Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01167/17.4BELRA 0185/18
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25535
Nº do Documento:SA22020020501167/17
Data de Entrada:02/21/2018
Recorrente:A............ E OUTRA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………… e B…………, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a acção de intimação para comportamento em matéria tributária por eles deduzida, ao abrigo do disposto no art.147° CPPT, contra a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira

Apresentam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) - Entendeu a Meritíssima Juíza do tribunal "a quo" que "a presente intimação não constitui o meio mais adequado para a tutela, plena, eficaz e efetiva dos direitos e interesses legítimos dos Requerentes", acrescentando, que "na realidade, o meio mais adequado para esse efeito é a ação administrativa para a condenação à prática de acto devido.".
B) - Assim, não é, porque sempre que estejamos perante uma situação em que a Administração, e no caso concreto a Autoridade Tributária, omita um dever, ou não pratique um ato a que está obrigada, para com os contribuintes, por via de uma imposição legal, podem os administrados (contribuintes) lançar mão do meio processual de intimação para um comportamento, previsto no artigo 147º do CPPT, com vista à tutela jurisdicional dos seus direitos e interesses legítimos.
C) - Desde que se encontrem preenchidos os requisitos contidos no normativo em causa, (artigo 147º do CPPT), tem este meio que ser considerado o próprio a acautelar os direitos dos contribuintes.
D) - No caso concreto, a AT omitiu um comportamento, ao não enquadrar os recorrentes no regime legal mais adequado para efeitos de IRS, sendo certo que compete à AT a obrigação legal de enquadrar os contribuintes no regime legal adequado à sua situação fiscal.
E) - E o não enquadramento adequado da declaração de rendimentos causa prejuízos imediatos aos recorrentes, na medida em que estes não vêm a sua situação fiscal regularizada, encontrando-se a declaração por validar e consequentemente por liquidar.
F) - Assim, a intimação para um comportamento é um meio processual a que o contribuinte pode recorrer para obrigar a administração tributária a dar efetivo e cabal cumprimento a um dever de prestação jurídica, ainda que se trate de um meio processual residual que entra em funcionamento quando mais nenhum outro existe que permita lograr o objetivo do contribuinte.
G) - Atendendo à sua subsidiariedade, a sua utilização fica reservada para as situações em que se verifica o incumprimento de deveres da administração tributária que decorram da lei ou de alguma norma.
H) - Os recorrentes não concordam que o meio mais adequado a satisfazer a pretensão seja a ação administrativa para a condenação à prática de ato devido, na medida em que o único meio capaz de acautelar de forma célere, plena e eficazmente a pretensão dos recorrentes é o processo de intimação para um comportamento.
I) - Desde logo, por se tratar de um meio processual simplificado, e como tal é o único que permite assegurar de forma muito mais rápida a efetivação dos direitos dos recorrentes.
J) - A norma contida no artigo 147° do CPPT, "é um dos corolários do princípio do direito à tutela judicial efectiva consagrado no artigo 268°, n.º 4 da CRP, estando ao dispor dos interessados, sempre que se verifique uma omissão do dever de «qualquer prestação jurídica» por parte da Administração".
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência considerar-se o processo de intimação para um comportamento o meio próprio para acautelar os direitos dos Recorrentes, pelo que deverá ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância, para apreciação da pretensão dos recorrentes, fazendo-se, assim, a Costumada Justiça»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a intimação para um comportamento não é o meio processual adequado à definição de direitos e interesses em matéria tributária, antes visando assegurar de forma rápida a efectivação de direitos cuja existência e titularidade no requerente são evidentes, o que não sucede no caso vertente, dado que a pretensão dos recorrentes de determinação do rendimento colectável com base na contabilidade não é pacífica, mas sim claramente antagónica do entendimento da administração tributária e do tribunal no sentido da aplicação do regime simplificado (sentença fls.62/64)
Mais se pronuncia pela impossibilidade de convolação da acção de intimação para comportamento em acção administrativa por ter decorrido o prazo de 3 meses contado a partir da data em que o sujeito passivo teve conhecimento do acto lesivo (arts.58° nº 1 al. b) e 59º nº 3 al. b) CPTA).

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. O Requerente esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada, para efeitos de IRS, desde 01 de Janeiro de 2001 a 31 de Dezembro de 2015 (cfr. print do sistema informático da administração tributária, de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. O Requerente esteve enquadrado no regime simplificado, para efeito de IRS, desde 01 de Janeiro de 2015 a 12 de Dezembro de 2016, data em que cessou a actividade (cfr. print do sistema informático da administração tributária, de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. No dia 30 de Maio de 2015, os Requerentes entregaram uma declaração Modelo n.º 3 de IRS, relativa ao ano de 2014 (cfr. declaração n.º 1392-J01714-93, de fls. 24 a 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Do Anexo C da declaração descrita no ponto antecedente consta, designadamente, que
“(…)
(…)” (cfr. declaração n.º 1392-J01714-93, de fls. 24 a 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No dia 06 de Setembro de 2016, o Requerente acedeu à informação disponível no portal das finanças sobre a declaração modelo n.º 3 de IRS, do ano de 2015, onde se pode ler, designadamente que “(…)



(…)” (cfr. print do portal das finanças, de fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e artigo n.º 15.º da petição inicial, admitido por acordo);

6. No dia 28 de Julho de 2017, os Requerentes intentaram a presente intimação junto deste Tribunal (cfr. data do registo no SITAF, de fls. 01 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Nada mais foi provado com relevância para a decisão da questão que ora se coloca.
Sem prejuízo, considera-se como não provado o seguinte facto:
1. Em 2001, o Requerente entregou a declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada.»

6. Do objecto do recurso
Da análise da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria exarada a fls. 59/66 e dos fundamentos invocados pelos Recorrentes para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a sentença impugnada ao julgar improcedente a acção de intimação para um comportamento, por não estarem reunidos os respectivos pressupostos, constantes do art. 147.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, e por não ser possível a sua convolação em acção administrativa de condenação à prática de acto de devido, por intempestividade da petição inicial.

A sentença recorrida, tendo em conta que a Fazenda Pública sustentava a inadequação do meio processual utilizado, começou por apreciar tal questão prévia.
Considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que «o direito invocado pelos Requerentes não deriva directamente da lei ou sequer da situação fáctica tal como foi apurada» e concluiu que «(…) a presente intimação não constitui o meio mais adequado para a tutela plena, eficaz, e efectiva dos direitos e interesses legítimos dos Requerentes, nos termos dos arts. 101.º, al. h), da LGT e 147.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT».
Mais se entendeu que «o meio mais adequado para esse efeito é a acção administrativa para a condenação à prática de acto devido, conforme vem previsto nos arts. 37.º, n.º 1, al. b), e 66.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do art. 97.º, n.º 2, do CPPT, desde logo, porque o pedido formulado pelos Requerentes é consentâneo com este meio processual e depois porque o mesmo comporta uma fase declarativa, que lhes permite apresentar todos os meios de prova que se afigurem necessários para demonstrar as suas alegações
Por fim entendeu-se não ser possível a sua convolação em acção administrativa de condenação à prática de acto de devido, por intempestividade da petição inicial.

Não conformados sustentam os recorrentes que desde que se encontrem preenchidos os requisitos contidos no normativo em causa, (artigo 147º do CPPT), tem este meio que ser considerado o próprio a acautelar os direitos dos contribuintes.
Mais alegam que a intimação para um comportamento é um meio processual a que o contribuinte pode recorrer para obrigar a administração tributária a dar efectivo e cabal cumprimento a um dever de prestação jurídica, ainda que se trate de um meio processual residual que entra em funcionamento quando mais nenhum outro existe que permita lograr o objetivo do contribuinte.
E que no caso concreto, a Administração Tributária omitiu um comportamento, ao não enquadrar os recorrentes no regime legal mais adequado para efeitos de IRS, sendo certo que compete à AT a obrigação legal de enquadrar os contribuintes no regime legal adequado à sua situação fiscal.

6.1 Apreciando e decidindo.
De acordo com o disposto no artº 147º do CPPT são requisitos cumulativos do meio processual de intimação para um comportamento os seguintes:
a) a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária (n.º 1);
b) que essa intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse, pressupondo aquela omissão a prévia definição da existência desse dever (n.º 2).
Como vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo a intimação para um comportamento, prevista no artigo 147.º do CPPT, visa reagir contra omissões ilegais do dever de prestações jurídicas lesivas de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária, o que pressupõe necessariamente, em face da inexistência de fase declarativa deste meio processual, a “evidência do direito” que se invoca como tendo sido lesado pela conduta omitida pela Administração tributária.
Assim, não sendo inequívoco que tenha havido ilegalidade, ou seja, faltando a “evidência do direito”, terá de entender-se que a intimação para um comportamento não é o meio processual adequado para satisfazer da pretensão do requerente, o que obstará à sua utilização, por força do disposto no n.º 2 do art. 147.º do CPPT – cf. Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 15-05-2013, recurso 0229/13 e de 02-10-2013, recurso 01114/13, in www.dgsi.pt.
No caso vertente o acto impugnado é configurado pela decisão da administração tributária que determinou a correcção da declaração de IRS submetida via internet, mediante substituição do anexo C (regime de contabilidade organizada) pelo anexo B (regime simplificado).
Sendo pretensão dos recorrentes que a Directora-Geral da Autoridade Tributária seja intimada a enquadrá-los no regime de contabilidade organizada, para efeitos de determinação dos rendimentos empresariais e comerciais, no exercício de 2015, e, bem assim, a ordenar a validação da declaração modelo n.º 3 de IRS, desse ano, de acordo com o referido regime, com a consequente emissão da correspondente nota de liquidação.
Ora esta pretensão dos recorrentes de determinação do rendimento colectável com base na contabilidade não é pacífica, mas controversa, e também claramente antagónica do entendimento da administração tributária e do tribunal no sentido da aplicação do regime simplificado (cf. sentença fls.62/64).
De facto mostram os autos que não ficou provado que os recorrentes tenham entregado, em 2001, uma declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada (cfr. probatório, ponto n.º 1 do elenco dos factos não provados) ou posteriormente qualquer declaração de alterações.
E resulta também dos autos que, no ano de 2014, ano imediatamente anterior ao do exercício em causa, os recorrentes não ultrapassaram o volume de negócios de € 200.000,00.
Foi com base em tais considerandos que a sentença recorrida considerou que, por força do disposto no art. 28.º, n.º 2, do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, obtidos em 2015, deveria ter sido efectuada a priori de acordo com as regras do regime simplificado.
Sendo certo que mesmo esta asserção é discutível, tendo em conta que na redacção do artº 28º do CIRS e vigor até 31.12.2014, o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes, simplificado ou de contabilidade organizada era de três anos, prorrogável por iguais períodos, salvo se o sujeito passivo comunicasse a sua alteração (nºs. 4 e 5), podendo entender-se que, estando a decorrer esse período mínimo, o sujeito passivo não tinha que efectuar qualquer declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada (Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de , recurso 1094/17.), também importará sublinhar que a redacção do nº 5 do referido normativo foi alterada na sequência da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, eliminando-se a exigência de um período mínimo de permanência de três anos em qualquer um dos regimes e fazendo depender a tributação pelo regime de contabilidade organizada da entrega de uma declaração de opção ou de uma declaração de alterações.
Ora tendo presente que a intimação para um comportamento, como processo simplificado, se destina a efectivar direitos cuja existência é clara e não a obter o reconhecimento de direitos cuja existência seja duvidosa, e considerando a situação fáctica tal como foi apurada, bem como a evolução legislativa referida, forçoso será concluir que andou bem o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ao julgar que o direito invocado pelos Recorrentes não deriva directamente da lei e que a presente intimação não constitui o meio mais adequado para a tutela plena, eficaz, e efectiva dos seus direitos e interesses legítimos, nos termos dos arts. 101.º, al. h), da LGT e 147.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT.

É certo que o acto impugnado, configurado pela decisão da administração tributária que determinou a correcção da declaração de IRS submetida via internet, mediante substituição do anexo C (regime de contabilidade organizada) pelo anexo B (regime simplificado), constitui um acto imediatamente lesivo, por conter, ainda que de forma implícita, a decisão de mudar o regime de tributação declarado e de dar sem efeito, nos termos da Portaria n.º 159/2003, de 18.02, a declaração apresentada, e por tal provocar efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte.

Por isso, configurando aquela decisão acto lesivo em matéria tributária, a acção administrativa (sucessora do recurso contencioso) seria o meio processual adequado à sua impugnação contenciosa (artº.95º, nº 2 al. h) LGT; art.97º nº 2 CPPT; art.191º CPTA, Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2014 processo n° 1752/13)
Porém importa sublinhar que no caso não ocorre também possibilidade de convolação para ao meio processual adequado, uma vez que, como bem se demonstra na decisão recorrida, a petição inicial, apresentada após o decurso do prazo de 3 meses contado a partir da data em que o sujeito passivo teve conhecimento do acto lesivo, era manifestamente intempestiva (arts.58º nº 1 al.) e 59º nº 3 al.) CPTA).

Improcedem, assim, todos os fundamentos do recurso.

7- Decisão
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020. – Pedro Delgado (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.