Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0675/16.9BEPRT
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28695
Nº do Documento:SA2202112090675/16
Data de Entrada:10/06/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT vem, nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de setembro de 2019, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara parcialmente procedente, por prescrição da dívida de IRC de 2003, a oposição deduzida por A……………. com os sinais dos autos, à execução fiscal nº 3204201207000332, instaurada no serviço de finanças de Vila Nova de Gaia 2 originariamente contra a sociedade “ B……….. S.A.”, e contra esta revertida.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso de Revista, vem interposto, nos termos do n.º 1 do art.º 285.º do CPPT, do Acórdão proferido em 08.10.2020, que negou parcialmente provimento ao recurso jurisdicional interposto pela FP, mantendo a decisão proferida em 1ª instância.

B. Ao contrário do que defende a FP, o Acórdão de que se recorre, entendeu que a Recorrida “foi citada quando já tinham ocorrido 5 anos após a liquidação, não sendo por via disso de aproveitar a citação da devedora originária como causa de interrupção.

C. A RFP apresentou um requerimento onde argui a nulidade do mesmo e pedir a sua reforma/retificação, no entanto, com vista a acautelar os interesses da FP, vem apresentar o presente recurso com vista a assegurar uma melhor aplicação do direito.

D. Quanto à admissibilidade de recurso de revista, violando a decisão recorrida o n.º 2 e 3 do art.º 48.º da LGT, os requisitos de admissão do presente recurso aferem-se nos termos do n.º 1 do art.º 285.º do CPPT, in fine, pois visam uma melhor aplicação do direito.

E. A questão em crise, mostra-se tratada pelo STA, em sentido contrário ao sufragado pelo TCA Norte na decisão recorrida, como se pode ver pela análise do acórdão de 25/09/2019, no recurso nº 0398/19.7BEPNF

F. E prende-se com saber se os 5 anos referidos no n.º 3 do art.º 48.º da LGT se contam i) a partir da liquidação [como entendeu o Acórdão recorrido] ou ii) do ano em que foi realizada a liquidação [como defende a FP].

G. Devendo o presente recurso ser admitido por exigência de melhor aplicação do Direito, mediante o tratamento contraditório da matéria e estando perante uma decisão juridicamente insustentável por claro e óbvio erro na aplicação da lei, nos termos do n.º 1 do art.º 285.º do CPPT, in fine.

H. Considerando o estatuído no n.º 2 e 3 do art.º 48.º da LGT, a decisão recorrida, bem como a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, consideraram que in casu, a dívida estava prescrita [não valorizando a citação da SDO], por entenderem que o Revertido foi citado depois do 5.º ano posterior ao da liquidação.

I. No entanto, considerando que, in casu, i) o prazo de prescrição é de 8 anos, ii) que tal prazo começa a contar a partir do termo do ano em que se verificou o facto, isto é em janeiro de 2004 e termina a 31 de dezembro de 2011, iii) a liquidação foi emitida em 2007 iv) a devedora originária foi citada em 25/01/2008 e v) a recorrida foi citada em 20/11/2012,

J. a RFP entende que o Acórdão de que se recorre não deveria ter concluído que a Recorrida foi citada quando já tinham ocorrido 5 anos após a liquidação, que ocorreu em 2007 (…)” [e, em consequência, não deveria ter entendido que a dívida estava prescrita].

K. Conclusão que será somente equacionável se se entender que os 5 anos referidos no n.º 3 do art.º 48.º da LGT são contados da data da liquidação e não do ano da liquidação.

L. Sobre a tal questão pronunciou-se o douto STA em 25/09/2019, no recurso nº 0398/19.7BEPNF, onde se pode ler que: “I - O Prazo de 5 anos a que se refere o artigo 48º, n.º 3 da LGT conta-se do final do ano civil em que ocorreu a liquidação do imposto e não da própria data da liquidação do imposto”.

M. Tomando em conta este entendimento propugnado pelo STA, a citação da Revertida realizada em 2012, foi efetuada antes do 5.º ano posterior ao da liquidação [que ocorreu em 2007], pois os 5 anos posteriores ao da liquidação são os anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012!

N. Assim, ao considerar como considerou o Tribunal a quo, que os cinco anos são contados da data da liquidação [e não do ano da liquidação], socorreu-se de uma interpretação da lei que colide claramente o próprio teor literal da norma, que manda contar os 5 anos a partir do ano em que foi realizada a liquidação.

O. Pelo que não se poderá manter na ordem jurídica decisão que afronte, não só a lei, como a jurisprudência superior.

P. Quanto ao valor dos presentes autos para efeitos de custas, considerando o n.º 2 do art.º 12.º do RCP, tal valor deve ser fixado em € 218.838,43, valor que corresponde ao decaimento da FP. Sem prescindir,

Q. Se se entender que o valor dos presentes autos corresponde ao valor fixado em 1.ª instância [€ 804.646,15], impõe-se equacionar a possibilidade de dispensa de remanescente prevista na 2.ª parte do n.º 7 do art.º 6 do RCP ou, subsidiariamente, a fixação de um montante considerado justo e equilibrado, o que se requer.

Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Exªs, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, muito doutamente suprirão, se requer que seja julgado procedente o presente recurso de decisão jurisdicional, em sede de oposição judicial, revogando-se o douto acórdão recorrido, na parte me que julgou prescrita a dívida de IRC de 2003.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu pronúncia nos seguintes termos: .

Afigura-se-nos que nada obsta à apreciação preliminar da admissibilidade do recurso, nos termos do nº6 do artigo 285º do CPPT, quanto à questão de saber se o segmento final do nº 3 do artigo 48º da LGT - "(citação) for efetuada após o 5º ano posterior ao da liquidação" - deve ser interpretado com referência ao termo do ano civil ou ao decurso do prazo de 5 anos contado da data do ato de liquidação.

4 – Dá-se por reproduzido, para todos os legais efeitos, o probatório fixado no acórdão recorrido (folhas 5 a 7 da respectiva numeração autónoma)

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos.

O acórdão do TCA Norte sindicado no presente recurso confirmou o julgado de 1.ª instância no sentido da parcial procedência da oposição, em virtude da prescrição da dívida exequenda de IRC do ano de 2003.

Alega a recorrente AT, como fizera já sem sucesso junto do TCA, não ser correcta a afirmação de que a citação da responsável subsidiária fora efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação - daí que a interrupção da prescrição relativamente à sociedade devedora originária não produzisse efeitos em relação a ela (artigo 48.º n.º 3 da LGT) -, pois que, tendo sido citada a 20 de novembro de 2012, o fora ainda dentro do 5.º ano posterior ao ano da liquidação (ocorrida em 2007), alegando que a posição assumida no acórdão do TCA-Norte sindicado contraria a jurisprudência deste STA, consignada no nosso Acórdão de 25 de setembro de 2019 (rec. n.º 0398/19), segundo o qual O Prazo de 5 anos a que se refere o artigo 48º, n.º 3 da LGT conta-se do final do ano civil em que ocorreu a liquidação do imposto e não da própria data da liquidação do imposto.

E assim parece ser efectivamente, embora não seja a este propósito muito claro o acórdão sindicado, pois que não trata especificamente e ex professo a questão da interpretação do n.º 3 do artigo 48.º da LGT (daí que o recurso para uniformização de jurisprudência não seja remédio processual para pôr termo à eventual contradição de julgados, por ausência de decisão expressa sobre a questão).

Assim, com o Digno Representante do Ministério Público junto deste STA, entendemos que se justifica a admissão da revista, in casu “para melhor aplicação do Direito”, por forma a permitir, se a tal nada mais obstar, a por termo orientação jurisprudencial desconforme à previamente assumida pelo órgão de cúpula da jurisdição, não sendo certo que o recurso para uniformização de jurisprudência, atentos os seus requisitos, pudesse servir esse mesmo fim.

A revista será, pois, admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o recurso.

Custas a final.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. - Isabel Marques da Silva (Relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.