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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0311/23.7BEPRT
Data do Acordão:09/06/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO DURADOURO
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09).
II - À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
III - Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil.
IV - Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo.
V - É uniforme a jurisprudência deste Tribunal e Secção a concluir que a aplicação, no domínio tributário, da regra prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, quanto ao reconhecimento do efeito duradouro do acto de citação em execução fiscal, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança ou das garantias dos contribuintes. Recente jurisprudência do Tribunal Constitucional vai no mesmo sentido.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31281
Nº do Documento:SA2202309060311/23
Data de Entrada:07/12/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - SEC. PROC. EXEC. PORTO II
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
AA, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.32 e seg. do processo físico, que julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida pelo ora apelante, no âmbito de processos de execução fiscal instaurados para a cobrança de dívidas à Segurança Social e que correm seus termos na Secção de Processo Executivo do Porto II.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.51 a 78 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença sob recurso julgou improcedente a reclamação do Recorrente que tem por objecto a decisão do Instituto da segurança Social, IP que infereriu o pedido de declaração de prescrição das dívidas em cobrança coerciva nos processos executivos originariamente instaurados contra a sociedade A..., Lda.
2-Com base nos factos julgados provados e numa interpretação errada das normas que regulam a prescrição em matéria tributária, o Tribunal recorrido considerou as dívidas não prescritas.
3-As dívidas dadas à execução dizem respeito a contribuições e cotizações dos períodos compreendidos entre de Junho de 2012 e Dezembro de 2013, e o Recorrente foi notificado para exercer o direito de audição prévia em 13.10.2014, e citado em sede de reversão em 26.02.2015.
4-A sentença sob recurso vem na senda de interpretações que vêm sendo feitas das normas que regulam a prescrição em matéria tributária, assentes em doutrina plasmada no livro “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, de Jorge Lopes de Sousa, da qual o recorrente discorda, por tal interpretação levar à anulação desse instituto em matéria tributária, ao retirar-lhe efeito prático.
5-São duas as questões que fundamentam sentença sob recurso que são as seguintes:
- aplicação do nº 3 do artigo 49º da LGT às dívidas à segurança Social
- efeitos da citação na contagem do prazo de prescrição
6-Quanto à primeira questão, não há norma que afaste aplicação deste dispositivo às dívidas à segurança Social.
7-O regime da prescrição das dívidas à Segurança Social diferencia-se do regime geral apenas quanto ao prazo que é de 5 anos e não 8 e ainda quanto às causas de interrupção desse prazo que resultam da prática de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
8-Em tudo mais aplica-se o regime regra da LGT, incluindo o n.º 3 do artigo 49º, que determina que “a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”, pois não existe norma que expressamente afaste a sua aplicação.
9-O facto que constituiu diligência administrativa, do qual foi dado conhecimento ao Recorrente destinado à cobrança da dívida, foi a notificação para o exercício de audição prévia no dia 13/10/2014, iniciando-se de imediato a contagem do prazo de prescrição.
As dívidas estão por isso prescritas.
10-O Tribunal também não declarou prescritas as dívidas por entender que a citação em matéria tributária produz dois tipos de efeitos, um efeito instantâneo que é a interrupção do prazo de prescrição e um efeito duradouro que é a suspensão desse prazo até ao trânsito da decisão que vier a pôr fim ao processo de execução fiscal.
11-A execução fiscal inicia-se contra a devedora originária e quando no decurso do processo de execução se verifica que estão preenchidos os pressupostos da reversão, a A.T. cita o responsável subsidiário para a execução.
12-No momento da citação pode iniciar-se um novo processo, enxertado no processo de execução fiscal, quando o responsável subsidiário deduz oposição à execução.
13-Admitindo que a citação possa ter o efeito que o Tribunal lhe pretende atribuir de suspensão da contagem do prazo de prescrição até trânsito da decisão que vier a pôr fim ao processo...só pode estar a referir-se ao processo de oposição à execução.
14-É este o único resultado possível da interpretação conjugada dos nºs 1 e 4 do artigo 49º da LGT, o qual não suporta a interpretação que tem sido feita de considerar que a decisão que põe termo ao processo é a da execução fiscal.
15-Foi esta a razão que levou à exclusão da citação do elenco das causas de suspensão do nº 4 do artigo 49º e à inclusão da oposição à execução fiscal. Só assim se percebe esta alteração.
16-Também queremos acreditamos que o legislador não quereria colocar nas mãos do órgão de execução fiscal, parte interessada no neste processo, a decisão sobre o momento da prescrição das dívidas, uma vez que, no caso de não haver oposição à execução que é decidida pelo Tribunal, a execução só se extingue por decisão do órgão de execução fiscal, que pode ser ... nunca.
17-O nº 1 artigo 49.º da LGT enuncia de as causas de interrupção da contagem do prazo de prescrição, que são a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo e, no caso das dívidas à Segurança Social, por qualquer diligência administrativa destinada à cobrança da dívida (artigo 187.º do Código Contributivo).
18-Estas causas de interrupção são, por natureza, eventos instantâneos que têm como efeito a paragem, naquele momento, do prazo de prescrição e a inutilização de todo o tempo decorrido até essa data (a inutilização do prazo já decorrido tem a natureza de penalização para o contribuinte e de salvaguarda do interesse da Segurança Social na cobrança da dívida).
19-Por sua vez, as causas suspensivas do prazo de prescrição, referidas no n.º 4 do citado artigo 49.º da LGT e são o pagamento em prestações, a reclamação, a impugnação, o recurso hierárquico e a oposição.
20-A suspensão da execução por verificação de uma destas causas não opera de forma automática. Para o efeito é necessário a verificação de um outro pressuposto, a prestação de garantia idónea, garantindo deste modo que, terminada a suspensão da execução, a dívida pode ser cobrada.
21-Se a ocorrência de uma destas causas de suspensão com a prestação de garantia idónea, não tivesse como efeito na suspensão do prazo de prescrição, permitiria que a prescrição ocorresse durante o período em que estivesse suspenso o prazo de prescrição. 22-É por isso que o pagamento em prestações, a reclamação, a impugnação, o recurso hierárquico e a oposição, quando é prestada garantia, tem como efeito a suspensão da contagem do prazo de prescrição.
23-A prestação de garantia e a suspensão do prazo de prescrição visam impedir que o sujeito passivo use esses processos e procedimentos para impedir a administração tributária de cobrar o crédito através da prescrição.
24-A citação que consta do elenco das causas interruptivas da prescrição é excluída das causas suspensivas da prescrição porque não tem, por si só, a virtualidade de impede a administração tributária de cobrar os tributos.
25-A exclusão da citação das causas suspensivas da prescrição só pode ter uma justificação que é a do legislador não lhe querer atribuir efeito suspensivo, porque se assim não fosse teria feito como fez com as outras causas interruptivas que se convolam em suspensivas, incluindo-a também nas causas suspensivas.
26-Acresce que, as causas suspensivas do prazo de prescrição obedecem a dois pressupostos:
- resultam da iniciativa do contribuinte
- impedem a administração tributária de cobrar a dívida.
27-A citação não preenche os pressupostos referidos na conclusão anterior:
- não resulta da iniciativa do sujeito passivo
- a citação, por si só, não impede a cobrança dos tributos
28-A citação foi substituída no elenco das causas de suspensão da prescrição pelo pagamento em prestações e pela oposição, que podem ser desencadeados pela citação.
29-Se a citação tivesse o efeito que o Tribunal recorrido lhe pretende atribuir, seria inútil atribuir efeito suspensivo à oposição, uma vez que a oposição fiscal surge sempre na sequência de uma citação, pois com a citação ficaria suspenso o prazo de prescrição, quer houvesse ou não oposição.
30-Apesar do que foi alegado até agora, o Tribunal recorrido, seguindo a tese defendida por Jorge Lopes de Sousa na obra “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, entende que a citação tem um efeito interruptivo “duradouro”, perdurando no tempo até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo executivo.
31-Deste modo, a citação passaria a ter um efeito interruptivo, parando a contagem do prazo de prescrição e inutilizando todo o tempo decorrido até esse momento a que acresceria um efeito suspensivo, uma vez que o prazo de prescrição só voltaria a correr depois do trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (processo executivo no entender do Tribunal recorrido).
32-O que já se alegou é suficiente para concluir que esta interpretação não consagra a melhor interpretação das normas respeitantes a esta matéria, sendo por isso ilegal e ainda porque viola princípios constitucionais que enformam o nosso sistema jurídico, designadamente o da certeza e da segurança jurídica.
33-Aquela autor, no Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado”, a propósito do regime anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, diz que o efeito próprio de um facto interruptivo é a abertura de um novo prazo-“Com efeito, se depois do recomeço do decurso do prazo de prescrição for praticado um novo acto interruptivo da prescrição, ele terá o seu efeito próprio, determinando a abertura de novo prazo ...”, p. 197.º e seguintes, anotação ao artigo 175º e na pág.198, nota de rodapé (2), o que diz quanto às alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, leva a concluir no mesmo sentido quando escreve, “com a revogação do n.º2 do art.º 49º e o novo regime de suspensão introduzido no n.º 4 do mesmo artigo, deixa de haver um limite para a paragem da contagem de prescrição derivado de um facto interruptivo enquanto estiver pendente o processo por ele originado”.
34-Já na obra “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, altera aposição anteriormente assumida quando diz que “No que concerne à citação, não estando previsto um regime especial sobre os seus efeitos, seria de lhe atribuir os que lhe reconhece o CC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art.º 2.º, alínea d), da LGT. Esse efeito é não só o instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC)”.
35-Já na obra “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, apesar de não ter havido nenhuma alteração legislativa além da revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, vem considerar que as mesmas causas interruptivas produzem efeito diferente – efeito interruptivo duradouro – sem qualquer justificação para a alteração de entendimento, defendendo para o efeito a aplicação do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil para preenchimento de alegada lacuna da lei tributária.
36-O que parece ter levado a esta alteração de posição será uma interpretação errada dos efeitos da revogação da norma do nº 2 do artigo 49º da LGT, que previa a degradação do facto interruptivo em facto suspensivo. Para perceber o erro importa perceber em que consistia esta degradação.
37-O citado n.º 2 do artigo 49º dizia:
“2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
38-O efeito que a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo produzia era o de o tempo anteriormente decorrido, inutilizado por força da interrupção, passar a ser novamente considerado para efeitos de computo do prazo de prescrição (desta forma ia-se buscar o efeito da suspensão que consiste no aproveitamento do prazo decorrido antes do facto que originou a paragem do prazo de prescrição).
39-O efeito da revogação daquela norma, que comporta uma alteração da lei em prejuízo do contribuinte foi apenas o de, nos casos do processo de execução estar parado por mais de um ano por facto que não lhe seja imputável, já não poder ser aproveitado o tempo decorrido antes da interrupção da prescrição, como acontecia antes da revogação. Não se pode agora querer penalizar ainda mais o contribuinte, somando à perda do benefício de poder aproveitar o tempo anterior à interrupção, o de ainda versus penso o prazo de prescrição até à extinção da execução.
40-A tese defendida por Jorge Lopes de Sousa e seguida pelo Tribunal recorrido, também não encontra acolhimento na lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprova uma norma transitória, o artigo 91.º, com o seguinte teor:
“A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo”.
41-A revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT aplica-se apenas aos prazos em curso em que tenha ocorrido uma causa interruptiva ainda não degenerada em suspensiva, pelo que se o prazo já estivesse suspenso até à decisão que puser termo ao processo executivo por força da interrupção, não podia estar em curso.
42-A lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro comporta duas alterações ao artigo 49º daLGT que são:
- a revogação do nº 2
- o aditamento de um número 3 que determina que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
43-Com as alterações introduzidas neste artigo, o legislador penalizou o sujeito passivo com a revogação do nº 2 do artigo 49º, e compensou-o com a introdução do nº 3 que prevê que a interrupção tenha lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
44-Se o legislador pretendesse atribuir à citação o mesmo efeito das restantes causas de interrupção que se convolam em causas de suspensão, certamente a incluiria no n.º 4 do artigo 49º. Se não o fez foi porque não lhe quis atribuir efeito suspensivo.
45-Por força do que dispõe o nº 4 do artigo 49º da LGT, nos casos em que os processos ou procedimentos determinem a suspensão da cobrança da dívida, o prazo de prescrição também se suspende enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, pelo que importa saber em que processo deve ser proferida a decisão com a qual termina a suspensão do prazo de prescrição.
46-O legislador identificou no nº 4 do artigo 49º os processos que suspendem a contagem do processo de prescrição até que neles seja proferida decisão definitiva ou transitada em julgado e nesses processos não está e execução fiscal, tendo incluído a oposição à execução fiscal.
47-O motivou a inclusão da oposição à execução nas causas de suspensão do prazo de prescrição e exclusão da citação foi o da oposição à execução ser processo que se inicia após a citação e d ter a virtualidade de suspender a prática de actos por parte da Administração Tributária com vista à cobrança da dívida, quando o sujeito passivo presta garantia para que se suspenda a execução até à decisão que ponha termo ao processo que só pode a oposição e não a execução.
47-A interpretação defendida por Jorge Lopes de Sousa e acolhida pelo Tribunal recorrido pretende, ao arrepio do que a lei tributária determina, atribuir à citação além do efeito interruptivo também um efeito suspensivo, que obsta início da contagem do prazo de prescrição até ao termo do processo que, como vimos, só pode ser o de oposição à execução fiscal, e só quando é prestada garantia.
48-Para defender esta tese socorre-se de uma alegada omissão da lei tributária no que respeita aos efeitos da interrupção da prescrição, lacuna essa que importa integrar.
49-A integração das lacunas, quando estas existem, faz-se, por força do disposto na al. d) do n.º 2 da LGT, pela aplicação das normas do Código Civil sobre esta matéria, tendo em conta a matéria em causa. 50-O instituto da prescrição em Direito Civil não supõe excepções. Isto é, não há casos ou situações imprescritíveis, como decorre do disposto nos art.ºs 300º e 302º do C.C., que, em última instância, até conferem à prescrição a natureza de expectativa jurídica, enquanto decorre o prazo prescricional, e de direito subjectivo, decorrido esse prazo.
51-Por outro lado, da comparação dessas disposições com o disposto nos nº 1 e 3 do art.º 302º também do C.C., resulta que a renúncia à tutela dessa “expectativa e ao exercício desse direito de invocar a prescrição não pode ser objecto de qualquer acordo contratual, inscrevendo-se essa proibição nos limites à liberdade contratual, a que se reporta o proémio do nº 1 do art.º 405º do C.C.
52-Por tais razões, também a interrupção só pode operar uma vez, seja momentânea ou duradoura, pois, doutro modo, podia ser suspensa por toda a vida do devedor, quando este é uma pessoa singular, ou até ser extinto o devedor, quando pessoa colectiva.
53-A peregrina interpretação que vem sendo feita dos efeitos da citação e da aplicação do nº 1 do art.º 327º do C.C., atenta contra a teleologia do instituto e, sobretudo, contra a sua própria letra.
54-Nos processos tributários a citação é (quase) exclusiva da execução, pois na fase administrativa a liquidação ou é feita pelo contribuinte ou pela administração. Na fase da liquidação, que no caso da Segurança Social resulta da apresentação da declaração pelo sujeito passivo, no caso do acto tributário não ter sido objecto de impugnação judicial, necessariamente o prazo da prescrição começa a correr a partir do dia que precludiu o direito à impugnação, se se quiser aplicar o nº 1 do art.º 327º do C.C., operando o prazo prescricional após o decurso de 5 anos (art.º 187º do Código Contributivo).
55-Esta é uma interpretação que viola o art.º 13º da Constituição, pois favorece os opositores de execuções fiscais, em detrimento dos não opositores e ao mesmo tempo que contende com os elementos que dão carácter ao instituto, já invocados.
56-Dando de barato que o nº 1 do art.º 327º do C.C se aplica aos processos tributários, vejamos como ele se aplica aos casos em que há oposição e aos que não há oposição:
- Para o Executado que se opôs à execução, vencido na decisão final, a prescrição começa a correr no dia em que transitou em julgado a decisão que julgou a oposição improcedente.
- Para o Executado que, citado para a execução, não se opôs à execução, nunca mais correrá o prazo prescricional.
57-Esta interpretação contende grosseiramente com a letra do nº 1 do art.º 327º do C.C., mormente a 2ª parte... É que, nestes casos nunca há decisão!
58-Tendo em conta que a hipótese aí consagrada pressupõe, para além da vigência do crédito da Segurança Social, bem como a citação ou notificação ou acto equiparado – para que novo prazo comece a correr... - a decisão que puser termo ao processo. - Enfatiza-se:
- Uma decisão
- que põe termo ao processo.
59-A LGT, no n.º 4 do artigo 49.º, enuncia de forma taxativa quais as causas que determinam a suspensão do prazo de prescrição, sem fazer qualquer menção ou remissão para as situações em que no direito civil se suspende o prazo de prescrição.
60-Esta disposição enumera as situações em que, no direito tributário se suspende prazo de prescrição, afastando deste modo a aplicação do disposto no artigo 327.º do Código Civil, uma vez que, estando regulada na legislação tributária a matéria da suspensão da prescrição, não existe lacuna a preencher no que respeita às causas que produzem esse efeito.
61-Se atribuíssemos à citação o efeito duradouro que o Tribunal recorrido pretende a prescrição da dívida tributária, no caso do contribuinte não pagar nem deduzir oposição na sequência da sua citação, a partir desse momento a prescrição passa a depender da vontade da Segurança Social que, no caso de não existirem bens penhoráveis do sujeito passivo, pode manter a execução durante os anos que entender até à declaração em falhas.
62-Esta interpretação põe em causa os princípios que conformam o regime da prescrição fiscal que são os da certeza e da segurança jurídica, premiando desta forma a inércia da Segurança Social na cobrança do crédito, sendo certo que diz respeito a períodos dos anos de 2012 e 2013. São cerca de 10 anos, mais do dobro dos 5 anos que a lei fixou como prazo de prescrição dos créditos da Segurança Social.
63-As dívidas em causa nesta reclamação foram constituídas na vigência da Lei nº 4/2007, de 16.1, cujo art.º 69.º prescrevia:
“O direito às prestações pecuniárias vencidas prescreve a favor das instituições devedoras no prazo de cinco anos, contado a partir da data em que as mesmas são postas a pagamento, com conhecimento do credor”.
64-A lei que actualmente regula tal matéria é o art.º 187.º do Cód. Contributivo (Lei nº110/2009, de 16 de setembro) e do cotejo do n.º 2 com o n.º 3 deste artigo 187.º do Cód. Cont. colhe-se uma distinção assinalável, tendo-se em conta a semelhança ou proximidade da suspensão e da interrupção da prescrição: aqui, quanto à suspensão, o n.º 3 remete para lei geral, enquanto o n.º 2 não prescreve semelhante remissão. Essa semelhança da categoria da interrupção com a de suspensão – pois ambas comungam do factor tempo – e da proximidade – estão inscritas no mesmo artigo – evidenciam que o legislador disciplinou, confinando, a questão ao estrito regime tributário, pelo que, no espírito da lei, não entram as disposições do Código Civil para integrar qualquer lacuna – que assim não existe.
65-A questão de interrupção “versus” não interrupção do prazo prescricional das dívidas tributárias tem uma longa história, que era a da sua inexistência. Posteriormente a lei introduziu a interrupção com a citação ou outra qualquer diligência administrativa que visasse a cobrança da dívida. Entretanto, e mesmo assim, a lei diz que a interrupção só tem lugar uma vez – artigo 49º, 3 da L.G.T. Por isso a questão da interrupção tem agora o seu assento no n.º 2 do art.º 187.º do Cod. Cont. - que consome o n.º 1 do art.º 49.º da LGT e o n.º 3 deste artigo 49.º.
66-Dando de barato a utilidade (meramente) dogmática do art,º 326.º, 1 do C.C (o seu n.º 2 é expressamente afastado pelo n.º 3 do art.º 49.º da LGT), o n.º 1 do art.º 327.º desse Código não se aplica às execuções tributárias (e muito menos o seu n.º 3),porque essa norma pressupõe a existência de uma acção declarativa de condenação -“não começa a correr (o novo prazo) enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”. (diz esse n.º 1).
67-Ou seja, tal norma nem aplicação tem no processo executivo civil, pois nesta já existe o título executivo, tal como nos processos tributários, pois a Administração goza do privilégio da execução prévia.
68-Ora, tal entendimento nem leva em conta que, na acção executiva civil, quando o processo está parado há mais de 6 meses, extingue-se a instância. Ora, com a interpretação que fez vencimento, supondo uma inexistente lacuna, integrando-a com uma norma imprópria (pois nem procurou arrimo nas normas do processo de execução civil), tal interpretação do n.º 2 do art.º 187.º do Cód. Cont. (ou mesmo do art.º 69.º da Lei n.º 4/2007) e até do n.º 1 do art.º 49.º da LGT, é ostensivamente inconstitucional. Mas, se esse é o sentido de tais normas, então a sua inconstitucionalidade é uma evidência.
69-Na verdade, a interpretação em causa significa que todo aquele que estiver na situação do Recorrente, não tendo rendimentos nem bens para pagar a dívida, vai ser perpétuo devedor. O n.º 1 do art.º 327.º do C.C. diz que “o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo” (sub. nos.). Ora, no processo executivo tributário, como os dos autos, onde não houve qualquer forma de oposição a execução, nunca haverá decisão que ponha termo ao processo!
70-O Recorrente fica assim condenado à condição de devedor perpétuo! - É assim como que condenação a uma “capitis deminutio”. Exposto publicamente como devedor tributário, jamais passará de um persistente no salário mínimo nacional, quando encontra emprego, pois ninguém quer incómodos, salvo o “patrão que dá seguro devida aos seus”... Ou seja, tal interpretação é um compêndio de inconstitucionalidades, pois até fecha a porta da insolvência com exoneração do passivo restante...
71-A interpretação em causa contende assim com os princípios e normas da Constituição consagrados nos artigos da Lei Fundamental que se passam a enunciar:
a) O princípio da dignidade da pessoa humana (art.º 1.º) que é a base, a pedra angular, da República, o seu princípio e o seu fim, porque reduz o devedor tributário, perpetuamente condenado a essa condição, a um objecto.
b) Essa “perpetuidade” é uma grosseira limitação à capacidade civil do condenado, promovendo o seu estado de pobreza perpétua, ao arrepio do disposto no art.º 26.º,1 e 2.
c) Essa “perpetuidade” contende com os princípios imanentes ao princípio Estado direito, como são os da segurança e da confiança jurídica, pois lança a incerteza e insegurança sobre a vida das pessoas, contrariando os deveres de Estado consignados no art.º 2.º.
d) Tal “perpetuidade” viola o princípio da igualdade, consignado no art.º 13.º, pois a interrupção da prescrição, por dívidas da segurança social aos beneficiários e contribuintes, não está sujeita a tal regime.
e) Viola os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrados no art.º 18.º, 2, porque nada justifica que, com tal inaudita interpretação, se condene uma pessoa à pobreza e dependência, por toda a sua vida.
f) Viola ainda o disposto no art.ºs 63.º e 104.º, 1 porque os impostos e contribuições não existem para gerar pobreza, mas para diminuir desigualdades.
72-Finalmente, se efectivamente as normas em causa remetem a regulação da interrupção da prescrição para o art.º 327.º, 1 do C.C., pelas mesmas razões que acabam de ser aduzidas, essas disposições são inconstitucionais por violarem os princípios e normas constitucionais invocados.
73-Como o prazo de prescrição interrompeu-se por força da citação do Recorrente no dia em Fevereiro de 2015, tendo-se iniciado de imediato nova contagem do prazo, as dívidas estão prescritas, por terem decorrido mais de cinco anos contados da citação do Recorrente.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
Remetidos os autos a este Tribunal, o Digno Magistrado do M. P. emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.87 a 92-verso do processo físico).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.35-verso a 39 do processo físico):
1-O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. instaurou, em nome de A..., Lda., o processo de execução n.º 1302201200508195 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de contribuições e cotizações à Segurança Social, dos períodos de 2012/06 a 2013/12, no montante total de 17.436,32 € – cf. despacho de reversão e citação (reversão), a fls. 82-83 e 90-91 do SITAF.
2-Em 13.12.2012, foi deferido à A..., Lda. o pedido de plano prestacional para pagamento da quantia exequenda em dívida no montante de 17.436,32 €, tendo o plano deferido sido do tipo normal, com o n.º 11296/2012 e autorizado 18 prestações, cuja conclusão veio a ocorrer em 06.09.2013, por força de incumprimento – cf. informação prestada pelo Exequente, a fls. 66 do SITAF.
3-Em 13.10.2014, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo do Porto II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. proferiu projeto de despacho de reversão do processo de execução n.º 1302201200508195 e apensos contra AA – cf. projeto de despacho de reversão, a fls. 76-77 do SITAF.
4-Em 13.10.2014, a Secção de Processo Executivo do Porto II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. remeteu, através de carta registada, para AA, morada na Rua ..., ... ..., a seguinte notificação para o exercício do direito de audição prévia em sede de reversão:
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5-Em 29.01.2015, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo do Porto II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. proferiu despacho de reversão do processo de execução n.º 1302201200508195 e apensos contra AA – cf. despacho de reversão, a fls. 88-91 do SITAF.
6-Em 26.02.2015, a Secção de Processo Executivo do Porto II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. remeteu citação (reversão), através de carta registada com aviso de receção, a AA, para a morada na Rua ..., ... ... – cf. citação (reversão), a fls. 82-85 do SITAF.
7-Em 27.02.2015, na morada aludida no ponto antecedente, foi assinado o aviso de receção da carta de citação (reversão) dirigida a AA, por terceira pessoa a quem foi entregue a carta – cf. aviso de receção, a fls. 86 do SITAF.
8-AA apresentou requerimento à Secção de Processo Executivo do Porto II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. pedindo a declaração de prescrição das dívidas exequendas e a consequente extinção dos processos de execução contra si revertidos, com a seguinte argumentação:
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(…)” – cf. documento n.º ... junto aos autos com a reclamação, a fls. 48-56 do SITAF.

9-Em 20.12.2022, o Coordenador da Secção de Processo Executivo do Porto II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. proferiu o seguinte despacho relativamente ao requerimento aludido no ponto antecedente:
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(…)” – cf. documento n.º ... junto aos autos com a reclamação, a fls. 39-47 do SITAF.

10-Em 21.12.2022, AA foi notificado, através da pessoa do seu Mandatário, do despacho aludido no ponto antecedente – cf. documento n.º ... junto aos autos com a reclamação, a fls. 38-47 do SITAF.
11-No período de 26.04.2010 a 17.11.2016, a morada de AA constante do Sistema de Informação da Segurança Social era na Rua ..., ... ... – cf. informação prestada pelo Exequente, a fls. 68 do SITAF.
12-A partir de 17.11.2016, a morada de AA constante do Sistema de Informação da Segurança Social passou a ser na Rua ..., ... ... – cf. informação prestada pelo Exequente, a fls. 68 do SITAF.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos que não foram impugnados e na informação prestada pelo Exequente nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do CPPT, conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em consequência do que absolveu a entidade recorrida do pedido, assim mantendo na ordem jurídica o acto reclamado objecto deste processo (cfr.nº.9 do probatório).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição, no âmbito do regime de prescrição dos tributos fiscais, se encontram previstos nos artºs.48 e 49, da L.G.T., assim se aplicando, subsidiariamente, às dívidas à segurança social. Que o regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil, não se aplica ao processo de execução fiscal e, por consequência, às dívidas à segurança social. Que a citação não comunga do efeito duradouro que o Tribunal recorrido pretende quanto à prescrição da dívida tributária. Que a lei que actualmente regula, em primeira linha, tal matéria é o artº.187, do Cód. Contributivo. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao aplicar o regime previsto no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, ao caso dos autos. Que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs.49, da L.G.T., e 327, do C.Civil (cfr.conclusões 1 a 54, 56 a 61 e 63 a 69 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.261 e seg.).
No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/07/2020, rec.534/20.0BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/06/2021, rec.953/16.7BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec. 150/22.2BEPNF; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.127 e seg.; Alcides Martins, Código dos Regimes Contributivos e Legislação Complementar Anotados, Almedina, 2021, pág.150 e seg., em anotação ao artº.187).
Por último, à prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa, nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo/duradouro (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec.150/22.2BEPNF; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo, tudo contrariamente ao que defende o recorrente (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec.150/22.2BEPNF; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.62).
É neste sentido, de resto, que vai toda a jurisprudência deste Tribunal. Concretizando, a citação em processo de execução fiscal ostenta um efeito instantâneo, o qual consiste na inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (regime decorrente do disposto no artº.326, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), tal como um efeito duradouro, o qual se consubstancia no facto de o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal (v.g.declaração em falhas), que não ao processo de oposição à execução, contrariamente ao defendido pelo apelante (regime decorrente do disposto no artº.327, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.). A título exemplificativo podemos citar os acórdãos do Pleno da 2ª.Secção: 3/04/2019, rec.2369/15.3BEPNF; 20/01/2021, rec. 103/20.5BALSB. Tal como os acórdãos da 2ª.Secção: 27/01/2016, rec.1698/15; 16/05/2018, 419/18; 13/03/2019, rec. 1437/18.4BELRS; 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT; 9/06/2021, rec.953/16.7BEBRG; 4/05/2022, rec.2030/21.0BEPRT; 21/09/2022, rec.150/22.2BEPNF.
Mais se deve referir que a jurisprudência deste Tribunal igualmente vai no sentido de que o regime constante do artº.49, da L.G.T., tal como a aplicação subsidiária do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, se apõem ao exame da prescrição das dívidas à Segurança Social (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/05/2012, rec.282/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/05/2015, rec.1500/14; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/07/2020, rec. 534/20.0BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/06/2021, rec.953/16.7BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec.150/22.2BEPNF).
Ainda, o facto de o indicado artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09, regular, em primeira linha, o regime de prescrição das dívidas à Segurança Social, não invalida todas as conclusões jurisprudenciais e doutrinais supra mencionadas.
Pelo que, o Tribunal confirma a sentença recorrida, neste segmento, concluindo pela não ocorrência do termo final do prazo de prescrição das dívidas exequendas de contribuições e cotizações à Segurança Social, dos períodos de 2012/06 a 2013/12 e revertidas contra o recorrente (cfr.nºs.1, 3 e 5 a 7 do probatório supra).
Rematando, a decisão recorrida, neste segmento, não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado (errada aplicação dos artºs.49, da L.G.T., e 327, do C.Civil).
Aduz o recorrente, igualmente e em sinopse, que a aplicação, no domínio tributário, da regra do direito civil prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, viola o princípio da dignidade da pessoa humana (cfr.artº.1, da C.R.Portuguesa), mais constituindo uma grosseira limitação à capacidade civil do executado, promovendo o seu estado de pobreza perpétua (cfr.artº.26, nºs.1 e 2, da C.R.Portuguesa), analogamente, afrontando o princípio da certeza e da segurança jurídica (cfr.artº.2, da C.R.Portuguesa), igualmente, ofendendo o princípio da igualdade (cfr.artº.13, da C.R.Portuguesa), tal como os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso (cfr.artº.18, nº.2, da C.R.Portuguesa), e, por último, dado que os impostos e contribuições não existem para gerar pobreza, mas para diminuir desigualdades, viola o disposto nos artºs.63 e 104, nº.1, da C.R.Portuguesa (cfr.conclusões 32, 62 e 70 a 72 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec. 179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.387/17.6BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec. 150/22.2BEPNF; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se dirá que o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Por outro lado, o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal (cfr.alegações e conclusões do recurso constantes a fls.51 a 78 do processo físico), as defendidas violações dos princípios/direitos constitucionais que cita. Por outras palavras, a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos preceitos constitucionais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/11/2021, rec.972/21.1BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec.150/22.2BEPNF).
Apesar disso, sempre se dirá que é uniforme a jurisprudência deste Tribunal e Secção a concluir que a aplicação, no domínio tributário, da regra prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, quanto ao reconhecimento do efeito duradouro do acto de citação em execução fiscal, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança ou das garantias dos contribuintes (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/01/2016, rec.1698/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/11/2021, rec.972/21.1BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/05/2022, rec.2030/21.0BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/09/2022, rec. 150/22.2BEPNF).
Por último, cita-se jurisprudência do Tribunal Constitucional que vai no mesmo sentido (cfr.ac.Tribunal Constitucional 122/2015, de 12/02/2015; ac.Tribunal Constitucional 351/2021, de 27/05/2021; ac.Tribunal Constitucional 731/2021, de 22/09/2021).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio da apelação e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas na presente instância de recurso (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Setembro de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.