Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0152/22.9BCLSB
Data do Acordão:01/12/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30434
Nº do Documento:SA1202301120152/22
Data de Entrada:12/13/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:FUTEBOL CLUB DE ALVERCA - FUTEBOL SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 20.10.2022 - que, negando provimento à sua apelação, manteve nos seus precisos termos o acórdão - de 22.07.2022 - do Tribunal Arbitral do Desporto [TAD] que - por unanimidade - concedeu parcial provimento ao recurso arbitral e anulou a decisão - de 25.03.2022 - pela qual o Conselho de Disciplina da FPF [Secção Não Profissional] condenara - no âmbito do «processo disciplinar nº50» - a FUTEBOL CLUB DE ALVERCA-FUTEBOL SAD, nas sanções de um jogo à porta fechada e multa no valor de 1.020,00€, pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 62º, nº1, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol [RD/FPF] - «Comportamento discriminatório».

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A recorrida - FUTEBOL CLUB DE ALVERCA-FUTEBOL SAD - apresentou contra-alegações nas quais defende, além do mais, a não admissão do recurso de revista «por falta de verificação dos necessários pressupostos legais» - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou a FUTEBOL CLUB DE ALVERCA-FUTEBOL SAD com as sanções supra indicadas por alegada tolerância de «comportamentos discriminatórios» por parte dos seus adeptos, no jogo oficial que fora realizado em 06.11.2021, a contar para a Liga 3 - não se poderia manter porque - fundamentalmente - não era de aditar ao naipe dos factos provados os que vinham reclamados pela FPF, e - atendendo apenas àqueles - não resultava apurado que a SAD arguida tivesse promovido, consentido ou tolerado a actuação dos seus adeptos, para além de que as expressões utilizadas por estes e dirigidas, de forma genérica, aos jogadores da equipa adversária, apesar de insultuosas - paneleiros e palhaços - não podiam ser qualificadas de discriminatórias do agente desportivo em razão da sua orientação sexual.

A FPF, perante a negação de provimento à sua apelação, discorda de novo, reiterando, no fundo, a tese jurídica do acórdão inicial - de 25.03.2022 do seu «Conselho de Disciplina» - bem como das alegações que teceu enquanto apelante. Defende que no acórdão recorrido se fez uma «errada» interpretação e aplicação dos «elementos do tipo de infracção» prevista no nº1, do artigo 62º, do RD/FPF, pois a conduta em causa traduz-se numa verdadeira discriminação - em razão de opções de cariz sexual - que foi tolerada, de forma consciente e voluntária, pela SAD arguida, dado que nada fez para que ela cessasse.

Mas a verdade é que no âmbito da «apreciação preliminar sumária» que cumpre a esta Formação fazer, torna-se bastante claro que a presente revista da FPF não deverá ser admitida. É que, para além de estarmos perante uma total sintonia entre as decisões que revogaram o acórdão punitivo de 25.03.2022 - «acórdão arbitral» e «acórdão judicial» -constatamos que o discurso fundamentador do acórdão recorrido se mostra aceitável na subsunção da factualidade aos conceitos legais e na apreciação jurídica daí derivada, tudo no sentido do não preenchimento da infracção disciplinar que justificara a punição. Configurando, portanto, o acórdão ora recorrido, uma decisão juridicamente razoável e aparentemente correcta, deverá improceder a admissão da revista com fundamento na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito.

É certo que os comportamentos neste âmbito desportivo, pelo impacto que têm, são, à partida, dotados de relevância social, todavia, os contornos específicos da «questão» concreta aqui em causa acaba por impor a solução jurídica adoptada pelo acórdão ora recorrido como a mais acertada, retirando-lhe, por isso, «importância fundamental» a nível jurídico e até social.

Deste modo, entendemos não se verificar qualquer um dos pressupostos justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.