Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01201/16
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23299
Nº do Documento:SA12018051701201
Data de Entrada:10/28/2016
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A…………. e B………………. interpuseram, contra a ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO, recurso contencioso pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação, da deliberação daquela Assembleia, de 27/12/2002, proferida no âmbito do procedimento que determinou a expropriação dos prédios destinados à execução do Plano de Pormenor das Antas, no qual foi incluída a parcela n.º 5 que lhes pertencia.
Alegaram que a mesma estava inquinada por vícios de violação de lei e de forma.
Indicaram como interessado particular o FUTEBOL CLUBE DO PORTO.

A recorrida e o contra interessado contestaram por excepçãoinvocando a caducidade do direito de acção - e por impugnação - sustentando a inexistência dos alegados vícios.

O TAF julgou improcentes tanto a invocada excepção como os vícios que foram imputados à deliberação impugnada, pelo que negou provimento ao recurso contencioso.

Os Autores recorreram tendo formulado as seguintes conclusões:
- Impugnação/ponderação da matéria de facto:
Dando por reproduzidos os factos dados como assentes na Sentença recorrida, importa, porque indispensáveis à justa composição do litígio, considerar também (em algum dos termos referidos no n° 4 destas Alegações) os factos a que a Sentença recorrida, inadvertidamente, não atendeu e que ficaram elencados nas al.ªs do n.º 3 destas Alegações, com o suporte instrutório aí referido. O facto 8 da Sentença recorrida deverá ser tido com o sentido e alcance que se deixou referido no n° 5 destas Alegações.

2.ª - A nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia (art. 668.º, n° 1, d), 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi art. 1° da LPTA) - nºs 11 a 13 destas Alegações;

3.ª - Os erros de julgamento da Sentença recorrida:
1 - A Sentença recorrida violou o art. 10.º, nºs 1 e 4, do Código das Expropriações; os arts. 7º, 8º, 55º e 95º e ss. do CPA; e os arts. 267º e 268º da Constituição: a falta de notificação ao Recorrente do início do procedimento administrativo de expropriação (anterior à resolução de expropriar) e da avaliação pericial efetuada à parcela expropriada, com a consequente violação das garantias de participação procedimental dos interessados na atividade administrativa, designadamente na avaliação da parcela antes de ser proferida a resolução de expropriar; a ilegalidade da resolução de expropriar por falta de elementos legalmente exigidos (cfr., supra, nºs 15 a 21 destas Alegações);
2 - A Sentença violou os art.ºs 2º, nºs 5 e 7, 7º, 8º e 100º e ss. do CPA, bem como o art. 267º, nº 5, da Constituição: a violação do direito de audiência/participação dos interessados (cfr. supra, n.ºs 22 a 26 destas Alegações);
3 - A Sentença violou o art. 11º do Código das Expropriações: a falta de tentativa de aquisição da parcela expropriada pela via do direito privado (Ponto B.3 destas Alegações);
4 - A Sentença violou os arts. 124º e 125º do CPA; o art. 13º, n° 1, do Código das Expropriações e o art. 268º, nº 3, da Constituição: a falta de fundamentação do ato impugnado (cfr., supra, n.ºs 27 a 41 destas Alegações);
5 - A Sentença violou os arts. 2º do Código das Expropriações, 5º, nº 2, do CPA e 62º e 266º, nº 2, da Constituição: a violação do direito fundamental de propriedade privada do Recorrente em articulação com os princípios da urgência e da necessidade das expropriações por utilidade pública, da proteção dos direitos e interesses legítimos do Recorrente, da igualdade e da justiça (cfr., supra, n.ºs 42 e 43 destas Alegações);
6 - A Sentença violou os arts. 3º, 4º, 5º e 6º-A do CPA, 2º do Código das Expropriações e 13º e 266º da Constituição: a violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da tutela da confiança dos particulares na Administração Pública e da boa-fé (cfr., supra, n.ºs. 44 a 46 destas Alegações);
7 - A Sentença violou o princípio da legalidade tutelado nos arts. 3º do CPA e 266º da Constituição: o desvio de poder (cfr., supra, n.ºs 47 a 51 destas Alegações);
8 - A ilegalidade do ato impugnado por pretender executar soluções ilegais do PPA (cfr., supra, n.ºs 52 e 53 destas Alegações):
a. Como se refere no ato impugnado, esta expropriação pretende executar o que vem previsto no PPA, isto é, no essencial, a construção de edifícios. Assim, para apurar a legalidade desta expropriação importa apurar a legalidade da solução que a mesma pretende executar, pois as expropriações são sempre um ato de execução de uma decisão prévia: a localização do projeto expropriante em terrenos particulares. A sentença recorrida decidiu não conhecer da ilegalidade da solução do PPA que determina esta expropriação (cfr. pág. 16-17 da Sentença recorrida). Assim, o Tribunal a quo limitou-se a apreciar a validade da deliberação impugnada, ignorando a possibilidade de conhecimento incidental dos vícios da solução do PPA que esta expropriação pretende executar (com efeitos limitados ao caso concreto/processo em causa). Trata-se de uma decisão ilegal, a vários títulos:
i. Fundamentando-se o pedido de anulação/declaração da nulidade do ato administrativo impugnado (DUP), como vimos, em ilegalidades inerentes à solução do PPA que esta expropriação visa executar, não conhecer das mesmas é impedir aos Expropriados o seu direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo (art. 20º da Constituição), pois o fim prosseguido pelo ato impugnado é um elemento essencial da sua validade. Assim, é essencial o conhecimento incidental da (i)legalidade da solução deste Plano que esta expropriação pretende executar.
ii. Por outro lado, a Sentença recorrida viola o caso julgado que se formou sobre a decisão de conhecimento incidental desta questão no Despacho de 14.05.2010, de fls. 1333-1335 dos autos.
b. A solução do PPA que o ato impugnado pretende executar é ilegal pelas razões expostas (i) no Parecer de Direito subscrito pelos Professores Doutor VIEIRA DE ANDRADE e doutora FERNANDA PAULA OLIVEIRA (junto pelos Recorrentes aos autos como Doc. 23 do seu Requerimento de 27.03.2008) e nas duas Petições Iniciais juntas aos presentes autos com os nossos Requerimentos de 03.02.2005 (os respetivos documentos foram juntos em 27.03.2008) e como Doc. 3 ao nosso Requerimento de 21.02.2008.

A Assembleia Municipal do Porto contra alegou rematando do seguinte modo:
I. A sentença proferida pelo Tribunal a quo mostra-se, em si mesma, livre de qualquer erro ou mácula, pelo que o recurso em apreço carece em absoluto de qualquer fundamento, pelo que ao mesmo deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
II. Não há fundamento para a impugnação da matéria de facto, na medida em que os factos pretendidos aditar são irrelevantes para a decisão dos presentes autos, na medida em que em nada contendem com a aplicação do Direito constante da douta sentença recorrida seja por serem supervenientes ou meramente instrumentais.
III. A sentença recorrida não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal recorrido se pronunciou sobre todas as questões que deveria conhecer, não lhe sendo exigível, antes lhe estando vedado, conhecer de quaisquer supostos vícios decorrentes factos supervenientes à prática do acto impugnado, por força do princípio tempus regit actum.
IV. Não se verifica o erro de julgamento imputado pelos Recorrentes à douta sentença recorrida que escalpelizou detalhadamente os vícios assacados ao acto impugnado e conclui, e bem, pela sua total improcedência.
V. Bem andou a sentença recorrida quando decidiu não conhecer, a título incidental, da ilegalidade do Plano de Pormenor das Antas, questão esta que para além de extravasar o objecto do recurso contencioso, também pelas demais razões processuais alegadas jamais poderia ser conhecida nos presentes autos.
VI. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura a douta sentença proferida, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes.

O Futebol do Porto também contra alegou para finalizar do seguinte modo:
A) Não se verifica fundamento para a impugnação/reclamação da matéria de facto porquanto os factos pretendidos aditar são supervenientes ou meramente instrumentais, não estando sequer clara qual a relevância destes no sentido de sustentarem outra solução de direito que não aquela que foi aplicada nos autos;
B) Não se verifica nulidade da sentença uma vez que esta se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram levadas, sendo que não estava o Tribunal obrigado a analisar vícios à luz de uma situação de facto não existente à data da prática do acto, em clara violação do princípio tempus regit actum nem a esgrimir meras apreciações jurídicas.
C) Não se verifica o imputado erro de julgamento pois a sentença analisou exaustiva e detalhadamente todos aqueles vícios que foram imputados ao acto anulando, concluindo, e bem, pela sua não verificação.

FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
1. A aquisição do prédio urbano sito na Avenida ………, n.º ……….., freguesia de Campanhã, Porto, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 56512, e inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 8704 mostrava-se, à data da instauração da acção, registada a favor da Recorrente pela Ap. 7 de 1976/02/23 - cfr. fls. 1431-1432 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. O Plano de Pormenor das Antas [doravante, “PPA”] foi aprovado por deliberação da Assembleia Municipal do Porto, de 29.04.2002, e publicado pela Declaração n.º 236/2002 (2ª série), da Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (D.G.O.T.D.U.), no Diário da República, II Série, n.º 173, de 29.07.2002 - cfr. fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Do Relatório do PPA consta, designadamente:
« (...) A Câmara Municipal do Porto decidiu levar a cabo um projecto urbano de intervenção, de grandes dimensões, na zona das Antas, reabilitando uma vasta área onde se localiza o Estádio das Antas, diversas unidades industriais, algumas das quais obsoletas, terrenos camarários e terrenos privados em abandono.
O elemento dinamizador desta transformação foi a necessidade, sentida pelo Futebol Clube do Porto, de construir um novo estádio de futebol, reconhecida a sua desadequação aos actuais parâmetros internacionais dos grandes recintos desportivos e viabilizando economicamente essa operação, através do aproveitamento imobiliário dos terrenos de sua propriedade, não utilizados para a construção do novo estádio. (..)

2.1.4.2. Avenida Fernão de Magalhães
Importante eixo estruturador na zona Nordeste, foi sendo feito o seu prolongamento sucessivo para norte, daí apresentar ao longo do seu traçado diferentes características morfológicas.
Define, sobretudo a Poente do Estádio, um importante sector residencial da Cidade, da classe média e alta, com uma estrutura urbana de média densidade. Em geral casas isoladas de dois ou três pisos com jardim, espaços de circulação claramente definidos, constituindo a Praça Francisco Sá Carneiro, um espaço público agregador, núcleo social, de comércio e serviços importante.
A Norte do Estádio, apresenta uma tipologia de habitação de carácter cooperativista dos anos 70, composta por edifícios de 5 ou mais pisos, ocupado por actividades económicas de apoio aos residentes dos blocos (Cooperativa Tripeira), (...)

3.1 Objectivos
Tendo em conta as directivas expressas pela C.M. do Porto, os diversos interesses em jogo e a análise da situação no terreno, foram definidos como objectivos a atingir pelo Plano, os seguintes:
• Implantar o novo estádio, tendo em conta as valências urbanas deste novo tipo de equipamento, a pressão que vai gerar sobre os acessos e o estacionamento automóvel, o impacto visual do grande volume de construção, mas, acima de tudo, que o processo de renovação que essa implantação origina contribua para “coser” as malhas urbanas envolventes através dos novos espaços públicos a criar e da nova estrutura viária;
• Localizar na zona das Antas dois outros equipamentos de grande capacidade de atracção, um pavilhão multiusos e uma superfície comercial de média dimensão, que contribuam para acentuar a sua centralidade;
• Estruturar uma nova área urbana de usos mistos - residência, comércio e serviços - que será conseguida através da reconversão dos terrenos hoje ocupados pelas instalações do F. C. P. e de outros terrenos e edifícios desocupados;
• Estabelecer uma estrutura de espaços públicos diversificados, centrada no novo estádio, que assegure novas ligações urbanas com os bairros envolventes, nomeadamente Contumil, S. Roque da Lameira e Antas, rompendo com a barreira da VCI;
• Estruturar uma nova rede de espaços e corredores verdes, que façam a ligação entre a estrutura verde existente e um conjunto de novas zonas e percursos verdes a criar;
• Melhorar a acessibilidade e a circulação na Área de Intervenção, em especial na relação da rede local com a rede primária da cidade, aproveitando a rede viária a criar na A.I. para melhorar a ligação entre zonas do tecido urbano da cidade, que actualmente sofrem de importantes descontinuidades; (...)
Na atribuição das parcelas seguiram-se os seguintes critérios limitados à disponibilidade de parcelas com dimensão adequada ao direito de edificabilidade de cada proprietário:
- reduzir ao mínimo a subdivisão das malhas em parcelas e lotes, deixando aos proprietários a máxima liberdade para lotear de acordo com as suas conveniências;
- atribuir os direitos de edificação, quando possível, na parcela original de cada proprietário. O quadro «Atribuição dos direitos de edificação» regista, para cada prédio, o direito de edificação e a parcela ou parcelas a atribuir a cada proprietário para satisfazer esse direito. Por várias razões, nomeadamente os reduzidos direitos de edificabilidade de alguns proprietários, a decisão de não subdividir todas as parcelas até à menor expressão, o lote, deixando algum grau de flexibilidade aos proprietários nessa operação e, finalmente, a impossibilidade de definir lotes de acordo com os direitos edificatórios, registam-se algumas diferenças: para mais ou para menos, entre o valor atribuído e o direito edificatório de cada proprietário.
Por outro lado, pelas mesmas razões apontadas atrás e, também, por já decorrerem negociações entre a Câmara Municipal do Porto e alguns proprietários com vista à aquisição ou permuta de terrenos, não foi atribuída área de construção a alguns proprietários (Quadro “Proprietários não incluídos”). Os direitos de edificabilidade destes proprietários totalizam 24411 m2.
Como resultado do pagamento à autarquia dos custos das infraestruturas por ela construídas, acrescido dos direitos dos proprietários não incluídos, resulta que revertem para o município as parcelas não atribuídas conforme quadro “Parcelas a utilizar pela C. M. P. para implementação do Plano” as quais totalizam 108261 m2.» - cfr. fls. 2 a 21 do Relatório, constante de fls. 161 e ss. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Do Relatório, relativamente à operação de reparcelamento, consta um quadro intitulado “Proprietários não incluídos”, integrando o mesmo o prédio L4 - cfr. fls. 2 a 21 do Relatório, constante de fls. 161 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Do Relatório consta ainda o seguinte:
Apresenta-se de seguida um resumo dos dados quantitativos referentes ao reparcelamento:
1.Edificabilidade total do Plano ………………………………...…….. 381.106 m2
2. Direitos de edificabilidade Total …………………….……..….… 396.321 m2
3. Direitos de edificabilidade corrigidos …………..………………….. 299.885 m2
4. Direitos de edificabilidade para pagamento de infraestruturas Total (2- 3) 96.436 m2
5. Direitos atribuídos ………………………………………………… 272.979 m2
6. Proprietários não incluídos (Direitos de edificabilidade) ………. 27.053 m2
7. Área edificável a gerir pela C.M.P ……………………………. 108.261 m2
(para custear as infraestruturas e indemnizar os proprietários não incluídos) - fls. 162 dos autos.
6. Das plantas que acompanham o PPA, nomeadamente dos desenhos CKU 041 EE - “Planta de Reparcelamento” (fls. 182 dos autos) e CKU 042 ED - “Planta de Trabalho - Zona Norte” (fls. 180 dos autos) resulta que parte da parcela identificada com o n.º 5 na Planta Cadastral, relativa às expropriações necessárias à execução do mencionado Plano, é abrangida pela construção da Alameda das Antas e pelo reperfilamento da Av. Fernão de Magalhães, a Sul e Poente, respectivamente, constituindo domínio público resultante do reparcelamento.
7. Do desenho CKU 044 EA - “Planta de Faseamento da Execução de infra - estruturas” (fls. 183 dos autos) resulta que as infra-estruturas referidas em “6” se mostram incluídas na primeira fase e deveriam estar concluídas até 2004.
8. A área da parcela n.º 5 a afectar ao domínio público, destinada à construção das infra-estruturas referidas em “6”, e mais concretamente a alargamento de passeios e a implantação de infra-estruturas correntes (água, iluminação), correspondia a cerca de 171 m2, destinando-se o restante a edificação de zona mista (comércio, habitação, serviços) - cfr. fls. 82 e 85 dos autos, 78, 79, 80 e 87 do PA e desenho CKU 001 EE - “Planta de implantação”, a fls. 181 dos autos.
9. O PPA define a nova parcela 1.1, localizada em parte dos terrenos antigos designados no Plano por L1, L2 a, L2 b, L3 e L4, parcela esta atribuída ao Futebol Clube do Porto no âmbito da operação de reparcelamento - cfr. desenho CKU 041 EE - “Planta de Reparcelamento”, constante de fls. 182 dos autos e ofício de fls. 81 e ss. dos autos.
10. Corresponde ao antigo terreno L4 a parcela identificada com o n.º 5 na Planta Cadastral relativa às expropriações necessárias à execução do PPA - cfr. fls. 83 e Planta Cadastral de fls. 174 dos autos.
11. Em 12.11.2002 foi aprovada, em reunião de câmara, a proposta n.º 103/02/DMS, pela qual se propunha:
(i) a aprovação da planta cadastral e quadro identificativo anexos das expropriações necessárias à execução do PPA [de onde consta a parcela n.º 5, correspondente ao prédio propriedade do Recorrente, com a área de 582 m2], e
(ii)que nos termos da alínea e) do n.º 7 do art.° 64° da Lei n.º 169/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de acordo com o art. 128.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22/09, e ainda segundo o disposto nos artigos 14° n.º 2 e 15° da Lei n.º 168/99, de 18/09, alterada pela Lei 13/2002, de 19/02 (Código das Expropriações), seja requerida à Assembleia Municipal a declaração de utilidade pública urgente das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor das Antas.” - cfr. fls. 27 a 32 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Da proposta identificada em “11” constava ainda, a título de “considerandos”:
Considerando que o Plano de Pormenor das Antas (..) procede à transformação da situação fundiária da sua área de intervenção estabelecendo uma estrutura de espaços públicos diversificados e o redesenho da malha urbana circundante e, assegurando a articulação com os bairros envolventes e a acessibilidade e circulação em toda a área, no respeito pelas Normas Provisórias (..);
Considerando que cabe à Câmara Municipal do Porto a iniciativa da sua execução procedendo, com a colaboração das entidades públicas e privadas, à realização das infra-estruturas e dos equipamentos de acordo com o interesse público e os objectivos e prioridades estabelecidas no plano;
Considerando a necessidade da sua execução a curto prazo, face ao programa de faseamento da execução das infra-estruturas estabelecido e, de modo a garantir a conclusão atempada destas infra-estruturas e dos equipamentos necessários à realização do «Euro 2004 - Campeonato Europeu de Futebol»;
Considerando que as parcelas delimitadas a carmim na planta junta e identificadas no quadro anexo se encontram totalmente integradas na área de intervenção delimitada pelo Plano de Pormenor das Antas e são imprescindíveis à sua execução;
Considerando ainda que a previsão dos encargos a suportar com a expropriação destas parcelas se estima no montante global de Euros: 3.139.425,01 (três milhões, cento e trinta e nove mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e um cêntimo); (…)”- cfr. fls. 27 a 32 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Por ofício com data de 26.11.2002 e a referência OF/616/021DMS, subscrito pelo Director do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto, a que foi anexa a proposta identificada em “11”, foi comunicado ao Recorrente o seguinte:
A Câmara Municipal do Porto, nos termos do estabelecido na alínea c) do n.º 7 do art.° 64° da Lei n.º 169/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11/01, vem, em cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 10.° do Código das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18/09 alterada pela Lei n.º 13/2002, de 19/02), notificar V. Ex.ª que, em reunião do Executivo Municipal de 12 de Novembro de 2002 foi deliberado requerer a declaração de utilidade pública com carácter de urgência da parcela em assunto [parcela n.º 5], identificada no quadro em anexo e necessária à execução do Plano de Pormenor das Antas.” - cfr. fls. 27 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Por deliberação de 27.12.2002, publicada no Diário da República, Apêndice n.º 21, II Série, n.º 30, de 05.02.03, a pedido da Câmara Municipal, a entidade recorrida declarou a utilidade pública e atribuiu carácter urgente à expropriação das parcelas identificadas e assinaladas no quadro e planta anexos, entre as quais se inclui a parcela n.º 5, com vista à execução do PPA, com os fundamentos de facto e de direito expostos no OF/616/02/DMS - fls. 41 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Em 28.02.2003 os Recorrentes tiveram conhecimento da carta que lhes foi dirigida, datada de 25.02.2003 e subscrita pelo Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística, com a referência OF/166/03/DMS, pela qual se comunicava a aprovação e o teor da deliberação identificada em “14.” - cfr. fls. 41 dos autos.
16. Da carta referida em “15” constava ainda:
Tendo em vista a expropriação amigável, vimos ainda, de acordo com o disposto no art. 35° do C.E. dirigir proposta aos proprietários da parcela, pelo valor indemnizatório de Euros: 323.744,53 (…).“- cfr. fls. 41 dos autos.
17. Por carta datada de 18.03.2003 os Recorrentes, por intermédio do respectivo mandatário, apresentaram uma contraproposta para uma expropriação amigável da parcela n.º 5, pelo valor de € 1.718.750, em resultado da aplicação da fórmula (€ 500 x 2750 m2 + €250 x 1375 m2) - cfr. fls. 81 e ss. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. Da informação de 29.04.2003, com a referência INF/357/03/DMS, elaborada pela Direcção Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística - Divisão Municipal de Solos consta:
(...) Parece-nos que o valor proposto é extremamente exagerado. (…) Pensamos que não podemos aceitar os fundamentos apresentados para a justificação do valor contraproposto, uma vez que este se baseia na construção prevista no P.P.A. e não nos direitos reais de edificabilidade da parcela. (...)
Consultado o quadro dos direitos de edificabilidade, verifica-se que à parcela n.º 5, designada por LA no PPA, foi calculada a área bruta de construção (Abc) de 1.116 m2.
Atendendo a que a área bruta de construção (Abc) da parcela é de 1.116 m2, e considerando o valor de venda de 60C/m2 de área infra estruturada de construção preconizada no Plano, obtemos o valor global de: 1116 m2 x 60C/m2 = 66.960 Contos, i.é, € 333.995,07 (…)”- cfr. fls. 89 e ss. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. De ofício datado de 09.12.2003, com a referência INF/799/03/DMCGP, elaborado pela Divisão Municipal de Cadastro e Gestão do Património, consta o seguinte:
“Conforme foi referido em informações anteriores pela jurista da Divisão e por nós próprios (…), não foram ainda promovidas as diligências com vista à expropriação das mencionadas parcelas e que constituem as novas parcelas 1.1 e 9.2 do PP das Antas.
De acordo com as disposições constantes do Código das Expropriações, nomeadamente o n.º 3, do art.° 13.º, a D.U.P. caduca se não for promovida a constituição de arbitragem no prazo de um ano, a contar da data de publicação da declaração de utilidade pública. De referir que a D.U.P. foi publicada em 5 de Fevereiro de 2003.
Acresce ainda o facto de a parcela 1.1 ter sido atribuída na operação do reparcelamento do PPA ao F.C.P. e a parcela 9.2 à Câmara Municipal do Porto para implementação do PPA.
Face ao exposto e à proximidade de caducidade da D.U.P. impõe-se uma decisão urgente. (…)” - cfr. fls. 93 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Por ofício datado de 03.02.2004, com a referência OF/93/04/DMCGP foi comunicado aos Recorrentes que teria lugar arbitragem e os árbitros designados para o efeito, mais sendo informados de que poderiam formular quesitos - cfr. fls. 102 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21. Por ofício de 12.02.2004, com a referência OF/147/04/DMCGP, foi fornecida aos Recorrentes cópia do relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, para apresentação de reclamação, querendo, no prazo de cinco dias - cfr. fls. 113 e ss. do PA.
22. Do Relatório de Arbitragem, datado de Março de 2004, consta, em conclusão, o seguinte:
O valor da justa indemnização a atribuir ao proprietário da parcela 5, será então de: 451.250,00 € (quatrocentos e cinquenta e um mil, duzentos e cinquenta euros).” - cfr. relatório constante de fls. 134 e ss. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. De informação datada de 17.06.2004, com a referência INF/959/04/DMCGP consta despacho com o seguinte teor:
(...) Autorizada a expropriação litigiosa, junta a guia de depósito do montante arbitrado e certidão de registo predial actualizada (já solicitada), o processo está em condições de ser remetido a tribunal de acordo com o disposto no art. 51.º do C.E.. (...) - cfr. fls. 144 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
24. A presente acção foi remetida a juízo no dia 28.04.2003 - cfr. registo à margem da P.I., constante de fls. 2 e ss. dos autos.

Julgam-se, ainda, provados os seguintes factos com base nos elementos reunidos nos autos:
25. O prédio dos Recorrentes, que se situa na Av. ……….., n.º ……….., tem a área total de 547,02 m2 sendo a área coberta de 166,9 m2 composta por cave, R/C, andar e anexos, integrando-se numa sequência de vários lotes com moradias naquela Avenida. – vd. Caderneta Predial.
26. Em 26/11/2002, a Câmara Municipal do Porto dirigia a sua correspondência para os Recorrentes para aquela moradia. – fl.s 42.
27. Da execução do projecto mobiliário previsto no PPA já se encontram construídos o Estádio do Dragão, novos acessos rodoviários, e novas vias e novos edifícios, tendo a Câmara Municipal do Porto procedido às expropriações necessárias à execução desse Plano.
28. No processo 3434/10BEPRT foi julgado provado o seguinte facto: “Em 30/07/2009, os Autores requereram à Assembleia Municipal do Porto, na qualidade de Entidade Expropriante, a reversão dos referidos terrenos ao abrigo dos art.ºs 74 e seg.s do Código das Expropriações


II. O DIREITO.
Os Recorrentes contenciosos (ora Recorrentes jurisdicionais) instauraram, contra a Assembleia Municipal do Porto, recurso contencioso pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação, da deliberação daquela entidade, de 27/12/2002, proferida no âmbito da execução do Plano de Pormenor das Antas, que determinou a expropriação da parcela n.º 5, de que eram proprietários e na qual se encontrava implantada uma moradia, a qual seria, em parte, abrangida pela construção da Alameda das Antas e pelo reperfilamento da Av. Fernão de Magalhães, passando a constituir domínio público resultante do reparcelamento (ponto 6 da M.F.).
Imputaram ao acto impugnado os seguintes vícios:
a) Violação do 55.° do CPA, traduzida na falta de notificação aos Recorrentes do início do procedimento administrativo;
b) Violação do artigo 95.° do CPA, por não lhes terem sido asseguradas as garantias de participação procedimental, designadamente na avaliação da parcela antes de ser proferida a resolução expropriativa;
c) Violação dos artigos 96.° e 97.° do CPA e 62.°, n.º 2, e 267.°, n.º 5, da CRP;
d) Falta ou insuficiência de fundamentação;
e) Preterição de audiência dos interessados;
f) Violação do artigo 10.° do Código das Expropriações (CE);
g) Violação do artigo 11.º do CE;
h) Erro nos pressupostos de facto e de direito;
i) Desnecessidade da expropriação;
j) Violação do conteúdo essencial do direito de propriedade e dos princípios da proporcionalidade, da protecção dos direitos interesses legítimos, da igualdade, da justiça;
k) Violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da tutela da confiança dos administrados na Administração Pública e da boa-fé;
l) Desvio de poder.

A sentença recorrida começou por analisar a caducidade do direito de acção - excepção que a CM do Porto e o F.C.P. haviam suscitado – e, concluindo que a mesma não ocorria, apreciou os vícios que haviam sido imputados à deliberação impugnada, julgando-os improcedentes.
Os Recorrentes não se conformaram com essa decisão e daí o presente recurso, onde sustentam que a sentença não só era nula por omissão de pronúncia como havia feito errado julgamento na selecção dos factos e na decisão do mérito.

Vejamos, pois, começando-se pela nulidade da sentença, vício que decorreria dela não se ter pronunciado sobre questões que estava obrigada a conhecer.

1. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o incumprimento de um dos deveres do Juiz - qual seja o de conhecer e resolver de todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (Art.ºs 95.º/1 do CPTA e 615.º/1/ d) e 608º/2, do novo CPC e J. A. dos Reis, CPC, Anotado, vol. V, pag. 143.) - pelo que cumpre apurar se a sentença incorreu nesse vício e se, por essa razão, é nula.

De acordo com os Recorrentes houve omissão de pronúncia sobre as seguintes questões:
- A desnecessidade do seu prédio para a realização das infra estruturas e das obras de reperfilamento da Av. Fernão de Magalhães.
- A ilegalidade das soluções, pressupostos e fundamentação do PPA
- E a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

1. 1 No tocante à omissão de pronúncia sobre a desnecessidade do prédio dos Recorrentes para a realização das infra estruturas e das obras de reperfilamento da Av. Fernão de Magalhães, aqueles sustentam que tais obras se encontram executadas e que, apesar disso, o seu prédio não só continua intocado como eles continuam a residir nele. O que significava que a expropriação do seu prédio tinha sido desnecessária para a concretização do PPA. Ora, alegam, a sentença não se pronunciou sobre esta realidade, o determinaria a sua nulidade.
Mas não têm razão.
Com efeito, não só a sentença se pronunciou-se sobre a violação do princípio da necessidade afirmando que este não havia sido violado porque “efectivamente o prédio dos Recorrentes é necessário à execução do PPA, por ser imprescindível à concretização do reparcelamento nele previsto, e sendo a execução de tal Plano o fim concreto do acto expropriativo em causa nos autos, não se pode concluir que tal acto viole os princípios da necessidade e proporcionalidade invocados pelo Recorrente, com consagração nos art. ° 2.° e 3.° do Código das Expropriações.”
Por outro lado, a crítica dos Recorrentes de que não tinha ficado a constar da sentença que eles viviam no prédio expropriado está relacionada com o julgamento da matéria de facto e, por isso, se a sentença não seleccionou esse facto e o fez constar da M.F. foi porque o não considerou provado. Deste modo, atento esse juízo, o sr. Juiz a quo não estava obrigado a pronunciar-se sobre a razão porque não o incluiu na M.F.
O que nos leva a concluir que inexiste omissão de pronúncia nesta matéria.

1. 2. Os Recorrentes defendem que a sentença deveria ter-se pronunciado sobre a ilegalidade das soluções, pressupostos e fundamentação do PPA.
Mas, uma vez mais, não têm razão e isto porque o PPA não constitui o objecto do recurso contencioso por esse objecto ser, apenas e tão só, a deliberação da A.M. do Porto que decidiu a expropriação do seu prédio. Sendo assim, a sentença não tinha obrigação de conhecer as irregularidades imputadas àquele Plano, salvo se estas se reflectissem directamente na ilegalidade do acto impugnado. O que não acontecia.
Daí que não cumprisse à sentença analisar se, como vinha alegado, o PPA estava ferido pelas ilegalidades das soluções que dele constavam ou sobre os seus pressupostos e fundamentação.

1. 3. Finalmente, os Recorrentes também carecem de razão quando sustentam que a sentença não se pronunciou sobre a violação do princípio da proporcionalidade e isto por ser claro que nela ficou consignado que o seu prédio era imprescindível à execução do PPA, atenta a sua necessidade para o previsto reparcelamento, e que “sendo a execução de tal Plano o fim concreto do acto expropriativo em causa nos autos, não se pode concluir que tal acto viole os princípios da necessidade e proporcionalidade invocados pelo Recorrente, com consagração nos art.° 2.° e 3.° do Código das Expropriações.”

Em conclusão, a sentença não é nula por omissão de pronúncia sobre as referidas questões.

1. 4. No entanto, num ponto, os Recorrentes têm, formalmente, razão.
Com efeito, é verdade que a sentença nada disse sobre a violação do princípio da igualdade mas essa omissão não determina a sua nulidade uma vez que a mesma se ficou a dever à circunstância dos Recorrentes se limitarem a invocar essa violação sem fazerem qualquer referência à forma como ela se concretizou. Daí que a sentença não tivesse a obrigação de se pronunciar sobre a violação de um princípio sobre a qual os Recorrentes nada disseram para além da sua mera invocação.
Razão pela qual os Recorrentes, também neste ponto, litiguem sem razão.

Improcede, assim, a conclusão segunda.

2. Os Recorrentes também não se conformam com o julgamento da M.F. sustentando que o Tribunal a quo ignorou a essencialidade de determinados factos para um correcto julgamento da causa requerendo, por isso, que dela passassem a constar os 25 novos factos indicados no recurso.
Pretensão a que a AM do Porto e o FCP se opõem por os considerarem irrelevantes para a discussão da causa.

Vejamos.
Os Recorrentes querem que fique a constar da M.F. uma caracterização mais precisa do prédio expropriado e há que reconhecer que tal pode ser útil para a discussão da causa. Com efeito, da Caderneta Predial desse prédio e das plantas juntas aos autos recolhem-se elementos que não constam do facto n.º 1 daquela Matéria e que poderiam, e deveriam, constar.
No tocante aos factos indicados em j), r) e ab) das suas alegações reconhece-se que os mesmos poderão ser relevantes para a discussão da causa e, por isso, os mesmos passarão a constar da M.F. mas não com os exactos teores requeridos.
Por outro lado, os factos referidos nas al.ªs c) a i) e l) das alegações referem-se ao conteúdo do PPA e este foi dado como integralmente reproduzido no facto 2 da M.F., pelo que nada justifica que se façam as transcrições do mesmo requeridas pelos Recorrentes.
No tocante aos restantes factos que os Recorrentes solicitaram que fossem aditados à M.F o indeferimento dessa pretensão decorre dos mesmos não se encontrarem provados ou da sua desnecessidade para um correcto julgamento da causa.
Deste modo, e no local próprio foram aditados os factos acima mencionados.

Resta conhecer do mérito do recurso.

3. Está em causa a legalidade da deliberação da AM do Porto, de 27/12/2002, proferida no âmbito de procedimento expropriativo destinado à execução do Plano de Pormenor das Antas, no qual foi incluído um prédio pertencente aos Recorrentes destinado à construção da Alameda das Antas e ao reperfilamento da Av. Fernão de Magalhães, passando a integrar o domínio público que resultaria do reparcelamento.
Os Recorrentes sustentam a ilegalidade dessa deliberação, imputando-lhe vícios de forma e de fundo que a sentença julgou improcedentes.
É a reapreciação das razões que determinaram essa improcedência que os Recorrentes ora requerem.
Sendo assim, e sendo que se deve começar o conhecimento dos vícios pelos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos vai-se iniciar a reanálise da sentença pelos vícios de fundo e, dentro destes, pela violação do princípio da proporcionalidade na vertente da sua desnecessidade.

Os Recorrentes, como é sabido, sustentam a desnecessidade da expropriação do seu prédio por a mesma ter sido justificada com o PPA e este ter sido executado sem que tivesse sido necessária a ocupação de qualquer parcela desse prédio, como o comprova o facto dos mesmos continuarem a viver no mesmo.
Alegação que é contrariada tanto pela AM do Porto como pelo FCP.
Vejamos se litigam com razão.

4. A expropriação constitui uma importante restrição ao direito de propriedade e, porque assim, só é consentida quando a mesma for indispensável, isto é, quando as finalidades de utilidade pública que a mesma visa prosseguir não possam ser alcançados por outros meios menos gravosos. É por ser assim que a mesma só deve ser decretada depois de uma cautelosa ponderação de todos os interesses envolvidos e deve ser limitada ao mínimo necessário para a realização dos fins em vista. Ou seja, e dito de outro modo, quando a mesma seja indispensável e seja a única solução capaz de conduzir à concretização da finalidade que a justifica. Todavia, e sobretudo nesses casos, a mesma não pode ultrapassar os limites da razoabilidade.
Entendimento que deriva do disposto no art.º 266.º/2 da RCP onde se prescreve que “os órgãos e agentes administrativos (..) devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, (..)“, princípio que é replicado no art.º 2.° do Código das Expropriações onde se estatui que “compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé” e no art.º 3.º do mesmo Código, que estatui, no seu n.º 1, que “a expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim”.

Por isso é que a doutrina e a jurisprudência têm afirmado de uma forma constante e reiterada que a expropriação tem de ser feita com respeito do princípio da proporcionalidade e observar as suas três dimensões essenciais; a da adequaçãodestinada a ajustar a medida ao fim visado e, portanto, a alcançar uma relação justa entre a medida e a finalidade por ela visada - a da necessidade - destinada a garantir que, de entre as medidas possíveis, a mesma é a mais própria à situação e a menos gravosa para o atingido - e a do equilíbrio que exige que haja uma correcta valoração entre os sacrifícios que a medida vai provocar (Vd. F. Amaral, in Curso de Direito Administrativo, pg. 127 e seg.s e, entre outros, os Acórdãos deste STA de 21/06/2000 (rec. 38.663), de 19/03/1999 (rec. 30.896 e de 24/10/1991 (rec. 26.570).).

Daí que possamos dar por assente que o princípio da necessidade mais não é do que uma manifestação do princípio da proporcionalidade, na medida em que a privação que o particular é forçado a suportar tem ser necessária e adequada aos fins concretos prosseguidos pela Administração e deve ser tida como tolerável quando confrontada com eles.
Finalmente, ainda se deverá dizer que a expropriação deve ser alcançada no respeito e de acordo com a normatividade legal, isto é, tem de ser feita na estrita observância do princípio da legalidade o que significa que os órgãos e agentes da Administração devem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos.

Acrescendo que, por respeito ao Estado de Direito e ao direito de propriedade nele ínsito – consagrados, respectivamente, nos art.ºs 2.º, 9.º, b), e art.º 62.º, da CRP - as medidas ablativas decorrentes da expropriação só devem ter lugar quando a aquisição por via negocial - que obrigatoriamente tem de ser previamente explorada (art.º 11.º do CE) - se gorar e não houver outra forma de alcançar o cumprimento do interesse público senão através do recurso à expropriação. O que quer dizer que a expropriação só pode ser decretada quando a aquisição consensual for inviável ou, pelo menos, inconciliável com a realização do interesse público. – Vd. Acórdão deste Tribunal de 15/3/01 (rec. 30.873), in Apêndices ao DR, de 17/2/03, pg. 298.

5. A sentença recorrida depois de enunciar o direito em termos que se não afastam do que se acabou de descrever e de referir que “a Câmara Municipal do Porto decidiu levar a cabo um projecto urbano de intervenção, de grandes dimensões, na zona das Antas, reabilitando uma vasta área da cidade, e realizar as infra-estruturas indispensáveis ao evento de importância nacional, europeia e mundial que é o campeonato europeu de futebol, denominado Euro 2004 …. para o que foi necessário proceder a uma alteração fundiária de toda a área de intervenção através de um processo de reparcelamento, a qual, como solução global que é, exige, para a sua execução, a inclusão de todos os terrenos daquela área - incluindo, obviamente, a parcela n.º 5 indicada na planta cadastralprosseguiu para justificar a necessidade da concreta expropriação do prédio dos Recorrentes. Tendo-o feito nos seguintes termos:
“Ora, o Plano de Pormenor das Antas, no seu regulamento, define, efectivamente, como objectivos, a criação de uma área central que articule, integre e valorize o território envolvente, a relocalização de grandes equipamentos desportivos e a redução dos impactos da via de cintura interna sobre a área de intervenção do Plano, estabelecendo que para a prossecução de tais objectivos aquele procede à transformação da situação fundiária da sua área de intervenção (art. 10.°, n.ºs 2 e 3, do Regulamento do PPA).
Por sua vez, o Plano integra no seu conteúdo documental uma planta de reparcelamento, que constitui uma das peças desenhadas a suportar as operações de transformação fundiária previstas [art. 3.°, n.º 2, al.ªs c) e d) do Regulamento do PPA], de que resulta que a parcela expropriada correspondente ao prédio dos ora Recorrentes em causa nos autos é necessária à concretização do reparcelamento aí previsto.
Assim, verificando-se que efectivamente o prédio dos Recorrentes é necessário à execução do PPA, por ser imprescindível à concretização do reparcelamento nele previsto, e sendo a execução de tal Plano o fim concreto do acto expropriativo em causa nos autos, não se pode concluir que tal acto viole os princípios da necessidade e proporcionalidade invocados pelo Recorrente, com consagração nos art.ºs 2.° e 3.° do Código das Expropriações.
Isto significa que não está em causa apenas o reperfilamento da Avenida Fernão de Magalhães, mas também uma utilidade pública traduzida na requalificação urbana da zona em causa, concretizada através do aludido reparcelamento, sendo que a parcela em causa surge mesmo como parcela a utilizar pela C.M.P. para implementação do Plano, não se vislumbrando qualquer violação dos princípios nos termos propostos pelo Recorrente.”

6. Como se acaba de ver, o que levou a sentença a entender que o princípio da proporcionalidade não tinha sido violado e que, sendo assim, o acto impugnado não era inválido foi ter considerado que o prédio dos Recorrentes era necessário à concretização do PPA, necessidade que decorria da sua indispensabilidade para o reperfilamento da Av. Fernão Magalhães e para a “concretização do reparcelamento aí previsto.”
O que significa que, no juízo do Tribunal a quo, aquele prédio era, efectivamente, indispensável à realização do PPA em qualquer uma das referidas vertentesa execução das infra-estruturas necessárias à realização do Europeu de Futebol de 2004, o reperfilamento da Av. Fernão Magalhães e o reparcelamento com vista a uma transformação fundiária - e que, por essa razão, carecia de fundamento a invocação da ilegalidade da deliberação impugnada por violação do princípio da proporcionalidade na vertente da sua desnecessidade.
Todavia, não podemos acompanhar essa conclusão.

Desde logo porque, apesar de ter sido atribuído carácter urgente à expropriação com vista ao mesmo ser, imediatamente, utilizado na realização das mencionadas obras o certo é que o mesmo não foi preciso para nenhuma delas e a prova disso é que, como resulta dos autos, o mesmo ainda se encontra como se encontrava no momento da sua expropriação. De resto, na sentença a que se faz referência no ponto 28.º da M.F. escreveu-se o seguinte:
“Logrou provar-se que as parcelas correspondentes aos prédios dos autores se mostram intocadas, que já não servirão para concluir a Alameda das Antas, uma vez que esta já está totalmente acabada e que as infra-estruturas envolventes também se encontram completas. De todo o modo, a factualidade apurada também nos diz que os passeios construídos junto aos prédios expropriados não têm a largura projectada, resultando que o reperfilamento da Avenida Fernão de Magalhães ficou por concluir, tal como foi projectado, por faltar executar passeios com dois metros de largura. Na verdade, na zona das parcelas dos autores, com referência à primeira fase, está tudo executado, com excepção do alargamento dos passeios (os passeios foram executados com menos largura, deixando intocados os terrenos dos autores).”
O que significa que as obras que estavam previstas para o local onde se situa o prédio dos Recorrentes estão concluídas e aquele foi desnecessário para a sua realização. E a circunstância dos passeios não terem sido alargados só reforça a ideia de que esse alargamento já era desnecessário aquando da elaboração do PPA. De contrário os passeios teriam sido alterados e o prédio dos Recorrentes teria sido ocupado para que essas obras pudessem realizar-se.
É, assim claro, que as obras previstas no PPA que, alegadamente, necessitavam do prédio dos Autores e que justificaram a sua expropriação já foram realizadas sem que esse prédio fosse nelas integrado. E se, como se diz na mencionada sentença, os passeios foram executados sem a largura inicialmente prevista foi porque a Câmara Municipal entendeu que a sua largura era suficiente sendo desnecessário invadir o prédio dos Autores para realizar esse alargamento.
O que nos faz concluir que o não uso daquele prédio decorreu do mesmo não só ser dispensável para a concretização das finalidades a que, alegadamente, ele se destinava como por o PPA ter procurado preservar a área onde o mesmo se encontrava implantado. Com efeito, aquele Plano caracterizou essa área como sendo uma área de “estruturas urbanas, legíveis, estabilizadas, maioritariamente residenciais(ponto 2.1.2), que constituíam “um importante setor residencial da Cidade, da classe média e alta, com uma estrutura urbana de média densidade. Em geral casas isoladas de dois ou três pisos com jardim, espaços de circulação claramente definidos, constituindo a Praça Francisco Sá Carneiro, um espaço agregador, núcleo social, de comércio e serviços importante» (ponto 2.1.4.2 do PPA). E, se assim é, importava preservar essa zona.
Nesta conformidade, se os passeios já se encontram concluídos sem que para essa concretização tivesse sido necessário prédio dos Recorrentes impõe-se concluir que aquele não era necessário para a realização nenhuma das supra finalidades já que se assim não fosse o mesmo teria sido ocupado e usado na sua realização e os Recorrentes teriam sido, fisicamente, desapossados do mesmo. Ocupação que teria sido imediata dada a urgência a que foi atribuída à expropriação.

Deste modo, parece ser certo que o dito prédio não era indispensável para concretizar aquelas finalidades. A que acresce não ser fácil visualizar que uma tão diminuta área - 547,02 m2 (ponto 25 da M.F.) – pudesse ser, simultaneamente, utilizado em tão díspares projectos como o eram a realização das infra-estruturas, o reperfilamento da Av. Fernão Magalhães e o previsto reparcelamento. Ainda que tal prédio fosse uma unidade num agrupamento de vários outros prédios.

E não se argumente que na data da deliberação impugnada o prédio dos Recorrentes era necessário para o cumprimento das finalidades que presidiram à sua expropriação e que, sendo assim, e de acordo com o princípio tempus regit actum haveria que confirmar a justeza da deliberação impugnada e o julgamento do Tribunal a quo.
Desde logo, porque se aquele prédio era, efectivamente, necessário à realização do PPA certamente que o mesmo teria sido imediatamente incorporado nas obras nele previstas e não o foi. De resto, foi na suposição da sua indispensabilidade e da urgência da sua integração na realização daqueles objectivos que lhe foi dado o carácter de urgente à expropriação.
Depois, porque, muitas vezes, como no caso, o tempo e as ocorrências posteriores ao acto de expropriação fazem luz sobre a sua necessidade e a sua legalidade. Ora, se tal prédio não foi integrado nas obras que justificaram o acto impugnado – e não se pode olvidar que já passaram 16 anos depois da expropriação – é porque o mesmo nunca foi indispensável à concretização do PPA. Se o tivesse sido certamente que aquele prédio já não se encontrava no local onde sempre esteve.
Nesta conformidade, resta concluir que a expropriação impugnada foi excessiva e que, nessa medida, a mesma violou o princípio da proporcionalidade na vertente da sua necessidade.
Face ao que fica dito, encontra-se prejudicado o conhecimento das demais questões objecto do presente recurso jurisdicional.

Por fim, cabe ainda citar o decidido no Acórdão de 28/02/2018 (rec. 0588/13) que numa situação inteiramente semelhante à dos autos também anulou o acto impugnado, ainda que dessa vez com outra fundamentação – a de que não tinham sido cumpridos os procedimentos legais indispensáveis a uma expropriação destinada a um reparcelamento.
Deste modo, e ainda que esse fundamento não tenha sido abordado na sentença recorrida e que o mesmo não venha salientado nas alegações deste recurso, certo é que não podemos ignorar a similitude das situações e atribuir-lhes algum significado.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em conceder provimento não só ao recurso jurisdicional como ao recurso contencioso de anulação e, em consequência, revogar a sentença recorrida e anular a deliberação contenciosamente recorrida.
Custas pelos Recorridos.

Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.