.º do DL 287/2003 ou 36.º a 47.º do CIMI.
Atente-se que a Administração Tributária sustenta que o VPT resulta da aplicação do normativo do artigo 16.º/5 do DL 287/2003, que apenas, se aplica aos prédios urbanos arrendados até Dezembro de 1988, mas contraditoriamente, refere que o prédio continuou arrendado após Dezembro de 1988 e continua a estar!
Em conclusão, temos como certo que o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que o invalida.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica».

1.7 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se (a sentença fez correcto julgamento quando decidiu que) a liquidação impugnada não está suficientemente fundamentada no que concerne ao valor patrimonial tributário utilizado na liquidação do IMI ora impugnada.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

« Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1. O Impugnante foi notificado por invólucro mensagem com o n.º de documento 2004 206120303 da liquidação de IMI do ano de 2004, com o valor total de € 664,52, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
[reproduz-se o teor do doc. de fls. 12 dos autos]
- cfr. doc. de fls. 12 dos autos.

2. Consta de fls. 16 e 17 do p.a. apenso aos autos a matriz predial referente ao artigo urbano n.º 313, freguesia de …, Porto, da qual consta o Impugnante como titular de 1/3 dos rendimentos inscritos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cf. docs. de fls. 16 e 17 do p.a. apenso aos autos.

3. Por escritura pública celebrada em 9.12.1986, B……, por si e em representação do aqui Impugnante e esposa C……, e D……, declararam dar de arrendamento a E……, Lda., ali representada por F…… e G……, o rés-do-chão, com Entrada pelos números … a … do prédio urbano sito na Rua …, n.º … a …, freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 313.
- cfr. doc. de fls. 15 a 22 dos autos.

4. Da escritura referida no ponto anterior consta, entre o mais, que “o prazo de duração é de um ano, considerando-se prorrogado por iguais períodos, e teve o seu início em 1 de Maio do corrente ano”. - cfr. doc. de fls. 15 a 22 dos autos.

5. Consta de fls. 23 dos autos “Recibo/Renda n. º 5/1989” emitido por A…… e outros, para liquidação de R. …, …, r/c, 4000 Porto, no valor de 133.455$00 e referente ao mês de Janeiro. – cfr. doc. de fls. 23 dos autos».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 NOTA PRÉVIA

O valor do processo é de € 1.308,37 – equivalente ao valor do imposto cuja anulação foi pedida nos presentes autos –, tal como indicado na petição inicial (cfr. fls. 10) e definitivamente fixado, por falta de contestação pela Fazenda Pública ou de alteração pelo juiz; ou seja, o valor do processo é inferior ao valor da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, ora fixada em € 1.250.000, i.e., em ¼ da alçada atento o disposto no art. 280.º, n.º 4, do CPPT, e o art. 31.º, n.º 1, na Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
Há, no entanto, que ter em conta que a alçada dos tribunais de judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em € 5.000,00, pelo n.º 1 do art. 24.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (arts. 11.º e 12.º deste Decreto-Lei).
Para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, como o é o presente, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do art. 24º da Lei nº 3/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
Assim, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 9 ao art. 280.º, pág. 418.).
O que significa que o valor do processo não obsta ao conhecimento do recurso.


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2.2.2 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Impugnante pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que anulasse a liquidação de IMI que lhe foi efectuada com referência a um prédio urbano e ao ano de 2004 por falta de fundamentação. Isto, em síntese, porque os fundamentos do acto que lhe foram comunicados através do documento de cobrança não permitem saber «a razão por que o valor patrimonial tributário é o que vem indicado naquele documento», o que se exigia tanto mais quanto o IMI era à data «um imposto novo, com regras novas, assente em valores tributáveis novos». A falta de fundamentação quanto ao modo como foi fixado o valor patrimonial tributário viola o disposto no art. 77.º, n.º 2, da LGT, e no art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, após tecer vários e pertinentes considerandos quanto à obrigação de fundamentar os actos tributários e quanto à distinção entre a falta de fundamentação e a falta de comunicação ou notificação dos fundamentos, entendeu que o acto impugnado não dava a conhecer o modo como foi fixado o valor patrimonial tributário, desconhecendo-se, designadamente, «se decorre da aplicação dos coeficientes constantes da Portaria n.º 1337/2003 de 05/12, porque a AT considerou tratar-se de um prédio urbano não arrendado (art. 16.º, n.ºs 1 a 4) ou apenas arrendado até Dezembro de 1988 (art. 16.º, n.º 5), ou se foi determinado de acordo com os arts. 37.º a 46.º do CIMI», que «[n]em sequer é uma conclusão imediata que à situação dos autos fosse aplicável (apenas) uma daquelas normas […], pois nada é dito na liquidação quanto ao facto de o prédio estar ou não arrendado, ou até quando o esteve ou quanto a não ter sido feita a sua avaliação» e que «a referência feita no acto de liquidação ao art. 25.º do DL 287/2003 não elucida quanto à matéria de avaliação patrimonial do artigo matricial, pois esta norma prevê apenas um regime de salvaguarda, estabelecendo limites ao aumento do IMI».
Por isso, considerando que, em virtude dessa falta de fundamentação, nem o Contribuinte pode saber como foi fixado o valor patrimonial tributário nem o Tribunal pode aferir do invocado erro nos pressupostos de facto, anulou a liquidação impugnada.
A Fazenda Pública discorda da sentença e dela recorre com o fundamento de que foi feito errado julgamento quando se considerou que a liquidação não estava suficientemente fundamentada, pois «os elementos constantes do documento de cobrança remetido ao impugnante (onde se integra a liquidação), não podem deixar de se considerar suficientes para que o contribuinte conheça a razão da liquidação impugnada» «e possa compreender o iter cognoscitivo que presidiu à liquidação» e resulta da nota de cobrança que «na presente liquidação foi observado o disposto no artº 25º do DL 287/2003 de 12/11», o que tudo leva a que «não poderiam restar dúvidas ao impugnante quanto à razão pela qual foi emitida a referida nota de cobrança» (cfr. conclusões VII, VIII, IX e X).
Assim, a questão a apreciar e decidir, como deixámos dito em 1.8, é apenas a de saber se a liquidação está suficientemente fundamentada.


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2.2.3 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA

É inquestionável e não vem questionada a exigência de fundamentação do acto impugnado.
É também inequívoco, e nisso todos os intervenientes processuais estão de acordo, que o documento de cobrança remetido ao Contribuinte – do qual constam os únicos elementos que podem considerar-se integrantes da declaração fundamentadora da liquidação ora impugnada que foram externados pela AT – refere a localização do prédio, o artigo matricial, o valor patrimonial tributário, a data da liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicada e a colecta apurada.
A questão suscitada nos autos resume-se a saber se os elementos constantes daquela nota são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação no que se refere à determinação do valor patrimonial tributário.
A nosso ver, a Recorrente não logrou de modo algum pôr em causa o que foi decidido a esse propósito. Senão vejamos:
A Recorrente limita-se a afirmar, conclusivamente, que os elementos constantes do referido documento de cobrança são bastantes para que o Contribuinte «conheça a razão da liquidação impugnada», mas nada refere quanto à questão que foi a que determinou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a anular a liquidação, qual seja a que a fundamentação externada não permite ao Contribuinte saber como foi alcançado o valor patrimonial tributário do prédio a que se refere a liquidação. A esse propósito, como abundantemente ficou referido na sentença, a fundamentação é totalmente omissa.
Como bem ficou dito pela Juíza do Tribunal a quo, a fundamentação externada não permite saber se o valor patrimonial tributário indicado «decorre da aplicação dos coeficientes constantes da Portaria n.º 1337/2003 de 05/12, porque a AT considerou tratar-se de um prédio urbano não arrendado (art. 16.º, n.ºs 1 a 4) ou apenas arrendado até Dezembro de 1988 (art. 16.º, n.º 5), ou se foi determinado de acordo com os arts. 37.º a 46.º do CIMI», sendo que «[n]em sequer é uma conclusão imediata que à situação dos autos fosse aplicável (apenas) uma daquelas normas […], pois nada é dito na liquidação quanto ao facto de o prédio estar ou não arrendado, ou até quando o esteve ou quanto a não ter sido feita a sua avaliação».
Por outro lado, relativamente à referência feita na referida nota de cobrança ao art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, a que a Recorrente insiste em conceder relevância ao nível da fundamentação do valor patrimonial tributário (cfr. conclusão IX), já a sentença deixou dito que a mesma nada «elucida quanto à matéria de avaliação patrimonial do artigo matricial, pois esta norma prevê apenas um regime de salvaguarda, estabelecendo limites ao aumento do IMI».
Concluindo, temos como certo que a AT não deu a conhecer o que a levou a apurar o valor patrimonial de € 166.129,00 e não outro qualquer, sendo que o documento de fls. 12 não permite saber se aquele valor tem fundamento no estatuído no art. 16.º, n.ºs 1 a 4, n.º 5 ou no art. 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 ou se foi determinado nos arts. 36.º a 47.º do CIMI ou até com base em quaisquer outras disposições legais, tudo como bem ficou dito na sentença recorrida.
Nem se diga que essa fundamentação já anteriormente tinha sido comunicada ao Contribuinte, pois não ficou demonstrado que em qualquer liquidação respeitante a período anterior, ou através de qualquer outra comunicação, a AT tenha alguma vez dado a conhecer ao Contribuinte os motivos por que o valor patrimonial tributário foi fixado no valor constante do documento de fls. 12.
Em conclusão, temos como certo que o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que determina a sua anulação, como bem decidiu a sentença recorrida.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos seguintes conclusões:
I - Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (art. 268.º, n.º 3, art. 77.º da LGT e art. 125.º do CPA).
II - A liquidação de IMI que não dá conta alguma da forma como foi determinado o valor patrimonial tributário não pode ter-se por suficientemente fundamentada, a menos que se demonstrasse que a AT anteriormente tinha procedido à pertinente comunicação dos motivos por que esse valor foi fixado no montante considerado naquele acto.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.