Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0892/09
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:ACTO DE LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
NULIDADE
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Anulado o acto de segunda avaliação do prédio, é nulo, ex vi da alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo, o acto subsequente de liquidação de Contribuição Autárquica incidente sobre aquele prédio.
II - O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, à semelhança do que sucedia com o previsto no artigo 24.º do Código de Processo Tributário, pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, que não se deve ter por verificado se a declaração de nulidade do acto de liquidação for motivada exclusivamente pelo facto de a liquidação ser um acto consequente do acto anulado por falta de fundamentação.
Nº Convencional:JSTA00066152
Nº do Documento:SA2200912020892
Data de Entrada:09/22/2009
Recorrente:FAZENDA PUBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2009/01/29 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIB AUTÁRQUICA.
DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:LGT98 ART43.
CPPTRIB99 ART61.
CPA91 ART133 N2 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC369/09 DE 2009/09/09.; AC STA PROC5557/-A DE 1999/05/05.; AC STA PROC772/04 DE 2004/11/17.; AC STA PROC822/09 DE 2009/11/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA JUROS NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 1999 PAG159-162.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 29 de Janeiro de 2009, na parte em que a condena ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, para o que apresentou as conclusões seguintes:
I – O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra a liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1998, no segmento que condena a Fazenda Nacional no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante.
II – Fundamentação da sentença recorrida (síntese): Na esteira do entendimento jurisprudencial transcrito [Ac. de 11/10/2007, no recurso nº 796/05] outra conclusão não se alcança que não seja a de considerar procedente o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante.
III – No tocante à questão dos juros indemnizatórios, temos a mais recente jurisprudência – Acórdãos do STA proferidos em 01/10/2008 e 29/10/2008 nos processos 0244/08 e 0622/08 respectivamente – tem-se pronunciado no sentido de esse pedido não poder proceder quando a anulação do acto de liquidação impugnado se fundamenta num vício de forma por falta de fundamentação.
IV – Ora no caso dos autos, e tal decorre expressamente do Ac. proferido pelo TCA Sul em 27/05/2008 – cfr. certidão de fls. 262 a 294; que a sentença recorrida foi revogada e anulado o acto tributário aí impugnado: a segunda avaliação do edifício do B…, por vício de falta de fundamentação.
V – Na medida em que o acto de avaliação de imóvel é um acto prejudicial do acto de liquidação de CA, pois este tem de se conformar com aquele, a anulação do acto de 2.ª avaliação, como acto prejudicial, acarreta a invalidade do acto de liquidação de CA consequente;
VI – Conclui-se que o acto impugnado, a liquidação de CA do ano de 1998, também padece desse mesmo vício de falta de fundamentação.
VII – A douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, na condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, revela-se desconforme com a mais recente jurisprudência, supra citada.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão condenatória da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios
FUNDAMENTAÇÃO
1. A tese da recorrente exprime o entendimento de que não são devidos juros indemnizatórios, por inexistência de erro imputável aos serviços, quando o acto de liquidação foi anulado com exclusivo fundamento em vício de forma (“in casu” falta de fundamentação do acto de avaliação do imóvel objecto das liquidações de Contribuição Autárquica; cf. acórdão TCA Sul 27.05.2008 certidão fls. 269/294).
Esta tese, merecendo o sufrágio do Ministério Público, alinha com jurisprudência consistente do STA-Secção de Contencioso Tributário (acórdãos 5.05.1999 processo nº 5557-A; 17.11.2004 processo nº 772/04; 1.10.2008 processo nº 244/08; 29.10.2008 processo nº 622/08), cuja argumentação se pode condensar nos tópicos seguintes:
- a utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” inculca a intenção do legislador de eleger como fundamento dos juros indemnizatórios apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (art. 43º nº 1 LGT)
- a ocorrência de vício de forma “per si”, significando a violação de uma norma reguladora da actividade da administração tributária, nada revela sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária, face às normas fiscais substantivas aplicáveis
- a anulação do acto tributário com exclusivo fundamento em vício de forma, permitindo a sua eventual renovação com idêntico conteúdo, não implica lesão de um direito ou interesse patrimonial do sujeito passivo que mereça reparação por virtude da atribuição de juros indemnizatórios
2. A circunstância de o vício de forma inquinar o acto preliminar destacável de avaliação do imóvel é irrelevante porque:
a) a invalidade do acto antecedente (avaliação) determina a invalidade do acto consequente (liquidação) (art. 133º nº2 al. i) CPA
b) a invalidade do acto consequente (liquidação) exclusivamente fundada na invalidade do acto antecedente não configura a existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação que confira ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios (art. 43º nº 1 LGT; acórdão STA 5.05.1999 processo nº 5557-A)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, anulada a liquidação de contribuição autárquica impugnada em consequência da anulação, por falta de fundamentação, da avaliação do imóvel ao qual o imposto respeita, o contribuinte que tiver pago o imposto impugnado tem direito a juros indemnizatórios, ex vi do artigo 24.º do Código de Processo Tributário e 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
a) Em 4 de Janeiro de 1996, a ora Impugnante, A..., S.A., requereu ao Chefe do 1.º Serviço de Finanças de Cascais a 2.ª avaliação do prédio urbano denominado B…, sito nos limites de …, Estrada Nacional n.º 9, freguesia de Alcabideche, município de Cascais – Cfr. documento a fls. 183 e segs.;
b) Em 17 de Julho de 1996 foi lavrado termo de avaliação, referente ao prédio urbano referido em a), do qual consta o seguinte: “(…) A Comissão decidiu por maioria, baseando-se nos seguintes valores de referência relativos à área do total do terreno e à área de construção:
74.571 m2 de construção x 120.000$00 = 9.948.520.000$00
159.160 m2 de terreno x 2.000$00 = 318.320.000$00
9.266.840.000$00
(nove milhões, duzentos e sessenta e seis mil, oitocentos e quarenta milhões de escudos), valor este para o valor total do imóvel (…).” – Cfr. documento a fls. 207 e 208;
d) (sic) Em 1 de Agosto de 1996 a administração do Condomínio do prédio urbano designado B… foi notificada do resultado da 2.ª avaliação, por ofício datado de 31 de Julho de 1996 – Cfr. documentos a fls. 215 e 216;)
e) Em 29 de Outubro de 1996 deu entrada, na 1.ª Repartição de Finanças de Cascais Impugnação judicial referente ao acto de 2.ª avaliação a que respeita a alínea c) – cfr. documentos a fls. 248 a 254 dos autos;
f) A Impugnação Judicial referida na alínea antecedente foi distribuída no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, 5º juízo, 1ª Secção com o nº 325/02 – Cfr. ofício a fls. 247;
g) Em 27 de Maio de 2008 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em sede de recurso jurisdicional no âmbito do processo de Impugnação Judicial referido na alínea antecedente, o qual decidiu revogar a sentença recorrida e anular o acto tributário impugnado – Cfr. certidão de fls. 262 a 294;
h) O Acórdão do TCAS referido em g), que antecede, transitou em julgado em 12 de Junho de 2008 – Cfr. certidão de fls. 262;
i) Em 29 de Abril de 1999 a impugnante foi notificada da nota de cobrança 98/500210160/1503/11/X referente à liquidação da Contribuição Autárquica do ano de 1998 da fracção U – 10904-A, na qual consta o valor tributável total de 3.058.057.200$00 e a colecta de 30.580.572$00 – Cfr. documento 1 junto com a p.i., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) Em 15 de Julho de 1999 deu entrada a presente Impugnação Judicial – Cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 2.
6 – Apreciando.
6.1 Do vício do acto de liquidação decorrente da anulação, por vício de forma, do acto prejudicial de segunda avaliação do imóvel
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrente, declarando nulo o acto de liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1998 impugnado e condenando a Fazenda Nacional no pagamento à Impugnante de juros indemnizatórios (cfr. o segmento decisório da sentença recorrida, a fls. 311 dos autos).
Fundamentou o decidido no que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de Outubro de 2007, proferido no recurso nº 796/05, que transcreve e cujo sentido diz sufragar na integra, aresto este em que se sustenta que «(…) da declaração de ilegalidade emerge que o acto impugnado foi praticado por erro de direito imputável à entidade liquidadora e que do mesmo resultou pagamento de dívida tributária indevido, pelo que a impugnante, ora Recorrida, tem direito aos juros indemnizatórios pretendidos, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT (…)» (cfr. a fundamentação da sentença recorrida, a fls. 309 a 311 dos autos).
Alega a recorrente Fazenda Pública contra o decidido, no que aos juros indemnizatórios respeita, que a sentença recorrida revela-se desconforme com a mais recente jurisprudência deste Tribunal, pois que no tocante à questão dos juros indemnizatórios, (…) a mais recente jurisprudência – Acórdãos do STA proferidos em 01/10/2008 e 29/10/2008 nos processos 0244/08 e 0622/08 respectivamentetem-se pronunciado no sentido de esse pedido não poder proceder quando a anulação do acto de liquidação impugnado se fundamenta num vício de forma por falta de fundamentação e, no caso dos autos, o acto impugnado, a liquidação de CA do ano de 1998, também padece desse mesmo vício de falta de fundamentação pois que, como decorre expressamente do Ac. proferido pelo TCA Sul em 27/05/2008 (…) o acto tributário aí impugnado: a segunda avaliação do edifício do B…, (foi anulado) por vício de falta de fundamentação e na medida em que o acto de avaliação de imóvel é um acto prejudicial do acto de liquidação de CA, pois este tem de se conformar com aquele, a anulação do acto de 2.ª avaliação, como acto prejudicial, acarreta a invalidade do acto de liquidação de CA consequente (cfr. as conclusões das alegações de recurso a fls. 326 dos autos e supra transcritas).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, aderindo no essencial à tese da recorrente.
Vejamos.
Não merece censura a sentença recorrida quando qualifica de nulo o acto impugnado e declara a respectiva nulidade. É efectivamente este o vício que inquina o acto de liquidação impugnado, porque acto consequente de acto administrativo anteriormente anulado (cfr. a alínea i), do n.º 2, do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo - CPA), no caso o acto de segunda avaliação do imóvel.
Mas o mesmo não se diga já da decisão tomada quanto a serem devidos juros indemnizatórios numa situação, como a dos autos, em que o acto de liquidação é nulo em consequência da anulação, por vício de falta de fundamentação, do acto de segunda avaliação do imóvel.
Questão semelhante a esta foi objecto do Acórdão deste Tribunal de 5 de Maio de 1999 (rec. n.º 5557-A), onde se decidiu que o direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 24.º do CPT pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, e que não se deve ter por verificado, ao contrário do decidido, se a declaração de nulidade do acto de liquidação for motivada exclusivamente pelo facto de a liquidação ser um acto consequente do acto anulado por falta de fundamentação.
No mesmo sentido, os recentes Acórdãos deste Tribunal de 4 de Novembro de 2009 (rec. n.º 665/09) e de 12 de Novembro de 2009 (rec. n.º 822/09) a propósito do direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
As razões deste entendimento estão bem sintetizadas pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e encontram-se desenvolvidas no primeiro dos citados Acórdãos e em muitos outros depois deste que reproduzem aquela fundamentação (cfr. a título de exemplo, para além dos citados já citados, dos citados no parecer do Ministério Público e no da Fazenda Pública, os Acórdãos deste Tribunal de 25 de Junho de 2009, rec. n.º 346/09, de 9 de Setembro de 2009, rec. n.º 369/09 e de 4 de Novembro de 2009, rec. n.º 665/09; vide, também, JORGE LOPES DE SOUSA, «Juros nas Relações Tributárias», in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, Vislis, 1999, em especial pp. 159/162), à qual se adere, em cumprimento no disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.
No caso dos autos, a procedência da impugnação deduzida contra a liquidação questionada, resulta tão-só da verificação da nulidade do acto de liquidação em consequência da anulação do acto de segunda avaliação do imóvel, resultado este ope legis.
O direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 24.º do CPT e no n.º 1 do artigo 43.º da LGT – único fundamento eventualmente aplicável, pois que a situação dos autos não se reconduz a nenhum dos outros casos em que tais juros são devidos ex vi do n.º 3 do artigo 43.º da LGT -, pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, e que não se deve ter por verificado, ao contrário do decidido, se a declaração de nulidade do acto de liquidação for motivada exclusivamente pelo facto de a liquidação ser um acto consequente do acto anulado por falta de fundamentação (cfr. o Acórdão deste Tribunal de 5 de Maio de 1999, rec. 5557-A).
É que, como tem sido afirmado por este Tribunal, o facto de o n.º 1 do artigo 43.º da LGT utilizar a expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade”, para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação (…) sendo de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios (cfr., entre outros, o Acórdão de 9 de Setembro de 2009, rec. 369/09).
Assim sendo, há que reconhecer razão à recorrente quanto ao carácter indevido dos juros indemnizatórios, e bem assim que a sentença recorrida, aderindo a uma orientação diversa da hoje consolidada na jurisprudência deste Tribunal, não pode manter-se na parte em que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de tais juros.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, que não são devidos.
Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância e na parte em que decaiu, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. - Isabel Marques da Silva – (relatora) - Lúcio Barbosa - António Calhau.