Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01670/12.2BEBRG 0798/17
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IRS
LOCAÇÃO FINANCEIRA
ARRENDAMENTO
SUBLOCAÇÃO
Sumário:«I - Aquele que ocupa a posição de locatário no âmbito de um contrato de locação financeira de um imóvel e (devidamente autorizado pelo locador) dá este imóvel de arrendamento, no apuramento dos rendimentos prediais (categoria F) para efeitos de tributação em IRS, não pode deduzir às rendas que aufere enquanto senhorio as rendas que paga enquanto locatário financeiro, dedução que apenas seria possível se os referidos contratos tivessem sido celebrados em desenvolvimento de uma actividade económica e, por isso, os respectivos rendimentos fossem subsumíveis à categoria B.
II - Não pode invocar-se a favor da pretendida dedução o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, pois, sendo certo que este artigo consagra para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em IRS um conceito de renda mais lato do que o previsto na lei civil, aquela regra visa exclusivamente sujeitar a imposto os rendimentos auferidos pelo arrendatário quando dá o imóvel de subarrendamento por uma renda superior à por ele paga ao senhorio.
III - No âmbito do contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de Outubro, o locatário financeiro não constitui um arrendatário, nem paga renda a um senhorio e, sendo certo que, desde que autorizado pelo locador [alínea g) do n.º 1 do art. 10.º do referido diploma legal], pode dar de arrendamento o imóvel objecto do contrato de locação financeira, esse contrato de arrendamento não pode ser visto como uma sublocação, quer em face do art. 1086.º do CC, quer em termos conceptuais.
IV - Seja como for, para efeitos da tributação em IRS, o locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária surge numa posição de “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume, posição bem distinta da do arrendatário no âmbito de um contrato de arrendamento, motivo por que, contrariamente ao que sucede com este último, se dá o prédio em arrendamento não tem o direito a que as rendas auferidas no âmbito deste contrato sejam sujeitas a tributação somente quanto ao rendimento resultante da diferença entre o que pagou no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária e o que auferiu enquanto locador do mesmo imóvel.»
Nº Convencional:JSTA00071218
Nº do Documento:SA22021071301670/12
Data de Entrada:06/28/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 08.º, n.º 2, al. c), do CIRS
art. 10.º, n.º 1, al. g), do DL n.º 149/95, de 24/06
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1- Relatório
1.1. A…………, identificado nos autos, recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial dirigida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com referência ao ano de 2008, deduzida na sequência do indeferimento do pedido de revisão nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).

1.2. O Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«A) Nos casos de sublocação pelo locatário financeiro de imóvel objecto de locação financeira, o rendimento sujeito a IRS pelo locatário é constituído pela diferença entre a renda recebida do sublocatário e a paga ao locador financeiro, nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 8.º do Código do IRS
B) A douta sentença sob recurso, ao considerar que, nessas circunstâncias, é aplicável a al. a) do n.º 2 do mesmo art.º 8.º do CIRS, com a desconsideração das rendas pagas, julgando improcedente a impugnação, interpreta e aplica erradamente os invocados preceitos legais, com clara violação do princípio da capacidade contributiva, implicando a tributação do rendimento líquido.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA.»

1.3. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) não apresentou contra-alegações.

1.4. O Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
«II- A) Com relevância para a decisão da causa, mostram-se PROVADOS os seguintes factos:
1. No dia 01 de agosto de 2006 o Impugnante celebrou um contrato de locação financeira com o Banco ………, S.A. relativo à fração C do prédio inscrito na matriz urbana da Freguesia de Belinho do concelho de Esposende sob o artigo ………, com possibilidade de cedência da posição contratual a terceiros com autorização do locador.
2. Por contrato de 07 de agosto de 2006, o Impugnante, após autorização do locador, arrendou o referido imóvel à sociedade “B…………”, com o NIPC ………, mediante o pagamento de uma renda – cfr. fls. 28/30 do PA apenso aos autos;
3. Em 25 de Maio de 2009 o Impugnante apresentou declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2008, mencionando no anexo F, campo 601, rendas recebidas no montante de € 12.000,00, e no campo 602,rendas pagas no montante de € 8.875,21 – cfr. fls. 162 do PA;
4. O Impugnante foi objecto de uma fiscalização interna relativamente ao anos de 2008, no âmbito da qual foi elaborado projecto de decisão, onde se concluiu que:
“[...] o contrato celebrado entre os sujeitos passivos e a empresa acima indicada não se pode considerar como de sublocação, na acepção que lhe é dada pela alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, mas antes como um verdadeiro contrato de arrendamento, motivo pelo qual os sujeitos passivos não podem abater às rendas recebidas da sociedade o valor das rendas pagas à locatária” – cfr. fls. 35 do PA apenso aos autos.
5. O projecto de decisão foi convertido em decisão final, notificada ao Impugnante por ofício n.º 3001030, em 21.04.2010 – cfr. fls. 38/41 do PA apenso.
6. Na sequência da acção de fiscalização, foi emitida em 18.01.2011 a liquidação adicional nº 2011 5000015965 relativa ao exercício de 2008, no valor de € 3.347,05 – cfr. fls. 19 do suporte físico dos autos e fls. 177 do PA.
7. Em 12.09.2011, o impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa da referida liquidação, ao abrigo do artigo 78º da LGT – cfr. fls. 66 a 94 do PA.
8. Por despacho proferido em 02.08.2012, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa – cfr. fls. 198/199 do PA apenso.
*
II - B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.».

3. Fundamentação de Direito
Em 2006, o ora Recorrente celebrou um contrato de locação financeira, que tem por objeto um imóvel, e com a autorização da locadora, deu-o de arrendamento a uma sociedade.
Na declaração de rendimentos (IRS) relativa ao ano de 2008, no anexo F, fez constar as rendas que recebeu da sociedade inquilina (no campo 601), a que deduziu as rendas pagas à sociedade de locação financeira (no campo 602).
A AT, na sequência de uma ação de fiscalização interna, considerou que «o contrato celebrado entre os sujeitos passivos e a empresa acima indicada não se pode considerar como de sublocação, na acepção que lhe é dada pela alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, mas antes como um verdadeiro contrato de arrendamento, motivo pelo qual os sujeitos passivos não podem abater às rendas recebidas da sociedade o valor das rendas pagas à locatária».
Com base neste entendimento, a AT corrigiu o rendimento tributável declarado relativamente ao ano de 2008 e procedeu à respetiva liquidação adicional.
O ora Recorrente apresentou pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT, o qual foi indeferido.
Na sequência desse indeferimento, deduziu a presente impugnação judicial na qual sustenta a ilegalidade da liquidação adicional, por considerar que é aplicável o regime previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º do Código do IRS, nos termos do qual, para efeitos de sujeição a IRS, se consideram rendimentos prediais as rendas e são havidas como rendas, nomeadamente, «[a] diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio». E daí que, a seu ver, apenas deva ficar sujeita a tributação em IRS, como rendimento predial, a diferença entre as rendas que pagou à sociedade de locação financeira e as rendas que auferiu da sociedade a quem arrendou o imóvel.
O Tribunal a quo não acolheu este entendimento, seguindo o que havia sido decidido na sentença proferida pelo mesmo Tribunal, na impugnação judicial n.º 2084/10.4BEBRG, apresentada pela ora Recorrente, em que estavam em causa as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2006 e 2007, advindas de correções efetuadas pela AT com base nos mesmos fundamentos invocados para a liquidação em causa nos autos, e julgou a impugnação judicial improcedente.
Acontece que a sentença na qual se suportou o Tribunal a quo foi objeto de recurso para este Tribunal que, por acórdão de 22/11/2017 (recurso 0608/16), que lhe negou provimento.
No contexto que descrevemos, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, que determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, e porque se concorda com a fundamentação que o sustenta, adota-se a solução do acórdão deste Tribunal supra identificado, que se transcreve:
«…
O Impugnante recorre da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo. Continua a sustentar a tese de que à situação sub judice deve ser aplicado o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRC, no sentido de que apenas ficará sujeita a IRS, como rendimento predial, a diferença entre as rendas que, como senhorio, recebe da sociedade arrendatária, e as rendas que, como locatário financeiro, paga à sociedade locadora.
Assim, a questão que se coloca nos autos é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que, para efeitos da determinação dos rendimentos prediais sujeitos a IRS, o sujeito passivo não pode deduzir às rendas recebidas daquele a quem deu o prédio de arrendamento as rendas que paga a uma sociedade financeira com referência ao contrato de locação financeira que tem como objecto aquele mesmo prédio.

2.2.2 DA TRIBUTAÇÃO DAS RENDAS

As “rendas dos prédios rústicos, urbanos ou mistos pagas ou postas à disposição dos respectivos titulares” constituem a categoria F dos rendimentos sujeitos a IRS: rendimentos prediais (art. 8.º, n.º 1, do CIRS).
Da redacção do preceito resulta, desde logo, que apenas as rendas efectivas, pagas ou postas à disposição – e já não as imputadas (Ou seja, a que corresponde à utilidade retirada da utilização do prédio pelo próprio proprietário. Sobre a questão, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, págs. 341/343.) – dos respectivos titulares, pessoas singulares são objecto de tributação em IRS. E resulta também que o titular de tais rendas não é necessariamente o proprietário do prédio.
A definição de renda é a que consta do n.º 2 do art. 8.º do CIRS e que é distinta, por mais ampla (RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 3.ª edição, Almedina, 2014, pág. 111, explica que o conceito mais amplo de renda foi acolhido pelo n.º 2 do art. 8.º do CIRS, «por evidentes razões de prevenir formas de elisão fiscal, ou seja, a celebração de outros negócios de efeito económico equivalente não tipificados na lei».), da que resulta do direito civil (Explicando o porquê da necessidade da redefinição do conceito, em face da regra do art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, ob. cit., págs. 343/344.), nela se incluindo, no que ora nos importa considerar, a definição geral da alínea a) e uma regra própria quanto às rendas da sublocação, na alínea c). Dizem aquelas alíneas, respectivamente:
«2- São havidas como rendas:
a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;
[…]
c) A diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio; […]».
Como salienta JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, «[a] alínea a) contém o conceito básico: renda é a importância relativa à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência. Repare-se que a lei se refere à cedência do uso do prédio, sem curar de distinguir entre as diferentes causas da cedência. Na maioria dos casos, a causa será o contrato de arrendamento, mas a norma cobre, sem dúvida, outras situações jurídicas»; já a alínea c) «refere-se às rendas da sublocação, que só são tributáveis pela “diferença, auferida pelo sublocador, entre a renda recebida do subarrendatário e a paga ao senhorio”. O Código só quer pois tributar o sublocador quando este, através da sublocação, consegue uma renda superior à paga ao senhorio. E só o tributa pela diferença» (Ob. cit., págs. 344/345.).
A solução consagrada no Código relativamente às rendas auferidas pelo sublocador merece a crítica de JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, que considera que a mesma não faz sentido no actual regime de tributação dos rendimentos prediais – que apenas tributa rendimentos efectivos –, e que apenas encontra explicação no equívoco resultante da inércia do legislador, ao manter a solução que tinha lógica no sistema da contribuição predial, que assentava e se esgotava na tributação do valor locativo do imóvel, mas já a não tem no actual regime de tributação só de rendimentos efectivos (Ver págs. 345 a 348 da citada obra.) (Como é sabido, enquanto na vigência da Contribuição Predial os titulares de imóveis não arrendados eram tributados por um valor correspondente ao rendimento possível, correspondente ao valor da renda que poderia ser obtida em circunstâncias normais de mercado, na lógica do IRS apenas as rendas efectivamente recebidas são tributadas. Daí que os prédios não arrendados não sejam sujeitos a tributação em IRS. Note-se que, quando da introdução do IRS, foi criada a Contribuição Autárquica, a que sucedeu o IMI, tributos no âmbito dos quais é tributado o valor patrimonial dos prédios, independentemente de estarem arrendados ou não.).
A AT considera que as rendas recebidas pelo ora Recorrente da sociedade a quem arrendou o imóvel se subsumem à previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, motivo por que devem, na sua totalidade, ser consideradas como rendimentos prediais para efeitos de tributação em IRS.
O Recorrente continua a sustentar que, nos termos da alínea c) do mesmo n.º 2 do art. 8.º do CIRS, só estará sujeita a tributação como rendimento predial a diferença entre as rendas que recebeu no âmbito do contrato de arrendamento que celebrou, na condição de senhorio, e as rendas que pagou em sede do contrato de locação financeira, na condição de locatário financeiro.
Salvo o devido respeito, não tem razão, não se justificando a equiparação que, para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em sede de IRS, pretende efectuar entre o contrato de arrendamento e o contrato de locação financeira de um imóvel. Vejamos:
Foi ao abrigo de um contrato de locação financeira que o ora Recorrente adquiriu o gozo do imóvel que ulteriormente, devidamente autorizado pela sociedade de locação financeira, deu de arrendamento a uma outra sociedade.
Tenhamos presente que, em sede de contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, transfere-se para o locatário «o gozo do bem para os fins a que se destina» [cfr. art. 9.º, n.º 1, alínea b)], o que lhe possibilita, desde que autorizado pelo locador financeiro, dar o imóvel de arrendamento [cfr. art. 10.º, n.º 1, alínea g)].
Ou seja, a faculdade de o locatário financeiro dar em arrendamento o prédio objecto da locação financeira resulta, não só do princípio da liberdade contratual [cfr. art. 405.º do Código Civil (CC)], como a lei prevê expressamente tal possibilidade, ao estabelecer que é obrigação do locatário financeiro não proporcionar a outrem o gozo do bem por meio de sublocação, excepto se o locador financeiro o autorizar. Na verdade, no elenco que o legislador faz das obrigações do locatário financeiro fala expressamente em sublocação, dizendo o referido art. 10.º, n.º 1 alínea g), do Decreto-Lei n.º 149/95 que uma dessas obrigações é a de «[n]ão proporcionar a outrem o gozo total ou parcial do bem por meio da cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador a autorizar».
Apesar disso, afigura-se-nos que não é inequívoco que o contrato por que um locatário financeiro dá em locação o bem objecto da locação financeira, seja um contrato de sublocação, quer com o sentido em que a sublocação está prevista no art. 1060.º do CC, quer em termos conceptuais.
Na verdade, diz o art. 1060.º do CC que «[a] locação diz-se sublocação quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo».
Ora, como bem deixou dito a sentença, o contrato de locação financeira, definido pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, não é um mero contrato de locação, tal como o define o art. 1022.º do CC («Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição»), no âmbito do qual o locatário financeiro seja constituído na posição de locatário tout court, com o acervo de direitos e de obrigações decorrentes dos arts. 1031.º a 1037.º e dos arts. 1038.º a 1046.º do CC, respectivamente. Daí decorre que não é líquido que o contrato por que o locatário financeiro dá de arrendamento o prédio que lhe foi entregue no âmbito de um contrato de locação financeira seja uma sublocação (Não podemos deixar de notar, aliás, que os valores declarados pelo ora Recorrente, na tese da sublocação, não se mostrariam de acordo com a regra do art. 1062.º do CC.-) (Aliás, a entender-se que só há sublocação quando o contrato com base no qual é celebrado o contrato derivado seja uma locação, o contrato em causa nunca poderia ser considerado como sublocação; só a entender-se que é possível a sublocação sem ser com base num contrato de locação, poderia aceitar-se a tese do Recorrente.).
Seja como for, o contrato de locação financeira, definido no referido art. 1.º do diploma legal que o regula, como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados», apesar de conter em si mesmo alguns dos elementos típicos do contrato de locação, não se confunde com este, sendo que lhe “acrescem” outras características, que distinguem ambos os contratos: o objecto do contrato de locação financeira é adquirido ou construído por indicação do locatário; o locatário pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado; esse preço deve ser determinado no contrato ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
Por outro lado, no contrato de locação financeira há uma componente financeira, de financiamento da aquisição de bens, que constituem a sua razão de ser e que justificam que, como judiciosamente observou a sentença recorrida, citando CALVÃO DA SILVA, o locatário adquire a “leadership not ownership”, surgindo pois como adquirente, não ainda da propriedade em termos jurídicos, mas da propriedade em termos económicos ou substanciais (Cfr. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Almedina, 1999, pág. 29.). Daí que, como diz DIOGO LEITE DE CAMPOS, «[o] locatário, na locação financeira, procura obter, não o uso de um bem durante um período mais ou menos longo, mas obter o próprio bem durante a maior parte da sua vida útil ou durante a totalidade da sua vida útil. O utente vai obter todas as utilidades do bem correspondentes à sua vida útil; nesta medida está a adquirir o próprio bem. E, de qualquer modo, o contrato oferece a faculdade ao utente de aceder à propriedade do bem - faculdade que este exerce, normalmente» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, Locação Financeira (Leasing) e Locação, na Revista da Ordem dos Advogados, 2002, ano 62, volume III, disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2002/ano-62-vol-iii-dez-2002/artigos-doutrinais/diogo-leite-de-campos-locacao-financeira-leasing-e-locacao/.). Ou seja, em termos económicos e tendo em conta a natureza do contrato de locação financeira como modo de financiamento da aquisição de bens, o locatário financeiro, embora ainda não proprietário do bem locado, estatuto que assumirá caso venha a comprar o bem no termo do contrato e nos respectivos termos, assume contudo uma posição de “proprietário económico”.
Foi em face do reconhecimento dessa posição do locatário financeiro que a sentença, louvando-se também num acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão de 26 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 05713/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/bd08f7c4789fe21580257b2400419d81.), que citou, entendeu que «[o] locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária deve visualizar-se como “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume. Ora, face a este enquadramento, propende-se no sentido de que a renda paga por arrendatário do bem objecto do mencionado contrato e que foi dado de arrendamento pelo mesmo locatário, se repercute, em exclusivo, na esfera jurídica deste, na sobredita qualidade de autêntico “proprietário económico” do imóvel como componente da respectiva capacidade contributiva, assim se devendo enquadrar a examinada situação no art. 8.º, n.º 2, al. a), do C.I.R.S. Ao arrepio do que sucede no caso do subarrendamento em que o acréscimo de rendimento, nessa medida passível de I.R.S., de que goza o arrendatário é apenas o diferencial entre a renda que paga ao senhorio e proprietário do imóvel e aquela que recebe do subarrendatário e subsumível à dita alínea c) do n.º 2 do art. 8.º, do C.I.R.S.».
Na verdade, porque o locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária surge numa posição de “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume – posição bem distinta da do arrendatário no âmbito de um contrato de arrendamento –, se dá o prédio em arrendamento não tem, contrariamente ao que sucede com o arrendatário que subarrenda o imóvel, o direito de que as rendas auferidas no âmbito deste contrato sejam sujeitas a tributação somente quanto ao rendimento resultante da diferença entre o que pagou no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária e o que auferiu enquanto locador do mesmo imóvel. Isto, obviamente, para efeitos da tributação em IRS no âmbito da categoria F, ou seja, fora do âmbito do exercício de uma actividade profissional ou empresarial.
Afigura-se-nos pois que a sentença fez a melhor interpretação da lei, não sendo merecedora de reparo algum.».

Com arrimo nesta fundamentação, da qual resulta, ao contrário do defendido pelo Recorrente, não haver qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, resta negar provimento ao recurso, formulando-se iguais conclusões ao acórdão transcrito:
«I - Aquele que ocupa a posição de locatário no âmbito de um contrato de locação financeira de um imóvel e (devidamente autorizado pelo locador) dá este imóvel de arrendamento, no apuramento dos rendimentos prediais (categoria F) para efeitos de tributação em IRS, não pode deduzir às rendas que aufere enquanto senhorio as rendas que paga enquanto locatário financeiro, dedução que apenas seria possível se os referidos contratos tivessem sido celebrados em desenvolvimento de uma actividade económica e, por isso, os respectivos rendimentos fossem subsumíveis à categoria B.
II - Não pode invocar-se a favor da pretendida dedução o disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 8.º do CIRS, pois, sendo certo que este artigo consagra para efeitos de tributação dos rendimentos prediais em IRS um conceito de renda mais lato do que o previsto na lei civil, aquela regra visa exclusivamente sujeitar a imposto os rendimentos auferidos pelo arrendatário quando dá o imóvel de subarrendamento por uma renda superior à por ele paga ao senhorio.
III - No âmbito do contrato de locação financeira, regulado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de Outubro, o locatário financeiro não constitui um arrendatário, nem paga renda a um senhorio e, sendo certo que, desde que autorizado pelo locador [alínea g) do n.º 1 do art. 10.º do referido diploma legal], pode dar de arrendamento o imóvel objecto do contrato de locação financeira, esse contrato de arrendamento não pode ser visto como uma sublocação, quer em face do art. 1086.º do CC, quer em termos conceptuais.
IV - Seja como for, para efeitos da tributação em IRS, o locatário em sede de contrato de locação financeira imobiliária surge numa posição de “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume, posição bem distinta da do arrendatário no âmbito de um contrato de arrendamento, motivo por que, contrariamente ao que sucede com este último, se dá o prédio em arrendamento não tem o direito a que as rendas auferidas no âmbito deste contrato sejam sujeitas a tributação somente quanto ao rendimento resultante da diferença entre o que pagou no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária e o que auferiu enquanto locador do mesmo imóvel.»


4. Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 13 de julho de 2021
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora)
A Relatora atesta, nos termos do artigo15.º-A, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Joaquim Manuel Charneca Condesso e Paulo José Rodrigues Antunes.