Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0127/17.0BELRA
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRS
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
CASO JULGADO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PROVA TESTEMUNHAL
DIREITO DE PARTICIPAÇÃO
CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Se, ainda que de forma lacónica, o juiz julgou verificada a excepção de caso julgado, inexiste omissão de pronúncia sobre a questão.
II - Havendo caso julgado sobre a decisão de avaliação da matéria tributável por “manifestações de fortuna”, nos termos do artigo 89.º-a da LGT, não pode pretender-se vir discutir em impugnação da liquidação adicional a quantificação da matéria tributável, sendo plenamente justificada, por inútil, a decisão de dispensar a inquirição de testemunhas arroladas.
III - Tendo o contribuinte exercido o direito de audiência prévia no procedimento de inspecção e não havendo factos novos a considerar na liquidação adicional, está dispensada a audição do recorrente antes da liquidação (artigo 60.º n.º 3 da LGT).
IV - O prazo de caducidade do direito à liquidação é in casu de 4 anos e suspendeu-se por duas vezes: em virtude da acção inspectiva e da interposição do recurso de fixação da matéria tributável por “manifestações de fortuna”, razão pela qual não estava caducado o direito à liquidação na data em que o impugnante dela foi notificado.
Nº Convencional:JSTA000P31953
Nº do Documento:SA2202402280127/17
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1. AA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 8 de abril de 2022, que julgou improcedente impugnação judicial de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativa ao ano de 2010, a qual apurou imposto a pagar no montante de € 2.032.953,10, acrescido dos respetivos juros compensatórios no montante de € 284.724,80, perfazendo o total de € 2.317.678,00.
O recorrente conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
Nos autos não existe contrariamente ao consignado, nenhuma pronúncia efectiva quanto ao caso julgado, e assim sobre o pedido de absolvição da instância da AT. Porém,
Não existe caso julgado, quanto ao pedido de impugnação do presente processo, porquanto os fundamentos invocados – causa de pedir – não são os mesmos, nem foram julgados nos termos agora invocados, e naquele processo 1803/14.4BELRA e Recurso 9495/16.
Nessa medida, a sentença agora impugnada é nula e como tal deve ser declarada nos precisos termos do disposto no artº 615 nº 1 alínea d) do C.P.C e artº 125 nº 1 do C.P.P.T, devendo tal sentença ser declarada com as legais consequências, nomeadamente a remessa dos presentes autos à 1ª instância – Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – para devido julgamento.
Nos precisos termos do disposto nos artº 580 e 581 do C.P.C só existe caso julgado quando existe identidade de causa de pedir, mas no presente caso tal não sucede, pois, a pretensão deste processo, como pela confirmação do teor das duas petições iniciais, não resulta dos mesmos factos jurídicos, motivos pelos quais não existe caso julgado. Por outro lado.
Considerou o tribunal desnecessária a produção de prova testemunhal por considerar estarem em causa apenas questões de direito.
Mas porque assim não sucede, foi tal despacho objecto de recurso já recebido, a ser analisado conjuntamente com o presente.
É que, tem o recorrente ao seu dispor o meio processual legitimo, a presente impugnação que lhe foi conferida nos precisos termos do disposto no artº 99 do C.P.P.T, pelo que lhe continua a ser possível apresentar todas as suas provas, e assim a testemunhal, conforme alegado, para demonstrar que jamais em momento alguma no ano de 2010 obteve rendimentos do montante de € 4.454.557,60
É que não é legitimo, como o fez AT, por si só, escalpulizar o valor das movimentações bancárias das contas identificadas nos autos, para inferir indirectamente - métodos indirectos – que tais movimentações constituem simplesmente rendimento.
E só a explicação feita directamente pelos beneficiários daquelas movimentações bancárias - como, aliás o aceitou o tribunal tributário do 1º julgamento - indicados como testemunhas, pode vir a determinar, ou ainda a atenuar ou diminuir o verdadeiro rendimento disponível do impugnante.
10ª
É que, entenda-se face ao alegado não está definitivamente fixada a matéria colectável, pois sempre susceptível de ser posta em causa, nos precisos termos do disposto no artº 99º e 100º do C.P.P.T.
11ª
De verdade tal direito não se mostra precludido face à decisão judicial anterior, contrariamente ao consignado nos presentes autos e mostra-se válida e processualmente
reconhecida na notificação que constituem os documentos Nºs 1, 2 e 3 juntos à petição inicial face ao disposto nos artigos 70º, 99º, 100º, e 102º do C.P.P.T
12ª
É que, está em tempo de ser posto em causa o manifesto excesso da liquidação nos precisos termos do disposto no artº 100º nº 3 do C.P.P.T
13º
E não pode ser posto em causa o direito de prova do impugnante, e o seu acesso à justiça constitucionalmente consignado tudo nos precisos termos do disposto nos artº 20º nº 1 e 268 nº 4 e 9º da C.R.P, 74º da L.G.T e artº 341 do C.C.
14ª
É que a omissão das diligências requeridas, afecta o julgamento da matéria de facto deste processo, o que determina a anulação da presente sentença, com todas as legais consequências.
15ª
Tal prova impõe-se para o que alegado foi, nos artº 57 a 73 da petição de impugnação.
E ainda,
16ª
Assiste ao impugnante o direito de nos termos do artº 100º nº 3 do C.P.P.T demonstrar o erro e o manifesto excesso na matéria tributável quantificada, direito peremptório e potestativo que lhe é reconhecido na notificação que lhe foi efectivada em 24 de Agosto de 2016.
17ª
Nos termos do artº 204 nº 1 alínea b) do C.P.P.T e sempre possível atacar a ilegalidade da liquidação. E,
18ª
O presente procedimento tributário, quanto à validação da liquidação final, está ferido de ilegalidade, por preterição de formalidades legais, não podendo assim o Tribunal manter na ordem jurídica um acto tributário, assente na clara violação das leis tributárias, pelo que o mesmo deve sempre ser objecto de anulação.
19ª
É que tendo surgido factos novos no processo administrativo, perante o seu desenvolvimento, impunha-se sempre a notificação ao impugnante a que alude o artº 60 nº 1 alínea a) e nº 3 da L.G.T, o que não foi feito.
20ª
É que, também, o artº 89-A da L.G.T, não impede o contribuinte, sujeito a um procedimento de avaliação indirecta, demonstrar a proveniência e a não sujeição a imposto de parte dos valores detectados. (Ac. Trib. Central Administrativo Sul de 10-07-2014 – Proc. 07813/14)
21ª
A notificação efectuada ao contribuinte em 24 de Agosto de 2016, mostra-se efectuada ao impugnante para além do prazo previsto no artº 45 nº 1 e 2 e 46 nº 1 da L.G.T., devendo também nesta parte ser revogada a presente sentença.
22ª
A aliás douta sentença, violou além do mais o disposto no artº 9º, 20º nº 1 e 268 nº 4 da C.R.P e artº 615 nº 1 alínea d) do C.P.C., artº 125 nº 1 do C.P.P.T, artº 580 e 581 do C.P.C, 113 e 114 do C.P.P.T , 204 nº 1 alínea b) do mesmo código, artº 45 nº 1 e 2 , 46 nº 1 e 60º nº 1 alínea a) e artº 61 nº 1 alínea a) e nº 3 da L.G.T

Termos em que se requer a V. Excª.:
- O reconhecimento das ilegalidades e nulidades enunciadas, e consequentemente,
- Ser julgado procedente o recurso do despacho interluctório de 22/06/2018, que não admitiu a produção de prova testemunhal, que sobe com o presente, conforme despacho de 04/10/2018, e o mesmo revogado com as legais consequências, nomeadamente a de,
- Ser julgado procedente o presente recurso, e face a todos os fundamentos invocados sempre revogada a aliás douta sentença, mandando-se prosseguir os autos para julgamento com inquirição nos termos invocados das testemunhas arroladas, ou caso ainda assim se não entenda, sempre a mesma sentença revogada, por omissão de pronúncia, e pelos demais vícios invocados, ou ainda impondo-se sempre e também a revogação total ou parcial da liquidação impugnada, com todas as legais consequências, pois tal se mostra ser de DIREITO E DE JUSTIÇA

2. Não foram apresentadas contra-alegações.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso

Observado o disposto no artigo 92.º, n.º 2 do CPTA, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questões a decidir
São as de saber se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão do caso julgado e se enferma de erro de julgamento ao ter dispensado a produção de prova testemunhal, ao julgar não preterido o direito de audição prévia e ao julgar não verificada a caducidade do direito de liquidar.


5 - Matéria de facto
É o seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1) No ano de 2010, o Impugnante declarou rendimentos da categoria A, no montante de € 5.700,00 e da categoria F, no montante de € 1.875,00 (fls. 29 do p. a.).
2) O Impugnante foi submetido a ação inspetiva externa credenciada pela ordem de serviço n.º ...62, datada de 21/4/2014, de âmbito parcial em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e incidência no ano de 2010, que se mostra assinada pelo mandatário do Impugnante em 27/6/2014 (fls. 211 do p. a.).
3) Em 5/11/2014, no âmbito da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º ...62, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, cuja fundamentação consta a fls. 249 a 261 do p. a..
4) O aqui Impugnante foi notificado, na pessoa do seu mandatário, do projeto de relatório de inspeção tributária mencionado no ponto precedente, através do ofício n.º ...14, datado de 6/11/2014, enviado sob registo ..., datado de 7/11/2014 (fls. 245 e 246 do p. a.).
5) O aqui Impugnante foi notificado do projeto de relatório de inspeção tributária mencionado em 3), através do ofício n.º ...15, datado de 6/11/2014, enviado sob registo ..., datado de 7/11/2014 (fls. 247 e 248 do p. a.).
6) O aqui Impugnante exerceu direito de audição ao projeto de relatório de inspeção tributária mencionado em 3) (fls. 118 a 137 do processo físico).
7) No âmbito da ação inspetiva mencionada no ponto precedente foi elaborado o relatório de inspeção tributária, sancionado por despacho do Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Leiria, datado de 11/12/2014 (fls. 424 a 597 do p. a.).
8) Em 11/12/2014, o Impugnante foi notificado, na pessoa do seu mandatário, do relatório de inspeção tributária mencionado no ponto precedente e bem assim da fixação do rendimento coletável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares para o ano de 2010, no montante de € 4.835.022,01 (fls. 421 e 422 do p. a.).
9) Em 22/12/2014, o aqui Impugnante interpôs recurso da fixação do rendimento coletável por métodos indiretos que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa com o número de processo 1803/14.4BELRA (fls. 138 a 153 do processo físico).
10) Por sentença datada de 10/2/2016, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo aqui Impugnante da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos – manifestações de fortuna, que reduziu em € 380.644,55 (fls. 118 a 161 do p. a.).
11) Da sentença mencionada no ponto precedente consta o que se extrata por relevante para os presentes autos: “Quanto a estes montantes (65.644,55 + 315.000,00 = 380.644,55) o Recorrente efetuou prova positiva de que não constituem acréscimos patrimoniais. Atenta a cindibilidade do ato tributário, nesta parte terá que ser anulado. (…) Considerando que o valor da matéria tributável fixado por método indireto corresponde a € 4.835.202,10 e retirando o valor agora anulado de € 350.544,55, em nada sai afetada a caracterização como manifestação de fortuna ainda que de menor valor.” (fls. 118 a 161 do p. a.).
12) A decisão mencionada no ponto precedente foi confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12/5/2016, notificada por ofício de 16/5/2016 (fls. 88 a 117 do processo físico).
13) Em decurso das decisões judiciais mencionadas em 11) e 12) foi elaborada a declaração oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares modelo 3, relativa aos rendimentos do Impugnante no ano de 2010, da qual consta no anexo A quadro 4 o montante de € 5.700,00, no anexo F quadro 4 o montante de € 1.875,00 e no anexo G, quadro 10, campo 1012 “Acréscimos patrimoniais não justificados – n.º 3 do art.º 9º do CIRS" o montante de € 4.454.377,60 (fls. 164 a 171 do p. a.).
14) Em 24/8/2016, o Impugnante foi notificado da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...84, de 12/8/2016, relativa ao ano de 2010, na qual consta o rendimento global de € 4.461.952,60 e apurou imposto a pagar no montante de € 2.032.953,10, acrescido dos respetivos juros compensatórios no montante de € 284.724,80, perfazendo o total de € 2.317.678,00 (fls. 35 a 37 do p. a. e facto confessado no ponto 87 da petição inicial).
15) A presente impugnação judicial foi autuada no Serviço de Finanças de Alvaiázere em 20/12/2016 (fls. 3 do processo físico).


6. Decidindo
Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2010, efectuada pela AT após trânsito em julgado das decisões judiciais proferidas no processo n.º 1803/14.4BELRA do Tribunal Tributário de Lisboa, confirmada por Acórdão do TCA Sul.
Discorda do decidido o recorrente, imputando à sentença nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão do “caso julgado” e erro de julgamento no que respeita à dispensa de prova testemunhal, à violação do direito de participação, bem como à caducidade do direito à liquidação.
Vejamos.
6.1 Da alegada nulidade por omissão de pronúncia da sentença quanto à questão da excepção de caso julgado
Alega o recorrente - cf. conclusões 1.º a 5.º das suas alegações de recurso -, que a sentença é nula, ex vi do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e do 615 nº 1 alínea d) do CPC –, porquanto
nos autos não existe contrariamente ao consignado, nenhuma pronúncia efectiva quanto ao caso julgado, além de que não existe caso julgado, quanto ao pedido de impugnação do presente processo, porquanto os fundamentos invocados – causa de pedir – não são os mesmos, nem foram julgados nos termos agora invocados, e naquele processo 1803/14.4BELRA e Recurso 9495/16.
A excepção de caso julgado foi suscitada pela Fazenda Pública na sua contestação em primeira instância e resolvida pelo juiz, após vista ao Ministério Público em 1.ª instância que sobre ela se pronunciou, em termos muito sintéticos, por despacho de fls. 613 do SITAF, nos seguintes termos:
“Estando a questão da fixação da matéria coletável por métodos indiretos decidida, com trânsito em julgado, no Processo n.º 1803/14.4BELRA, que correu termos neste Tribunal, devem os presentes autos de impugnação judicial prosseguir para apreciação das restantes questões suscitadas, nomeadamente a errónea quantificação dos rendimentos, a violação do direito de audição e a caducidade da liquidação, que são apenas de direito.
Assim, notifique o Impugnante para, querendo, se pronunciar, no prazo de dez dias, sobre a desnecessidade da produção de prova testemunhal requerida – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
*
Leiria, 25/05/2018
(Compus com uso de meios informáticos – artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.)”
Disso mesmo dá nota a sentença, a fls. 2 da respectiva numeração autónoma, quando dispõe: “Por despacho que consta a fls. 463 do processo físico, foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e procedente a exceção de caso julgado, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento das questões relativas à errónea quantificação dos rendimentos, violação do direito de audição e caducidade da liquidação.”.
Quer isto dizer que, embora em termos muito sintéticos, há nos autos pronúncia do Tribunal “a quo” sobre a questão do caso julgado, julgando verificada a excepção e determinando que o processo siga apenas para conhecimento das demais questões.
Ora, embora os termos da pronúncia emitidos pelo Tribunal a quo sejam conclusivos, não fundamentando autonomamente a razão da procedência da excepção, certo é que o impugnante não reagiu contra o despacho, vindo apenas agora invocar uma omissão de pronúncia que manifestamente não se verifica, porque o Tribunal “a quo” não deixou de apreciar a questão e apenas nesse caso a nulidade por omissão de pronúncia poderia verificar-se.

Improcede, pois, a alegada omissão de pronúncia.

6.2 Da alegada ilegalidade do despacho que dispensou a produção de prova testemunhal
Do despacho do juiz de 1.ª instância que dispensou a produção de prova testemunhal – a fls 619 do SITAF –, interpôs o recorrente o competente recurso, que subiu agora a final e cumpre apreciar.
A dispensa da prova testemunhal foi fundamentada pelo juiz na circunstância de a mesma visar instruir matéria de facto sobre a qual se formara caso julgado no processo nº 1803/14.4BELRA, originado pelo recurso apresentado pelo sujeito passivo ao abrigo do disposto no artigo 89º-A da Lei Geral Tributária.
Ora, tendo o tribunal entendido que a questão da determinação da matéria não podia ser apreciada nos presentes autos, em face de decisão judicial transitada em julgado proferida no processo nº 1803/14.4BELRA (cfr. acórdão do TCA de 12/05/2016, proferido no recurso nº 09495/16), estava-lhe vedada a apreciação de novo dessa matéria, pelo que a produção de prova testemunhal com vista a apurar factos a esse respeito constituía, manifestamente, um acto inútil, e como tal proibido por lei.
Acresce que a decisão do tribunal no sentido da impossibilidade de reapreciação na impugnação da liquidação da matéria tributável fixada ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A da LGT se afigura como inquestionável, pois que o n.º 7 do mesmo preceito legal prevê que essa decisão seja judicialmente sindicável em processo judicial próprio, de carácter urgente, o que restringe os fundamentos da impugnação judicial de liquidações de imposto em que a matéria tributável seja determinada através desse procedimento autónomo.
Como se consignou no recente Acórdão deste STA proferido em 18 de maio de 2022 no processo n.º 2624/13.7BEPRT “É ponto assente que da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias - nos termos das disposições combinadas do nº 7 do artº 89º-A da Lei Geral Tributária e do nº 2 do artº 146º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que a decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.” E havendo recurso, a decisão proferida naquele processo restringe o âmbito admissível da impugnação judicial que venha a ser deduzida, por força do caso julgado.
No sentido de que a norma do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro) quando interpretada no sentido de que a forma processual urgente, aí prevista, constitui a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto não ofende o princípio da tutela jurisdicional efectiva cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 554/2009, de 27 de outubro de 2009.

Justificada está, pois, adequadamente, a dispensa da prova testemunhal, não merecendo censura o decidido.

6.3 Da preterição da audiência prévia
Nas conclusões 18.ª e 19.ª das suas alegações de recurso insiste o recorrente de que terá sido preterido o seu direito de audiência prévia à liquidação (adicional), porquanto tendo surgido factos novos no processo administrativo, perante o seu desenvolvimento, impunha-se sempre a notificação ao impugnante a que alude o artº 60 nº 1 alínea a) e nº 3 da L.G.T, o que não foi feito.
A este propósito, consignara a sentença o seguinte:
Não tem razão o Impugnante, desde logo, porque a sua alegação assenta em pressuposto que não se verifica. A saber: existirem factos novos considerados na liquidação impugnada.
(…)
Decorre assim, que o contribuinte tem direito a ser ouvido antes da liquidação, o que estará dispensado no caso de ter sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
Regressando ao caso sub iudice resulta do probatório, e o Impugnante não controverte, que a Autoridade Tributária o notificou para o exercício do seu direito de audição prévia ao projeto de relatório de inspeção tributária efetuado no âmbito da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º ...62 (cfr. factualidade vertida em 4) e 5)), direito que optou por exercer tal como decorre do ponto 6) da factualidade assente.
Contudo, o Impugnante alega que a liquidação impugnada considerou deduções que o relatório de inspeção tributária não considerou.
E de facto assim é, a liquidação impugnada, em execução da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa e confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, deduziu ao rendimento da categoria G fixado em decurso das conclusões do relatório de inspeção tributária elaborado na ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º ...62, o montante de € 380.644,55. Só que esta realidade não constitui um facto novo nos termos preceituados pelo n.º 3 do artigo 60º da Lei Geral Tributária, mas antes o cumprimento do dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade declarada nas decisões judiciais suprarreferidas, dever que recai sobre a Autoridade Tributária nos termos do artigo 100º da Lei Geral Tributária.
Por outra via, quanto à alegada divergência entre o rendimento global decorrente da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa e o considerado na liquidação impugnada remete-se, por economia processual, para o que supra já se deixou dito, concluindo-se, aqui como ali, que o rendimento global considerado na liquidação impugnada é o que decorre do decréscimo imposto pela sentença referida, acrescido dos rendimentos das categorias A e F antes declarados pelo aqui Impugnante para o ano de 2010.
Pelo exposto, improcede a alegada preterição do direito de audição prévia do Impugnante. “(destacados nossos).

O decidido não merece, efetivamente, censura.
Não decorre do probatório a existência de “factos novos” considerados na liquidação adicional que impusessem a audição prévia do impugnante, sendo que aqueles que o recorrente alega como sendo factos novos não o são, como bem decidido na sentença.

Assim, tendo o contribuinte exercido o direito de audiência prévia no procedimento de inspecção e não havendo factos novos a considerar na liquidação adicional, estava dispensada a audição do recorrente antes da liquidação (artigo 60.º n.º 3 da LGT).

Também nesta parte o recurso improcede.


6.4 Da alegada caducidade do direito à liquidação
Alega finalmente o recorrente (conclusão 21.ª) que A notificação efectuada ao contribuinte em 24 de Agosto de 2016, mostra-se efectuada ao impugnante para além do prazo previsto no artº 45 nº 1 e 2 e 46 nº 1 da L.G.T., devendo também nesta parte ser revogada a presente sentença.
Também aqui a sentença é suficientemente explicativa da razão pela qual à data da notificação da liquidação não ocorrera caducidade do direito de liquidar: porque o prazo aplicável é o de 4 anos previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT e não o de 3 anos previsto no n.º 2, contado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (art. 45.º n.º 4 da LGT) e esteve suspenso por duas vezes – por efeito do decurso da acção inspectiva (cf. o n.º 1 do art. 46.º da LGT), que, contrariamente ao alegado, teve duração inferior a 6 meses, e por virtude do recurso interposto ao abrigo do art. 89.º-A da LGT (cf. a alínea a) do n.º 2 do art. 46.º da LGT -, daí que haja que acrescer ao prazo de 4 anos, no total, um ano, dez meses e 20 dias.
Conclui a sentença, e com acerto em face do probatório fixado e das normas legais aplicáveis, que o prazo de caducidade do direito à liquidação teria o seu termo ad quem em 22/10/2016, pelo que, em 24/8/2016, quando a liquidação foi validamente notificada ao Impugnante ainda não havia ocorrido o termo ad quem do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Este juízo é plenamente conforme à lei, sendo de confirmar na integra, porque nem o recorrente o impugna validamente, nem se lhe descortina erro de julgamento.

Concluindo:
1. Se, ainda que de forma lacónica, o juiz julgou verificada a excepção de caso julgado, inexiste omissão de pronúncia sobre a questão.
2. Havendo caso julgado sobre a decisão de avaliação da matéria tributável por “manifestações de fortuna”, nos termos do artigo 89.º-a da LGT, não pode pretender-se vir discutir em impugnação da liquidação adicional a quantificação da matéria tributável, sendo plenamente justificada, por inútil, a decisão de dispensar a inquirição de testemunhas arroladas.
3. Tendo o contribuinte exercido o direito de audiência prévia no procedimento de inspecção e não havendo factos novos a considerar na liquidação adicional, está dispensada a audição do recorrente antes da liquidação (artigo 60.º n.º 3 da LGT).
4. O prazo de caducidade do direito à liquidação é in casu de 4 anos e suspendeu-se por duas vezes: em virtude da acção inspectiva e da interposição do recurso de fixação da matéria tributável por “manifestações de fortuna”, razão pela qual não estava caducado o direito à liquidação na data em que o impugnante dela foi notificado.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atento a que as questões a decidir não se afiguram particularmente complexas.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2024 – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.