Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:047310
Data do Acordão:04/14/2005
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:CÂNDIDO DE PINHO
Descritores:EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.
AUTO-ESTRADA
NOTIFICAÇÃO.
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO.
PLANO RODOVIÁRIO NACIONAL.
PLANO REGIONAL DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO.
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL.
CONFLITO DE INTERESSES.
Sumário:I – Uma vez que a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação constitui o primeiro passo do procedimento expropriativo, com a notificação dessa resolução ao expropriando fica satisfeita a exigência legal do conhecimento pelo interessado directo do início do processo, nos termos do art. 10º, nº5, do Código das Expropriações aprovado pelo DL nº 168/99,de 18/09.
II – No processo expropriativo, por ser especial e ter carácter de urgência, não há lugar ao cumprimento do artº 100º do CPA, no tocante à audiência dos interessados, face ao disposto no art. 103º do CPA.
III – Os planos sectoriais, não visando directamente o ordenamento do território, são instrumentos de gestão de incidência territorial que desenvolvem e concretizam as políticas e directrizes definidas no programa nacional da política do ordenamento do território.
IV – As políticas de ordenamento territorial pautam-se pelos princípios da articulação e da compatibilidade entre os diversos planos, sendo que os planos sectoriais têm uma força vinculante superior à dos planos municipais, como os PDMs, obrigando-os a se adaptarem àqueles, segundo o princípio da hierarquia.
V – Os planos regionais de ordenamento do território (PROT) e os planos sectoriais de âmbito nacional com incidência espacial estão em primeiro lugar na salvaguarda dos respectivos interesses públicos a defender, como seja o caso da implementação de redes viárias nacionais (art. 16º do RJIGT: DL nº 380/99, de 22/09, alterado pelo DL nº 310/2003, de 10/12).
VI – O facto de um PDM não prever para determinada área a construção de infra-estruturas, tais como auto-estradas, e, pelo contrário, estabelecer a proibição de vias de comunicação, salvo caminhos municipais e vicinais, não significa que aquelas não venham a ser previstas em planos sectoriais posteriores, como é o caso do Plano Rodoviário Nacional.
VII – Se um PROT estabelecer uma zona imperativa de protecção aos sistemas aquíferos, ela ficará necessariamente afecta a um fim dominante ao qual todos os outros se subordinam e na qual fica proibido o desenvolvimento e a realização de obras ou acções que causem deterioração do meio ambiente, designadamente obras de que resulte a impermeabilidade de grandes superfícies de solo.
VIII – O PROT situa-se a um nível imediatamente superior ao do plano sectorial, nos termos dos arts. 10º, nº2, al.c), da Lei nº 48/98, de 11/08, e 23º, nº4, do DL nº 380/99, de 22/09.
IX – De acordo com o nº5 da Base XXI da concessão de auto-estradas à ..., os traçados das auto-estradas deverão compatibilizar-se com as normas e princípios constantes dos planos regionais, especiais e municipais de ordenamento do território, bem como respeitar o consignado para as áreas abrangidas pelo regime das reservas agrícolas e ecológicas nacionais (RAN e REN).
X – O acto administrativo que afronte não só as normas que obrigam à apontada compatibilização, como as que proíbem a construção de auto-estradas em zona imperativa de protecção do aquífero é nulo, nos termos do art. 103º do DL nº 380/99.
Nº Convencional:JSTA00062002
Nº do Documento:SA120050414047310
Data de Entrada:02/21/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:SEAOP E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SEA E DAS OBRAS PÚBLICAS N23090-C/2000.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
Legislação Nacional:CEXP99 ART10 ART11 ART15 ART20.
CPA91 ART7 ART8 ART95 ART96 ART97 ART100 ART124 ART125.
L 2037 DE 1949/08/19 ART161.
DL 294/97 DE 1997/10/24 BXXV.
L 48/98 DE 1998/08/11 ART8 ART9 ART10 ART11 ART20.
DL 380/99 DE 1999/09/22 NA REDACÇÃO DO DL 310/03 DE 2003/12/10 ART3 ART20 ART23 ART24 ART25 ART103.
DL 222/98 DE 1998/07/17 ART8.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC46819 DE 2002/12/12.
Referência a Doutrina:ALVES CORREIA MANUAL DE DIREITO DO URBANISMO V1 PAG252.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Secção do STA
I – Relatório
A..., casado, residente em Eiras Brancas, Paderne, 8200 Albufeira, recorre contenciosamente do despacho nº 23 090-C/2000 do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas que declarou a utilidade pública de, entre outras, uma parcela de terreno sua para a construção da A2 – Auto Estrada do Sul, Sublanço São Bartolomeu de Messines – VLA.
Ao acto imputa os vícios de violação de lei, concretamente:
- do art. 55º do CPA (art. 8º da pi);
- dos arts. 95º e 8º do CPA e 267º, nº 5, da CRP (art. 10º da pi);
- dos arts. 96º e 97º do CPA (art. 11º da pi);
- do art. 10º do Código das Expropriações (arts 11º e 12º da pi);
- dos arts. 9º, 20º e 22º do PDM de Albufeira (art. 15º da pi);
- dos arts. 7º, nº 4, al. a) e 13º, nº 2, al. a), do Plano Regional do Ordenamento do Território-Algarve (art. 16º a 18º da pi);
- do art. 9º, nº 4, al. c) do PDM de Albufeira (art. 19º da pi);
- do art. 4º do DL nº 93/90, de 19/03 (art. 21º da pi);
- da secção II do DL nº 236/98, de 01/08 (art. 24º da pi); da Directiva Habitats nº 92/43/CEE (art. 25º da pi); do DL nº 516/71, de 22/11 (art. 26º da pi);
- do DL nº 19/93, de 23/01 e art. 2º, nº 2 da Lei nº 11/87, de 7/04 (art. 27º da pi);
- dos arts. 11º e 14º do Código das Expropriações (art. 29º e 30º da pi).
E ainda vícios de forma, por:
- falta de fundamentação (art. 13º da pi); e
- falta de audiência dos interessados - art. 100º do CPA - (art. 28º da pi);
Em consequência, pede a declaração de nulidade do acto ou a sua anulação.
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Respondeu o Secretário de Estado das Obras Públicas (fls. 50) e contestou a recorrida particular, -Auto-Estradas de Portugal, S.A., (fls. 65 e segs.), ambos se batendo pelo improvimento ao recurso.
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Oportunamente, o recorrente apresentou as suas alegações (fls. 221/271) que, em complemento, concluiu da seguinte maneira (fls. 299/304):
«1ª Apesar de a declaração de utilidade pública constituir um dos mais importantes actos que ocorrem na dinâmica da relação jurídico-expropriativa, esse acto não pode ser considerado o acto constitutivo desta relação, na medida em que a sua prática pressupõe a prática de actos anteriores e a adopção de alguns sub-procedimentos anteriores autonomizados no Código das Expropriações de 1999, designadamente no art. 10º (resolução de expropriar), no art. 11° (tentativa de aquisição pelo Direito Privado) e no art. 12º (obtenção da declaração de utilidade pública).
2ª A aplicação do Código do Procedimento Administrativo à Resolução de Expropriar (um acto administrativo e um procedimento administrativo) resulta da própria natureza jurídico-administrativa desse acto e procedimento e de a sua prática, no âmbito de uma actividade materialmente administrativa, implicar o exercício de poderes de autoridade -artigos 1 °, 2°, nºs. 3, 5, 6 e 7, e art. 120º do CPA.
3ª É absolutamente irrelevante a tese da Recorrida Particular em torno impugnação unitária e da falta de "definitividade" e "executoriedade" da Resolução de Expropriar, pois o objecto do presente recurso contencioso é a declaração de utilidade pública da parcela em apreço e não a resolução de expropriar. Esta só releva neste recurso, no âmbito dos fundamentos que o Recorrente imputa ao acto recorrido (participação procedimental), pelo facto de a (in)validade do acto impugnado depender da (in)validade dos actos/sub-procedimentos que o precederam e prepararam, não obstante aqueles actos (por exemplo a resolução de expropriar) poderem padecer de vícios próprios, obviamente destacáveis.
4ª O direito de audiência dos interessados estabelecido no CPA aplica-se a todos os procedimentos administrativos, mesmo que especialmente regulados (art. 2°, n° 7, do CPA), pelo que é indubitável que a Resolução de Expropriar e todo o procedimento expropriativo subsequente e tendente à Declaração de Utilidade pública estão submetidos ao regime dos art. 55° e 100° do CPA, pois implicam o início de um procedimento administrativo e envolvem a prática de actos material e formalmente administrativos.
5ª Assim, o acto impugnado é inválido por violar os princípios da audiência dos interessados e da participação procedimental:
a) A Entidade Recorrida decidiu declarar a utilidade pública da parcela do Recorrente na sequência da resolução de expropriar da sem que se tenha comunicado por qualquer forma ao Recorrente o início do respectivo procedimento, designadamente o que se encontra regulado no art. 10° do CE, o que deveria ter sucedido antes de ter sido adoptada a resolução de expropriar, dado não estarem em causa matérias secretas ou confidenciais. Deste modo, o acto sub judice deverá ser declarado nulo ou anulado por manifesta violação dos arts. 7°, 8° e 55° do CPA e 267°, nº 5, da Constituição.
b) Porque a não notificou o Recorrente para a avaliação prevista no art. 10°, nº 4, do CE, resultaram violados, para além dos referidos na alínea anterior, os arts. 96° e 97° do CPA e 62°, nº 2, da Constituição, nos termos dos quais os interessados têm direito à indicação de um perito para acompanhar essa avaliação e de aí apresentarem quesitos a que o perito indicado pela deveria ter respondido.
c) Por outro lado, a deveria ter cumprido as exigências estabelecidas no CPA relativamente à referida avaliação, das quais se destacam, desde logo, a indicação da data, hora e local em que teve início a diligência e a identificação do perito designado para o efeito, o que efectivamente não fez, pelo que se violou, além das normas referidas na alínea anterior, o artigo 95° do CPA.
d) Importa referir, ainda, que, concluída a instrução e antes de ser praticado o acto recorrido, o Recorrente não foi notificado para se pronunciar sobre todos os elementos constantes do processo, designadamente sobre o próprio projecto de decisão, e requerer as diligências complementares que se mostrassem convenientes, violando-se assim, para além dos referidos na alínea anterior, os arts. 100° e ss. do CPA.
6ª- Contrariamente ao aduzido pela , a audiência prévia não estava dispensada, nos termos do art. 103°, n° 1, alínea a), do CPA, por se estar em presença de uma situação de urgência, pois ao tempo da prática dos actos que antecederam e prepararam a decisão recorrida, nenhum órgão da Administração Pública havia declarado a urgência desta expropriação, pelo que não poderia ser a ... (sociedade comercial que visa o lucro) a determinar a urgência da actividade administrativa que ela própria desenvolve e que condiciona os termos do procedimento administrativo legalmente estabelecidos. Por outro lado, a ... e a Entidade Recorrida nunca fundamentaram nos termos legalmente exigidos (art. 125° do CPA -fundamentação expressa, de facto e de direito, clara, suficiente e congruente) a urgência deste específico projecto e da concreta expropriação destas parcelas, limitando-se a invocar genericamente uma norma jurídica que prevê essa urgência, de uma forma geral e abstracta: o art. 103° do CPA consubstancia uma urgência material e não meramente formal, sendo sempre necessário demonstrar na situação real e concreta que não é possível satisfazer as exigências procedimentais, o que não aconteceu por qualquer forma na presente situação.
7ª Dado que o acto impugnado afecta a posição jurídico-patrimonial do Recorrente, designadamente o direito fundamental de propriedade privada, tinha necessariamente de ser fundamentado, de facto e de direito, com clareza, suficiência e congruência (art. 125° do CPA), em particular (i) quanto aos efeitos jurídicos ablativos que a sua execução determinará, (ii) quanto à localização do projecto na propriedade do Recorrente, (iii) quanto à urgência que declara e (iv) quanto à autorização de posse administrativa a que procede. Deste modo, foram violados os artigos 124° e 125° do CPA, art. 268°, nº 3, da Constituição e art. 15°, nº 2, do Código das Expropriações, o que determina a nulidade do acto recorrido (art. 133°, nº 2, alínea d), do CPA) ou, pelo menos, a respectiva anulação.
8ª- O acto impugnado viola o Plano Director Municipal de Albufeira e o Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve, pelo que é nulo (cfr. art. 103° do Decreto-Lei nº 103º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro). Na verdade,
a) A parcela expropriada do Recorrente encontra-se localizada na freguesia de Paderne onde, por força do disposto no art. 1 °, nº 1, do Anexo I ao PDM de Albufeira, são proibidas quaisquer obras de construção que alterem as características desta localidade, designadamente, construção de vias de comunicação;
b) as expropriações determinadas pelo acto impugnado para a execução desta auto-estrada abrangem diversas áreas classificadas como Reserva Ecológica Natural (REN), sendo alguns terrenos expropriados qualificados pelo Plano Director Municipal de Albufeira como zona de protecção de recursos naturais, integrada nos espaços de recursos naturais e de equilíbrio ambiental (arts. 9° e 22° do seu Regulamento), sendo certo que o referido PDM não prevê para este local a construção de qualquer infra-estrutura desta natureza.
c) o acto impugnado determina ainda a expropriação de terrenos para a construção desta auto-estrada numa zona de recursos naturais e de equilíbrio ambiental que, nos termos do art. 7°, nº 4, a), do PROT -Algarve, é classificada como zona imperativa de protecção aos sistemas aquíferos e a zona onde se situa a parcela expropriada está integrada na Zona de Protecção ao Aquífero Querença -Silves.
d) o traçado do sublanço S. Bartolomeu de Messines NLA atravessa uma das zonas do Aquífero Querença -Silves com nível de infiltração máxima, pelo que nos termos do art. 9°, nº 6, c), do PDM de Albufeira, estão proibidas quaisquer acções que criem riscos de contaminação dos aquíferos.
9ª Não tendo sido o Plano Director Municipal de Albufeira nem o PROT-Algarve objecto de qualquer revisão ou alteração nesse sentido nos termos dos arts. 93º e ss. do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, obrigam nos exactos termos em que vigoram -caso contrário seria de todo irrelevante a adopção de planos urbanísticos. Assim, só seria admissível a prática de actos que autorizassem ou determinassem a construção desta auto-estrada no local em causa, como se verifica com o Despacho sub judice, se houvesse sido previamente proferido por entidade competente e respeitando as demais exigências de legalidade, um acto que permitisse a desafectação da parcela expropriada do regime a que se encontra sujeita.
10ª As expropriações determinadas pelo acto recorrido para viabilizar um traçado do Sublanço S. Bartolomeu de Messines/VLA determinam a sua localização em diversas áreas classificadas como Reserva Ecológica Nacional, sem que tenha sido demonstrado não haver alternativa económico-ambiental aceitável para outros traçados, que foram efectivamente ponderados e equacionados, pelo que resulta violado o regime jurídico da REN estabelecido, entre outros diplomas, no Decreto-lei nº 93/90, de 19 de Março (cfr. arts. 4º e 15º deste diploma).
11ª- A localização deste projecto expropriante, relativo ao Sublanço S. Bartolomeu de Messines/VLA, determina que este traçado atravesse o maior lençol de água subterrâneo do Algarve e se localize na Zona de Protecção ao Aquífero Querença -Silves, o maior do Algarve e da Península Ibérica pelo que viola o regime jurídico nacional e internacional, de protecção das águas (secção II do Decreto-lei nº 236/98, de 1 de Agosto - cfr. art. 13º).
12ª A localização do projecto expropriante pelo acto impugnado determina que o traçado do sublanço São Bartolomeu de Messines-VLA atravesse diversas zonas classificadas no âmbito da Rede Natura onde existem dezenas de habitats naturais cuja manutenção será impedida pela construção do sublanço S. Bartolomeu de Messines/VLA, em violação da Directiva Habitat nº 92/43/CEE).
13ª - Este troço da auto-estrada situa-se em solos situados na zona de protecção ao Castelo de Paderne, classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto-Lei nº 516/71, de 22 de Novembro. A protecção da paisagem de modo a garantir a preservação de valores culturais de interesse histórico é uma das tarefas que incumbe ao Estado, no cumprimento do dever jurídico-constitucional de protecção ao ambiente e na promoção do direito fundamental de todos os cidadãos ao ambiente, tutelado no art. 66°, nº 2, c) da Constituição.
14ª Assim, para além dos diplomas referidos e de outros, o acto impugnado viola o Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro (Rede Nacional de Áreas Protegidas), cujos princípios gerais visam a protecção dos recursos naturais contra todas as formas de degradação e a Lei nº 11/87, de 7 de Abril, nomeadamente, o princípio geral da política de ambiente que tem por objectivo optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, como pressuposto de um desenvolvimento auto-sustentado (cfr. art. 2°, nº 2 da Lei de Bases do Ambiente).
15ª O Despacho impugnado (declaração de utilidade pública, com urgência e autorização de posse administrativa) enferma de incompetência, pois o órgão recorrido não detinha poderes originários para o efeito (os secretários de estado não têm competências próprias -art. 5° da Lei Orgânica do Governo, aprovada pelo Decreto-Lei nº 474-A/99, de 8 de Novembro) nem poderes derivados, pois não existe qualquer lei de habilitação, como é exigido no art. 35° do CPA, que permitisse ao órgão normalmente competente, o Ministro do Equipamento Social (art. 14°, nº 1, do Código das Expropriações) delegar este poder no órgão recorrido.
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O recorrido SEOP (fls. 276/279) e ... (fls. 282/294) apresentaram, igualmente, as suas alegações, reiterando no essencial as posições anteriormente assumidas.
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O digno Magistrado do MP opinou, por fim, no sentido de que o recurso não merece provimento (fls. 318/320).
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A fls. 325 foi suscitada oficiosamente a questão da eventual inutilidade superveniente da lide, atendendo à circunstância de a auto-estrada se encontrar já em funcionamento.
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Dada a possibilidade de as partes se pronunciarem sobre o assunto, apenas os recorridos sobre ele opinaram, aceitando a tese da inutilidade (fls. 330 e 338).
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Proferido acórdão a declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (fls. 345/350), viria o respectivo aresto a ser revogado por acórdão do Pleno, que determinou o prosseguimento da lide para apreciação dos fundamentos do recurso (fls. 449 e segs.).
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É o que ora cumpre fazer.
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II- Os Factos
1- O recorrente é proprietário do prédio rústico sito na freguesia de Paderne, concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 0,292, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 70º, Secção AD.
2- Por deliberação da ..., de 16/08/2000, foi tomada a deliberação de requerer a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações necessárias à construção do sublanço S. Bartolomeu de Messines/VLA da A2 Auto-Estrada do Sul (fls. 113).
3- Por carta de 23/08/2000 o recorrente foi notificado pela ... de que esta havia tomado «a resolução de requerer a expropriação por utilidade pública com carácter de urgência ao abrigo do art. 16º do Decreto-Lei nº 49 319, de 25 de Outubro de 1969», de uma parcela de terreno nº 301, a destacar do prédio referido em 1 (fls. 110).
4- Por despacho nº 23 090-C/2000 (2ª série), de 30/09/2000, publicado no DR, II, de 13/11/2000, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção do Sublanço São Bartolomeu de Messines-VLA e autorizada a respectiva posse administrativa (fls. 1 do p.a e 78 dos autos).
5- Por carta de 20/12/2000 foi o recorrente notificado da declaração de utilidade pública (fls. 116).
6- Dessa parcela viria a ... a tomar posse administrativa em 21/03/2001 (fls. 143 dos autos).
7- O Sublanço da A2 São Bartolomeu de Messines-VLA está concluído e toda a auto-estrada, designadamente na parcela de terreno em causa, se encontra aberta ao tráfego desde 25 de Julho de 2002.
8- O Plano Director Municipal de Albufeira não prevê para o local da referida parcela a construção de nenhuma auto-estrada (fls. 22/25).
9- Algumas das zonas a expropriar estão integradas na Zona de Protecção ao Aquífero Querença-Silves segundo o PROT-Algarve.
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III-O Direito

1. Não sendo exceptiva a matéria invocada pela recorrida particular “...” nos pontos 2.1 a 2.7 da sua contestação, (melhor o reconhece agora o relator, pese embora o que sobre o assunto foi adiantando no despacho de fls. 480), limita-se ela a responder ao fundamento utilizado pelo recorrente na sua petição inicial para justificar a invocação de alguns vícios imputados ao acto: o de que a invalidade da “resolução de expropriar”, prévia que é à declaração de utilidade pública e constituindo decisão tomada no âmbito do sub-procedimento expropriativo, deve ser apreciada no quadro do recurso do despacho final de declaração de utilidade pública.
Por conseguinte, não se justifica uma abordagem autónoma do tema, até porque o objecto do recurso é, precisamente, a declaração de utilidade pública.
Em todo o caso, e apenas para situar a questão numa base de sustentação para a discussão dos vícios que adiante se conhecerão, dir-se-á, acompanhando a reflexão que este STA teve oportunidade de efectuar em caso idêntico, que o acto recorrível é, neste tipo de processos, o acto que declara a utilidade pública da expropriação.
Disse a respeito o Ac. do STA de 12/12/2002, Proc. nº 046819:
«O Acto expropriativo, isto é, a declaração de utilidade pública da expropriação, é obviamente aquele que ofende a esfera jurídica do destinatário, restringindo-a na proporção. Aquele acto expropriativo é, pois, claramente, o acto lesivo do direito do proprietário no procedimento administrativo, sendo, por isso também o acto contenciosamente recorrível (cfr. Ac. de 23.01.01, rec. 46230).
A resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação a que se refere o artº 10° do CE insere-se no procedimento administrativo da expropriação por utilidade pública com a natureza de acto preparatório desta, justamente o seu acto inicial impulsionador do processo, o que contém a deliberação de formular a pretensão do interessado – mera pretensão a ser apreciada pela autoridade competente – de ser levada a efeito a expropriação a seu favor.
Tal resolução não determina, por si, qualquer efeito jurídico na pessoa do recorrente, porquanto envolve mero acto do interessado que deve acompanhar o requerimento de declaração de utilidade pública, nos termos do artº 12°, mas que não envolve ainda qualquer lesão ou prejuízo para o agravante.
Tratando-se de mero acto prodómico ou procedimental a integrar a instrução do processo expropriativo, a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação (e não a "Resolução de Expropriar" como a recorrente erradamente lhe chama) não tem a natureza de acto administrativo lesivo dos direitos e interesses do recorrente…».
Dito isto, apreciemos cada um dos vícios que, entre os suscitados na petição inicial, o recorrente manteve nas conclusões das suas alegações finais.
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2.1- Na conclusão 5ª, al.a) - cfr. fls. 300 - o recorrente adverte que não foi lhe comunicado o início do procedimento, designadamente o que se encontra regulado no art. 10º do C.E.
E assim, por tal não ter acontecido, teriam sido violados os arts. 7º, 8º e 55º do CPA e 267º, nº5, da CRP.
Contudo, o que aqui se mostra fundamental, enquanto marco inicial de um procedimento expropriativo, é a comunicação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação. E tal foi feito, como se pode ler a fls. 110 dos autos, por envio do ofício nº 890/NEP-A/00, de 23/08/2000 da “... ...”.
Assim, achando que essa notificação – feita, aliás, em cumprimento do art. 10º, nº5, do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09 - não o esclarecia completamente, e querendo o interessado conhecer o teor completo do requerimento, poderia ter solicitado certidão integral do respectivo documento. O que não pode é, agora, dizer que não pôde intervir nessa fase do procedimento para colaborar com a Administração ou para participar na decisão que lhe dissesse respeito, conforme é desígnio ínsito nas disposições legais invocadas.
Portanto, uma vez que a referida resolução constitui o primeiro passo procedimental do processo expropriatório, com a sua notificação ao expropriando entende-se estar satisfeita a exigência legal do conhecimento pelo interessado directo do início do processo (no mesmo sentido, sobre caso igual, o cit. acórdão do STA).
Significa que não se mostram violados os alegados preceitos.
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2.2-Na conclusão 5ª. al.b), entende o recorrente que a “...” não o notificou para a avaliação prevista no nº 4, do art. 10º do C.E. E assim, não teve oportunidade de indicar um perito para acompanhar a avaliação e de aí apresentar quesitos a que o perito da “...” devesse ter respondido.
Dessa maneira, considera violados os preceitos legais anteriormente citados e, bem assim, os arts. 96º e 97º do CPA e 62º, nº2, da CRP.
Ora, os encargos a que se refere o art. 10º, nº4 do CE são nessa fase do processo apenas os encargos previsíveis, num juízo antecipatório que visa acautelar minimamente os interesses do expropriado através da garantia do depósito a que alude o art. 20º, nº1, al.b) do mesmo Código. Por isso, a lei contenta-se com a avaliação de um único perito da lista oficial, «da livre escolha da entidade interessada na expropriação» (nº4, cit., in fine), sem a intervenção, portanto, do expropriado.
A intervenção do interessado, nomeadamente para apresentação de quesitos, circunscreve-se a uma outra fase, designadamente a da vistoria ad perpetuam rei memoriam, com um fim totalmente diferente (cfr. art. 20º, nº3, CE), e para a qual foi devidamente notificado, de resto (cfr. fls. 119/122 dos autos).
O que quer dizer que o regime das peritagens e avaliações nas expropriações segue os termos previstos no respectivo Código. Assim é que, nos termos e para efeitos do art. 10º, nº4, não havia que proceder à nomeação alargada de peritos, não se aplicando à situação o disposto nos arts. 96º e 97º do CPA. O que força a concluir, igualmente, que o preceito constitucional citado não se mostra ofendido (neste sentido, ver o mencionado Ac. do STA).
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2.3- Na conclusão 5ª, al.c), a recorrente insiste no mesmo ponto. Em sua opinião, para a dita avaliação (a referente ao nº4, do art. 10º) deveria a “...” ter diligenciado pela indicação da data, hora e local da sua realização, bem como da identificação do perito designado para o efeito.
Uma vez que tal não foi observado, ter-se-ia violado o art. 95º do CPA.
Como dissemos, ao caso não são aplicáveis as normas do CPA referentes a vistorias e avaliações, dado que o Código das Expropriações nessa matéria é suficientemente dotado de regras especiais próprias, portanto, sem lacunas que seja necessário preencher através do recurso a normas gerais.
Acresce que, nesta fase do procedimento, e para além do que atrás dissemos, o Código das Expropriações só obriga a notificar o interessado da resolução de requerer a utilidade pública, com a proposta de aquisição baseada no relatório do perito, nos casos em que a aquisição seja por «via de direito privad e não quando a expropriação tiver carácter urgente (cfr. art. 10º, nºs 1 e 5, 11º, nº2 e 15º do CE), como foi o caso.
Por conseguinte, a notificação a que o recorrente se refere não consta do catálogo legal de actos, operações e diligências que o expropriante deva empreender, pelo que improcede a conclusão respectiva.
*
2.4- Na alínea d) da mesma conclusão 5ª, e na conclusão 6ª, o recorrente sustenta ainda que, concluída a instrução, não foi notificado para se pronunciar sobre todos os elementos constantes do processo e para requerer as diligências que se mostrassem convenientes, o que consubstanciaria violação do art. 100º do CPA.
Sobre o assunto, permitimo-nos transcrever, uma vez mais, o que o citado aresto deste STA afirmou:
«… como é jurisprudência deste Supremo Tribunal expressa designadamente no Ac. de 4.10.01, rec. 36854, não há, igualmente, lugar ao cumprimento do artº 100° do CPA (…). Em primeiro lugar porque, tratando-se de procedimento especial tal consulta não está prevista no CE onde, aliás, se prevêem as formas de participação dos interessados no procedimento. Depois, por razões ligadas à própria natureza urgente do procedimento que é incompatível com uma diligência desse tipo. De resto, esta solução sempre resultaria, claramente, do disposto no artº 103°, nº 1, alínea a) do CPA, onde se prevê a dispensa de audiência dos interessados "quando a decisão seja urgente", como é o caso».
Porque acolhemos esta argumentação, concluímos não ser necessário o cumprimento do art. 100ºdo CPA.
E não se diga, como o faz o recorrente, que o carácter de urgência não pode ser meramente formal e que, por isso, seria preciso que a Administração ou a ... devessem previamente ter declarado a urgência da expropriação em termos materiais devidamente fundamentados.
Na verdade, embora o art. 15º do C.E. determine que a atribuição do carácter urgente deva ser sempre fundamentada, o certo é que nos termos do artº 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei 2037, de 19 de Agosto de 1949, as expropriações de bens imóveis para construção, alargamento ou melhoramento de Estradas nacionais são consideradas urgentes. O carácter urgente das expropriações necessárias à construção de auto-estradas que são objecto de concessão resulta também do disposto na Base XXV anexa ao DL 294/97, de 24/10 (no mesmo sentido, cfr. arts 6º do DL 49319, de 25/10/69 e 6º, nº2, da Base XXVII anexa ao DL nº 351/91, de 20/08).
Estamos, pois, na presença de uma expropriação cujo carácter urgente resulta directamente da lei, sendo que o acto administrativo que declara a respectiva utilidade pública e autoriza a posse administrativa se conforma com aquela qualificação legal, sem necessidade de outra adicional fundamentação para justificar a sua urgência (nesse sentido, o citado Ac. do STA de 12/12/2002, Proc. nº 046819).
Com esta argumentação, improcedem as ditas conclusões.
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3- Na conclusão 7ª o recorrente prossegue para a invocação do vício de forma por falta de fundamentação, quanto aos efeitos ablativos que a sua execução determinará, quanto à localização do projecto expropriante, quanto à urgência que declara e quanto à autorização da posse administrativa a que procede, o que traduziria a violação dos arts. 124º e 125º do CPA, 268º, nº3 da CRP e 15º, nº do C.E.
Mas também aqui o recorrente carece de razão.
Além da natureza urgente derivar da lei, como já dissemos, também o acto que constitui o objecto do recurso acrescenta algo mais sobre essa natureza.
Refere a localização, que melhor identifica com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial e com uma planta anexa, esclarece que a urgência para a posse administrativa das expropriações “se louva no interesse de que as obras projectadas sejam executadas o mais rapidamente possível” (cfr. fls. 78 dos autos).
Não fala nos efeitos ablativos, é certo, nem tal era necessário.Com efeito, é do senso comum e do conhecimento geral qual a consequência de qualquer expropriação na esfera do proprietário do prédio afectado: a deslocação da titularidade privada do respectivo bem para o domínio público.
E deve dizer-se, ainda a propósito deste vício, que os elementos essenciais da fundamentação estão contidos no procedimento, com a enunciação suficiente das premissas e com a exteriorização do processo lógico que conduziu ao acto. Com efeito, se tudo parte do requerimento para a declaração da utilidade pública elaborado pela ..., então quer a razão da expropriação, quer o traçado da via quer, finalmente, a identificação dos bens imóveis atingidos pela expropriação estavam devidamente vertidos na deliberação da ... de 16/08/2000 que resolveu pedir a declaração de utilidade pública da expropriação e de que o recorrente, através do seu mandatário, obteve certidão (cfr. fls. 113 e sgs dos autos).
Improcede, pois, a matéria da referida conclusão.
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4.1- Na conclusão 8ª, al.a), defende o recorrente ter sido violado o art. 1º, nº1, do anexo I, do PDM de Albufeira, que proíbe quaisquer obras de construção que alterem as características da localidade.
O artigo em causa refere, efectivamente, que «Os núcleos antigos de Albufeira, Guia e Paderne deverão conservar as suas características, pelo que nenhumas obras de construção, reconstrução, modificação ou demolição poderão ser efectuadas se delas resultar alteração significativa das referidas características».
Em primeiro lugar, não é verdade que toda a freguesia de Paderne esteja contida na previsão normativa. Ela apenas proíbe a construção nos núcleos antigos de Paderne e os autos não revelam que esses núcleos tenham sido atingidos pelo lanço da auto-estrada.
Em segundo lugar, o espírito da norma parece estar orientado para a interdição de construção imobiliária de tipo urbano de modo a não ferir a estética urbanística da zona e a não se descaracterizar todo o conjunto dos referidos “núcleos antigos”.
Ora, a construção de uma via não parece constituir objecto de proibição.
De resto, e «Como se diz no Ac. de 6.12.2001, no proc. nº 44016 que decide sobre questão semelhante, a este respeito haverá que lembrar que os PDM são instrumentos normativos de ordenamento do território municipal, em ordem à optimização do seu espaço, em função das necessidades primárias, designadamente de ordem social, cultural e ecológica, visando a inventariação da realidade urbanística, a conformação e gestão do território, estabelecendo-se a definição dos princípios e regras das sua organização e a racionalização da ocupação do espaço.
O plano director municipal (PDM) é um plano municipal de ordenamento do território (cfr. artº 80° do DL 380/99, de 22.09) que define um modelo de organização do território municipal, nomeadamente nos aspectos consignados no artº 85° daquele diploma legal, relativos, principalmente, a acções com incidência e âmbito municipal, sendo elaborados pela câmara municipal, aprovados pela assembleia municipal e finalmente ratificados por resolução do Conselho de Ministros (artºs 74°, nº 1; 79°, nº 1 e 80°, nº 8).
Podendo embora integrar as opções de âmbito nacional e regional com incidência na respectiva área de intervenção, as suas disposições terão de ser interpretadas, designadamente de acordo com as normas que regem a competência de outras autoridades administrativas, designadamente da Administração Central em assuntos específicos da sua competência.
De outro modo o Estado ver-se-ia confrontado com o seu território totalmente ordenado, com eventual prejuízo para os interesses nacionais que lhe cumpre prosseguir e acautelar.
O enquadramento ou o traçado das grandes vias de comunicação estruturantes que possam vir a afectar o território municipal nem sequer está especialmente prevista entre as matérias que devem constar dos PDM, nos termos do referido artº 85° do DL 380/99, não sendo, de qualquer modo, afectadas as competências que, a nível de planeamento e localização das estradas nacionais, cabem à Administração Central e, mais especificamente à JAE (artº 4° do DL 380/85, de 26/09) ou, mais correctamente às entidades que lhe sucederam nas respectivas competências.
Os PDM não visam, pois, regular aquele tipo de acções de âmbito nacional, não lhe sendo directamente aplicáveis» (cit. Ac. do STA de 12/12/2002, Proc. nº 046819).
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4.2- Na alínea b) da referida conclusão, entende que a expropriação abrange diversas áreas classificadas como Reserva Ecológica Natural (REN) ou, segundo o PDM, como Zona de Protecção de Recursos Naturais, sendo certo que este instrumento não prevê para o local a construção de qualquer infra-estrutura desta natureza. E assim, estaria violado o disposto nos arts. 9º e 22º do PDM.
Os dispositivos citados referem que nas áreas da REN são proibidas acções de construção, por exemplo, de vias de comunicação (art. 9º, nº2) e que nelas só será possível o desenvolvimento das acções previstas nos nºs 3 e 4 do artigo 9º (art. 22º). E uma dessas acções - que constitui excepção aos condicionamentos ecológicos previstos no artigo 9º - é, precisamente, a construção de infra-estruturas viárias locais, designadamente caminhos municipais e vicinais (art. 9º, nº2, al.b)).
Assim, o que se questiona é se a construção de vias de alcance nacional, como o são as auto-estradas, não estará em tais casos proibida ou se, porventura, no âmbito do Plano Rodoviário Nacional (PRN) não estarão firmadas regras e princípios derrogatórios daqueles condicionamentos e proibições. E nesse caso, a questão que se porá é, unicamente, de eventual sobreposição ou conflito de interesses públicos.
Para melhor se enfrentar o tema, pergunta-se: os PDM deverão ceder o passo aos grandes desígnios nacionais, como os que emergem da tarefa governativa de promoção do desenvolvimento através, por exemplo, da construção de auto-estradas (citado acórdão do STA de 12/12/2002)?
Ou, serão já eles o produto de uma cooperação e concertação de interesses entre a administração central e a autárquica, pelo que, de algum modo, já representam para aquela uma certa forma de auto-vinculação de que não poderá descartar-se, sem prejuízo, claro, da possibilidade de alteração dos planos por consenso?
A resposta à questão importa que se acerte, desde já, na natureza do Plano Rodoviário Nacional, ao abrigo do qual a construção desta auto-estrada teve lugar.
O Instituto das Estradas de Portugal (IEP) foi qualificado pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), como Organismo de Normalização Sectorial (ONS) em 26/07/2001. E é nesse quadro de acção que surge o Plano Rodoviário Nacional (aprovado pelo DL nº 222/98, de 17/07, alterado pela Lei nº 98/99, de 26/07 e DL nº 182/2003, de 16/08), como plano sectorial que visa a execução da política de infra-estruturas rodoviárias no domínio dos transportes terrestres (ver lista de planos sectoriais em: http:/campus.fct.unl.pt/mp/downloads/Planos.pdf).
Ora, os planos sectoriais não visam directamente «o ordenamento da área territorial por eles abarcada, mas a programação e a concretização de diversas políticas com incidência ou repercussão na organização do território» (Fernando Alves Correia, in Manual de Direito do Urbanismo, I, pag. 252).
Nesse sentido é que o Plano (sectorial) Rodoviário Nacional, embora com incidência territorial (art. 9º, nº3, da Lei de Bases do Ordenamento do Território e Urbanismo, ou LBOTU: Lei nº 48/98, de 11/08) nº 48/98), é um instrumento de gestão territorial (art. 8º, al.c), da Lei citada), que se limita a desenvolver e concretizar no sector da intervenção dos transportes e vias de comunicação as directrizes definidas no programa nacional da política de ordenamento do território (art. 10º, nº2, al.c), cit. dip.).
Já as disposições dos instrumentos de ordenamento municipal, têm uma génese própria, com um fundamento essencial que repousa nas especificidades do território a preservar, nas suas peculiares características, na natureza da sua geografia e morfologia, na riqueza do seu solo e subsolo, na diversidade biológica, na ancestralidade do seu património, na sua culturalidade, etc, etc. Isto é, é um diploma estratégico de desenvolvimento local que estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do solo, bem como parâmetros de ocupação deste, no âmbito da implantação dos equipamentos sociais, promovendo ainda o desenvolvimento da qualificação dos solos urbano e rural. Ou seja, o PDM é um instrumento de planeamento territorial de uma determinada circunscrição local (art. 9º, nº2, al.a), cit. dip.).
Por nossa parte, afigura-se-nos temerário afirmar que os planos sectoriais não devam ter em atenção a força e o sentido dos instrumentos de ordenamento territorial de âmbito mais restrito, como os de ordenamento municipal, sem esquecer, ainda assim, que estes também não podem ultrapassar as metas do programa nacional da política do ordenamento do território e dos planos regionais. É tudo um problema de hierarquia.
É preciso, assim, indagar caso a caso os alcances de uns e outros, sem esquecer jamais que as políticas de ordenamento se devem pautar pelo princípio da articulação entre as diversas entidades públicas (Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais), como bem o determinam os arts. 4º, 5º, al.), 16º, 17º, da LBOTU (Lei nº 48/98, de 11/08) e 20º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, ou RJIGT (DL nº 380/99, de 22/09, na redacção do DL nº 310/2003, de 10/12).
Importa, por outro lado, não esquecer que todos os instrumentos de gestão territorial vinculam as entidades públicas, sendo que os planos municipais vinculam ainda os particulares (art. 11º da Lei nº 48/98. Ver, ainda, art. 3º do citado DL nº 380/99, de 22/09, alterado pelo DL nº 310/2003, de 10/12).
É dentro desse mesmo espírito que a resolução de expropriar, preparatória da declaração de utilidade pública, se quer que seja fundamentada expressa e claramente com a menção daquilo que está “previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização” (art. 10º, nº 1, al. d), do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09).
Poderíamos dizer, numa análise breve e perfunctória à Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e do Urbanismo (Lei nº 48/98 cit.) que os planos sectoriais não podem sobrepor-se aos interesses das autarquias locais. E esta conclusão até tem alguma sustentação, atendendo ao dever de audição prévia das autarquias pela administração central e pelo Governo tendo em vista a elaboração dos planos sectoriais (cfr. art. 20º, nº6, cit. dip.).
No entanto, esse dever de audição não significa, necessariamente, que as autarquias disponham de um poder de supremacia sobre aqueles. A intervenção das autarquias servirá para concertar a política do plano com eventuais interesses municipais vertidos em algum PDM. Quer dizer, a defesa dos interesses públicos nacionais deve procurar conciliar a defesa dos interesses públicos municipais.
Mas, a questão da articulação de que acima falávamos parece, por outro lado e ao mesmo tempo, conferir aos planos sectoriais uma força de hierarquia superior, segundo se depreende do art. 10º, nº3, da Lei de Bases, ao determinar que «Os planos regionais de ordenamento do território e os sectoriais vinculam as entidades públicas competentes para a elaboração e aprovação de planos municipais relativamente aos quais tenham incidência espacial, devendo ser assegurada a compatibilidade entre os mesmos» (sublinhado nosso).
Como se vê, o que importa sempre é a articulação e compatibilidade entre uns e outros, sem no entanto deixar de se ter presente que, no jogo de forças e de hierarquia, os interesses defendidos pelos planos regionais e pelos planos sectoriais estão à frente dos interesses locais, sempre que alguns deles tenham que ser sacrificados.
Assim se percebe que, para efeitos da implementação das redes rodoviárias nacionais (também estradas regionais, portos e aeroportos), as entidades responsáveis pelos vários âmbitos de intervenção devam estabelecer procedimentos de informação permanentes que garantam a coerência das opções definidas pelo programa nacional da política de ordenamento do território, pelos planos regionais e planos intermunicipais de ordenamento do território, pelos planos sectoriais relevantes e pelos planos municipais de ordenamento do território (art. 16º do do RJIGT). Quer dizer, nesses casos específicos os PDMs surgem no último lugar do elenco, antecedidos dos planos sectoriais, no respeito que lhes seja merecido para efeito de implementação das redes viárias nacionais.
E isto, afinal, é assim porque são de «âmbito nacional» os planos sectoriais com incidência territorial (art. 2º, nº2, do RJIGT: DL nº 380/99), como é o caso presente.
Parece, portanto, oportuno dizer, em tese, que os planos regionais e os sectoriais de âmbito nacional com incidência espacial estão em primeiro lugar na salvaguarda dos respectivos interesses públicos a defender.
É nesta linha de raciocínio que o Dec-Lei nº 222/98, de 17.7 – diploma que estabelece o Plano Rodoviário Nacional e define a respectiva rede – prescreve que só relativamente às circulares e variantes nas cidades médias os traçados devem articular-se com os instrumentos de planeamento e de ordenamento do território, de âmbito regional e municipal” (art. 8º), levando a concluir que, fora dessas hipóteses, prevalecem as suas disposições sobre os interesses defendidos noutros instrumentos, nomeadamente os de âmbito municipal.
Pois bem. O pano de fundo a que atrás se assistiu no quadro da compatibilização e harmonização entre planos e interesses a eles subjacentes, se denota o princípio da hierarquia entre planos sectoriais e planos municipais (e neste sentido, lembremos o art. 10º, nº3, da Lei nº 48/98 e citemos, agora também, o 24º, nº3, do DL nº 380/99), isoladamente pode não habilitar a dar resposta às situações em que o plano municipal seja anterior ao plano sectorial, como aqui sucede.
E então pergunta-se:
Se o plano municipal estabelece zonas de protecção especial, como deverá ser feita a compatibilização de um plano sectorial posterior que preveja, por exemplo, a construção de um lanço de auto-estrada para elas?
Responde o art. 10º, nº5, da Lei nº 48/98:
«Na elaboração de novos planos de gestão territorial devem ser identificados os planos, programas e projectos com incidência na área a que respeitam, já existentes ou em preparação, e asseguradas as necessárias compatibilizações».
De maneira semelhante, prescreve também o art. 25º, nº1 do DL nº 380/99:· «Os planos sectoriais e os planos regionais de ordenamento do território devem indicar quais as formas de adaptação dos… planos municipais de ordenamento do território pré-existentes…».
Ou seja, também ao nível da repercussão temporal, os planos municipais devem assegurar as compatibilizações com os novos instrumentos de gestão territorial.
Quer isto dizer não ser correcto afirmar que o facto de os arts. 9º e 22º do PDM de Albufeira (Resolução do Conselho de Ministros nº 43/95) proibirem a construção de infra-estruturas viárias de comunicação na área da REN, não venha a ser possível a previsão da construção de auto-estrada nessa área por plano sectorial posterior, como acontece com o Plano Rodoviário Nacional, e pelo correspondente acto expropriativo que o respeite e aplique. Trata-se de uma questão de hierarquização normativa, cuja observância concreta afasta a invocada invalidade.
Assim, não podemos sufragar a afirmação do recorrente a propósito da violação daqueles normativos.
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4.3- Na alínea c) da mesma conclusão, o recorrente assevera que o acto determina a expropriação para a construção da auto-estrada numa zona de recursos naturais e de equilíbrio ambiental que, nos termos do art. 7º, nº4, al.a), do PROT-Algarve, é classificada como zona imperativa de protecção aos sistemas aquíferos, como é o caso da Zona de Protecção ao Aquífero Querença-Silves. O que tornaria nulo o acto, nos termos do art. 103º do DL nº 380/99.
Vejamos.
O Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROT-Algarve) determina, efectivamente, no art. 7º, nº4, que as “zonas de protecção aos sistemas aquíferos” são zonas imperativas.
São zonas que ficam afectas a um fim dominante, «ao qual todos os outros se subordinam» (art. 12º, do PROT-Algarve) e nas quais fica proibido o desenvolvimento de actividades e a realização de obras ou acções que causem deterioração do meio ambiente com reflexos na qualidade e quantidade das águas subterrâneas, designadamente obras de que resulte a impermeabilização de grandes superfícies de solo (art. 13º, nº2, al.b), cit. dip.).
Ora, de acordo com o n° 5 da Base XXI da concessão de auto-estradas à ..., regulada pelo DL 294/97, de 24 de Outubro, os traçados, ramais e nós de ligação e as áreas de serviço deverão compatibilizar-se com as normas e princípios constantes dos planos regionais, especiais e municipais de ordenamento do território, bem como observar o consignado para as áreas abrangidas pelo regime das reservas agrícola e ecológica nacionais (áreas de RAN e de REN).
O que significa que o PROT tem aqui uma força vinculativa de compatibilização dos planos sectoriais e, naturalmente, dos actos administrativos posteriores que os visam aplicar em cada caso concreto.
Compatibilização vinculante que igualmente já resulta:
a) do art. 10º, nº2, al.c), da Lei nº 48/98, que assim determina:
«a elaboração dos planos sectoriais visa a necessária compatibilização com os planos regionais de ordenamento do território, relativamente aos quais tenham incidência espacial»);
b) do art. 23º, nº4, do DL nº 380/99, que assim dispõe:
«A elaboração dos planos sectoriais é condicionada pelas orientações definidas no programa nacional da política de ordenamento do território que desenvolvem e concretizam, devendo assegurar a necessária compatibilização com os planos regionais de ordenamento do território» (sublinhado nosso).
Assim sendo, cremos que não interessa apelar ao DL nº 186/90, de 6/07 (alterado pelo DL nº 278/97, de 8/10; actualmente, porém, revogado pelo DL nº 69/2000, de de 3/05). Realmente, embora se trate de um diploma de assinalável relevo na política do ambiente, tanto que obriga a avaliação de impacte ambiental em certos casos, nomeadamente na construção de auto-estradas (cfr. anexo I, nº7), o certo é que o seu alcance é distinto daqueles que atrás estudámos. Na verdade, uma coisa é o estudo do impacte ambiental (EIA) prévio à aprovação de alguns empreendimentos públicos e privados que possam colidir com os interesses públicos do ambiente, outra diferente é a normação que impõe a articulação e compatibilização de planos e actos com anteriores planos de gestão territorial ou que determina, inclusive, a proibição de planos e actos que resultem na aprovação de projectos de obras em ofensa clara a interesses públicos proeminentes bem precisos. Ou seja, não é só pelo facto de um projecto de determinada obra ter sido precedida do EIA que passa a ser válido o acto respectivo. Para tanto, e sob pena de invalidade grave, sempre será necessário que ela seja compatível com os instrumentos de ordenamento territorial relevantes no caso e que não esbarrem com normas que a proíbam para certa área ou zona.
Ora, uma vez que o plano sectorial se situa a um nível de hierarquia imediatamente inferior ao do PROT, e porque o acto em apreço afrontou não só as normas que obrigariam à apontada compatibilização, como as que proibiam a construção da auto-estrada em desrespeito da zona imperativa de protecção do aquífero, pode enfim dizer-se que ele é irremediavelmente inválido, sofrendo da nulidade de que trata o art. 103º do DL nº 380/99.
Procede, assim, a referida conclusão, com prejuízo do conhecimento das demais.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, declarando nulo o acto impugnado.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Abril de 2005. – Cândido de Pinho (relator) – Azevedo Moreira – Pais Borges.