Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0239/19.5BESNT
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS MORATÓRIOS
CONTAGEM
Sumário:I - Para sindicar a legalidade da liquidação dos juros moratórios, designadamente em face da nova redacção dada ao n.º 2 do art. 44.º da LGT pela Lei n.º 63-B/2011, de 30 de Dezembro (LOE para 2012) e que entrou em vigor entre as datas da constituição em mora e do pagamento, é imprescindível saber por que períodos foram contados os juros.
II - Se a sentença não fixou esse facto e não é manifesta a ausência de polémica a esse respeito, antes pelo contrário, impõe-se ao tribunal ad quem anular a sentença recorrida e ordenar a pertinente ampliação da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P24746
Nº do Documento:SA2201907030239/19
Data de Entrada:06/11/2019
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 239/19.5BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (adiante Recorrente ou Executada) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a reclamação por ela deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 1 quanto à liquidação dos juros moratórios, efectuada nos termos do art. 44.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT).

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. A sentença recorrida padece de erros de julgamento ao ter decidido pela legalidade da liquidação de juros moratórios efectuada à ora Recorrente em sede de execução fiscal.

B. No caso está em causa uma liquidação de juros de mora que começaram a contar em inícios de 2008 (e cujo prazo de contagem terminou, portanto, em inícios de 2011 face ao artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na redacção em vigor à data) mas que foram contados ininterruptamente até inícios de 2019, data em que a ora Recorrente efectuou o pagamento da quantia exequenda (imposto e juros).

C. No que concerne à aplicação no tempo da versão actual do artigo 44.º, nº 2, da LGT (que estabelece que «Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida»), a mesma não pode abranger, sob pena de retroactividade, aqueles casos – como é o caso sub judice – em que já decorreu integralmente o prazo máximo de três anos para cobrança de juros previsto na versão anterior da mesma norma.

D. Isto significa que o artigo 151.º, n.º 2, da Lei n.º 64-B/2011, deve ser objecto de uma interpretação conforme à Constituição, tendo em conta a proibição de aplicação retroactiva da lei fiscal, prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição e no artigo 12.º da LGT. Neste contexto, quando na citada disposição se estabelece que a nova redacção do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, tem aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor, tal norma não pode deixar de ser entendida restritivamente como reportando-se à aplicação imediata a todos os processos de execução fiscal pendentes em que não tenha ainda decorrido integralmente o prazo máximo de cobrança de juros de mora previsto na redacção anterior do mesmo artigo 44.º. n.º 2.

E. A questão da aplicação no tempo da alteração do artigo 44.º, n.º 2, da LGT introduzida pela Lei n.º 64-B/2011 deve ser encarada como um problema de aplicação de uma lei que vem suprimir um prazo.

F. Este problema é resolvido pelas regras do artigo 297.º do Código Civil aplicável por remissão do artigo 2.º da LGT.

G. Consequentemente, uma vez que no caso sub judice o prazo de três anos para cobrança de juros moratórios já havia decorrido à data da entrada em vigor da lei nova, esta não é aplicável, sendo-o apenas a todos aqueles casos em que o referido prazo não houvesse ainda decorrido a tal data.

H. É esta a única solução que se afigura correcta para o problema que nos ocupa e que respeita a confiança depositada pelo contribuinte na versão do artigo 44.º, n.º 2, da LGT em vigor no momento em que se iniciou e completou o prazo de três anos nele previsto e que é perfeitamente compaginável com as normas de direito transitório introduzido no artigo 151.º da Lei n.º 64-B/2011, como acima se deixou demonstrado.

I. O entendimento do Tribunal a quo segundo o qual estamos perante uma situação de retroactividade inautêntica não merecedora de tutela por os juros de mora configurarem um facto tributário de formação sucessiva também padece de erro.

J. Com efeito, a seguir-se este entendimento a contagem dos juros sempre teria, no caso concreto, que ter sido interrompida entre 17 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011, por aplicação do artigo 12.º, n.º 2, da LGT, o que não sucedeu.

K. Acresce que este entendimento do Tribunal recorrido deixa por tutelar a confiança depositada pelos contribuintes nos efeitos do decurso do prazo de três anos previsto na lei, prazo este que se verificou na sua plenitude ao abrigo da lei antiga.

L. E não serve invocar as dificuldades em torno da implementação do Programa de Assistência Económica e Financeira, iniciado em 2011, considerando que, em tal contexto, a alteração produzida na ordem jurídica pela nova redacção do artigo 44.º, n.º 2, da LGT não se traduziu numa alteração de expectativas dos contribuintes, tanto mais que, à data, «inexistia qualquer garantia de imutabilidade da legislação fiscal ou tão-pouco uma ideia de continuidade com as normas fiscais vigentes enunciadas pelo Estado» (cf. pág. 13 da sentença).

M. Com efeito, esta afirmação é directamente infirmada, quer pelo princípio da protecção da confiança legítima, quer pela introdução da proibição da retroactividade da lei fiscal, introduzida pela Revisão Constitucional de 1997.

N. Neste ponto não se põe em causa que a tutela da confiança deva ceder em todos aqueles casos em que o prazo máximo de cobrança de juros moratórios não tivesse decorrido integralmente à data da entrada em vigor da nova versão do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, que suprimiu tal prazo.

O. Simplesmente, os casos em que o referido prazo já tivesse decorrido integralmente não podem ser tratados da mesma forma, sob pena de a palavra do legislador não ter, afinal, qualquer valor, nem envolver qualquer garantia para os contribuintes,

P. Acresce que a sentença recorrida faz tábua rasa da norma transitória do n.º 4 do artigo 151.º da Lei n.º 64-B/2011.

Q. Se tivesse aplicado a referida norma a solução só poderia ser uma, a saber, a interrupção, no caso dos autos, da contagem de juros de mora entre 17 de Janeiro de 2011 (dia seguinte ao final do período de três anos de cálculo dos juros mora) e 31 de Dezembro de 2011, o que não sucedeu.

R. Qualquer interpretação e aplicação da norma do artigo 151.º, n.º 4, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em conjugação com o artigo 44.º, n.º 2, da LGT, no sentido de que a aplicação de juros moratórios às dívidas tributárias sem limite de prazo pode incidir sobre o período anterior ao da entrada em vigor da lei nova é inconstitucional por violação do princípio da tutela da confiança e da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrados nos artigos 2.º e 103.º, n.º 3, da Constituição.

S. Como resulta do acima exposto, a sentença recorrida violou o artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na versão aplicável, constante da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, ao não considerar o prazo de três anos como o limite máximo dentro do qual podiam ser cobrados juros de mora pelas dívidas tributárias, em obediência aos critérios decorrentes do disposto nos artigos 296.º e 297.º do Código Civil.

T. E violou também o disposto no artigo 12.º, n.º 2, da LGT, ao aplicar a versão actualmente em vigor do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, a momentos anteriores ao da sua entrada em vigor, isto é, no período compreendido entre 17 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011.

U. Bem como violou o disposto no artigo 151.º, n.º 4, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ao não aplicar a disposição transitória dele constante ao caso dos autos, de que resultaria a interrupção da contagem de juros moratórios no período compreendido entre 17 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011.

V. Por último, a sentença recorrida interpretou e aplicou o artigo 44.º, n.º 2, da LGT, no sentido de o mesmo ser aplicável às situações em que o prazo máximo de 3 anos de contagem de juros de mora já se encontra ultrapassado, o que implica uma clara violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal, consagrados nos artigos 2.º e 103.º, n.º 3, da Constituição.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.a por certo suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida e, em conformidade, integralmente anulada, ou se assim não se entender, ser a liquidação de juros de mora em causa parcialmente anulada, o que se requer a título subsidiário, com as legais consequências».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida no segmento em que considerou legal a liquidação dos juros moratórios no período compreendido entre 17 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011, com a seguinte fundamentação:

«O artigo 149.º da Lei 64-B/2011, de 30/12 veio dar nova redacção, designadamente ao n.º 2 do artigo 44.º da LGT, estatuindo que os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.
Até lá o prazo máximo de contagem dos juros de mora era de 3 anos, salvo nos casos de pagamento da dívida em prestações, em que os juros eram contados até ao termo do prazo do respectivo pagamento, sem exceder 8 anos.
A nova redacção do artigo 44.º/2 da LGT tem aplicação imediata a todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da citada Lei (artigo 151.º/2 da citada Lei do OE 2012).
Os juros devidos ao abrigo do artigo 44.º/2/3 da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da lei, ou seja, 01/01/2012 (artigo 151.º/4 da mesma Lei).
No caso em análise o PEF estava pendente à data de 01/01/2012, data em que já havia decorrido o período máximo de contagem dos juros de mora, de três anos, contagem essa que teve início em 17/01/2008.
A questão controvertida traduz-se em saber se a nova regra de contagem dos juros até à data do pagamento da dívida se aplica à situação em análise.
Parece que as já referidas disposições temporárias determinam a aplicação do novo regime de contagem dos juros aos processos de execução fiscal pendentes em 01/01/2012 e a partir desta data, quer nos casos em que já tenha decorrido o prazo máximo de contagem dos juros de mora, ao abrigo da anterior redacção do artigo 44.º/2 da LGT, quer nos casos em que tal não tenha acontecido.
Mas será que tal aplicação, aos casos em que já tenha decorrido o prazo máximo de contagem dos juros de mora ao abrigo da anterior redacção do artigo 44.º/2 viola os princípios constitucionais da irretroactividade da lei fiscal e da tutela da confiança e segurança jurídica (artigos 103.º/3 e 2.º da CRP e 12, º da LGT), como sustenta a recorrente?
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 12.º/1 da LGT “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.
“Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor” (artigo 12.º/2 da LGT).
O artigo 12.º da LGT vai de encontro ao princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º da CRP.
É possível distinguir três graus de retroactividade.
- Retroactividade de 1.º grau, em que “o facto verificou-se por inteiro ao abrigo da lei antiga, tendo já produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa lei. A lei nova pretende retirar dos mesmos factos efeitos jurídicos distintos”.
Trata-se de uma retroactividade patente;
- Retroactividade de 2.º grau, em que “o facto também se verificou ao abrigo da lei antiga, aproximando-se por isso da retroactividade de 1.º grau. Mas desta se distingue porque os seus efeitos não se esgotaram por inteiro à sombra da lei velha, antes continuam a produzir-se no domínio temporal da aplicação da lei nova”.
O que tem relevância para determinar a norma temporalmente aplicável é o momento da ocorrência do facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada.
- Retroactividade de 3.º grau, em que “por o facto não se ter verificado por inteiro à sombra da lei antiga, antes se prolongar na sua produção concreta no domínio temporal da lei nova. A situação é particularmente relevante no campo dos impostos periódicos que pressupõem uma acção continuada ao longo do período a que respeitam” (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, página 192).
Sustenta o referido autor que a retroactividade de 3.º grau não consubstancia uma verdadeira retroactividade, devendo dividir-se os rendimentos, proporcionalmente ao tempo – «pro rata termporis», posição que parece partilhar o normativo do n.º 2 do artigo 12.º da LGT (LGT, anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, página 130, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa).
Ora, no caso em análise não estamos perante uma retroactividade autêntica, única que a CRP proíbe, pois que o novo regime de contagem dos juros de mora, que tem por suporte o decurso do tempo sem que o tributo seja pago, apenas se aplica ao período que decorre a partir da entrada em vigor da nova lei.
E, salvo melhor juízo, não se diga, como faz a recorrente, que a questão da aplicação no tempo da alteração do artigo 44.º/2 da LGT, operada pela Lei 64-B/2011, deve ser encarada como um problema de aplicação de uma lei que vem suprimir um prazo, pelo que problema deve ser resolvido pelas regras do artigo 297.º do CC, pelo que a nova lei apenas será aplicável apenas nos casos em que não haja já decorrido o prazo máximo de contagem de juros de mora, ao abrigo da anterior redacção da norma do artigo 44.º/2 da LGT.
De facto, como se depreende da epígrafe do artigo 297.º do CC «alteração de prazos», as regras desse artigo aplicam-se directamente apenas às leis que alteram prazos, quando é o mesmo prazo que, iniciado numa lei, não se completou até à publicação de uma nova lei.
Também, ressalvado melhor juízo, a aplicação do novo regime de contagem dos juros de mora, a partir de 01/01/2012, não ofende o princípio da tutela da confiança (que constitui vertente material do princípio da segurança jurídica).
Na verdade, a alteração do regime de contagem dos juros de mora produziu efeitos a partir a partir da entrada em vigor da Lei 64-B/2011, de 30/12 (LOE 2012), ou seja, 01/01/2012, sendo certo que os contribuintes poderiam, sempre, optar por efectuar o pagamento voluntário da dívida em cobrança coerciva e evitar, a qualquer momento, a contagem, sem limite de tempo, dos juros de mora.
Afigura-se, assim que o sindicado acto de contagem dos juros de mora após 01/01/2012 tem apoio legal.
Todavia, como resulta do probatório e dos autos, o OEF procedeu à contagem de juros de mora, no período anterior a 01/01/2012 entre 17/01/2008, dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário do tributo exequendo, até 31/12/2011.
Ora, ao abrigo da norma do artigo 44.º/2 da LGT, vigente nesse período de tempo, o prazo máximo de contagem de juros de mora era de 3 anos, pelo que a contagem de juros de mora teria de ser interrompida entre 17/01/2011 e 31/12/2011.
A contagem de juros de mora no período entre 17/01/2011 e 31/12/2011 consubstancia, a nosso ver, uma ilegal aplicação retroactiva da norma do artigo 44.º/2 da LGT na redacção introduzida pelo artigo 149.º da Lei 64-B/2011, de 30/12.
Aliás, a própria AT, através do Ofício-Circulado N.º 60.086, de 05/03/2012, da DSGCT veio determinar aos serviços que “Nos processos de execução fiscal pendentes em que, até à data de 31/12/2011, já tenha decorrido o prazo máximo de 3 anos ou outro prazo máximo legalmente previsto, ao montante de juros apurado até àquela data (com a consideração do limite máximo então em vigor) acrescerão juros de mora, contados desde 01/01/2012 (data da entrada em vigor das alterações da LOE) até à data de pagamento”.
Também, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em LGT, anotada e comentado, 4.ª edição 2012, páginas 353/ 354, sustentam idêntica posição ao referir que “…a nova redacção do n.º 2 do art. 44.º da LGT tem aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes em 1-1-2012, mas o novo regime só se aplica ao período decorrido a partir desta data. Isto é, os juros de mora máximos para os processos de execução fiscal serão de três ou oito anos (conforme não haja ou haja pagamento de prestações) mais os correspondentes ao período que decorrer a partir de 1-1-2012”».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou provados os seguintes factos:

«a) Foram emitidas a liquidação de IRC n.º 2007 8310018985 relativa a 2003, no valor de € 28.555,68, e as liquidações n.º 2007 00002033545 de juros de mora, no valor de € 1.238,79, e n.º 2007 00002033544 de juros compensatórios, no valor de € 3.911,72, das quais resultou um valor a pagar de € 33.706,20 (provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial);

b) Os valores identificados na alínea anterior deviam ter sido pagos até ao dia 16 de Janeiro de 2008 (provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial);

c) No dia 7 de Março de 2008, foi extraída a certidão de dívida n.º 2008/127538, para cobrança coerciva dos valores identificados na alínea a) (provado por documento, a fls. 3 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

d) Na sequência da certidão de dívida identificada na alínea anterior, foram autuados, no dia 6 de Fevereiro de 2008, os autos de execução fiscal n.º 3654200801011065 (provado por documento, a fls. 2 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

e) Em Fevereiro de 2008, deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios n.º 2007 8310018985 relativa ao exercício de 2003 (provado por documento, a fls. 6 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

f) Em data que não se consegue precisar, mas que deverá ter sido entre 20 de Fevereiro de 2008 e 3 de Março de 2008, a Reclamante, a sociedade «A………, S.A.», apresentou requerimento, no processo de execução fiscal n.º 3654 200801011065, pedindo a suspensão dos referidos autos, por se encontrar pendente impugnação judicial em que se discutia a legalidade da liquidação cuja dívida se encontrava em cobrança coerciva, e a notificação do montante da garantia a prestar (provado por documento, a fls. 4 a 6 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

g) Através do ofício n.º 1699, de 11 de Março de 2008, a Reclamante foi notificada para apresentar garantia no valor de € 43.704,33 (provado por documento, a fls. 9 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

h) No dia 26 de Março de 2008, a sociedade «B……… – Companhia de Seguros, S.A.» emitiu a «Declaração de Seguro de Caução n.º 2008030003 – apólice CA30003415», declarando que celebrou um seguro do ramo cauções, titulado pela apólice n.º CA30003415, a favor do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, sendo este seguro-caução, no valor de € 43.704,33, destinado a caucionar o integral pagamento da quantia exequenda no processo de execução fiscal n.º 3654 200801011065, instaurado contra a Reclamante (provado pelo documento n.º 3 junto à petição inicial);

i) Através de carta datada de 28 de Março de 2008 e dirigida ao Serviço de Finanças de Oeiras 2, a Reclamante apresentou requerimento, através do qual solicita a junção do seguro-caução identificado na alínea anterior (provado por documento, a fls. 10 a 14 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

j) No dia 4 de Fevereiro de 2019, foi emitido, no processo de execução fiscal n.º 3654200801011065 o documento único de cobrança n.º 19102136547921410003847, no qual se pode ler o seguinte:
QUANTIA EXEQUENDA
Per. Trib.
(…)
Tributo
Designação
Valor
2003-01-01
2003-12-31
(…)
IRC
I/C/T/O-CJM
28.555,68
2003-01-01
2003-12-31
(…)
IRC
JUR C-C/Jmo
3.911,73
2003-01-01
2003-12-31
(…)
IRC
J.MORA LIQ.
1.238,79
TOTAL: 33.706,20
ACRESCIDOS
Designação
Valor
11-J.MORA CAL.
23.401,09
17-S.PREST/TER
9,60
35-T.JUST.ACR.
558,65
19-Des.P/F/D/C
11,73
TOTAL: 23.981,07

(provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial e por documento, a fls. 24 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894);

k) No dia 21 de Fevereiro de 2019, foi paga a quantia de € 57.687,27, no processo de execução fiscal n.º 3654200801011065, tendo este processo sido extinto (provado por documento, a fls. 24 do processo administrativo tributário incorporado no SITAF com o registo n.º 006018894)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão que ora cumpre apreciar é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento ao considerar que o órgão da execução fiscal andou bem ao liquidar juros moratórios sobre a dívida tributária exequenda por todo o período decorrido desde o momento da constituição em mora (Nos termos do n.º 1 do art. 44.º da LGT, «São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal».) até ao pagamento da dívida exequenda, em face da alteração introduzida pelo art. 149.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), no n.º 2 do art. 44.º da LGT. É que enquanto a redacção anterior do preceito, dizia «O prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos, salvo nos casos em que a dívida tributária seja paga em prestações, caso em que os juros de mora são contados até ao termo do prazo do respectivo pagamento, sem exceder oito anos» (Referimo-nos à redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que, por sua vez, alterou a redacção inicial do preceito («O prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos, salvo nos casos em que a dívida tributária seja paga em prestações, caso em que os juros de mora são contados até ao termo do prazo do respectivo pagamento, sem exceder cinco anos»), mantida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que alterou a redacção do artigo.), a nova redacção passou a dizer «Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida».
Assim, porque a ora Recorrente se constituiu em mora no dia 17 de Janeiro de 2008 (dia seguinte ao do termo do prazo para pagamento, cfr. art. 41.º, n.º 1, da LGT e art. 86.º, n.º 1, do CPPT) e apenas pagou a dívida em 21 de Fevereiro de 2019 [cfr., respectivamente, as alíneas b) e k) dos factos provados], a questão coloca-se em face da referida alteração legislativa, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012, nos termos do art. 215.º da Lei n.º 64-B/2011, e em face das regras de direito transitório fixadas nos n.ºs 2 e 4 do art. 151.º da mesma Lei, que dispõem, respectivamente: «A nova redacção do n.º 2 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da presente lei» e «Os juros devidos, ao abrigo da nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 44.º da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei».
Tendo presente o descrito quadro legal, a questão do período pelo qual podem ser liquidados juros de mora pode equacionar-se nos seguintes termos: os juros de mora a liquidar são relativos a todo o tempo compreendido entre a data em que a devedora (ora Recorrente) se constituiu em mora (dia 17 de Janeiro de 2008) e a data em que efectuou o pagamento (21 de Fevereiro de 2019), como decidiu a sentença? Ou são apenas respeitantes aos três primeiros anos após a constituição em mora (entre o dia 17 de Janeiro de 2008 e 17 de Janeiro de 2011), como sustenta a Recorrente? Ou são os desses três primeiros anos e os que se venceram após 1 de Janeiro de 2012, data em que entrou em vigor a nova redacção do n.º 2 do art. 44.º da LGT (ou seja interrompendo-se a sua contagem no período compreendido entre 17 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2011), como também sustenta a Recorrente a título subsidiário e entendeu o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal? Ou os juros de mora deveriam ter sido liquidados noutros termos?
A sentença, após uma aprofundada reflexão sobre a natureza dos juros indemnizatórios, sobre a retroactividade da lei fiscal e os termos da sua admissibilidade em face do n.º 3 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e em face da jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre a teleologia da alteração legislativa operada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, no n.º 2 do art. 44.º da LGT e sobre as normas de direito transitório constantes do art. 151.º daquela Lei, concluiu, em síntese da sua autoria: «[…] face a tudo o acima exposto verificando-se que o processo de execução fiscal do qual resulta o acto ora reclamado se encontrava pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 64 B/2011, de 30 de Dezembro, conclui-se que era aplicável o regime previsto no n.º 2 do art. 44.º da LGT, com a redacção dada pelo art. 149.º daquela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro. Isto é, não é aplicável o limite de 3 anos de contagem de juros de mora previsto na redacção originária do n.º 2 do art. 44.º da LGT. O que leva à conclusão de que inexiste a ilegalidade suscitada pelo Reclamante decorrente da violação do n.º 2 do art.º 44. da LGT.
Acresce que, não se estando perante uma situação de retroactividade autêntica e, em consequência, não sendo aplicável a proibição da retroactividade da lei fiscal, verifica-se ainda que as alterações efectuadas ao n.º 2 do art. 44 º da LGT não são susceptíveis de afectar os princípios da segurança jurídica e tutela da confiança. Em consequência, conclui-se também que inexiste a que inexiste a suscitada inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 44.º da LGT, na redacção dada pelo art. 149.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, quando interpretada no sentido de ser aplicável às situações em que o prazo máximo de 3 anos de contagem dos juros de mora já se encontrava ultrapassado, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal e dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança».
Considerou ainda a sentença, quanto à invocada violação da norma transitória prevista no n.º 4 do art. 151.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, por a contagem de juros de mora não ter sido interrompida entre 17 de Janeiro de 2011 (data em que se completaram os primeiros três anos de mora) e 31 de Dezembro de 2011 (último dia da vigência da anterior redacção do n.º 2 do art. 44.º da LGT):
«No que releva para o caso em apreço, a taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades pública, remetendo, por isso, para o regime do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (n.º 3 do art. 44.º da LGT).
A respeito desta matéria, concordamos com o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, de acordo com o qual «deverá fazer-se aplicação da mesma regra do n.º 2 do art. 12.º da LGT, calculando os juros compensatórios, no caso de não ser a mesma a taxa legal durante todo o período de contagem, com base nas várias taxas de juros legais que vigorarem durante esse período, aplicando cada uma delas relativamente ao período da sua vigência» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, Vol. I, p. 705, anotação 7 ao art. 86.º; e, do mesmo Autor, «Juros nas Relações Tributárias», in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Diogo Leite de Campos e outros, Vislis Editores, pp. 183).
No mesmo sentido, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 033/13, no qual, citando o acórdão de 19 de Dezembro de 2001, proferido no processo n.º 026608, se pode ler que «“A contagem desses juros, cuja taxa é igual à dos juros compensatórios (art. 43º, nº 4 da LGT), bem como dos juros moratórios, deve ser feita tendo em conta as taxas que sucessivamente vigoraram, desde a data do pagamento indevido do tributo, dado que estas exprimem a medida legal considerada idónea para a mensuração do dano respeitante a uma obrigação pecuniária. Depois, ainda porque essa é a solução que decorre da regra do art. 12.º, n.º 2, da LGT, relativo à aplicação das leis no tempo”» (destaques não incluídos no texto original)».
Por seu turno, a Recorrente mantém a sua tese e sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento
i) ao não considerar o limite máximo de 3 anos imposto na contagem dos juros moratórios pelo n.º 2 do art. 44.º da LGT, na versão da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que considera ser a aplicável, atento o disposto nos arts. 296.º e 297.º do Código Civil (CC);
ii) ao desrespeitar o disposto no art. 12.º, n.º 2, da LGT, mediante a aplicação do n.º 2 do art. 44.º da LGT, na versão da Lei n.º 64-B/2011, de 20 de Abril, a período anterior ao da sua entrada em vigor, qual seja o período compreendido entre 17 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011;
iii) ao não aplicar a norma de direito transitório prevista no n.º 4 do art. 151.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, de que resultaria que não se contassem juros de mora entre 17 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011;
iv) ao aplicar a nova redacção do n.º 2 do art. 44.º da LGT às situações em que, à data da sua entrada em vigor, já tinham decorrido 3 anos de contagem de juros de mora, o que constitui uma violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal, consagrados nos arts. 2.º e 103.º, n.º 3, da CRP.
O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, entendendo que nada obsta a que seja aplicada no caso sub judice a redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011 ao n.º 2 do art. 44.º da LGT ao processo de execução fiscal, porque este ainda estava pendente na data do início da vigência daquela nova redacção (cfr. art. 151.º da referida Lei), sustenta, no entanto, que – como a AT reconhece nas instruções que divulgou através do Ofício-Circulado n.º 60.008, de 5 de Março de 2012 –, há que considerar o limite máximo de três anos, porque já decorrido. Acompanha, portanto, a Recorrente, na parte em que esta defende a suspensão da contagem dos juros no período entre 17 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2011.
Sumariadas as posições em confronto e enunciada a questão, cumpriria apreciá-la e decidi-la.
Antes, contudo, há que verificar se a factualidade que foi dada como assente permite, ou não, decidir a questão.

2.2.2 A FACTUALIDADE PERTINENTE PARA AFERIR A LEGALIDADE DA CONTAGEM DOS JUROS DE MORA, TENDO EM CONTA A ALTERAÇÃO DO N.º 2 DO ART 44.º DA LGT PELA LEI N.º 64-B/2011, DE 30 DE DEZEMBRO

A ora Recorrente constituiu-se em mora no dia 17 de Janeiro de 2008, dia seguinte ao do termo do prazo para pagamento voluntário [cfr. alínea b) dos factos provados], sendo devidos juros moratórios com início nesse dia, nos termos do disposto no art. 44.º, n.º 1, da LGT, do art. 86.º, n.º 1, do CPPT, do art. 1.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (() ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/73/1999/03/16/p/dre/pt/html.), e do art. 22, n.º 1, alínea a), do Regime da Tesouraria do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 191/99, de 5 de Junho (ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/191/1999/06/05/p/dre/pt/html.); efectuou o pagamento voluntário da dívida, no âmbito da execução fiscal, em 21 de Fevereiro de 2019, sendo que o Serviço de Finanças de Oeiras 2 lhe liquidou juros moratórios, sendo em torno dessa liquidação que surge a controvérsia ora a dirimir.
Assim, porque o processo tem por objecto a apreciação da legalidade da liquidação dos juros de mora, impõe-se, antes do mais, saber como os mesmos foram calculados e, a esse propósito, a sentença nada disse. Vejamos:
A Recorrente afirma que «[n]o caso está em causa uma liquidação de juros de mora que começaram a contar em inícios de 2008 (e cujo prazo de contagem terminou, portanto, em inícios de 2011 face ao artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na redacção em vigor à data) mas que foram contados ininterruptamente até inícios de 2019, data em que a ora Recorrente efectuou o pagamento da quantia exequenda (imposto e juros)». Ou seja, a Recorrente parece considerar que os juros de mora cuja liquidação discute foram contados, sem qualquer limitação, desde a data em que se constituiu em mora até à data em que efectuou o pagamento.
A sentença parece ter entendido que assim foi, mas não fixou – como lhe competia (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT) – a factualidade pertinente, ou seja, os concretos períodos relativamente aos quais foram contados os juros moratórios. É certo que, nos factos dados como provados, remeteu para o DUC emitido pelo órgão da execução fiscal a pedido da Executada, documento do qual consta o montante dos juros de mora liquidados. Mas, desse documento não consta o modo como os mesmos foram calculados, designadamente, no que ora nos interessa, os períodos por que foram contados.
É certo também que, lida a sentença, parece poder retirar-se do seu discurso que aceitou a tese da ora Recorrente, de que os juros terão sido liquidados ininterruptamente desde a data em que a ora Recorrente se constituiu em mora até à data em que procedeu ao pagamento. Mas, a verdade é que não estabeleceu os períodos por que foram contados os juros de mora cuja liquidação foi atacada pela ora Recorrente: se foi esse ou se foi outro qualquer.
Ora, não é seguro que os juros tenham sido contabilizados pelo órgão da execução fiscal desde a constituição em mora até ao pagamento e, muito menos, que inexista controvérsia a esse propósito. Na verdade, compulsados os autos, da informação prestada pelo órgão da execução fiscal (cfr. fls. 39/40 do processo físico) consta que, relativamente ao período anterior à entrada em vigor da redacção dada ao n.º 2 do art. 44.º da LGT pela Lei n.º 63-B/2011, de 30 de Dezembro, os juros foram liquidados com respeito pelo limite de 3 anos imposto pela redacção do preceito legal então em vigor e com as instruções administrativas constantes do acima referido Ofício-Circulado n.º 60.086, de 5 de Março de 2012, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (Ofício disponível em http://www.taxfile.pt/file_bank/news1012_2_1.pdf e que veio determinar aos serviços: «Nos processos de execução fiscal pendentes em que, até à data de 31/12/2011, já tenha decorrido o prazo máximo de 3 anos ou outro prazo máximo legalmente previsto, ao montante de juros apurado até àquela data (com a consideração do limite máximo então em vigor) acrescerão juros de mora, contados desde 01/01/2012 (data da entrada em vigor das alterações da LOE) até à data de pagamento». ); ou seja, que, relativamente ao período em causa, apenas foram considerados os juros moratórios respeitantes ao período de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro de 2011, i.e., aos últimos três anos, como o impunham o art. 44.º, n.º 2, na redacção anterior à da Lei n.º 63-B/2011, de 30 de Dezembro, e o art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.
A ser assim – como parece ter sido e urge apurar (em sede do presente recurso este Supremo Tribunal não tem poderes em matéria de facto, apenas verificando se no caso a matéria de facto provada permite ou não sindicar o julgamento da matéria de facto efectuado em 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT) –, parte da argumentação aduzida na reclamação judicial e na sentença que a decidiu deixará de fazer sentido, porque suportada em pressupostos fácticos não correspondentes à realidade.
Seja como for, impõe-se que se estabeleça precisamente quais os períodos por que foram contados os juros moratórios em causa.
Em conformidade, anular-se-á a sentença recorrida, a fim de que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, após apurar e estabelecer a referida factualidade, profira nova sentença, tudo em conformidade com o disposto no art. 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Para sindicar a legalidade da liquidação dos juros moratórios, designadamente em face da nova redacção dada ao n.º 2 do art. 44.º da LGT pela Lei n.º 63-B/2011, de 30 de Dezembro (LOE para 2012) e que entrou em vigor entre as datas da constituição em mora e do pagamento, é imprescindível saber por que períodos foram contados os juros.
II - Se a sentença não fixou esse facto e não é manifesta a ausência de polémica a esse respeito, antes pelo contrário, impõe-se ao tribunal ad quem anular a sentença recorrida e ordenar a pertinente ampliação da matéria de facto.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em anular a sentença e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fim de aí, depois de ampliada a matéria de facto nos termos indicados, ser proferida nova sentença.

Custas pela Recorrida [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], que não paga taxa de justiça porque não contra-alegou o recurso.


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Lisboa, 3 de Julho de 2019. – Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.