Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01004/13
Data do Acordão:12/04/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:DERRAMA
TRIBUTAÇÃO
GRUPO DE EMPRESAS
Sumário:I – De acordo com o actual regime da derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
II – Sendo aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, face à redacção do artº 14º da Lei das Finanças Locais anterior à Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro, a derrama devia incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.
III – O art.º 14.º, n.º 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo artº 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa.
Nº Convencional:JSTA000P16675
Nº do Documento:SA2201312041004
Data de Entrada:06/03/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...........
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Sintra, que julgou procedente a impugnação da autoliquidação relativa a derrama de 2009, efectuada por “A………….”, com os demais sinais nos autos, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

Iª) Com a introdução da Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro, deu-se uma alteração substancial da natureza e do regime da derrama.

IIª) O nº 1 do artigo 14º da citada lei pressupõe uma modificação de fundo no modo de cálculo da derrama, ao passar a ter como base o lucro tributável e não a colecta.

IIIª) Assim passam a poder existir sujeitos passivos sem colecta, mas sujeitos ao pagamento da derrama.

IVª) Por outro lado, sendo a derrama uma taxa proporcional, não tem em conta os vários regimes de redução de taxa do IRC.

Vª) Nestes termos, face ao regime anterior são penalizados os rendimentos sujeitos a taxas de IRC menores, já que em termos de derrama, passam a ser tributados por uma taxa igual a todos os sujeitos passivos do município em causa.

VIª) No que concerne aos Grupos de Sociedades e ao seu Regime Especial de Tributação (RETGS), dado que a derrama passou a ter como base o lucro tributável, ou seja, uma incidência mais a montante que anteriormente, devem ser acolhidas as regras do CIRC, também até ao momento de determinação do lucro tributável, porque de seguida, se seguem as regras próprias da derrama, isto é, a aplicação da taxa.

VIIª) De facto, no RETGS, não existindo colecta respeitante a cada uma das sociedades, existe e é necessária a determinação do lucro tributável de cada uma delas, sendo esta, também, uma operação que se situa a montante e que corresponde, ao que está determinado no nº 1 do artigo 14º da Lei das Finanças Locais, o qual estipula que a derrama é lançada "sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na (respectiva) área geográfica... ".

VIIIª) Isto é, desde o momento em que é determinado um lucro tributável, sujeito e não isento para efeitos de IRC, a liquidação da derrama, passa a reger-se pelas regras próprias, de acordo com o que estipula o citado nº 1 do artigo 14º da LFL naquela redacção.

IXª) Certo é que, esta é a forma mais directa de fazer corresponder a receita da derrama ao Município onde o correspondente rendimento é efectivamente gerado.

Xª) E se, nos termos do nº 1 do artigo 70º do CIRC, o lucro tributável do grupo é calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais, tal significa que anteriormente já foi calculado, para cada uma das sociedades, um lucro ou um prejuízo, sendo esse resultado que, nos termos do nº 1 do artigo 14º da Lei 2/2007, deve servir de base ao apuramento da derrama, não tendo relevância, para este efeito, o lucro tributável do grupo, que é posterior.

XIª) Com efeito, não subsiste qualquer impossibilidade de liquidar a derrama individual de cada sociedade, tendo em conta que o objecto da sua incidência real foi deslocado da colecta do IRC para o lucro tributável sujeito a esse imposto e esse lucro tributável existe, o que não acontecia com a colecta.

XIIª) Alteração que permite atender com maior acuidade à conexão geográfica entre o Município e a derrama que lhe é conferida, quanto aos rendimentos gerados na sua área.

XIIIª) Este entendimento da Administração Tributária que decorre dos termos da lei, corresponde ao divulgado através do Oficio Circulado nº 20132 da Direcção de Serviços de IRC de 14 de Abril de 2008.

XIVª) Posteriormente, contudo, veio este Venerando Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Ac. nº 0909/10 de 2 de Fevereiro de 2011 citado na douta sentença recorrida, sufragar entendimento diverso.

XVª) Sucede que, como decorre da douta sentença recorrida e do entendimento expresso neste Acórdão, no seguimento dos ensinamentos de Saldanha Sanches, existe uma autonomia entre IRC e a Derrama.

XVIª) Autonomia essa que, não obstante a partilha de alguns elementos com o IRC, ao nível da incidência e determinação do lucro tributável, implica, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a não consideração daquele especial regime de tributação de IRC para efeitos de derrama.

XVIIª) Isto porque, no caso das sociedades abrangidas pelo RETGS, é inegável que cada uma das sociedades que integram o perímetro é sujeito passivo de IRC, sendo igualmente incontestável que todas elas geram rendimentos sujeitos a IRC.

XVIIIª) Acrescendo que, em momento algum é consagrada qualquer situação de não sujeição, de isenção, ou de exclusão de tributação para estas sociedades ou os seus rendimentos.

XIXª) Verificam-se deste modo as condições, expressamente, previstas na lei para a sujeição a derrama nos moldes que a Administração Tributária advoga.

XXª) Sendo que igualmente, é a interpretação que melhor se coaduna com o espírito da lei, e a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos municípios que se consubstancia na derrama.

XXIª) E se é certo que, como se dá conta na douta sentença recorrida, que o legislador do artigo 14° da LFL não foi muito profícuo na redacção das regras próprias da derrama, também é certo que, no que concerne à base de incidência, o nº 1 do artigo 14° da LFL expressamente determina a aplicação das regras do IRC, mas não de todas indiscriminadamente.

XXIIª) O legislador, neste caso, foi explícito e estipulou que a derrama incidirá sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC dos sujeitos passivos referidos na norma.

XXIIIª) Ou seja, não determinou a aplicação das regras do IRC em bloco, diferentemente do que sucede no artº. 13º, nº 1.

XXIVª) Se a lei da derrama não estabelece expressamente a aplicação de um regime especial como é o do RETGS, este regime não poderá ser aplicável. Não se verificando nesta situação qualquer lacuna da lei.

XXVª) A LFL, ao determinar a incidência da derrama sobre o lucro tributável dos sujeitos passivos para efeitos de IRC, não convocando as regras do RETGS, acolhe as regras do CIRC, mas apenas até ao momento da determinação do lucro tributável de cada sujeito passivo, antes do cálculo do lucro tributável do grupo.

XXVIª) Com efeito, para efeitos de cálculo do lucro tributável do grupo, quando aplicável o RETGS, é necessário que seja apurado previamente o lucro tributável de cada sociedade, só operando o RETGS após o lucro tributável de cada elemento do grupo estar apurado.

XXVIIª) Por outro lado, este regime será o que melhor concretiza a deliberação do Município, sendo-lhe devida a derrama que efectivamente corresponde ao rendimento gerado na sua área.

XXVIIIª) No RETGS, os lucros tributáveis de determinadas sociedades podem ser absorvidos pelos prejuízos de outras, sendo que determinado município onde está instalada determinada sociedade que produziu lucro tributável pode deixar de auferi-lo se o grupo, no seu conjunto, apresentar prejuízo.

XXIXª) As razões subjacentes ao estabelecimento do RETGS por parte do legislador prendem-se com a intenção de dar tratamento em sede de IRC a uma realidade económica que vê os grupos de sociedades, em determinadas condições, como uma única entidade (cfr. preâmbulo do Dec. Lei nº 414/97, de 31 de Dezembro).

XXXª) O Estado optou, neste caso, pela realização de um fim público que entendeu superior ao da satisfação das necessidades colectivas, ou fins para que o imposto foi criado.

XXXIª) As entidades tributadas em sede de IRC que beneficiam do RETGS, podem ver diminuídas as contribuições que lhes cabem na justa distribuição do dever tributário, mas contribuem com outros valores colectivos qualificados pelo Estado como superiores.

XXXIIª) No entanto, haverá que ponderar se este objectivo de politica do imposto estadual se deverá projectar também na derrama, que é um imposto municipal.

XXXIIIª) E, também a distinção entre impostos estaduais e municipais nos leva à conclusão de que o RETGS não é aplicável em sede de derrama.

XXXIVª) Os impostos estaduais têm por fundamento a existência de necessidades colectivas gerais e destinam-se à criação e aplicação de meios de satisfação de tais necessidades, devendo caber a todos os cidadãos o dever contributivo. Os impostos municipais baseiam-se em necessidades exclusivamente locais, cabendo o dever contributivo aos cidadãos a que tais necessidades respeitem.

XXXVª) Nesta medida, os superiores valores colectivos gerais que motivaram a introdução do RETGS parece não poderem vir a coincidir com os valores que subjazem a qualquer deliberação do lançamento da derrama.

XXXVIª) Sendo que os Municípios, se assim o entenderem as respectivas Assembleias Municipais, podem, eles próprios, estipular taxas reduzidas de derrama, nos termos do nº 4 do artigo 14º da LFL, bem como conceder isenções totais ou parciais relativamente aos impostos e outros tributos próprios (artigo 12º da LFL)

XXXVIIª) Ainda que assim não se entenda, deverá a anulação da derrama autoliquidada na declaração modelo 22 do ano de 2009, ser parcial, como resulta do pedido da Impugnante na sua petição Inicial, atingindo apenas o valor correspondente à parte que excede o valor que seria devido nos termos da tese que a douta sentença recorrida propugna, ou seja € 237.160,64, como aliás resulta da douta sentença na parte que aprecia o montante sobre o qual devem incidir os juros indemnizatórios.

XXXVIIIª) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 379/380 no qual se pronuncia pela improcedência do recurso.

3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes fatos:

A) Desde o exercício de 2001, a Impugnante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, que optou pela tributação nos termos do Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedade. (acordo)

B) No exercício de 2009, cada uma das sociedades integrantes do Grupo apresentou a sua declaração de rendimentos, a soma algébrica das derramas apuradas em cada uma das sociedades do Grupo ascende ao valor de € 561.531,57. (Docs. nºs 2 e 21 junto à p.i.)

C) Em 31.05.2010 a Impugnante, sociedade dominante, procedeu pela primeira vez à entrega da declaração Modelo 22 de IRC do Grupo para o exercício de 2009. (Doc. nº 22 junto com a PI)

D) Em 30.06.2010, a Impugnante procedeu à entrega da declaração de substituição da declaração a que alude a al. C) do probatório. (Doc. nº 1 junto à p.i.)

E) A Impugnante, na qualidade de sociedade dominante do grupo, calculou o lucro tributável do grupo nos termos do artigo 70° e seguintes do CIRC, que ascendeu no exercício de 2009 a € 21.624.728,98. (Doc. nº 1 junto à p.i.)

F) A Impugnante inscreveu no quadro 10, linha 364 da declaração Mod. 22, o montante de € 561.531,57, correspondente ao somatório das derramas calculadas individualmente para cada uma das sociedades do grupo. (Doc.n,"t junto à p.i.)

G) Em 31.05.2010, a Impugnante procedeu ao pagamento integral da derrama. (Docs. nºs 1 e 23 juntos à pi)

H) O valor autoliquidado da derrama foi calculado de acordo com as instruções constantes do Oficio-Circulado n° 20 132, de 14 de abril de 2008 que dispõe, designadamente, o seguinte:
«A nova lei das finanças locais (Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro), alterou a forma de cálculo da derrama para o exercício de 2007 e seguintes.
Tendo sido suscitadas dúvidas sobre o cálculo e a aplicação de derrama aos regimes especiais de tributação do IRC, informa-se o seguinte:
1.(...)
2. Regime especial de tributação de grupos de sociedades
No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais.
Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável.
Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual.
Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso.
O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008-03-13, do substituto legal do Director-Geral.» (Doc. n.° 24 junto à p.i. e cfr. em http://info.portaldasfinancas.gov.pt.)

I) Em 26.08.2010, deu entrada em tribunal a petição inicial que originou os presentes autos. (fls. 2 dos autos)

4. Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir.

5. A única questão a conhecer no presente recurso e suscitada nas conclusões das alegações da recorrente é a de saber se, relativamente ao exercício de 2009, a derrama deveria ser calculada sobre o lucro tributável do grupo de sociedades, ou se esta deveria ser apurada mediante a soma algébrica das derramas apuradas em cada uma das sociedades do grupo.

A recorrida, todavia, pede a condenação como litigante de má fé da Fazenda Pública por entender que, não obstante este STA ter vindo a decidir esta questão uniformemente em sentido que lhe é desfavorável, continua a litigar contra argumentação já rebatida por este mesmo STA. Assim, há também que conhecer também desta questão.

Vejamos então.

5.1. Sobre a questão suscitada pela recorrente FP, no acórdão do STA de 10.07.2013 - Processo nº 0121/09, ficou escrito, para além do mais, o seguinte:
“Face às conclusões da Fazenda Pública a questão objecto de recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou ilegal o ato de autoliquidação da derrama relativa ao exercício de 2008, cujo sujeito passivo era a recorrente A…………, S.A, sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, em virtude de em tal autoliquidação ter sido tomado em conta o lucro tributável individual de cada uma das sociedades que integravam o aludido grupo, sujeito ao RETGS e não o lucro tributável consolidado.
Contra o assim decidido se insurge a entidade recorrente alegando que a derrama prevista na Lei das Finanças Locais de 2007 é claramente um imposto autónomo em relação ao IRC, decorrendo de tal autonomia que, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos das sociedades, a derrama deverá mesma ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades do grupo na sua declaração.
Em seu entender, anteriormente à existência do lucro tributável do grupo existe o lucro tributável de cada sociedade, sendo este resultado, de cada sociedade, que o nº 1 do artº 14º da lei 2/2007 de 15 de Janeiro, invoca para servir de base ao apuramento da derrama.
Subsidiariamente, e para a hipótese de não vingar tal tese, a entidade recorrente alega também que, em qualquer caso, nunca poderia ter sido anulado o ato de autoliquidação de IRC no que concerne a Derrama na totalidade mas apenas na parte peticionada pela Impugnante, ou seja, €1 505 118,90.

6.1 A questão principal objecto do presente recurso tem sido tratada de forma reiterada e unânime pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, a qual vem concluindo que, sendo aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, face à redacção do artº 14º da Lei das Finanças Locais anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.

São dessa jurisprudência exemplo, entre outros, os acórdãos de 2/2/2011, recurso 0909/10, de 22/6/2011, recurso 0309/11, de 2/5/2012, recurso 0234/12, de 5/7/2012, recurso 265/12, de 9/1/2013, recurso 1302/12, de 27/02/2013, recurso 1241/12, de 22.05.2013, recurso 530/13 e de 5/06/2013, recurso 1315/12, todos in www.dgsi.pt.

E porque, tal como vem configurada, a questão suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo pelo acórdão de 02/05/2012, no processo n.º 234/12, subscrito pelo presente relator, passaremos a acompanhar a argumentação jurídica aí aduzida, por economia de meios, e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8. ° n.° 3 do CC).
Escreveu-se naquele aresto:

«A cobrança da derrama está prevista no art. 14º (Este normativo foi recentemente alterado pela da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), cujo art° 57° deu nova redacção do seu n.º 8. Porém, como abaixo se verá, entende-se que esta alteração não é aplicável ao caso subjudice, por se tratar de norma inovadora. ), nº 1 da Lei 2/2007, de 15 de Janeiro.

Dispõe o referido normativo que os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

A questão controversa nos presentes autos refere-se à base de incidência da derrama municipal quando seja aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

E isto porque no âmbito do REGTS dispõe o art° 64°, n°1 do CIRC, redacção em vigor à data dos factos (art° 70°, nº 1 da actual redacção) que o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

Ora existência da derrama está condicionada à existência do imposto principal (IRC). Trata-se assim de um impostos acessório que acresce ao imposto principal, de cuja existência prévia depende (cf. neste sentido Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª edição, pag. 55, e ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.10.2001, recurso 025203 e de 23.09.1992, recurso 014380, in www.dgsi.pt).
É da sua natureza de imposto acessório que decorre a forma de cálculo da derrama.
Assim os impostos acessórios ou são calculados sobre a colecta do imposto principal (os chamados adicionais) ou então calculam-se sobre a matéria colectável (designados por adicionamentos cfr. ob. cit., pág. 55).

No caso do novo regime do art° 14° da Lei das Finanças Locais a derrama passou a incidir, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas deixando de incidir sobre a colecta, ou seja deixou de ser um adicional ao IRC para passar a ser um adicionamento (Ver neste sentido Rui Duarte Morais, Passado, Presente e Futuro da Derrama, revista Fiscalidade, nº 38, pags. 109 e segs., e Sérgio Vasques, o Sistema de tributação Local e a Derrama, Fiscalidade, pag. 121. ).
Mas não perdeu, por isso, a característica de imposto acessório, na medida em que carece de autonomia e depende do imposto principal - cf. Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, Teoria Geral, 3ª edição, págs. 64 e 65.

Assim mantendo a derrama contornos de imposto acessório do IRC, e não resultando da Lei das Finanças Locais (na redacção então em vigor) regras específicas de apuramento da respectiva base de incidência nos casos de aplicação do RGTDS, haverá que seguir para o respectivo cálculo as regras do imposto principal (IRC).

Também neste sentido se vem pronunciando, de forma unânime, este Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos acórdãos 909/10 de 02.02.2011 e 309/11 de 22.06.2011, cuja jurisprudência, aliás, sufragamos (…).

Como se disse neste último aresto, «não obstante a autonomização acima assinalada em relação à incidência, à colecta e à taxa do IRC, a derrama continua, todavia, a depender do regime do IRC em todos os outros campos que definem a sua relação jurídica tributária.
Com efeito, além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria colectável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, para elencar apenas aquelas em que tradicionalmente se analisa a relação jurídica tributária.

Ora, como sustenta Manuel Anselmo Torres, a propósito da relevância dos prejuízos fiscais na matéria colectável da derrama, in Fiscalidade n.° 38, a fls. 159, a única via para integrar essas lacunas consiste em aplicar à derrama o regime previsto para o IRC.
Na verdade, como refere o autor citado, só o CIRC nos permite concluir, por exemplo, que a derrama deve ser objecto de autoliquidação e paga até ao fim do 5.º mês seguinte ao fim do período de tributação.

E o mesmo deverá, quanto a nós, suceder no caso de grupos de sociedades. Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.º a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a impugnante, ora recorrida, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo.
E, assim determinado o lucro tributável para efeito de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama.

Tal entendimento, sufragado na decisão recorrida, é o que melhor se harmoniza com os preceitos legais aplicáveis e em nada desvirtua os fins que a LFL pretende alcançar ou ofende qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente os mencionados pela recorrente na conclusão 9 das suas alegações.»

Acresce dizer, como ficou sublinhado por este Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 5/7/2012, recurso 265/12, que o “ (...) o regime de RETGS assenta numa lógica de tributação agregada segundo a qual o grupo societário é tributado, para efeitos de IRC, pelo seu resultado agregado, como se de uma só entidade se tratasse. Não havendo regras específicas de apuramento da base de incidência da derrama, ao remeter-se para a base de incidência do IRC, tem que se aceitar necessariamente a base de incidência prevista para quem é tributado segundo o RETSG, sob pena de se criar uma excepção não prevista na lei à lógica da tributação agregada em que assenta esse regime.

O argumento segundo o qual as sociedades que compõem o grupo apresentam declarações individuais, as quais deveriam servir de base de incidência da derrama, não tem qualquer apoio na letra do nº 1 do artigo 14º, porque os lucros individuais constantes dessas declarações não têm efeitos de liquidação do imposto, apenas servem para efeitos de controle do lucro tributável consolidado que foi apurado e comunicada pela sociedade dominante do grupo fiscal.

É que a opção pelo RETGS traduz-se precisamente na determinação do lucro tributável do grupo com base na soma algébrica dos lucros e prejuízos fiscais apurados na declaração periódica de cada uma das sociedades que o integram, opção esta que se funda no princípio da capacidade contributiva, ao fazer prevalecer a capacidade do grupo sobre a capacidade contributiva individual das empresas que o integram. Ora, se a base de incidência da derrama tivesse por referência o lucro de cada uma das sociedades que o integram, seria atingido o princípio da capacidade contributiva do grupo, um dos fundamentos do RETGS”.
Em face do exposto forçoso será concluir que nos casos em que esteja em causa a aplicação do RTGS a base de incidência da derrama para os efeitos do artigo 14. ° nº 1 da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro (redacção então em vigor), será o lucro resultante da soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais (resultado agregado), uma vez que apenas este se encontra sujeito a IRC (artº 64º, nº 1 do CIRC).

A sentença recorrida, que assim decidiu, merece, pois, ser nesta parte confirmada.

6.2 Da não aplicação ao caso subjudice da nova redacção do n.º 8 do art.º 14.°, da Lei das Finanças Locais.

É certo que o artº 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) alterou a redacção do n.º 8 do art.° 14., da Lei das Finanças Locais, passando esta norma a prever que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC”.
Trata-se, porém de norma claramente inovadora que não se aplica ao caso subjudice em que está em causa o exercício de 2007.

Só se a lei fosse interpretativa é que aplicaria a factos passados. E se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa.

Mas não o fez, nem se surpreende no texto da Lei do Orçamento de 2012 ou no referido nº 8º do artº 14 da Lei das Finanças Locais qualquer referência ao carácter interpretativo da norma ou a qualquer controvérsia gerada pela solução de direito anterior.

Trata-se certamente de opção legislativa diversa, quiçá motivada pela necessidade de arrecadar receitas imposta pela conjuntura económica, dado que a interpretação possível da norma na sua redacção anterior, acolhida pela jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal Administrativo, tinha como consequência uma poupança fiscal significativa para os grupos de sociedades em que co-existissem sociedades com lucro tributável e sociedades com prejuízo fiscal.

Ora, como refere Batista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, pág. 247)”... para que a lei nova possa ser interpretativa, de sua natureza, é preciso que haja matéria para interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial que lhe havia de há muito sido atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante epacífico, a lei nova que venha resolver o respectivo problema jurídico, em termos diferentes, deve ser considerada uma lei inovadora”.
Neste contexto, sendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo pacífica, em sentido aliás inverso ao consagrado na lei nova, haveremos de concluir que não estamos perante um lei interpretativa mas sim perante uma lei inovadora, portanto, com aplicação apenas para o futuro — artº. 12º do Código Civil”.

5.2. No caso dos autos, estamos perante IRC do exercício de 2009, sendo vigente, portanto, o artº 14º da Lei nº 2/2007 na redacção anterior à alteração operada pela Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro.

Assim sendo, a doutrina do acórdão transcrito é totalmente transponível para o caso dos autos, não existindo motivo para se adotar solução jurídica distinta.

Pelo exposto, o recurso procede.

5.3. Vejamos agora se se justifica a condenação da FP como litigante de má fé.

O artº 104º, nº 1 da LGT, dispõe o seguinte:

“1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.

Ora, no caso dos autos, não ocorrem os pressupostos enunciados nesta norma para a condenação da FP como litigantes.

Mas, ainda que se entenda, tal como se fez entre outros, no Acórdão deste STA, de 31.01.2008 - Processo nº 01442/03, que a condenação por má fé pode ter lugar desde que se verifiquem os respectivos requisitos – previstos no CPC -, parece que, no caso concreto, tal condenação não poderá ter lugar, já que não pode ser considerada atuação de má fé a simples defesa de uma posição jurídica, ainda que contrária a jurisprudência uniforme e dominante.

6. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida com a consequente procedência da impugnação judicial.

Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão LopesDulce Neto.