Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0637/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23537
Nº do Documento:SA1201807120637
Data de Entrada:06/25/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……… intentou, no TAF de Aveiro, contra o Ministério da Administração Interna e a Caixa Geral de Aposentações, acção administrativa especial pedindo:
i) a anulação da acusação disciplinar e de actos subsequentes do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, com base em falta de assiduidade;
ii) a declaração de nulidade ou a anulação do acto que lhe aplicou a pena de demissão praticado em 03.09.2009 pelo Secretário de Estado da Administração Interna, e;
iii) o pagamento de remunerações imputadas a situação de pré-aposentação e desde Junho de 2008, e a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal para o ano de 2008.”

O TAF julgou a acção improcedente, e em consequência, absolveu o Réu do pedido.

E o TCA Norte, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor apelou para o TCA Norte da decisão do TAF que julgou a acção improcedente, imputando-lhe erros na apreciação da M.F e de direito, mas sem êxito já que este negou provimento ao recurso.
No tocante ao erro no julgamento da matéria de facto ponderou:
“…Acresce que o TAF a quo proferiu despacho com o seguinte teor: “Tendo em consideração o pedido e a causa de pedir desenvolvidas pelo Autor e as soluções plausíveis de direito julga-se que o estado do processo permite, sem necessidade de proceder a diligências probatórias adicionais, apreciar o mérito da causa.” ….
O Recorrente não impugnou expressamente tal despacho, o que poderia e deveria ter feito, uma vez que configura um despacho interlocutório passível de, nos termos do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
De qualquer forma, mesmo que se considere que, face ao alegado neste segmento, o Recorrente pretendeu impugnar o referido despacho, sempre se dirá que analisados os elementos probatórios constantes dos autos, a matéria assente e a sua subsunção ao direito, não se vislumbra o imputado erro de julgamento, tendo o colectivo de juízes do TAF fixado, de entre a factualidade alegada e controvertida, a relevante e bastante para a decisão.”

Quanto às nulidades imputadas ao procedimento disciplinar:
“Nesta sede, invoca desde logo o Recorrente que, diversamente do decidido, a entidade disciplinar violou o disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e nos art.ºs 57.º, n.º 1, e 81.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da PSP (RD/PSP), “pois tanto o despacho de acusação, como a decisão condenatória, não foram notificadas pessoalmente (…), pondo assim em causa a garantia da sua defesa.”.….
Com efeito, ainda que se retire das normas em causa a preferência pela notificação pessoal da acusação e da decisão disciplinar, no caso, o seu objectivo – o de assegurar o conhecimento efectivo de actos lesivos da esfera jurídica do destinatário – foi prosseguido pela respectiva notificação por carta registada com aviso de recepção.
Conhecimento/notificação que, de resto, foi expressamente admitido pelo Recorrente e assim assente no probatório.
Deste modo, foram preservadas as garantias de audiência e de defesa atempada quer da acusação – a qual, o arguido ora Recorrente, não contestou por estrita opção pessoal – quer da decisão disciplinar, impugnadas nos presentes autos.”

Refutou a alegada violação do direito à audiência da seguinte forma:
“Ora, diga-se já que não se vislumbra como possa ter sido violado o direito à audiência e à defesa do Recorrente, uma vez que em sede do interrogatório em causa foi o mesmo questionado sobre se usou as palavras “palhaços” e “palhaçada”, referindo-se às juntas médicas, aquando da entrevista que concedeu a uma equipa de televisão da TVI, tendo-se pronunciando no sentido de que não usou tais palavras, e assim reposto a sua versão em relação ao questionado – cfr. alínea AB) do probatório.
Ademais, o que releva são os factos imputados na acusação disciplinar relativos à violação do dever de aprumo … da qual foi notificado, podendo, se assim o tivesse querido, apresentado defesa no prazo que lhe foi concedido para o efeito, o que não fez – cfr. alínea AB) do probatório.”

Quanto à violação do direito de defesa ponderou:
“Ora, e em síntese, decorre do probatório – não impugnado pelo Recorrente – por referência aos autos disciplinares, que o ente disciplinar, apesar de o arguido não ter contestado a acusação disciplinar, nem solicitado quaisquer diligências acrescidas de prova, efectuou as adequadas e necessárias diligências quer em relação à situação clínica do arguido, falta de justificação da ausência ao serviço, “nota de assentos”, informações susceptíveis de constituírem atenuantes, “classe de comportamento”, quer em relação ao seu pedido de pré-aposentação e decisão, munindo-se, assim, dos elementos aptos e bastantes para decidir.”

E rejeitou que a acusação fosse inválida pela seguinte ordem de razões:
“Na verdade, compete ao ente decisor demonstrar as faltas dadas ao serviço pelo Recorrente e comprovar a sua justificação.
No entanto, como resulta, de forma clara e evidente, de todo o procedimento administrativo, e o julgou a decisão sob recurso, tal ónus foi cabal e suficientemente cumprido.
…..
Assim, é inquestionável que o Recorrente tinha o dever de se apresentar ao serviço no dia 07.05.2008 – nele tomando conhecimento da escala de serviço que lhe estaria atribuída – ou justificar a falta, mediante documento médico ou outro, na medida em que foi considerado apto para o serviço pela Junta Superior de Saúde a que foi presente em 6.05.2006 que lhe concedeu um período de 365 dias moderados com início nesse mesmo dia a cumprir em serviços internos, findos os qual voltaria à junta. O que não fez.
Ao invés, desde esse dia até ser demitido continuou a faltar sem apresentar qualquer justificação legal – cujo ónus, repete-se, apenas e exclusivamente lhe competia – computando à data da acusação (24.03.2009) efectuada no procedimento disciplinar que se iniciou em 26.05.2008, 332 dias de ausência injustificada.
Note-se ainda que se mostra provado que “contactado telefonicamente em 8.05.2008 por elemento da secretaria de S. João da Madeira, de que tal havia sido incumbido superiormente e que o informou de que poderia gozar férias por período de 25 dias, pelo que deveria deslocar-se à esquadra a fim de resolver esta situação, o arguido respondeu que “não se apresentava ao serviço nem gozava férias” e que em sede de interrogatório declarou que decidiu não se apresentar ao serviço por, em suma, ter em 2006 pedido a pré-aposentação por motivos de saúde, não tendo até aquele momento obtido resposta, sentindo-se marginalizado, bem como que “não tem intenção de se apresentar ao serviço” e que o seu estado de saúde piorou.”

Quanto à errada interpretação e aplicação do artigo 43º do RD/PSP:
“Ora, o Tribunal a quo interpretou e aplicou correctamente o artigo 43º do RD/PSP aos factos provados, resultando dos fundamentos do acto punitivo, mormente por remissão para a acusação, referidos relatórios e parecer, a consideração da categoria do arguido, o tempo de serviço e demais elementos do seu processo pessoal, nota de assentos, classe de comportamento, manifesta gravidade das infracções cumuladas por violação do dever de assiduidade (relembre-se que o arguido não compareceu ao serviço sem qualquer justificação válida até ser demitido e assim durante mais de um ano) e de aprumo (cfr. afirmações contra a Junta médica, nos moldes supra transcritos), o grau da culpa (“comportamento indigno de um agente de autoridade lesivo e ofensivo da imagem da PSP” “viola gravemente os deveres decorrentes da função policial” “em termos de tal maneira graves que inviabilizam a manutenção da relação profissional”) e circunstâncias agravantes de “acumulação de infracções” e persistência na infracção relativa ao dever de assiduidade.”

No tocante à alegada violação do artigo 26º n.º 1 al.ª c) do RD/PSP afirmou:
“Termos em que, do confronto dos normativos transcritos conclui-se, como o fez o TAF, que “a situação de pré-aposentação em que o A. se encontrava, pelo menos, desde 18.11.2008 (suspensa ou não), por não ser, efectivamente, uma situação de aposentação, não é susceptível de se enquadrar no âmbito de aplicação das especialidades contempladas no artigo 26º do RD/PSP.”.
O que significa que, diversamente do que sustenta o Recorrente, o mesmo não se encontrava em situação de aposentação, não cabendo assim, ao ente disciplinar nem ao tribunal a quo substituir a pena de demissão “pela perda do direito à pensão pelo período de quatro anos.”.
Veja-se que da normação acima transcrita ressalta que na situação de pré-aposentação, para além de não existir desligamento total do serviço, os trabalhadores colocados nessa situação têm direito a uma remuneração calculada nos termos da lei e paga pela entidade empregadora, e não a qualquer pensão.”

Por fim, relativamente à alegada violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça o Acórdão:
“Nesta sede, o Acórdão recorrido «tomando em consideração o julgamento feito quanto à inexistência de omissão de diligências e, ao ónus de justificação de faltas, dá aqui por reproduzida a fundamentação supra exposta e, decide não se verificar qualquer violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade (…) »
O que se mostra correcto, até porque, no âmbito disciplinar, os princípios invocados, entre outros, “só deverem ser chamados à colação perante uma situação de non liquet, isto é, de dúvida razoável do tribunal a quo sobre a factualidade em que assentou o acto impugnado (..)” – cfr., entre outros, Acórdãos do STA – Pleno da Secção do CA, de 23-01-2013, P. n.º 0072/10 e do TCAN, de 11-02-15, P.º348/12.1BECBR.
Situação de dúvida que in casu não se verifica, tendo o tribunal a quo formado convicção perante os factos em que se baseou o acto impugnado de que o decisor disciplinar não errou ao tomá-los em consideração e subsumi-los às regras legais aplicadas.
Em reforço, cabe sublinhar o seguinte:
Não foram aplicadas ao Recorrente, na prática, duas penas disciplinares (a de demissão e a de privação de pensão) dado, como já se viu, não se encontrar o mesmo em situação de aposentação com direito a qualquer pensão; não estando, de resto, está impedido de se aposentar, ao abrigo do disposto nos artigos 37.º n.º 1, al. c), e 40.º do Estatuto de Aposentação, naturalmente, se ou quando preencher os requisitos neles fixados.
O comportamento do Recorrente no que respeita à infracção do dever de assiduidade inclui-se expressamente na previsão do artigo 47º (Demissão) n.1 e n.2 alínea j) do RD/PSP como inviabilizando a manutenção da relação funcional, tendo a entidade decisora demonstrado, face a todos os elementos constantes do procedimento disciplinar, supra referidos, a alta gravidade das infracções cometidas (acumuladas e, a de assiduidade, persistente) e do grau de culpa, com repercussão na quebra da confiança que o exercício da função policial do Recorrente exigia.”

3. O Recorrente não se conforma com aquele julgamento por, entre outras as seguintes razões:
“1.1 - A pena de demissão fundada, principalmente, numa ausência ao serviço, apenas pode ser aplicada a agentes no activo e não a agentes que se encontram na situação de pré-aposentação, pois estes não têm qualquer obrigação de se apresentar diariamente na esquadra a que pertencem, pois, não sendo chamados ou convocados para o efeito, não exercem quaisquer funções.
2.2 Ao invés do pessoal no activo que deve apresentar-se ao serviço diariamente, conforme as escalas de serviço, e recebe a totalidade da remuneração para efeito; o recorrente cuja passagem à situação de pré-aposentação foi deferida por despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado da Administração Interna em 28/07/2008, não tinha que se apresentar na esquadra da PSP de São João da Madeira a partir dessa data, a não ser que fosse convocado para o efeito, devendo receber, em contrapartida, uma remuneração diminuída (art. 190, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 58/90, de 14/02, ex vi do art. 17°, n.º 6, do Estatuto do Pessoal da PSP aprovado pelo Decreto-Lei n.º 511/99, de 31/03).”

4. Esta Formação tem entendido que, em regra, a aplicação de uma pena expulsiva justifica a admissão da revista por aquela determinar consequências de grande gravidade para o sancionado Com efeito, sendo uma pena que determina a extinção do vínculo laboral e, consequentemente, a colocação do arguido numa situação de desemprego tem sido entendido que se está perante uma situação particularmente gravosa cuja relevância extravasa os limites do litígio, uma vez que se repercute em todo o conjunto de pessoas que se relacionam com o sancionado, maxime com os seus familiares mais directos. (vd. os Acórdãos de 24.02.2011, Proc. 0103/11 e de 10.07.1013, Proc. 01097/13).
Todavia, este princípio tem de ser afeiçoado ao caso concreto donde resulta que serão as suas particulares circunstâncias a determinar a admissão ou a não admissão da revista.
No caso, a demissão do Recorrente foi motivada pelo mesmo ter faltado ao serviço durante 332 dias sem justificar essas faltas. Punição que ele contesta alegando que, encontrando-se na situação de pré reforma, não tinha de comparecer ao serviço nem justificar as suas faltas.
Só que essas faltas tiveram lugar a partir do momento em que a Junta médica o considerou apto para o serviço, ainda que com restrições - em 6.05.2006 - e o acto que o colocou na situação de pré-aposentação foi proferido pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Interna em 28/07/2008. Ou seja, tais faltas ocorreram em momento em que o Recorrente não podia invocar a situação de pré reforma. Por isso a afirmação feita no Acórdão recorrido de que o Recorrente, desde o dia em que em que a Junta médica o considerou apto para o serviço, “até ser demitido continuou a faltar sem apresentar qualquer justificação legal – cujo ónus, repete-se, apenas e exclusivamente lhe competia – computando à data da acusação (24.03.2009) efectuada no procedimento disciplinar que se iniciou em 26.05.2008, 332 dias de ausência injustificada” não parece merecer censura.
Deste modo, não estando em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito não se justifica a admissão da revista.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.