Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0137/16
Data do Acordão:03/02/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IDONEIDADE DA GARANTIA
HIPOTECA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O juízo sobre a idoneidade da garantia há-de resultar da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade desta assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, aferindo a Administração Tributária designadamente, da suficiência e solidez da garantia oferecida e da capacidade e idoneidade do garante.
II - Embora o art. 199º do CPPT, não remeta expressamente para o artº 250º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.
Nº Convencional:JSTA00069593
Nº do Documento:SA2201603020137
Data de Entrada:02/02/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:LGT ART55 ART59 ART30.
CPPT ART199 ART195 ART250 ART169 ART196 ART197.
CONST76 ART266.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21.; AC STA PROC0730/12 DE 2012/07/11.; AC STA PROC0916/12 DE 2012/10/10.; AC STA PROC01688/13 DE 2013/12/04.; AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15.
Referência a Doutrina:J C VIEIRA DE ANDRADE - O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO EXPRESSA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS PAG231.
RUI DUARTE MORAIS - A EXECUÇÃO FISCAL PAG77-78.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ DA SILVA PAIXÃO - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO PAG474.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII.
DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM DA SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 3ED PAG278.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Publica recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, julgou procedente a reclamação deduzida pela recorrida, A…………, S.A., melhor identificada nos autos, contra o despacho do Chefe de Divisão da Divida Executiva da Direcção de Finanças do Porto que considerou inidónea a garantia por ela oferecida no âmbito dos processos de execução fiscal.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. A douta sentença recorrida julgou a reclamação procedente, com a consequente revogação do despacho reclamado, por entender que o mesmo padece do vicio de falta de fundamentação e enferma de ilegalidade por violação de lei.
Vejamos,
B. O acto reclamado foi proferido nos processos executivos n.º 1813201101062760 aps, 1813201101064959,1813201201012231,1813201201014277,1813201201020846,aps,1813201301045741, 1813201401099744, a correr termos no Serviço de Finanças do Marco de Canavezes (OEF), por dívidas de IVA, IMT, IMI e Coimas Fiscais, sendo o valor da quantia exequenda de €43 793,81.
C. Por sentença judicial proferida no 1° Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, no âmbito do Proc. n.º 277/12.9TBMCN, transitada em julgado em 2014/04/24, foi aprovado o plano de Insolvência da reclamante, o qual previa a regularização da dívida em crise em 120 prestações mensais, condicionada à prestação de garantia mediante a constituição de hipoteca voluntária dos imóveis pertencentes à reclamante, inscritos na matriz predial sob o artigo urbano 09 e 3269 rústico, da freguesia de ………, concelho de Marco de Canavezes, cuja idoneidade e suficiência seriam aferidas pelo Órgão da Execução Fiscal (OEF).
D. Em 2014/09/02 requereu a aqui reclamante junto do OEF, o plano para pagamento da dívida em prestações, anexando ao mesmo certidão do registo predial online, onde consta o registo provisório da hipoteca voluntária dos dois imóveis a favor da AT.
E. Em 2014/11/04, foi a reclamante notificada das condições do plano de pagamento em prestações, tendo na mesma data, apresentado o comprovativo da constituição da hipoteca voluntária e a conversão em registo definitivo.
F. Dando cumprimento à sentença que homologou o plano de insolvência, o OEF apreciou a idoneidade e suficiência da garantia prestada para efeitos de suspensão dos autos.
G. Conforme informação que sustenta o despacho de indeferimento proferido em 2015/02/09, por delegação de competências, pelo Exm° Sr. Chefe de Divisão da Gestão da Dívida Executiva, da Direcção de Finanças do Porto, que consta dos autos e faz parte da douta sentença sob recurso, o valor da garantia apurada pelo OEF foi de € 82 140,04, o valor patrimonial total dos imóveis é de €30 122,25, sendo certo que sobre os imóveis recaem os ónus registados no montante de € 33 832,82, donde se extrai que a garantia não se mostra suficiente e idónea, pelo que, não poderá ser aceite para suspender a execução.
H. Constitui fundamento da presente reclamação o vício do despacho reclamado, por contrariar o conteúdo das condições aprovadas no plano de insolvência, peticionando, a revogação do despacho reclamado e, em sua substituição, uma decisão “… que declare validamente constituída a garantia hipotecária oferecida para a cobrança da divida hipotecária”
I. A douta sentença recorrida julgou a reclamação procedente, entendendo a Mma Juiz, aliás, no seguimento do parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, que o despacho reclamado padece de vício de falta de fundamentação e violação dos princípios consagrados no artº 55ºda Lei Geral Tributária (LGT).
Ora,
J. o thema decidendum, consiste em saber se o despacho reclamado contraria as condições aprovadas no plano de insolvência e se padece de alguma ilegalidade.
K. Tendo em vista a suspensão da execução no decurso do pagamento da dívida em prestações, prevê o art. 199º do CPPT a constituição de garantia idónea ou solicitar a sua dispensa, caso estejam reunidos os pressupostos de isenção da prestação da mesma.
L. Ademais e por injunção do n° 9 do mesmo artigo, a competência para apreciar a garantia é da entidade competente para autorizar o pagamento em prestações, o que se traduz que essa competência está afecta ao OEF, em cumprimento do disposto no n° 1 do art. 197° do CPPT, ou, caso a divida exequenda exceda 500 unidades de conta, o órgão periférico regional, nos termos do n°2 do mesmo artigo.
M. A sentença que homologou o plano de insolvência, na referência feita à garantia proposta estabelece a condição de os requisitos de suficiência e idoneidade terem de ser aferidos pelo OEF competente, requisitos estes que foram analisados e apreciados após a elaboração do plano de pagamento em prestações pelo OEE e pela DF Porto, órgão periférico regional, competente para a decisão, concluindo não estarem reunidos os necessários pressupostos para a aceitação da garantia.
N. Desde logo, se é certo que o valor patrimonial tributário dos imóveis nunca seria, por si, suficiente para garantir a divida em causa nos autos, considerando que o valor da garantia a prestar, calculado nos termos do n° 5 do art. 199° do CPPT, é de € 82 140,04, tal conclusão é ainda mais inequívoca em face dos ónus e encargos existentes (€33 832,82) que extravasam em larga medida o valor dos imóveis.
O. Estava, pois, em causa a segurança do pagamento de dívida tributária, legitimadora da actuação da Autoridade Tributária, seguindo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda dos interesses do Estado, no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente quanto à aferição sobre a (in) suficiência dos bens dados à garantia para satisfação da divida exequenda e acrescido.
P. Note-se que os princípios jurídicos subjacentes ao instituto da prestação de garantia reconduzem-se à necessidade do Estado assegurar que o contribuinte, em caso de litígio com a Administração Tributaria esteja em condições económicas de, finalizada a contenda — quando e se improcedente, — cumprir com a quantia exequenda devida.
Q. Este instituto consagra, pois, o princípio da prossecução do interesse público na conduta da Administração Fiscal, em todas as suas vertentes.
R. O instituto jurídico da prestação da garantia subsume-se, prima facie, à função primordial da Administração Tributária e de todo o complexo normativo tributário, ou seja, “…das normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional do Estado, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a existência como do seu funcionamento.”’ José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, a Edição, Almedina.
S. Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do art. 103° da Constituição da República Portuguesa, o qual prescreve no seu n.º 1 que “ sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, pois de outra forma não se poderá assegurar”... uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.”
T. Donde, a ratio do instituto da prestação da garantia é, pois, a de assegurar o pagamento da dívida tributária — a qual é inteiramente indisponível — efectivando-se, desse modo, os interesses públicos do Estado.
U. Na douta sentença recorrida, entendeu a Mma Juiz que, “ (...) seria lógico que o OEF procedesse a uma avaliação dos imóveis, para fundamentar a falta de idoneidade da garantia oferecida, de modo a uma cabal fundamentação do despacho reclamado.”
V. Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a informação sobre a qual recaiu o despacho de indeferimento e que faz parte da douta sentença sob recurso elenca de forma exaustiva e detalhadamente os factos que foram tidos em conta na apreciação da garantia oferecida pela reclamante.
W. Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado, de forma genérica, no art. 77.º da LGT, nos termos do qual “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e a “fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (destacado nosso).
X. Não entende a Fazenda Pública o motivo de uma nova avaliação dos imóveis, já que, o valor dos mesmos tinha sido apurado de acordo com as regras do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), valor este, a considerar para efeitos de garantia, uma vez que será esse o valor base para venda, em caso de necessidade de a executar, em cumprimento do disposto na alínea a) n° 1 do artº 250º do CPPT.
Y. A este respeito, o sumário do Acórdão do STA de 2013/12/04, no proc. 01688/13, refere: “ (…) II — Embora o artigo 199.° do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.”
Z. No caso sub Júdice, o valor patrimonial tributário dos imóveis, apurado nos termos do CIMI, é de € 30 122,25, sendo que, “ (…) o valor a considerar deverá ser sempre um valor líquido, isto é, depois de subtraído o montante dos ónus e encargos que sobre os respectivos imóveis incidem’ (Acórdão TCA Sul de 27/02/2014, proc. 07388/14), donde resulta que o valor dos imóveis oferecidos para garantia seria nulo e, consequentemente, não poderiam ser aceites para suspender a execução.
AA. Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, mais concretamente os arts. 52.º da LGT e 197° e 199° do CPPT.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Tribunal Central Administrativo Norte por acórdão de fls. 408 e seguintes veio declarar-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso por considerar que o mesmo tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo por isso, competente para o seu conhecimento a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto nos artigos 26º, nº1, al. b) e 38º, nº1, al. a), do ETAF e 280 nº1 do CPPT.

4 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo Ministério Público emitiu fundamentado parecer no sentido do provimento do recurso por considerar, em síntese, que a fundamentação formal do acto sindicado é, suficiente, clara e congruente e que, por outro lado, contrariamente ao sustentado pela sentença recorrida não há qualquer fundamento legal para se proceder à avaliação dos imóveis oferecidos para garantia das dívidas exequendas pois o valor patrimonial tributário de tais imóveis foi determinado nos termos do disposto no CIMI e é esse valor a considerar para efeitos de garantia, atento o estatuído no artigo 250.°/1/ a) do CPPT.

4 - Não foram apresentadas contra-alegações

5- Com dispensa de vistos, cumpre decidir.

6- No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
1.º - A reclamante deduz a presente reclamação, nos termos do disposto nos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto datado de 09.02.2015, que não aceitou como garantia para efeitos de suspensão da execução fiscal em causa, a hipoteca voluntária dos imóveis inscritos na matiz predial sob o artigo urbano 09 e 3269 rústico da freguesia de ……….., concelho de Marco de Canavezes.
2.° - Correm termos no Serviço de Finanças do Marco de Canaveses os processos executivos n.°s1813201101062760 e aps, 1813201101064959, 1813201201012231, 1813201201014277,1813201201020846 aps, 1813201301045741, 1813201401099744, por dividas de IVA, IMT, IMI e Coimas Fiscais, sendo o valor da quantia exequenda de €43 793,81.
3.º - Por sentença judicial proferida no 1° Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, no âmbito do Proc. nº 277/12.9 TBMCN transitada em julgado em 2014.04.24, foi aprovado o plano de Insolvência da reclamante, o qual prevê a regularização da divida em crise em 120 prestações mensais, com a obrigação de prestar garanta mediante a constituição de hipoteca voluntária sobre os imóveis referidos em 1, com o valor patrimonial tributário (VPT) de € 30122,25.
4.º - De acordo com as informações prestadas pelo órgão de execução fiscal (OEF) e pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto ínsitas nos autos e que aqui, dão-se por reproduzidas, foi indeferido o pedido de aceitação da garantia oferecida pela reclamante, por se considerar que a mesma não é idónea, tendo em conta o valor dos imóveis (€ 30 122,25) e os ónus ou encargos registados (€ 33 832,82).
5° - O valor da garantia apurada pelo OEF foi de € 82 140,04.
6.° - O valor patrimonial total dos imóveis é de € 30 122,25.
7º - Sobre os referidos imóveis recaem os ónus registados no montante de € 33 832,82 (anteriores á aprovação do plano de insolvência).
8.°- A ora reclamante foi notificada do despacho de indeferimento em 2015.02.19, na sequência do que apresentou a presente reclamação nos termos do art. 276.º do CPPT, onde alega a ilegalidade dos fundamentos que suportaram a aferição da idoneidade da garantia, até porque, conforme conclui a reclamante, “o despacho reclamado contraria o conteúdo das condições aprovadas nos termos do Plano de Insolvência…”.
9.° - Em 2015.05.27, por despacho do Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, foi mantido o ato reclamado (despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual).
10.º - A Petição Inicial (PI) da reclamação foi remetida através de correio electrónico para o OEF, em 2015-03-03.


7. Como se viu o recurso foi interposto no Tribunal Central Administrativo Norte, o qual, por acórdão constante de fls. 408 e segs., veio a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, por considerar que tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
E de facto, porque apenas está em causa a interpretação das regras jurídicas aplicáveis, também aqui se entende, na perspectiva considerada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT).
Há assim que apreciar e decidir o objecto do recurso, que é o de saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, exarada a fls. 360/369, que julgou procedente reclamação deduzida contra o despacho de 9 de Fevereiro de 2015 do Chefe de Divisão da Gestão de Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto, que indeferiu pedido de prestação de garantia para obter suspensão de processo de execução fiscal por meio de hipoteca voluntária de dois imóveis, no entendimento de que o acto não se mostra fundamentado e de que se mostram violados os princípios consagrados no artigo 55.º da LGT.



7.1 Da falta de fundamentação do despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia.
No caso subjudice está em causa o eventual vício de falta de fundamentação do despacho da Administração Tributária que julgou inidónea a garantia oferecida (hipoteca voluntária).
A sentença recorrida considerou que «sendo o valor patrimonial de € 30.122,25 e as hipotecas existentes no valor de € 33.832,82, seria lógico que o órgão de execução fiscal procedesse a uma avaliação dos imóveis, para fundamentar a falta de idoneidade da garantia oferecida, de modo a uma cabal fundamentação do despacho reclamado».
Mais ponderou que «o órgão reclamado, teria que fundamentar a decisão, de modo a perceber-se porque não procedeu a avaliação dos imóveis, de modo a apurar-se o seu real valor e a saber-se se os mesmos eram idóneos a garantir a quantia exequenda, apesar das hipotecas preexistentes, e evitando assim violar o acordo celebrado no Plano de Insolvência, onde não se exigia que as hipotecas deveriam ser constituídas, sobre os ditos imóveis, livres de quaisquer ónus ou encargos
Para concluir que, no caso em apreço, o despacho reclamado padece do vício de falta de fundamentação por não permitir a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

Contrapõe a Fazenda Pública que tal despacho elenca de forma exaustiva e detalhadamente os factos que foram tidos em conta na apreciação da garantia oferecida pela reclamante.
Também o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo se pronuncia no sentido de que a fundamentação formal do acto é, suficiente, clara e congruente.

7.2 Antes de mais, atentos os termos em que na sentença e no recurso é configurada a questão da falta de fundamentação, impõe-se, que se faça uma referência à distinção entre fundamentação formal e fundamentação material.
Como sublinha Vieira de Andrade in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, pág. 231, a diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Efectivamente constitui realidade diferente saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, ou saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, o que se situa já no âmbito da validade substancial do acto.
Ora no despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia e na informação que o suporta (fls. 309) mostram-se devidamente explanados os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão da Administração Tributária para concluir pela inidoneidade da garantia que a executada se propunha oferecer.
Ali se refere, expressamente, que o valor da garantia a prestar é de € 82.140, 04, o valor patrimonial tributário dos dois imóveis sobre os quais foi constituída hipoteca voluntária é de €30.122,25 e que sobre os mesmos incidem ónus no montante de € 33.832, 82, sendo por tal razão que se considerou insuficiente a garantia proposta.
Do teor deste despacho resulta manifesto que a executada teve possibilidade de conhecer das razões que estão na base da decisão da rejeição da garantia oferecida, e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Afigura-se-nos, pois, nesta perspectiva, que foram observadas as exigências de da transparência da decisão, tornando acessível à compreensão de um destinatário normal (colocado na situação concreta do real destinatário e no contexto circunstancial que rodeou a prática do acto) o conhecimento das razões que levaram ao indeferimento do peticionado.

7.3 Questão diversa, e já noutro plano, é a de saber da exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária para rejeição da garantia apresentada e que nos reconduz à análise dos pressupostos legais da idoneidade da garantia.
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 199.° nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

Este normativo confere à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169° e 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, Recurso n° 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pág. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°.
Por outro lado, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) ( E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso 730/12 e de 15.02.3012, recurso 126/12.), não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária.
A questão que se impõe, pois, colocar, na perspectiva da análise da exactidão ou validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária, era a saber se a garantia oferecida, mediante hipoteca voluntária sobre dois imóveis, era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
Ora no caso em apreço, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, sendo o valor da garantia a prestar de € 82.140, 04, e o valor patrimonial dos dois imóveis sobre os quais foi constituída hipoteca voluntária de €30.122,25, incidindo sobre mesmos ónus no montante de € 33.832, 82, a garantia proposta não era suficiente para assegurar o pagamento da obrigação exequenda e acrescido.
Por outro lado, contrariamente ao sustentado pela sentença recorrida não há qualquer fundamento legal para se proceder à avaliação dos imóveis pois o valor patrimonial tributário de tais imóveis foi determinado nos termos do disposto no CIMI e é esse valor a considerar para efeitos de garantia, atento o disposto no artigo 250.°, nº 1, al. a) do CPPT.
De facto, como ficou sublinhado no Acórdão desta Secção de 04.12.2013, recurso 1688/13, «a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia (….) Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia».
A decisão recorrida, que assim não entendeu, padece, pois, do erro de julgamento que lhe é imputado pela Fazenda Pública.



7.4 Da violação dos princípios consagrados no artº 55º da LGT

A sentença recorrida, ponderando que a reclamante alegara que a hipoteca oferecida como garantia fazia parte das condições impostas pela Administração Tributária e Aduaneira para aprovação do plano de insolvência, judicialmente homologado no P. 277/12.9TBMCN e onde não fora exigido que as hipotecas constituíssem o primeiro ónus real desses imóveis, sendo que essa condição não constava do plano, e as referidas hipotecas eram anteriores à aprovação do plano (ap. de 28/08/2012), concluiu que "de acordo com os princípios gerais consagrados no art. 55.° da LGT, nomeadamente a boa-fé nos acordos celebrados, a ATA não pode posteriormente vir com exigências não impostas antes».
Nada mais se exarou na decisão sindicada quanto à alegada violação dos princípios do procedimento tributário consagrados no artº 55º da LGT.

Neste segmento do recurso, e contra o assim decidido, alega a recorrente que a sentença que homologou o plano de insolvência, na referência feita à garantia proposta estabelece a condição de os requisitos de suficiência e idoneidade terem de ser aferidos pelo órgão de execução fiscal competente, requisitos estes que foram analisados e apreciados após a elaboração do plano de pagamento em prestações pelo órgão de execução fiscal e pela DF Porto, órgão periférico regional competente para a decisão, concluindo não estarem reunidos os necessários pressupostos para a aceitação da garantia.
Também nesta parte merece provimento o recurso.
Vejamos.
O princípio da boa-fé acolhido na lei ordinária, e constitucional (artigo 59º, nº 2 da Lei Geral Tributária e 266.º da Constituição da República Portuguesa), pressupõe por parte da administração tributária um dever de actuação em conformidade com a «confiança suscitada na contraparte».
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na sua Lei Geral Tributária Anotada, 3ª edição, pág. 278 esta exigência tem um conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que actuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de actuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições (Sublinhado nosso.).

Ora, como se constata de fls. 45 dos autos, o Plano de Insolvência da recorrida foi aprovado por sentença do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, transitada, em julgado em 24 de Abril de 2014, e naquele previa-se a regularização da divida em causa em 120 prestações mensais, condicionada pela prestação de garantia mediante a constituição de hipoteca voluntária dos imóveis em causa, mas cuja idoneidade e suficiência seriam aferidas pelo órgão de execução fiscal, como no caso, veio a suceder.
Acresce que os créditos tributários são indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária (artigo 30.º/2 da LGT).
Sendo permitido o pagamento em prestações desde que seja prestada garantia (artigos 196.º 197.º e 199.º do CPPT), sendo certo que a suspensão da execução fiscal, apenas é permitida nos termos regulados no artigo 169.º do CPPT.
Do exposto é forçoso concluir que a administração tributária, ao julgar inidónea e insuficiente a garantia proposta, não incorreu em violação de lei ou dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa-fé.

Procedem assim todas as conclusões das alegações de recurso.


8. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação, mantendo-se na ordem jurídica o acto da autoridade tributária que indeferiu o pedido de prestação de garantia.

Custas pela recorrida, apenas em primeira instância.


Lisboa, 2 de Março de 2016. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca CarvalhoIsabel Marques da Silva.