Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0239/18.2BEVIS
Data do Acordão:01/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:PRINCÍPIO DA IGUALDADE
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:I - O legislador ordinário goza de ampla liberdade para definir quais os processos ou procedimentos tributários cuja pendência ou próxima instauração poderão vir a determinar a suspensão dos termos da execução fiscal instaurada para cobrança dos valores liquidados e em discussão naqueles, sem que essa escolha possa em si mesma ser violadora dos princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva.
II - Não resulta qualquer discriminação dos cidadãos em função da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, únicas constitucionalmente relevantes nos termos do disposto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, pela circunstância de o pedido de revisão do acto tributário, apresentado depois de esgotado o prazo de reclamação graciosa, nos termos do disposto no art.º 169.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, não ser passível de determinar a suspensão dos termos do processo de execução fiscal.
III - A tutela jurisdicional efectiva, art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa - acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos - mostra-se garantida pela previsão da forma processual de revisão do acto tributário cujas decisões são contenciosamente atacáveis e não por qualquer efeito suspensivo de processos de execução fiscal.

Sumário elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil
Nº Convencional:JSTA000P24029
Nº do Documento:SA2201901090239/18
Recorrente:A....TURISMO, SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
. de 16 de Outubro de 2018


Absolveu da instância a Fazenda Pública relativamente ao pedido de suspensão da execução fiscal por falta de fundamento legal para o pedido.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……… Turismo SGPS, S.A. veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de reclamação do acto do órgão de execução fiscal n.º 2720201601062760 que determinou o levantamento da suspensão da execução, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa – ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169º do CPPT.

2. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.

3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de actos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.

4. A doutrina em que nos vimos apoiando, assim como a Sentença recorrida, diz que, do ponto de vista da natureza, da função e dos efeitos, as duas versões do pedido de revisão de actos tributários são iguais, uma vez que a razão material de ser, de uma e de outra, é exactamente a mesma

5. É por isso que, segundo a doutrina e a jurisprudência, em ambas as versões do pedido de revisão os contribuintes podem contestar os actos com base em matéria de facto ou de direito. É por isso que em ambas as versões o erro de direito ou de facto se presume imputável aos serviços da AT. É por isso que em ambas versões o indeferimento expresso ou tácito abre a via da impugnação contenciosa.

6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro prazo de “reclamação administrativa” quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.

7. E não se diga que a inclusão do primeiro tem arrimo na letra da lei (que fala em “reclamação administrativa”) e que o princípio da interpretação segundo o qual não se pode fazer uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei recomendava a abertura da norma apenas ao pedido feito dentro do prazo de “reclamação administrativa”.

8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.

9. De resto, em segundo lugar, obviamente que aquele princípio de interpretação da lei, por muito relevante que seja, não se pode sobrepor aos princípios constitucionais de primeiríssima importância que aqui em jogo.

10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da CRP, e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da CRP.

11. Assim sendo, o mesmo deve aplicado neste caso como permitindo a suspensão do presente processo executivo em virtude da dedução do pedido de revisão de acto tributário apresentado.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com a revogação da Sentença recorrida e as demais consequências legais.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.
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A decisão recorrida considerou provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

A. À A…….. TURISMO SGPS, S.A., com os demais sinais dos autos, foi instaurado, em 2016-05-19, processo de execução fiscal n.º 2720201601062760, para cobrança de 9 732,62€ e acrescido, respeitante a IRC de 2011, cfr. certidão constituída por trinta e duas folhas constantes imediatamente a seguir à apreciação da Entidade Reclamada à reclamação que nestes autos se aprecia;

B. A executada requereu a suspensão daquela execução mediante garantia em razão de pretender deduzir contencioso, o que veio a ser deferido em 19-07-2016, vide fls. 48 a 76 dos autos;

C. Em 12 de Julho de 2016 foi registada informaticamente a suspensão da execução mediante o averbamento da fase “F100 – suspensão do processo”, cfr. fls. 95;

D. A Executada/Reclamante deduziu pedido de pronúncia arbitral com referência à liquidação originadora da dívida exequenda, vide doc. 1 junto pela Reclamante em 12-06-2018;

E. Pedido que veio a ser indeferido, em 3 de Setembro de 2017, cfr. doc. nº 1 junto pela FP a instruir a resposta;

F. O Tribunal constitucional, em 9 de Janeiro de 2018, indeferiu a reclamação deduzida mantendo-se a decisão reclamada de não reconhecer o objeto do recurso da decisão arbitral, vide doc. 2 junto pela Reclamante em 12-06-2018;

G. A Reclamante apresentou, em 14 de Fevereiro de 2018, pedido de revisão oficiosa contra a liquidação referida em D), cfr. doc. nº 3 junto pela Reclamante em 12-06-2018;

H. O processo de execução fiscal manteve-se com vários registos de suspensão até 07-04-2018, data em foram registados um mandado e vários pedidos de penhora, vide nota de tramitação processual constante de fls. 95;

I. A Executada solicitou o pagamento em prestações, que foi deferido tendo esta pago as três primeiras prestações, em 30-05, 28-06 e 26-07, todas de 2018 idem anterior e documentos apresentados pela FP em 07-08-2018;

J. A Executada, apesar do pagamento vindo de referir em 30-05-2018 apresentou requerimento a pedir se desse sem efeito o pagamento em prestações, o qual foi indeferido e comunicado à Impetrante, via postal, expedido em 16-07-2018, idem anterior;

K. Em 16 abril de 2018 o processo de execução fiscal mostrava-se informaticamente suspenso na fase “F105 – suspensão por pagamento em prestações – CPPT”, vide nota de tramitação processual constante de fls. 95;

L. Em 12 de abril de 2018 foi expedida, por via postal registado, a petição que deu origem à presente reclamação, cfr. sobrescrito contendo o código de registo postal constante de fls. 26 dos autos.



Questão objecto de recurso:

1- Suspensão da execução fiscal.

A questão que é colocada neste recurso refere-se a erro de julgamento da sentença recorrida por esta não ter considerado que o pedido de revisão de acto tributário é meio idóneo para obter a suspensão da execução fiscal, desde que prestada garantia, como foi efectivamente prestada nestes autos.
Tendo em consideração a matéria de facto provada, que não sofreu contestação, o processo de execução fiscal mostrava-se suspenso em 16 Abril de 2018 na fase “F105 – suspensão por pagamento em prestações – CPPT”, tendo sido expedida, por via postal registado, em 12 de Abril de 2018 a petição que deu origem ao presente recurso.
A petição é clara quanto à inexistência de qualquer decisão do órgão de execução fiscal de por termo à suspensão, referindo «que lhe foi adiantado informalmente, pelos serviços da AT, a eventual existência de dificuldades relativamente a tal sua pretensão – certidão de situação fiscal regularizada, uma vez que havia já transitado em julgado a decisão do processo arbitral no qual se contestou a legalidade da dívida exequenda». Acrescenta, ainda que: «Apesar do acto do Serviço de Finanças de Viseu reclamado – isto é, a decisão de levantamento da suspensão do processo executivo – não ter sido objecto de exteriorização, nomeadamente através de uma notificação com a respectiva fundamentação, decorre dos autos que a razão por detrás do acto em causa foi o trânsito em julgado do pedido de pronúncia arbitral».
A sentença recorrida fez uma adequada análise da situação sub judice, em conformidade com a lei e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o recente acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2018 no processo n.º 247/18.3BEVIS, sem que hajam sido aqui avançados argumentos que nos permitam divergir do entendimento ali adoptado, para o qual remetemos, por economia de meios, em tudo transponível para estes autos.
O legislador ordinário goza de ampla liberdade para definir quais os processos ou procedimentos tributários cuja pendência ou próxima instauração poderão vir a determinar a suspensão dos termos da execução fiscal instaurada para cobrança dos valores liquidados e em discussão naqueles, sem que essa escolha possa em si mesma ser violadora dos princípios constitucionais da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva.
Não resulta qualquer discriminação dos cidadãos em função da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, únicas constitucionalmente relevantes nos termos do disposto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, pela circunstância de o pedido de revisão do acto tributário, todos os pedidos de revisão dos actos tributários formulados por qualquer cidadão não serem, nos termos do disposto no art.º 169.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, passíveis de determinar a suspensão dos termos do processo de execução fiscal, quando o mesmo pode não acontecer face a um processo de impugnação do acto de liquidação ou reclamação graciosa, entre outros.
A tutela jurisdicional efectiva, art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa - acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos - mostra-se garantida pela previsão da forma processual de revisão do acto tributário cujas decisões são contenciosamente atacáveis e não por qualquer efeito suspensivo de processos de execução fiscal.
Pelo que concluímos que, pelos apontados fundamentos não enferma o art.º 169.º do Código de Processo e Procedimento Tributário do apontado vício de inconstitucionalidade.
Impõe-se, pois, negar total provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Pedro Delgado.