Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01399/16
Data do Acordão:09/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
REJEIÇÃO LIMINAR
PETIÇÃO INICIAL
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
Sumário:I - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que, se o pedido formulado em juízo pelo executado é de que seja extinta a execução fiscal, é adequado o meio processual de oposição à execução fiscal.
II - Questão diferente é a de saber se na petição inicial foram alegados fundamentos válidos de oposição, questão que se situa no âmbito da viabilidade do pedido e já não da propriedade do meio processual.
Nº Convencional:JSTA00070344
Nº do Documento:SA22017091301399
Data de Entrada:12/13/2016
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL / OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01086/13 DE 2014/05/28.; AC STA PROC01549/13 DE 2014/06/18.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLII 3ED PAG288-289.
RODRIGUES BASTOS - NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLI 3ED PAG262.
ANTUNES VARELA - REVISTA DE LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA ANO100 PAG378.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………… e B…………, inconformados, interpuseram recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 14 de Setembro de 2016, que, julgando procedente a excepção dilatória de nulidade por erro na forma de processo, absolveu da instância a FAZENDA PÚBLICA, no âmbito da Oposição deduzida por aqueles ao processo de execução fiscal nº 2070201401001353, instaurado por dívida de IRS relativa ao ano de 2011.

Alegaram, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) Na presente oposição, os Oponentes foram declarados insolventes por sentença do Tribunal Judicial da Moita proferida em 2010, tendo beneficiado do regime de exoneração do passivo, nos termos do previsto no CIRE;
B) Entre os créditos reclamados e graduados só se encontrava dois créditos privilegiados, garantidos por hipotecas constituídas sobre a casa de morada de família do casal dos Oponentes a favor da sucursal portuguesa do Barclays Bank, PLC;
C) A referida moradia, sita na Moita, apreendida para a massa insolvente, foi posta à venda pelo Administrador de Insolvência por um valor de €75.000, mas não apareceram interessados;
D) O Banco credor hipotecário propôs-se adquirir a casa de morada de família por mais do dobro do preço base proposto pelo Administrador de Insolvência, tendo comprado a referida casa em 2011, livre de ónus e encargos, por €134.400,00 e depositado a favor da massa insolvente 10% dessa quantia, compensando a restante dívida do preço com os créditos hipotecários de que era titular;
E) Os ora Recorrentes não tiveram conhecimento desta venda, apesar de o Administrador de Insolvência afirmar que lhes havia comunicado tal venda, aparentemente para a antiga morada;
F) Em 2013, foram notificados para se pronunciarem sobre a intenção do Fisco corrigir a declaração de rendimentos dos Oponentes em relação ao ano de 2011, incluindo o Anexo G respeitante à alegada mais-valia auferida pela venda do imóvel no valor de €134.400,00;
G) Os Oponentes não se aperceberam das implicações dessa notificação, não tendo a ela reagido, nem à subsequente liquidação oficiosa de um complemento ao seu IRS de €11.887,52, acrescida de juros compensatórios;
H) Só quando contra eles foi instaurada execução fiscal no início de 2014 é que os Oponentes procuraram os Advogados que, pro bono, os tinham patrocinado no processo de apresentação à insolvência;
I) Os Oponentes deduziram oposição à execução fiscal ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do art. 204.° do CPPT, tendo suscitado exclusivamente a questão de inconstitucionalidade material das normas de incidência do IRS aplicadas pela decisão administrativa (art. 10.º, n.º 1, alínea d), do Código do IRS, conjugado com o n.º 4, alínea a), e n.º 5, alíneas a) e b), em confronto com os benefícios fiscais concedidos pelo art. 268°, n.º 1, do CIRE);
J) Deduziram tal oposição ao abrigo do art. 204.°, n.º 1, alínea i), do CPPT;
K) Na sequência da suscitação pela Fazenda Pública, na contestação da oposição, do erro na forma de processo (deveria ter sido deduzida impugnação à liquidação e não oposição, atentos os fundamentos taxativos constantes do art. 204.º, n.º 1, do CPPT) e na inutilidade da convolação na forma processual correta atento o decurso do prazo para tal impugnação, a Senhora Juíza em regime de estágio conheceu da exceção de erro na forma do processo e, de forma expedita, libertou-se de mais um processo, absolvendo da instância a Fazenda Pública;
L) Apesar de se citar doutamente a anotação do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa à norma sobre o erro da forma de processo, não se atendeu na douta fundamentação da sentença recorrida às anotações do mesmo Conselheiro ao art. 204.º, n.º 1, alínea a), nem à jurisprudência do STA sobre tal norma;
M) A sentença ora recorrida é ilegal, mostrando-se violada a alínea a) do n.º 1, do art. 204.° do CPPT, na medida em que a ilegalidade abstrata decorrente da imputada inconstitucionalidade material da norma sobre incidência pode ser arguida no processo de oposição à execução, apesar de ter já decorrido o prazo para a impugnação judicial da liquidação (por todos veja-se o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 14 de setembro de 2016, relator FRANCISCO ROTHES, Proc. n.º 0191/16);
N) Na eventualidade de se entender que o art. 204.°, n.º 1, alínea a), do CPPT não tem o sentido interpretativo que lhe foi conferido pelo Conselheiro Lopes de Sousa e pela jurisprudência maioritária do STA, sempre tal norma nessa interpretação seria inconstitucional, por violação dos arts. 204.° e 280.° da Constituição, impedindo o tribunal da execução de conhecer de uma questão de inconstitucionalidade suscitada no processo;
O) Deve, aliás, notar-se que esta sentença proferida na oposição contrasta, pelo seu formalismo, com a notável sentença de 17 de outubro de 2014, proferida pelo Sr. Juiz da Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que revogou a aplicação aos ora Oponentes da coima pela falta de apresentação do Anexo G à Declaração de IRS dos Oponentes referente a 2011, e onde se indicam arestos do STA que sustentam não ser possível tributar insolventes quando nada recebem após a liquidação das dívidas, por lhes faltar a capacidade contributiva exigida pela Constituição;
P) Mostrando-se violado o disposto no art. 204.°, n.º 1, alínea a), do CPPT, como se referiu, deverá essa Alta Instância revogar a douta sentença recorrida;
Q) E porque toda a matéria de facto necessária para a boa decisão da causa consta dos Documentos juntos pelos Oponentes (sobretudo Docs. 1 a 6 da petição de oposição) e pela Fazenda Pública, estão reunidas as condições para que esse Alto Tribunal conheça do fundamento de ilegalidade abstrata decorrente da inconstitucionalidade material das normas de incidência aplicadas pela decisão administrativa, em regime de substituição do tribunal de primeira instância (art. 682.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 2.°, alínea e), do CPPT);
R) A exigência de IRS pelas alegadas mais-valias auferidas pelos Oponentes pela venda executiva no processo de insolvência só teria constitucionalmente sentido se tivesse havido um acréscimo patrimonial que beneficiasse os Oponentes;
S) Todavia, beneficiando os Oponentes do benefício de exoneração do passivo e tendo o Banco credor hipotecário aproveitado para si exclusivamente do preço por si unilateralmente oferecido à Massa Insolvente para adquirir o bem hipotecado, só tendo entregue 10% do preço que serviu para custear as despesas da insolvência (nomeadamente, a remuneração do Administrador da Massa Insolvente) e não havendo qualquer sobra para os credores comuns, É MANIFESTO QUE A EXIGÊNCIA DO IRS vulnera o princípio da igualdade tributária, que pressupõe que o contribuinte tenha capacidade contributiva para suportar o imposto;
T) Este entendimento está sedimentado na jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA (por todos, vejam-se Acórdão de 29 de outubro de 2003, relator Cons. Brandão de Pinho, Proc. n.º 01079/03 e de 24 de fevereiro de 2011, relatora Cons.ª Dulce Neto, Proc. n.º 01145/09);
U) Como se disse na notável sentença proferida no processo de contraordenação, só com o entendimento de que não é devido imposto de mais-valias pelos Oponentes "se pode dar cumprimento ao princípio constitucional de que as pessoas singulares são unicamente tributadas de acordo com os rendimentos auferidos (cfr. art. 104°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa)", o que é confirmado no plano do direito ordinário pelo art. 4°, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
V) Não deixa de ser chocante a insensibilidade da Administração Fiscal, na orientação administrativa adotada face à regra de que a exceção de não tributação de mais-valia só foi reconhecida no processo de insolvência no caso da dação em pagamento de imóveis aos credores ou de cessão desses bens aos credores (art. 268.°, n.º 1, do CIRE) - por se presumir que não há incremento patrimonial para o insolvente - e que sempre que haja compra e venda de imóveis há mais-valia, ainda que não haja qualquer sobra para o insolvente;
W) No caso presente, a triunfar a chocante orientação da Administração Fiscal, após a exoneração do passivo, os ora Recorrentes continuariam a suportar a retirada mensal de uma fração do vencimento do Recorrente marido até ser pago ao Fisco o valor de €11.887,52, acrescido de juros vencidos e vincendos ... por se presumir um incremento patrimonial inexistente!
X) Trata-se de um caso em que, parafraseando KEGEL, “assim, não pode ser”;
Y) Acresce que os Recorrentes, por força da sua situação de insolventes, nunca poderiam beneficiar do reinvestimento na aquisição de outra casa de morada de família, depois de descontado o valor do crédito hipotecário referente à anterior, PRECISAMENTE PORQUE NÃO AUFERIRAM QUALQUER MAIS-VALIA, impossibilidade que ofende o princípio da igualdade;
Z) A norma extraída do art. 10.°, n.º 1, alínea d), conjugado com o n.º 4, alínea a), e n.º 5, alíneas a) e b), do código de IRS - em confronto com o art. 268.º, nº 1, do CIRE - tal como foi aplicada pela Administração Fiscal, viola o princípio constitucional de igualdade tributária, na vertente em que exige aos contribuintes capacidade contributiva para suportar impostos, mostrando-se violados os arts. 13.°, n.º 1, e 104.° da Constituição.
Termos em que se espera confiadamente que esse Alto Tribunal revogue a douta sentença recorrida, considerando que a questão de inconstitucionalidade material podia ser suscitada pelos Oponentes ao abrigo do art. 204.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, e, passando ao conhecimento do mérito, julgue procedente o presente recurso, com o que se fará a COSTUMADA JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. No essencial o Ministério Público entendeu que, "(...)Na sentença recorrida considerou-se que os factos invocados como causa de pedir pelos oponentes configuram um vício de ilegalidade concreta da dívida exequenda, cujo conhecimento está vedado em sede de oposição à execução, por ter sido assegurado aos oponentes a impugnação da liquidação que deu origem à quantia exequenda.
E afigura-se-nos que nada há a censurar a tal entendimento. De facto e ao contrário do que aparentemente os oponentes pretendem fazer crer, não está em causa qualquer vício de inconstitucionalidade de uma determinada norma, mas sim a aplicação que da mesma foi feito no caso concreto. Ou seja, o que os oponentes contestam é que lhes seja exigível uma prestação tributária sobre um incremento patrimonial de que eles não beneficiaram, por ter sido absorvido no pagamento das dívidas da massa insolvente.".

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 31.10.2013, foi emitida a liquidação nº 2013 5005483756, relativa a IRS do ano de 2011 e juros compensatórios, no valor de € 12.532,37, em nome dos Oponentes, com data limite de pagamento voluntário em 09.12.2013.
2. Os Oponentes foram notificados da liquidação referida em 1., por carta registada, recebida em 15 de novembro de 2013.
3. A presente Oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos em 04.04.2014.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Discute-se nos presentes autos se ocorrerá ou não erro na forma de processo.
Os recorrentes entendem que a oposição à execução fiscal é a forma adequada à sua pretensão, por sua vez o tribunal recorrido entende que a forma processual adequada à pretensão dos recorrentes é a da impugnação judicial e, por isso, absolveu da instância a AT, verificada que estava a impossibilidade de convolação legalmente imposta.

Vejamos então.
Tem este Supremo Tribunal, com o apoio da doutrina, afirmado de modo reiterado que, o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição - reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.), cfr. acórdão datado de 28/05/2014, recurso n.º 01086/13.
Contudo, também este Supremo Tribunal, e tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione, “... tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir - ainda que com recurso à figura do pedido implícito - qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir.
Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.”, cfr. acórdão supra citado.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pelos recorrentes - "Termos em que deve ser julgada procedente e provada a presente oposição e julgada extinta a execução"-, facilmente podemos concluir que tal pedido se conforma à previsão das diversas alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que é função própria da oposição à execução fiscal a extinção da execução fiscal da qual é apenso.
Em situação semelhante a esta escreveu-se no acórdão datado de 18.06.2014, recurso n.º 01549/13: "O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que, se o pedido formulado em juízo pelo executado é de que seja extinta a execução fiscal, é adequado o meio processual de oposição à execução fiscal. Questão diferente é a de saber se na petição inicial foram alegados fundamentos válidos de oposição, questão que se situa no âmbito da viabilidade do pedido e já não da propriedade do meio processual, sendo que se for manifesto que não foi alegado fundamento algum dos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, verifica-se motivo para a ... " improcedência da oposição quando o processo já se encontre na fase processual da prolação de sentença ou após o momento processual em que deveria ter lugar a junção da contestação.
Assiste, assim, razão aos recorrentes quando referem que se verifica o erro de julgamento no tocante à procedência da excepção do erro na forma de processo, tal como se decidiu na sentença recorrida, o que impõe a revogação daquela sentença.
Contudo, e contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, não incumbe, no entanto, a este Supremo Tribunal conhecer do mérito da causa neste momento uma vez que a matéria de facto, ainda que constante dos documentos juntos aos autos, não está suficientemente estabilizada para que permita uma decisão segura quanto à mesma, decisão essa (quanto à matéria de facto) que incumbe primeiramente ao TAF de Leiria e em sede de recurso ao TCA Sul.

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 13 de Setembro de 2017 – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.