Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02428/07.6BELSB 0717/16
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31952
Nº do Documento:SAP2024022102428/07
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

[ tramo 1 ]

A..., S.A., …, neste processo de impugnação judicial, recorre do acórdão produzido, no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em 19 de fevereiro de 2015 (Ver, pág. 2154 segs. (SITAF).), apontando-lhe oposição, em parte, com o acórdão, do mesmo TCAS (secção de contencioso tributário), datado de 11 de julho de 2007, lavrado no processo n.º 1442/06.

*
Por despacho do Exmo. Desembargador-relator, foi concluído pela verificação de oposição entre as decisões colegiais envolvidas, pelo que, devia o recurso prosseguir.

*
A recorrente (rte) apresentou alegação, nos termos e para os efeitos do artigo (art.) 284.º n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (redação anterior à, presentemente, em vigor) que finaliza com as seguintes conclusões: «


a) Subjacente às decisões atinentes à dedutibilidade de custos relacionados com ‘Serviços Médicos’ do acórdão-recorrido e do acórdão-fundamento (acórdão do TCA Sul, de 11 de Julho de 2007, proferido no recurso 1442/06 e transitado em julgado) encontra-se exactamente a mesma situação de facto.
b) Com efeito:
(i) São exactamente as mesmas as partes no processo do acórdão-fundamento e no processo dos Autos, a saber a Recorrente e a Administração fiscal;
(ii) É o mesmo o tributo em causa, em concreto, o IRC;
(iii) Num e noutro caso a Recorrente suportou custos registados contabilisticamente numa rubrica denominada ‘Serviços Médicos’ e que se reportam a actos médicos praticados pela B... em benefício de trabalhadores do Grupo e subsídios por morte a que as sociedades do Grupo ‘A...’ estão legalmente obrigadas em resultado da aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
(iv) Em ambos os processos a Administração fiscal sustentou que aqueles custos somente poderiam ser deduzidos em parte, na medida em que a dedutibilidade estaria sujeita aos limites estabelecidos para as realizações de utilidade social.
c) Face à mesma matéria de facto e questão de direito, e não tendo havido alterações ao quadro legislativo relevante, foram emitidas, de forma expressa, decisões opostas.
d) No acórdão-recorrido concluiu-se - ser de manter o entendimento sustentado pela Administração fiscal no sentido de os custos com ‘Serviços Médicos’ incorridos durante o ano de 2002 pelo Grupo ‘A...’ deverem ser tidos como realizações de utilidade social, cuja dedutibilidade fiscal se encontra limitada pelo disposto no número do artigo 40.° do Código do IRC; enquanto que,
e) No acórdão-fundamento não houve dúvidas de que aqueles mesmos custos, suportados, desta feita, em 2000, não podem ser incluídos na categoria de realizações de utilidade social e, por isso, decidindo que a respectiva dedutibilidade se afere nos termos do artigo 23.°, n.° 1, do Código do IRC, sendo esta admitida sem restrições.
f) Por fim, considerando os contornos particulares da situação presente, não existe jurisprudência consolidada do STA no sentido da decisão constante do acórdão-recorrido.
Assentes estes pressupostos, avancemos.
g) A Recorrente não tem dúvidas de que a decisão plasmada no acórdão-fundamento é a única que se mostra correcta face a Lei.
h) Os serviços médicos prestados pela B... aos empregados do grupo que deles careçam e a necessidade de suportar os respectivos custos derivam de obrigações da empresa impostas por via de ACT quando ainda era uma empresa pública integralmente detida pelo Estado e que foram mantidas, por força da Lei, posteriormente.
i) Em concreto, tais despesas com actos médicos, incorridas quer em 2000, quer em 2002, e registadas do mesmo modo, são as detalhadamente previstas no Anexo VIII ao ACT de 2000, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.° 28, de 29/07/2000.
j) Por outro lado, as despesas com subsídios por morte vêm previstas no artigo 34.° do Anexo VII ao ACT de 2000, e foram suportadas tanto em 2000, como em 2002.
k) As aludidas despesas foram registadas pela Recorrente (e pelas sociedades que integram o respectivo Grupo de sociedades), quer em 2000, quer em 2002, na conta de ‘Serviços Médicos’.
l) O artigo 40.°, n.° 2, do Código do IRC, considera custos ou perdas do exercício - dentro dos limites ai previstos - as despesas suportadas pelo sujeito passivo de IRC com os seguintes encargos: (i) contratos de seguros de doença; (ii) contratos de seguros de acidentes pessoais; (iii) contratos de seguros de vida; (iv) contribuições para fundos de pensões e equiparáveis; (v) contribuições para quaisquer regimes complementares de segurança social que garantam, exclusivamente, (i) o benefício da reforma, pré-reforma, complemento de reforma, (ii) invalidez ou (iii) sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.
m) É manifesto que as despesas sub judice não são relativas a prémios de seguros pois não há a intervenção de nenhuma seguradora nem ocorreu a celebração de nenhum contrato de seguro ou outro de efeito económico equivalente.
n) As despesas incorridas com o pagamento dos actos médicos aos trabalhadores e reformados e do subsídio por morte aos herdeiros também não podem ser consideradas despesas com contribuições para fundos de pensões e equiparáveis pois não está em causa o pagamento de nenhuma prestação pecuniária mensal, não existe nenhum plano de pensões subjacente nem um qualquer fundo de pensões constituído para o efeito, mas sim e apenas obrigações decorrentes da Lei e de ACT.
o) Finalmente, também não podem as despesas em causa serem consideradas como contribuições para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, a reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência dos seus trabalhadores, uma vez que as despesas com actos médicos e os subsídios por morte não se encontram aí elencadas.
p) Em suma, os custos suportados pela Recorrente (e pelas empresas que integram o Grupo de que é a sociedade dominante), registados na conta de ‘Serviços Médicos’, não se enquadram no artigo 40.°, n.° 2, do Código do IRC.
q) Como acertadamente entendeu o TCA Sul no acórdão-fundamento, as despesas aqui em causa são custos - desde logo na medida em que são impostos a Recorrente pelo ACT -, que se mostram comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora e, como tal, enquadráveis no artigo 23.° do Código do IRC.
r) As entidades empregadoras devem obediência aos instrumentos de regulamentação colectiva que as vinculam, e o incumprimento das suas disposições gera responsabilidade contra-ordenacional, punível com o pagamento de coimas.
s) Como esclarece o Supremo Tribunal Administrativo: “À luz do vigente CIRC, pode desde logo afirmar-se que, a todas as luzes, constitui um custo indispensável o gasto que a própria lei imponha” (acórdão de 29 de Março de 2006, proferido no processo n.° 01236/05).
t) Esta é também a posição unânime na doutrina e coincide com a interpretação oficial que a própria Administração Tributária faz da lei fiscal relativamente a dedutibilidade de custos impostos por Convenção Colectiva de Trabalho, ainda que a mencionada interpretação sem refira a pensões de reforma (impostas pela Lei e por ACT) e não ao pagamento de actos médicos.
u) Não se trata, pois, de uma realização de utilidade social que a Recorrente altruisticamente dispõe em benefício dos seus trabalhadores e pensionistas, mas sim de um custo que está obrigada a suportar e cuja dedutibilidade, na falta de norma a recusá-la, não tem como não ser admitida.
v) Demonstrando-se que foi o acórdão-fundamento aquele que adoptou a decisão mais acertada face à melhor interpretação da Lei e dos princípios de direito, caberá, deste modo, revogar a decisão ínsita no acórdão-recorrido que se encontra em oposição com aquela, anulando-se, por violação do disposto no artigo 23.°, n.° 1, do Código do IRC, as correcções efectuadas ao exercício de 2002 e relativas as despesas com actos médicos e subsídios por morte mantidas pelo acórdão-recorrido e a liquidação de IRC e de juros compensatórios na parte em que as reflectiu.

IV. DO PEDIDO
Termos em que se requer a V. Excelências que, reconhecendo a oposição entre acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento, considerem o presente recurso procedente por provado, revogando-se o acórdão-recorrido com a consequente anulação do acto de liquidação de IRC e juros compensatórios de 2002 na parte que reflecte a correcção atinente aos ‘Serviços Médicos’, por vício de violação de Lei, tudo na senda da jurisprudência do acórdão-fundamento, e com os demais efeitos
legais.
Mais se requer, como já se tinha feito no requerimento de interposição do presente recurso por oposição de acórdãos, que seja a Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP, nos termos já decididos pelo TCA Sul no âmbito do recurso que aí correu termos. »

*

Não houve lugar a contra-alegação.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto, após vista, emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado findo, porque “falta um dos pressupostos, de verificação cumulativa, que permitam concluir pela existência de oposição de acórdãos”, concretamente, “a não existência de identidade da matéria de facto, objeto do acórdão recorrido e do acórdão fundamento”.

*******

[ tramo 2 ]

O acórdão recorrido laborou sobre a seguinte realidade de facto (Considerada a respetiva extensão integral, limitamo-nos a reproduzir a parte com interesse e relevante para os desígnios deste apelo.) «


A Sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade com relevo para a decisão:

1. A ora Impugnante é a “sociedade dominante” do grupo A..., do qual em 2002 faziam parte as sociedades “ C..., SA”, “D..., SA”, “A..., SA”, “E..., SGPS, SA”, F..., SA”, “G..., SA”, “H..., SA”, “I..., SA”, “J..., SA”, “K..., SA”, “L..., SA”, “B..., SA”, “M..., SA”, “N..., SA”, (…), “O... SA” (cf. declaração de opção, a fls. 69 a 70 dos autos e relatório da inspeção tributária, a fls. 81, 82 e 83 dos autos e 28, 29 e 30 do PAT).
2. O grupo A... iniciou em 1994 a apresentação de contas consolidadas para efeitos fiscais, tendo optado no exercício de 2001 pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante RETGS), instituído pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, no qual se mantinha no exercício de 2002 (cf. declaração de opção, a fls. 69 a 70 dos autos e relatório da inspeção tributária, a fls. 81 dos autos e 28 do PAT).
3. No exercício de 2002 a Impugnante participava em 100% do capital da A... Brasil, Lda. (cf. RIT a fls. 100 dos autos e 47 do PAT; e acordo art. 72 da PI).
4. No exercício de 2002 a Impugnante participava em 100% do capital da A... Brasil, SA (cf. RIU a fls. 100 dos autos e 47 do PAT; e acordo art. 72 da PI).
5. No exercício de 2002 a Impugnante participava em 100% do capital da P..., SA (cf. RIU a fls. 100 dos autos e 47 do PAT; e acordo art. 72 da PI).
6. Em 21 de Março de 2005 foi emitida pelos serviços da AT a “carta aviso” com a referência (?ilegível)897 dirigida a ora Impugnante dando-lhe conhecimento da iminência da deslocação a mesma de técnicos dos serviços de inspeção tributária para uma inspeção de carácter geral ao exercício de 2002 reportada à ordem de serviço ... (cf. cópia da carta avisto a fls. 810 e nota de diligencia a fls. 812, todas dos autos, documentos cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido).
7. A inspeção tributária determinada pela ordem de serviço ... teve início em 6 de Abril de 2005 e deu origem ao relatório de inspeção tributária datado de 29 de Agosto de 2005, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido, do qual resultaram correções à matéria tributável ao exercício de 2002 da ora Impugnante em sede de IRC no montante de EUR 2.831.029,11, assim como IRC em falta no montante de EUR 265.046,96 e IVA em falta no montante de EUR 9.701,41 (cf. nota de diligencia a fls. 812, dos autos, e RIT, a fls. 113 a 132 do PAT cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido).
8. Em 24 de Outubro de 2005 foi emitida pelos serviços da AT a “carta aviso” com a referência ...71 dirigida a ora Impugnante dando-lhe conhecimento da iminência
da deslocação à mesma de técnicos dos serviços de inspeção tributária para uma inspeção de carácter parcial ao IRC do exercício de 2002 na sequência da ordem de serviço ... (cf. cópia a fls. 811 dos autos, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido).
9. Foi efetuada uma inspeção tributária de caráter geral ao exercício de 2002 da “C..., SA”, determinada pela ordem de serviço ...95, com início em 23 de Junho de 2004 e conclusão em 2 de Novembro de 2004 (cf. nota de diligencia a fls. 813 dos autos, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido).
10. Foi efetuada uma inspeção tributária de caráter geral ao exercício de 2002 à “D..., SA”, determinada pela ordem de serviço ...94, com início em 6 de Outubro de 2004 e conclusão em 3 de Março de 2005, e que deu origem ao relatório de inspecção tributária n.° ...05 datado de 31 de Março de 2005, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido (cf. nota de diligência a fls. 814 dos autos, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido e relatório de inspeção tributária a fls. 142 a 172 do PAT).
11. Entre Novembro de 2005 e Abril de 2006 a ora Impugnante foi alvo de ação de inspeção tributária externa ao IRC do exercício de 2002 do grupo A..., em cumprimento da ordem de serviço n.° ... datada de 21/10/2005, referida no ponto 8 (cf. relatório de inspeção tributária, a fls. 80 dos autos, 27 do PAT e carta aviso n.° ...71 de 05/10/24 separador 37 do dossier 4).
12. A ação de inspeção tributária referida no ponto anterior teve em vista “verificar, relativamente ao exercício de 2002, o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto essencialmente nos arts 83.° a 65.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), por parte do grupo A..., nomeadamente no que concerne aos requisitos definidos no mencionado artigo 63.°, bem como às normas previstas no art. 7.° da Lei 30-G/2000 de 29 de Dezembro, que estabelece o regime transitório inerente à substituição do regime de tributação pelo lucro consolidado pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (ex art. 59.° do CIRC e actual art. 61° do mesmo código) e ainda ao entendimento expresso na Circular n.° 5 de 02/...02 da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), respeitante ao regime transitário em questão” (cf. relatório de inspeção tributária, a fls. 81 dos autos e 28 do PAT).
13. No âmbito da ação de inspeção referida no ponto 11, foram propostas correções de “natureza meramente aritmética” à matéria coletável de IRC do exercício de 2002 do grupo - Q..., SA, no montante de EUR 45.508.605,73 e apurado IRC em falta no montante de EUR 2.495.245,26 (cf. mapa resumo do relatório de inspeção tributária a fls. 73 dos autos e 20 do PAT).
14. Em 20 de Abril de 2006 foi emitido pelos Serviços de Inspeção Tributária da DGCI o relatório final da inspeção tributária (doravante RIT) à ora Impugnante referida nos pontos 11, 12 e 13, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte (cf. relatório de inspeção tributária a fls. 71 a 123 e anexos a fls. 124 a 165 dos autos e 19 a 70 e 71 a 112 do PAT):
(...)
III, DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Verificaram-se os seguintes factos:
III - 1. Ao Nível do Apuramento do Lucro Tributável do Grupo
(...)
III - 1.4 - Realizações de Utilidade Social
Para efeitos de apuramento do lucro tributável individual do exercício de 2002 das sociedades dependentes “C..., SA”, “D..., SA”, “R..., SA”, “S..., SA”, “T..., SA” e “I..., SA”, deveriam ter sido adicionados os montantes de 3.910.850,85 €, 22.176.211,81 €, 213.363,72 €, 17.305,04 €, 296.762,29 € e 206.453,61 €, respectivamente, correspondentes aos custos contabilizados pelas mesmas que ultrapassam o limite de 15% das despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, estabelecido no n.° 2 do art. 40.° do CIRC:


(…)

Esta situação, é motivada pelo facto das referidas empresas, não terem considerado o valor registado na conta “647 - Serviços Médicos” para efeitos de cálculo do referido limite dos 15% das despesas com o pessoal.
Em virtude do lucro tributável declarado pelo grupo se encontrar igualmente diminuído do excesso de custos em questão (26.820.929,32 €), procedeu-se a respectiva tributação a favor do Estado, pelo facto de ter sido ultrapassado o limite dos custos com realizações de utilidade social fiscalmente dedutível nos termos do n.° 2 do art. 40.° do CIRC.
(…)
59. No Anexo VIII do Acordo Coletivo de Trabalho de 2000, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.° 28, de 29/07/2000 (doravante ACT) lê-se o seguinte (cf. copia a fls. 191 a 212 dos autos, cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido):
ANEXO VIII
Saúde (Cláusula 114.° do ACT)
Capítulo I
Disposições gerais Artigo 1.°

Princípio geral
As Empresas mantêm um esquema de assistência médica e medicamentosa complementar dos serviços médicos oficiais ou de outros subsistemas de saúde.
(...)
Secção IV Complemento de subsídio por morte
Artigo 34.°
Titulares do direito ao complemento do subsídio por morte
1 - Têm direito ao complemento do subsídio por morte, atribuído pelas Empresas, os sobreviventes dos trabalhadores do quadro do pessoal permanente, dos reformados antecipadamente ou dos pensionistas por invalidez ou por velhice falecidos, e a quem as IOP concedem tal subsídio.
2 - Sempre que haja mais que um sobrevivente com direito ao complemento referido no número anterior será este repartido nos termos estabelecidos no regime oficial de previdência.
3 - O pagamento do complemento a que se refere este artigo é feito de uma só vez.
(...) »

No aresto fundamento, foi relevado o seguinte: «


- Com suporte na prova documental coligida para os autos, a sentença recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -

A). A impugnante efectuou, nos termos do art.º 59.° (actual 63.º) do CIRC a entrega da declaração periódica de rendimentos do Grupo Empresarial e também as declarações individuais das empresas que fazem parte do mesmo, onde se inclui a C..., S.A..
B). Entre as obrigações da empresa consolidante inclui-se a obrigação principal do pagamento da prestação tributária, o que se verificou com a entrega da referida declaração de rendimentos do exercício de 2000 a 31.5.2001, considerando que cabe a sociedade dominante o pagamento da prestação tributária.
C). Na declaração de rendimentos de IRC referente à sociedade C..., S.A., foi cometido um erro material, o que originou imposto superior ao devido na declaração do Grupo. Assim, o ora impugnante apresentou reclamação graciosa em 11/04/2003 (vd. fls. 2 e ss. do processo apenso aos autos), presumindo o indeferimento tácito da mesma para efeitos de impugnação judicial, nos termos do n.º 2 do art. 131.º do CPPT.
D). A ora impugnante deduziu, a presente impugnação em 10/11.2003.
*****
- Mais se deram, por NÃO PROVADOS, quaisquer outros factos distintos dos referidos nas precedentes na alíneas com relevo a decisão de direito a proferir.
*****
(…).
- Assim e ao abrigo do disposto no art.º 712.º/1 do CPC adita-se ao probatório, a seguinte factualidade:

E). A recorrente, por força dos acordos colectivos de trabalho em vigor para o seu sector de actividade, designadamente por referência ao ano de 2000 estava vinculada a efectuar despesas com actos médicos e com subsídios por morte, relativamente aos seus trabalhadores - cfr., além do mais, a informação de fls. 51 e segs. do proc. adm. apenso n.º 260/2004.
F). No exercício de 2000. a recorrente provisionou, para fazer face as despesas mencionadas na precedente alínea a quantia de € 8.100.477,838 - cfr. informação referida na alínea que antecede.
G). No mesmo exercício de 2000 a recorrente incorreu em despesas com os seus trabalhadores em despesas por actos médicos e subsídios por morte no valor de € 2.000.834,99 - cfr.. ainda, a mesma informação.
H). O “erro” a que se faz alusão na precedente alínea C). consistiu no facto de os serviços da recorrente, no preenchimento da declaração de rendimentos de IRC/2000, não terem considerado, deduzindo-o para efeitos de apuramento do lucro tributável e enquanto custos do exercício, a importância referida em G). que antecede.
I). A reclamação graciosa referida na mencionada e antecedente alínea C). não foi objecto de decisão expressa.
J). Em sede da presente impugnação judicial, o acto tributário impugnado veio a ser parcialmente impugnado em função do limite máximo de 15% estipulado pelo n.º 2 do art.º 40.º do CIRC - cfr. a aludida informação do proc. adm. apenso n.º 260/2004 e do despacho que no seu rosto foi lavrado em 2004DEZ06, que, aqui, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. »
***

Neste momento, independentemente de, no tribunal recorrido (TCAS), ter sido verificada e decidida a existência de oposição, entre os dois arestos acima identificados, impõe-se que, aqui e agora, se avalie e julgue, em definitivo, da ocorrência desse pressuposto de admissibilidade/continuidade do presente recurso por oposição de acórdãos.

Como é pronúncia, reiterada e uniforme, da jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.), o reconhecimento da ocorrência de oposição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

1. que se afirme a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que, para caracterizar esta, importa identificar (também, em cumulação):

ü identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas;

ü a não ocorrência de alteração substancial na regulamentação jurídica;

ü o perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas;

2. que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Finalmente, não se pode olvidar o controlo da tempestividade do recurso, a legitimidade do/a(s) recorrente(s) e a conferência do trânsito em julgado, em relação ao acórdão fundamento.

Ora, assumido que o presente recurso foi interposto dentro do prazo de 10 dias, contados da notificação do acórdão impugnado/recorrido (Em cumprimento do disposto no art. 280.º n.ºs 1 e 2 do CPPT (na redação em vigor no ano de 2015); concretamente, notificação remetida em 23 de fevereiro de 2015 e apelo apresentado no dia 9 de março seguinte.), por uma das partes, vencida, neste processo (concretamente, a impugnante), conferido (ou) presumido (Cf. artigo 688.º n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil (CPC).) o trânsito em julgado do acórdão fundamento, impõe-se avançar e indagar da verificação, cumulativa, das demais condições/requisitos, vindos de elencar.

Quanto à, precisa, identidade da questão fundamental de direito e, inerente, equivalência, substancial, das situações de facto, tratadas em cada um dos arestos envolvidos, comparativa e objetivamente, de imediato, percecionamos que o acórdão fundamento aditou e valorou (alíneas E). a H).) factos não previstos e, por isso, não ponderados no julgamento concretizado pelo acórdão recorrido – cf. pontos 14. e 59. da sua factualidade provada.

Acresce, escalpelizada a fundamentação, jurídica, deste último (Enquanto, no fundamento, se assumiu, em conclusão: « (…). Sem embargo, tal não significa que as despesas em causa não sejam de considerar como custos de exercício a coberto, apenas e só, do n.º 1 do art.° 23.° do CIRC, - e não ao abrigo da al. d) de tal número e artigo uma vez que se nos não afigura estarmos perante quaisquer encargos de natureza administrativa -, na medida em que sejam havidas como indispensáveis, no dizer da lei ”(...) para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora (...)“, conceito que , atenta a finalidade das despesas em questão e, muito particularmente, a sua consagração em ACT, - o que, necessariamente e em face dos respectivos beneficiários, significa o corresponder a uma exigência da parte dos trabalhadores -, se tem de ter, por princípio, por preenchido; Sem embargo e como se referiu, a AT tão pouco questionou a verificação de tais pressupostos, já que eles sempre se teriam de verificar mesmo no entendimento seguido pelo Fisco, na medida em que as realizações de utilidade social elencadas no art.° 38.º do CIRC e, particularmente, no seu n.° 2, não são de verificação autónoma mas complementar daqueles referidos pressupostos. (…). »), ficarem, para nós, desfeitas quaisquer (possíveis) dúvidas sobre tal não identidade, sua causa e específico alcance. Assim, com sombreados da nossa autoria, mostra-se assumido: «

(…).
2.2.6. No que respeita ao erro de julgamento quanto as realizações de utilidade social [conclusões DD) a 000)]
A recorrente observa que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, porquanto repousa na asserção de que as despesas não se mostram justificadas, o que constituiu fundamentação a posteriori, não consentida pelo princípio da legalidade estrita. Mais refere que as despesas em causa não podem ser consideradas despesas com contribuições para fundos de pensões e equiparáveis, dado que não está em causa o pagamento de uma prestação pecuniária mensal, não existe plano de pensões subjacente, não existe fundo de pensões constituído para o efeito, mas sim e apenas obrigações pecuniárias decorrentes de um ACT/Acordo colectivo de trabalho. Conclui, defendendo a não aplicação do disposto no artigo 40.°/2, do CIRC e a sujeição das despesas em apreço ao regime do artigo 23.°/1, do CIRC.
Sob o presente item consignou-se na sentença recorrida o seguinte:

(…).

Vejamos.
Nos termos do artigo 40.°/2, do CIRC, «[s]ão igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguro de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa».
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte:
a) «Por serem conexionáveis com os proveitos, podem constituir custos fiscais, certas realizações de carácter social, como os seguros de vida, desde que enquadráveis na norma do art.° 38.° do CIRC; // Por forca do n.° 5 desta norma então vigente, o prémio de seguro pago pela empresa relativo a trabalhadores seus beneficiários só constituía um seu custo se tal seguro abrangesse a generalidade dos trabalhadores e sem possibilidade de previamente quantificar de forma directa o benefício auferido por cada um deles; [Acórdão do TCAS, de 24.06.2008, P. 02369/08].
b) «E as despesas médicas e medicamentosas relativas a trabalhadores no activo da empresa dominante, podem constituir custos com realizações de utilidade social desde que como tal sejam reconhecidas pela DGCI, devendo revestir carácter geral e não terem a natureza de remunerações ou serem de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários». [Acórdão do TCAS, de 26.01.2010, P. 03220/09]
c) «Sob a epígrafe de “realizações de utilidade social” o legislador fiscal elencou um conjunto de contribuições efectuadas pelas empresas, sociedades ou grupos económicos com o objectivo de beneficiar, indirecta e indiscriminadamente, os trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares». [Acórdão do TCAS, de 25.09.20 12, P. 05073/111.
A recorrente censura a sentença recorrida, bem como a correcção efectuada. Esta última impôs o tratamento das despesas relacionadas com actos de assistência médica prestados aos trabalhadores das empresas do grupo, como realizações de utilidade social, sujeitas, por isso, ao limite de aceitação como custo de 15% sobre o montante das despesas escrituradas como remunerações de pessoal, nos termos do artigo 40.°/2, do CIRC.
A recorrente não juntou aos autos elementos que comprovem os encargos em causa.
A correcção em causa impõe o tratamento como realizações de utilidade social, subsumível ao preceito do artigo 40.°/2, do CIRC, das despesas com assistência médica aos trabalhadores das empresas do grupo. Correcção que foi confirmada pela sentença recorrida, nos seus precisos termos.
O ataque a bondade da correcção e da qualificação jurídica em causa suporia actividade probatória desenvolvida no sentido de concretizar os termos em que foram realizadas as despesas em causa, tendo em vista a sua caracterização como custos efectivos e indispensáveis à formação de proveitos, os quais pela sua permanência, regularidade e efectividade e indispensabilidade afastariam a sua caracterização como realizações de utilidade social. A invocação de decisões judiciais em sentido contrário não se afigura de utilidade à posição da impugnante, dado que estão em causa custos, cujo detalhe descritivo cumpre dilucidar, através de documentação idónea de suporte. Sem a referida comprovação a caracterização pretendida incorre em petição de princípio, pois que o eventual erro na subsunção, supõe o esclarecimento da premissa fáctica de que se parte.
É esta falta de comprovação em concreto dos termos em que foram realizadas as despesas em apreço que foi objecto de censura por parte da sentença, juízo que a recorrente não logra inverter, pois que a matéria de facto assente relevante não é pela mesma impugnada - artigo 640.° do CPC. A recorrente não logrou juntar aos autos elementos que permitam aquilatar do destino das despesas em causa; não juntou aos autos elementos que permitam descaracterizar a asserção de se trata de encargos com assistência médica dos seus empregados e com a proteção social dos mesmos e nessa medida recondutíveis a realizações de utilidade social, subsumíveis ao disposto no artigo 40.°/2, do CIRC, nos termos da jurisprudência fiscal firme [alíneas 14./III.1.4 e 59. do probatório].
Por último, cumpre apreciar a alegacão segundo a qual a qualificação jurídica em causa ofende o princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º da CRP.
A este propósito, dir-se-á que a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 23.° do CIRC, dado que são necessários para a formação dos proveitos depende da demonstração por parte do contribuinte de especiais requisitos, como sejam a efectividade e a indispensabilidade. Por seu turno, a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 40.°/2, do CIRC, depende da sua efectividade e da sua relação com os mecanismos de protecção social dos trabalhadores da empresa, depende também da sua consagração em instrumentos de regulação colectiva do trabalho e de que a sua concessão obedeça a critérios objectivos e idênticos para todos os beneficiários. Subjacente à intenção normativa de ambos os preceitos está o princípio constitucional da tributação do rendimento real das empresas. No caso do preceito do artigo 23.°/1, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a relação de causalidade do mesmo com a geração dos proveitos, no caso do preceito do artigo 40.°/2, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a garantia da protecção social do trabalhador e do seu agregado familiar assegurada pela empresa, no quadro dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho. São tipologias de custos diferentes, os quais justificam um regime de dedutibilidade também diferente, nos termos legais. No caso, afigura-se que se verificam os pressupostos do artigo 40.°/2, do CIRC [alíneas 14./III.1.4 e 59. do probatório).
Donde decorre que o princípio da legalidade fiscal não apenas suporta, como torna necessária a caracterização dos custos em exame e, como consequência, toma inevitável a aplicação do limiar de 15% sobre as despesas escrituradas com remuneração de pessoal, como preceitua o disposto no artigo 40.°/2, do CIRC.
Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida deve ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
(…). »

Perante esta nítida falta de identidade da questão fundamental de direito, por dissemelhança entre os cenários factuais fixados/valorados, nas duas decisões colegiais em confronto, temos, forçosamente, de, desde já, concluir pela não verificação da primeira condição/requisito e respetiva primeira sub-alínea, supra fixadas, para que o apelo possa ser admitido e prosseguir os demais termos.


*******


[ tramo 3 ]

Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos julgar findo este recurso por oposição de acórdãos.


*

Custas pela recorrente, com dispensa, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devida pelo valor da ação superior a € 275.000,00, motivada, desde logo, pela menor complexidade, decorrente do nosso julgamento se quedar pela análise de pressupostos simples.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Manuel Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.