Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0328/14
Data do Acordão:05/27/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MAIS VALIAS
IRS
APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO
Sumário:I - A omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
II - Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso.
III - O recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la.
Nº Convencional:JSTA000P19087
Nº do Documento:SA2201505270328
Data de Entrada:03/17/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do indeferimento de reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS de 2001, no valor de € 14.515,54.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1.ª) - Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença de fls. ... que, considerando que a liquidação impugnada não padece de qualquer ilegalidade, julga a impugnação totalmente improcedente.
2.ª) - Funda-se a discordância do recorrente no facto de considerar que não houve o exame devido de todas as questões a dirimir e, em particular, numa desacertada análise dos factos e da sua aplicação ao Direito.
3.ª) - Em primeiro lugar, estabelecendo o art. 99º nº 1 da Lei Geral Tributária o princípio do inquisitório, dispondo que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, deverá concluir-se que caso o tribunal entenda que o impugnante não enformou correctamente o thema decidendum, terá que levar a cabo as diligências que se afigurem necessárias para poder conhecer a questão munido de todos os factos e elementos relevantes para a sorte da demanda, devendo, do mesmo modo, conhecer de todas as questões e elementos que o novo tema impõe e que só se levantam em virtude da conformação díspar do novo objecto.
4.ª) - In casu, o tribunal a quo, ao invés de usar os poderes inquisitórios que se lhe impunham, não cuidou de considerar e mesmo carrear ciência sobre os factos que efectivamente seriam relevantes para o conhecimento da nova questão, desconsiderando mesmo o caminho trazido pelas alegações oferecidas pelo impugnante e as questões aí levantadas.
5.ª) - Para concluir que a data da alienação para efeitos fiscais do prédio rústico em questão é 24/7/2001, fundou o Mmo. Julgador a quo o seu raciocínio no art. 3º parágrafo 1º do CIMSISSD, entendendo, pois, que a transmissão fiscal se opera na data da consolidação da propriedade plena, que é a data relevante para efeito da liquidação do imposto, olvidando, todavia, que o nº 2 do art. 21º do indicado diploma prevê que “Se o proprietário pretender, antes da consolidação, alienar por qualquer título o seu direito, só poderá fazer depois de lhe ter sido liquidado imposto como se então se efectuasse a consolidação, mas apenas sobre o valor da nua-propriedade nessa altura. Sobre o mesmo valor incidirá o imposto, no caso de o proprietário querer satisfazê-lo antes da consolidação” e que, portanto, quando é requerida a liquidação antecipada do imposto, a data da transmissão para efeitos fiscais é precisamente a data da transmissão para efeitos civis, vulgo, a data da transmissão da nua propriedade.
6.ª) - Posto isto, ao Tribunal a quo caberia apurar se foi requerida a liquidação antecipada do imposto sobre as sucessões e doações, elemento sem o qual não estava na posse da matéria de facto que lhe permitisse decidir de Direito, violando, pois, o art. 99º nº 1 LGT, sendo certo que o art. 125º nº 1 CPPT sanciona “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” com a nulidade, o que se requer seja declarado.
7.ª) - Considerando que, no caso em apreço, o recorrente solicitou, na sequência da doação, a liquidação antecipada do imposto junto do Serviço de Finanças de Guimarães, a data da transmissão para efeitos fiscais é, efectivamente, a data da doação, ou seja, 14/4/1982.
8.ª) - Assim, e porque a data da aquisição relevante para o apuramento do imposto é antes da entrada em vigor do CIRS, mais não resta que haver como assente que ao negócio é aplicável o regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que estabelece que “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados de alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação deste a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”, pelo que tais ganhos não estão sujeitos a tributação a título de IRS ou outro.
9.ª) - Neste sentido, mal andou o Tribunal de primeira instância ao não julgar a impugnação procedente, anulando a liquidação adicional de IRS n.º 2005 5004291014, respeitante ao ano fiscal de 2001.
10.ª) Noutro registo e sem prescindir: examinando a matéria de facto provada, verifica-se que, no apuramento da matéria colectável para efeitos de tributação de mais-valias em sede de IRS, a Fazenda Pública considerou os seguintes valores: “G1) O valor da aquisição de 124,70 e a data de 14/4/1982; G2) O valor da realização de € 79 932,36 e a data de 24/7/2001; e G3) O valor de mais valias de € 39 637,60.”, decidindo, pois, que a data de aquisição relevante para efeitos fiscais é a da consolidação da propriedade plena na esfera jurídica do contribuinte (aqui recorrente), ou seja, 24/7/2001, mas que o valor da aquisição para efeitos tributários é o da nua propriedade e reportado à data da doação, isto é, 14/4/1982, desconsiderando que o mesmo exclui o usufruto simultâneo e sucessivo que, para si, reservaram os doadores, o que, por constituir um duplo critério na determinação dos factos relevantes para o apuramento do imposto, não se consente, por repugnar ao Direito.
11.ª) - Ora, mais valia é o montante que resulta da diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização, ou alienação, sendo o facto gerador da tributação a alienação do bem e correspondendo o valor de realização ao da contraprestação efectivamente recebida por razão da alienação onerosa.
12.ª) - Por seu turno, quanto à determinação do valor de aquisição para efeito do cálculo do imposto, o art. 45º nº 1 do CIRS dispunha, na sua redacção em vigor à data da consolidação que “Para determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito da liquidação do imposto sobre as sucessões e doações”, sendo certo que o CIMSISSD prescrevia, no já citado art. 21º, que “Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto será liquidado pelo valor que os bens tiverem na altura em que o adquirente efectuar a consolidação da propriedade com o usufruto”.
13.ª) - Conclui-se, pois, que o valor da aquisição a ser considerado para efeitos do apuramento das mais valias e, consequentemente, para o cálculo do imposto é o valor do prédio, em propriedade plena, a 24/7/2001, pois que é essa a data da consolidação.
14.ª) - Perante o que vem de expor-se, a liquidação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto, não podendo manter-se, devendo como tal ser declarada e, em consequência, anulada.
15.ª) - Nestes termos, a decisão recorrida violou os art.os 3º e 21º do CIMSISSD, art. 45º do CIRS na redacção em vigor a 24/7/2001, art. 99º da LGT e 125º do CPPT, pelo que deve ser substituída por outra que, na procedência do recurso, declare a liquidação adicional impugnada ilegal, por errónea qualificação e quantificação do facto tributário, e que, em consequência, anule a liquidação adicional de IRS n.º 2005 5004223443, respeitante ao ano fiscal de 2001.
Termina pedindo a procedência do recurso, que se revogue a sentença recorrida e se julgue procedente a impugnação.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 141 e seguintes, que julgou improcedente a acção de impugnação judicial apresentada contra liquidação adicional de IRS, invocando o Recorrente a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125º do CPPT, e a verificação de erro de facto e de direito.
Alega a este propósito o Recorrente que o Mmo. Juiz “a quo” não considerou o disposto no artigo 21º, nº 2, do CIMSISSD, que prevê que para efeitos de transmissão do direito antes da consolidação da propriedade do bem, possa ser efectuado o pagamento do imposto com base no valor da nua propriedade, sendo que nesse caso devia ter sido averiguado se foi ou não requerida a liquidação antecipada do imposto, o que no seu entender configura omissão de pronúncia.
Considera igualmente que a sentença recorrida não atendeu às disposições conjugadas dos artigos 45º do CIRS e 21º do CIMSISSD, no sentido de que o imposto será liquidado atendendo ao valor que os bens tiverem na altura em que o adquirente efectuar a consolidação da propriedade com o usufruto.
Por último refere que a liquidação padece de erro de quantificação, uma vez que no apuramento das mais-valias foi considerado o valor do bem aquando da aquisição da nua propriedade – 14/04/1982 –, quando devia ter sido atendido o valor do bem à data da consolidação da propriedade, ou seja, em 24/07/2001.
2. Da sentença recorrida resulta assente que por escritura pública realizada em 12/04/1982 os pais do Recorrente doaram a este e aos seus irmãos dois prédios, um rústico e outro urbano, tendo reservado para si o usufruto vitalício dos mesmos.
Posteriormente, por escritura pública realizada em 24/07/2001 a sua mãe, já viúva, renunciou ao usufruto, tendo na mesma data o Recorrente e seus irmãos alienado os dois prédios pelo preço de cem milhões de escudos, imputando o valor de 35.900.000$000 ao prédio urbano, e 64.100.000$00 ao prédio rústico.
No cálculo do valor das mais-valias a administração tributária considerou como valor de aquisição o montante de € 124,70 euros, reportado à data de 14/04/1982, e como valor de venda o montante de € 79.932,36, reportado à data de 24/07/2001.
Das correcções efectuadas à matéria tributável em sede de IRS, foi apurado imposto a pagar no montante de € 14.515,54 euros.
3.1 A Sentença recorrida elegeu como questão decidenda “a ilegalidade da liquidação”. Para se decidir pela improcedência da acção o Mmo. Juiz “a quo” considerou que apesar da nua propriedade ter sido doada em momento anterior à entrada em vigor do CIRS, a propriedade plena só se tinha consolidado em 24/07/2001, pelo que era nesta data que se devia aferir da aplicabilidade da norma de incidência, tendo para o efeito invocado a doutrina dos acórdãos deste STA de 18/01/2012 e 25/09/2013, processos nº 201/11 e 369/13, respectivamente.
3.2 Quanto à questão da omissão de pronúncia.
Alega a este propósito o Recorrente que o Mmo. Juiz “a quo” não considerou o disposto no artigo 21º, nº2, do CIMSISSD, que prevê que para efeitos de transmissão do direito antes da consolidação da propriedade do bem, possa ser efectuado o pagamento do imposto com base no valor da nua propriedade, sendo que nesse caso devia ter sido averiguado se foi ou não requerida a liquidação antecipada do imposto, o que no seu entender configura omissão de pronúncia, que deve ser sancionada com nulidade, nos termos do artigo 125º do CPPT.
Segundo percebemos o Recorrente, o mesmo entende que o tribunal “a quo” devia ter recorrido ao disposto na citada norma do CIMSISSD, tal como a jurisprudência que citou recorreu ao disposto no artigo 3º, § 1º do CIMSISSD. Motivo pelo qual entende que o Mmo. Juiz “a quo” devia ter diligenciado se foi ou não requerido a liquidação antecipada do imposto e como não o fez não estava habilitado para decidir como decidiu.
Para ocorrer o vício de omissão de pronúncia que afecte a validade formal da sentença, mostra-se necessário que a sentença não tenha apreciado determinada questão que foi colocada pelas partes ao tribunal.
Ora, não é essa a situação configurada pelo Recorrente, a qual, quando muito, poderá ser analisada no âmbito do erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Com efeito, não se alcança da petição apresentada pelo Recorrente que este tenha invocado qualquer vício relacionado com a alegada pretensão de transmitir apenas a nua propriedade em data anterior à consolidação da propriedade, de forma a justificar a aplicação do disposto no artigo 21º, nº 2, do CIMSISSD.
Na sua petição o Recorrente insurge-se contra o facto de a administração tributária ter considerado que a venda por si e seus irmãos realizada compreendia dois prédios urbanos, com base no facto de ter sido obtida uma informação prévia da Câmara Municipal sobre a viabilidade construtiva dos dois prédios.
E defendia o Recorrente que o negócio recaiu sobre um prédio urbano e sobre um prédio rústico, e que relativamente a este último, por ter sido adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, as mais-valias não estavam sujeitas a tributação, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88. Entendia, assim, terem sido violadas as disposições legais do citado artigo e dos artigos 6º, nº 3, da Contribuição Autárquica, § 3º do artigo 49º do CIMSISSD e artigos 14º e 26º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
A questão colocada ao tribunal consistia em saber se as mais-valias apuradas na venda realizada estavam ou não sujeitas a tributação e foi sobre essa questão que o tribunal se pronunciou. E não se vislumbra qual a conexão que essa questão tem com a alegada liquidação antecipada do imposto a que se reporta o artigo 21º, nº 2, do CIMSISSD.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é assacada pelo Recorrente, seja decorrente de omissão de pronúncia ou de insuficiência da matéria de facto.
3.3 Quanto à questão da errónea quantificação da matéria tributável.
A acção de impugnação tinha como objecto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e a ilegalidade da liquidação oficiosa, invocando o Recorrente como causa de pedir erro sobre os pressupostos de facto e formulando o pedido de anulação do acto de liquidação.
Do que se deixa supra exposto, decorre que a questão agora suscitada em recurso sobre a errónea quantificação da matéria tributável não foi colocada ao tribunal de 1ª instância, nem por este foi apreciada. Donde se conclui que se trata de questão nova que o Recorrente apenas suscitou na fase recursiva. Ora, como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova [Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 04/12/2008 (rec. 840/08) e de 30/10/08 (rec. 112/07)].
Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso, o que não é o caso concreto do erro invocado pelo Recorrente.
Afigura-se-nos, assim, que a questão da errónea quantificação da matéria tributável não é passível de conhecimento por se tratar de questão nova e não ser de conhecimento oficioso.
3.4 Quanto à questão do erro de direito sobre a tributação das mais-valias.
Como referimos supra o tribunal considerou que apesar da nua propriedade ter sido doada em momento anterior à entrada em vigor do CIRS, a propriedade plena só se tinha consolidado em 24/07/2001, pelo que era nesta data que se devia aferir da aplicabilidade da norma de incidência, tendo concluído pela tributação das mais-valias, nos termos de jurisprudência que citou (e que se nos afigura pacífica).
Ora, esta decisão não é atacada pelo Recorrente, o que desde logo permitiria concluir pelo insucesso do presente recurso. Com efeito, o Recorrente pugna pela aplicação do regime transitório previsto no artigo 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, com base na tese de que a data aferidora da transmissão do bem de que era titular se situava em momento anterior à data da consolidação da propriedade, invocando para o efeito o disposto no artigo 21º, nº 2, do CIMSISSD. Todavia, tal tese não tem qualquer suporte factual na matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, que não foi posta em causa pelo Recorrente, nem a referida disposição legal tem qualquer aplicação ao caso concreto.
Afigura-se-nos, assim, que não tendo o Recorrente posto em causa a validade da sentença recorrida, só pode concluir-se pela improcedência do recurso.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Por escritura pública de 12/4/1982, B……….. e mulher, C……….., doaram ao impugnante e aos seus irmãos um prédio urbano e um prédio rústico inscritos, respectivamente, sob os artigos 609º e 300º da matriz predial da freguesia de ………., ………., Guimarães (fls. 47 a 51 do PA).
B) B…………. e mulher, C……………., reservaram para si o usufruto vitalício dos referidos prédios (fls. 47 a 51 do PA).
C) Por escritura pública de 24/7/2001, C……………., viúva, renunciou ao usufruto (fls. 40 a 45 do PA).
D) Pela mesma escritura de 24/7/2001, o impugnante e os irmãos venderam à D……………., SA, pessoa colectiva nº ………………., os prédios referidos em A), pelo preço de cem milhões de escudos, sendo o valor atribuído ao prédio urbano de trinta e cinco milhões e novecentos mil escudos e o rústico de sessenta e quatro milhões e cem mil escudos (fls. 40 a 45 do PA).
E) Em 15/3/2002 o impugnante entregou a declaração modelo 3 de IRS de 2001, da qual resultou um reembolso de € 2.756,90 (fls. 13 a 14 do PA).
F) O impugnante não declarou rendimentos da categoria G resultantes da venda referida em D) (fls. 14 do PA).
G) A administração tributária procedeu oficiosamente à correcção da declaração do impugnante, tendo procedido à elaboração da declaração oficiosa procedendo à correcção do anexo G, tendo considerado (PA):
G-1) O valor de aquisição de € 124,70 e a data de 14/4/1982;
G-2) O valor de realização de € 79.932,36 e a data de 24/7/2001; e
G-3) O valor de mais valias de € 39.637,60.
H) Desta correcção resultou a alteração do rendimento bruto total e líquido do impugnante que passaram para € 109.409,95 e € 101.724,07 (fls. 43 do PA).
I) Esta correcção originou a liquidação oficiosa do IRS de 2001 nº 2005 5004291014, da qual resultou um valor a pagar de € 14.515,54 (fls. 15 a 19 do PA).

3.1. O recorrente deduziu uma acção administrativa especial contra o despacho, proferido em 23/4/2007 pela Sra. Directora de Serviços do IRS, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão (de indeferimento) da reclamação graciosa relativa a liquidação adicional de IRS do ano de 2001, no montante de 14.515,54 Euros e alegou, em síntese, que adquiriu o prédio rústico - cuja alienação determinou as correcções que originaram a liquidação adicional - antes da entrada em vigor do CIRS pelo que os ganhos obtidos com tal venda não estão sujeitos a tributação em IRS em sede de mais valias.
Por despacho de 12/6/2012 (fls. 95) foi determinada a convolação da acção administrativa especial em processo de impugnação judicial.

3.2. Enunciando como questão a decidir a de saber se é aplicável o disposto no art. 5° do DL nº 442-A/88, quando, tendo sido adquirida a nua propriedade de um imóvel antes da entrada em vigor do CIRS, se tenha verificado a consolidação da propriedade plena com a extinção do usufruto em 2001 (já depois da entrada em vigor do CIRS), a sentença recorrida respondeu negativamente a essa questão, apelando à jurisprudência constante dos acórdãos do STA, de 18/1/2012 e 25/9/2013, proferidos nos processos n.ºs 201/11 e 369/13 e julgou, consequentemente, improcedente a impugnação.
Considerou-se, para tanto, que os pais do recorrente doaram a este e a seus irmãos, por escritura pública de 12/4/1982, dois prédios (um rústico e outro urbano), tendo reservado o usufruto vitalício dos mesmos, sendo que, posteriormente, por escritura pública de 24/7/2001, a mãe do recorrente, já viúva, renunciou ao usufruto, e na mesma data, aquele e os irmãos alienaram os ditos prédios, pelo preço de 100.000.000$00, imputando o valor de 35.900.000$000 ao prédio urbano, e 64.100.000$00 ao prédio rústico e sendo, ainda, que no cálculo do valor das mais-valias a AT considerou como valor de aquisição o montante de 124,70 Euros, reportado à data de 14/4/1982, e como valor de venda o montante de 79.932,36 Euros, reportado à data de 24/7/2001, operando correcções à matéria tributável em sede de IRS e apurando imposto a pagar no montante de 14.515,54 Euros.
Discordando, o recorrente invoca, por um lado, o que entende consubstanciar nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (por não ter não considerado o disposto no nº 2 do art. 21º do CIMSISSD, no qual se prevê que para efeitos de transmissão do direito antes da consolidação da propriedade do bem, possa ser efectuado o pagamento do imposto com base no valor da nua propriedade, sendo que nesse caso devia ter sido averiguado se foi ou não requerida a liquidação antecipada do imposto) e invoca, por outro lado, erro de julgamento, quer porque a sentença não atendeu ao disposto nos arts. 45º do CIRS e 21º do CIMSISSD (no sentido de que o imposto será liquidado atendendo ao valor que os bens tiverem na altura em que o adquirente efectuar a consolidação da propriedade com o usufruto), quer porque não atendeu a que no apuramento das mais-valias foi considerado o valor do bem aquando da aquisição da nua propriedade – 14/04/1982 – quando devia ter sido atendido o valor do bem à data da consolidação da propriedade, ou seja, em 24/07/2001, com o consequente erro de quantificação que afectou a liquidação.
Estas são, portanto as questões aqui a apreciar.
Vejamos.

4.1. Quanto à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do art. 615º do CPC2013, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º do mesmo CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
No caso, o recorrente substancia a omissão de pronúncia em a sentença não ter averiguado se foi ou não requerida a liquidação antecipada do imposto nos termos do disposto no nº 2 do art. 21º do CIMSISSD (onde se prevê que para efeitos de transmissão do direito antes da consolidação da propriedade do bem, possa ser efectuado o pagamento do imposto com base no valor da nua propriedade): ou seja, o recorrente entende que o Tribunal devia ter recorrido ao disposto no citado normativo (tal como a jurisprudência que citou recorreu ao disposto no art. 3º, § 1º do CIMSISSD) e devia ter diligenciado se foi ou não requerido a liquidação antecipada do imposto; e não o tendo feito, então não estava habilitado para decidir como decidiu.
O recorrente carece, porém, de razão legal.
Como se disse, a omissão de pronúncia é vício que reporta apenas à validade formal da sentença, mostra-se necessário que a sentença não tenha apreciado determinada questão que foi colocada pelas partes ao tribunal, constituindo, aliás, jurisprudência pacífica e reiterada, que a omissão de pronúncia só existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.)
Ora, como bem salienta o MP, esta matéria alegada pelo recorrente só poderá, quando muito, ser analisada no âmbito de eventual erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto para a decisão, dado que não se alcança da PI de impugnação que tenha sido invocado qualquer vício relacionado com a alegada pretensão de transmitir apenas a nua propriedade em data anterior à consolidação da propriedade, de forma a justificar a aplicação do disposto no nº 2 do art. 21º do CIMSISSD. Na verdade, na PI o recorrente insurge-se contra o facto de a AT ter considerado que a venda realizada (pelo recorrente e seus irmãos) compreendeu dois prédios urbanos, com base no facto de ter sido obtida uma informação prévia da Câmara Municipal sobre a viabilidade construtiva dos dois prédios, sustentando o recorrente que o negócio recaiu sobre um prédio urbano e um prédio rústico, e que relativamente a este último, por ter sido adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, a respectiva mais-valia não estava sujeita a tributação, ao abrigo do regime transitório previsto no art. 5º do DL nº 442-A/88, razão pela qual teria sido violado o disposto no citado artigo, bem como nos arts. 6º, nº 3, da Contribuição Autárquica, § 3º do art. 49º do CIMSISSD e arts. 14º e 26º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
A questão colocada ao tribunal consistia, portanto, em saber se as ditas mais-valias apuradas na venda realizada estavam ou não sujeitas a tributação e foi sobre essa questão que o tribunal se pronunciou, não se vislumbrando qual a conexão que essa questão tem com a alegada liquidação antecipada do imposto a que se reporta o invocado nº 2 do art. 21º do CIMSISSD.
E tendo aquela questão (se as ditas mais-valias estavam ou não sujeitas a tributação) sido apreciada pela sentença recorrida, esta não sofre da nulidade que lhe é imputada, seja no âmbito da omissão de pronúncia, seja na vertente da eventual insuficiência da matéria de facto.

4.2. Nas Conclusões 10ª a 13ª o recorrente invoca que a sentença enferma de erro de julgamento por não ter relevado o erro de quantificação em que assenta a liquidação uma vez que o apuramento da mais-valia resulta de ter sido considerado o valor do imóvel à data da aquisição da nua propriedade (14/04/1982), quando devia ter sido atendido o valor à data da consolidação da propriedade, ou seja, em 24/07/2001.
Ora, nem esta factualidade foi articulada na Petição Inicial da impugnação, nem, por conseguinte, a questão que dela se pretende fazer emergir foi apreciada na sentença recorrida.
Com efeito, a Acção Administrativa Especial (convolada em impugnação judicial) teve como objecto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e, mediatamente, a ilegalidade da liquidação oficiosa operada pela AT, invocando o recorrente como causa de pedir, erro sobre os pressupostos de facto dessa liquidação, dado os prédios terem sido adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS e, assim, os proveitos obtidos com a venda realizada em 24/7/2001 não estarem sujeitos a IRS (mais-valias) por força do disposto no art. 5° do DL n° 442-A/88, de 30/11.
Aquela questão relativa ao erro de quantificação da matéria tributável é, portanto, uma questão nova, que só agora em sede de recurso é suscitada.
Todavia, como pacifica e reiteradamente tem sido afirmado pela jurisprudência, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova [cfr., entre outros, os acórdãos deste STA, de 27/6/2012, proc. nº 218/12; de 25/1/2012, proc. nº 12/12; de 23/2/2012, proc. nº 1153/11; de 11/5/2011, proc. nº 4/11; de 1/7/2009, proc. nº 590/09; de 4/12/2008, proc. nº 840/08; de 30/10/08, proc. nº 112/07; de 2/6/2004, proc. nº 47978 (Pleno); de 29/11/1995, proc. nº 19369 e do STJ, proc. nº 259/06.0TBMAC.E1.S1], neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso.
O que não é o caso da questão ora em apreço.
Razão pela qual o recurso não pode obter provimento também quanto a este fundamento.

4.3. Nas Conclusões 7ª e 9ª o recorrente alega que a sentença sofre de erro de direito sobre os pressupostos da tributação das mais-valias, já que, sendo a data da aquisição relevante para o apuramento do imposto a de 14/4/1982 (data da transmissão para efeitos fiscais, por ser a data em que o recorrente solicitou, na sequência da doação, a liquidação antecipada do imposto junto do SF de Guimarães), e sendo, portanto, uma data anterior à da entrada em vigor do CIRS, mais não resta que haver como assente que ao negócio é aplicável o regime transitório previsto no art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11. (Onde, sob a epígrafe «Regime transitório da categoria G», se dispõe: «1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste código».)
Ora, a este respeito, o Tribunal considerou que apesar da nua propriedade ter sido doada em momento anterior à entrada em vigor do CIRS, a propriedade plena só se tinha consolidado em 24/7/2001 e que é nesta data que se deve aferir da aplicabilidade da norma de incidência, tendo concluído pela tributação das mais-valias, nos termos, aliás, da jurisprudência a que apelou.
Assim, dado que o recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e se destina a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la, no caso, como bem refere o MP, o recorrente não ataca a decisão na parte em que nesta se julga que a data relevante para aferir da aplicabilidade da norma de incidência é o dia 24/7/2001 e não o dia 14/4/1982: na verdade, a discordância sustentada pelo recorrente assenta, tão só, em que é aplicável o regime transitório previsto no art. 5º do DL nº 442-A/88, com base na tese de que a data aferidora da transmissão do bem de que era titular se situava em momento anterior à data da consolidação da propriedade, invocando para o efeito o disposto no nº 2 do art. 21º do CIMSISSD, tese que, como acima se deixou dito, nem tem suporte factual na matéria de facto julgada provada na sentença recorrida (e que não foi posta em causa pelo recorrente), nem teve apreciação (por esta última disposição legal não ter tido qualquer aplicação ao caso concreto) na sentença.
Daí que, independentemente da relevância [acolhida pela sentença, em concordância com a jurisprudência do STA afirmada nos acórdãos a que se arrimou (Jurisprudência segundo a qual, uma vez que nos termos do § 1º do art. 3º do CIMSISSD só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens, então, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, nas doações por morte e nas doações entre casados, enquanto não falecer o doador ou, no último caso, o donatário não alienar os bens, e nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada; daí que, apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu e a respectiva propriedade plena se consolidou após a entrada em vigor desse código.)] ou não relevância da apontada data de 24/7/2001, para efeitos de aplicação da norma de incidência, o recurso improcede, igualmente, nesta parte.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 27 de Maio de 2015. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.