Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02963/13.7BEPRT
Data do Acordão:07/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24796
Nº do Documento:SA12019071002963/13
Data de Entrada:06/03/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… intentou, no TAF do Porto, contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. acção administrativa especial pedindo que fosse “declarada nula a decisão administrativa pela qual foi decidida a modificação unilateral do contrato e a consequente exigência de devolução das ajudas recebidas;”

O TAF absolveu o Réu da instância por falta de suprimento ou correcção das deficiências ou irregularidades da petição inicial, ao abrigo dos nºs 2 e 4 do artigo 88º do CPTA e por referência à alínea l) do nº 1 do artigo 78º do CPTA.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte manteve.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Autor instaurou a presente acção pedindo a anulação do acto praticado pelo Presidente do Conselho Directivo do IFAP que decidiu a modificação unilateral do contrato entre eles celebrado e exigiu a devolução das ajudas recebidas.

O TAF do Porto absolveu o Réu da instância com a seguinte fundamentação:
…..
Nos termos do art.º 88º, nº 2 do CPTA, foi o A. notificado para proceder a tal indicação com a cominação de absolvição da instância do Réu, conforme previsto no nº 4 do mesmo preceito legal, nada tendo indicado.
A falta de suprimento ou correcção, nos termos do nº 2 do artigo 88º do CPTA, das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição inicial (nº 4 do art.º 88º do CPTA).
Em face do exposto, absolve-se o R. da instância.”

O TCA, para onde o Autor apelou, manteve essa decisão com um discurso de que se destaca o seguinte:
“Sustenta o Recorrente que o tribunal a quo errou ao ter absolvido da instância o Réu com base numa norma (a alínea l) do nº 2 artigo 78º do CPTA), que, no seu entender, desaparecera do ordenamento jurídico, por ter sido revogada com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 214-G/15, de 02/10, em 1/12/2015, violando, assim, o princípio da aplicação imediata da lei processual.
.....
Assim, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e administrativa, a regra é: ....: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não retroativa ......
Porém, ..... da submissão a esta regra geral exceptua-se, evidentemente, o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório.
....
O artigo 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/15, de 02/10, contém, quanto à aplicação no tempo das novas normas por este diploma introduzidas no CPTA, a seguinte regra:
As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao CPTA ... só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor.”
.....
Esta regra do nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 214-G/15, de 02/10, ao não contemplar quaisquer exceções, exclui a possibilidade de aplicação de qualquer das normas introduzidas por este decreto-lei aos atos praticados nas ações entradas em juízo antes de 1 de dezembro de 2015 (data da sua entrada em vigor).
Trata-se, pois de uma norma de direito transitório que afasta a regra geral da aplicação imediata das normas de processo.
Constata-se que, tendo o presente processo tido início em 16.12.2013 .... por via da norma transitória do nº 2 do artigo 15º Decreto-Lei nº 214-G/15, de 02/10, as alterações processuais introduzidas por este diploma ao CPTA, entre as quais a nova redação do nº 3 do artigo 78º deste Código, não se lhe aplicam.
Pelo que, e independentemente de outras considerações, se conclui que a sentença recorrida, que absolveu o Réu da instância por falta de suprimento ou correção, por banda do Autor, das deficiências ou irregularidades da petição inicial por referência à alínea l) do nº 2 do artigo 78º do CPTA, preceito ínsito na versão do CPTA vigente antes de 1 de dezembro de 2015, não violou o princípio da aplicação imediata da lei processual. ”

3. O Autor não se conforma com tal decisão, pelo que pede a admissão desta revista, para a qual formula, entre outras, as seguintes conclusões:
“2° O art° 78, n° 2, alínea l) do CPTA é uma norma adjectiva que foi revogada no momento da entrada em vigor do Dec. Lei 214-G/15 de 2/10, em 1/12/2015.
3° As normas adjectivas são de aplicação imediata aos processos pendentes, como sempre foi entendido pela doutrina ........
4° O Tribunal de 2ª instância entendeu, a nosso ver mal, haver retroactividade não permitida no caso sub judice, pelo que reiterou a decisão do Tribunal de 1ª instância, por entender que o momento da prática do ato (16/12/2013 - data de remessa da petição inicial ao TAF do Porto) deve relevar em detrimento do momento da decisão recorrida (18/11/2016).
5° Quando na verdade é no momento da decisão sobre a norma adjetiva que releva a aplicação do direito vigente, inexistindo retroatividade da lei quando a sua aplicação é imediata e reporta o próprio procedimento.
7° O douto acórdão violou o princípio da aplicação imediata da lei processual, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que ordene o normal prosseguimento dos autos.

4. A única questão que se coloca nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido errou ao ter absolvido o Réu da instância - por o Autor ter ignorado o convite que lhe foi dirigido para corrigir a petição inicial - com base numa norma (a al.ª l) do nº 2 artigo 78º do CPTA), que foi revogada pelo Decreto-Lei nº 214-G/15, de 02/10, violando, assim, o princípio da aplicação imediata da lei processual.
O TCA, confirmando a decisão do TAF, entendeu que o nº 2 do art.º 15º do citado DL era uma norma de direito transitório que afastava a regra geral da aplicação imediata das leis de processo e que, sendo assim, estava excluída a possibilidade de aplicação de qualquer das alterações as normas do CPTA introduzidas aquele DL aos actos praticados nas acções entradas em juízo antes de 1/12/2015 (data da sua entrada em vigor). Nesta conformidade, tendo o presente processo sido instaurado em 16.12.2013 as alterações processuais introduzidas no CPTA por aquele diploma, entre as quais a nova redacção do nº 3 do artigo 78º deste Código, não se lhe aplicavam.
Tudo indica que esse entendimento, fundado num discurso jurídico lógico e coerente, não merece censura, o que vale por dizer que as normas do CPTA que aqui serão aplicadas terão a redacção anterior à que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/15.
Tal não significa, porém, que a decisão recorrida seja absolutamente certa. Com efeito, a lógica que enforma as novas reformas processuais, maxime do CPTA, vai no sentido da promoção do princípio pro accione e, portanto, no sentido de se privilegiar o conhecimento do mérito, o que põe em dúvida o acerto da decisão recorrida.
Sendo assim, e sendo a questão aqui em causa de importância fundamental justifica-se a admissão da revista

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir o recurso.
Sem custas.
Porto, 10 de Julho de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.