Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0690/19.0BEALM
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31984
Nº do Documento:SA1202402290690/19
Recorrente:A..., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:B..., LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. B..., Lda. (de ora em diante apenas B…), com os sinais dos autos, intentou no TAF de Viseu acção de contencioso pré-contratual contra a A..., S.A. e indicou como contra-interessada a C..., S.A. (de ora em diante apenas C...), ambas igualmente com os sinais dos autos. Pediu nessa acção a anulação do acto de adjudicação da proposta da C... praticado pelo Conselho de Administração da Entidade Demandada em 25 de Julho de 2019, a exclusão da referida proposta e a adjudicação da sua, no concurso para a aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho creosotadas, pelo preço base de €2.979.200,00.

2. Por sentença de 21 de Fevereiro de 2020, o TAF de Viseu "julgou totalmente improcedente a acção", tendo considerado, quanto à alegada violação da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.° do CCP, que "os fortes indícios de eventual falseamento da concorrência deverão verificar-se em sede do próprio procedimento em análise".

3. No seguimento do recurso interposto pela A., o TCA Norte proferiu, em 2 de Junho de 2021, acórdão no qual concedeu provimento ao recurso da Autora, revogou a sentença de 1.ª instância, julgou a acção procedente e condenou a Entidade Requerida a praticar o acto devido: "o acto de adjudicação da aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho cresotado à Autora/Recorrente".

4. Por acórdão de 13.01.2022, este STA decidiu suspender a instância e formular ao TJUE diversas questões.

5. Após o acórdão proferido pelo TJUE, este STA proferiu em 25.01.2024 acórdão com a seguinte decisão:

· julgar totalmente improcedente o recurso da C...;

· julgar parcialmente procedente o recurso da A...;

· revogar o acórdão recorrido na parte em que condena a Entidade Demandada a praticar o acto de adjudicação da aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho cresotado à B... e, em substituição, condenar a Entidade Demandada a praticar novo acto de adjudicação em que sejam observados e respeitados os parâmetros jurídicos supra mencionados.

6. Por requerimento de 26.01.2024, a C..., veio alegar que a decisão recorrida padece de um lapso manifesto, na medida em que teria sido a C... e não a A..., S.A. a alegar que a solução imposta pelo acórdão do TJUE determinava a anulação apenas parcial do acórdão recorrido e não a sua anulação total, e que consequentemente, se considerasse que o recurso parcialmente procedente era o da C... e não o da A..., S.A., pelo que, deveria ser a C... a “suportar um montante de custas de apenas 80%, em vez dos 100% determinados no Acórdão”, pelo que requeria também a reforma do aresto quanto a custas.

Ora, quer o pedido de rectificação, quer o pedido de reforma quanto a custas são improcedentes. Primeiro, porque, como se afirma no acórdão ora reclamado, os recursos foram tratados em conjunto, atento o facto de as pretensões serem as mesmas e os argumentos maioritariamente sobrepostos. Segundo, porque a procedência ou improcedência, total ou parcial, do recurso é analisada em função do decaimento da pretensão recursiva face à decisão proferida e a pretensão recursiva da C... era no sentido de que fosse totalmente anulado o acórdão recorrido, por ser essa a única solução que assegurava a sua pretensão material na acção. Já a A..., autora do acto que era revogado pelos efeitos da decisão condenatória proferida no acórdão recorrido, também pretendia que o acórdão do TCA fosse revogado, no entanto, a modulação da decisão que este STA proferiu, ao revogar parcialmente o acórdão recorrido na parte condenatória e impor à recorrente a prática de um acto que assegure o cumprimento das imposições vertidas no acórdão do TJUE, acaba por não fazer improceder totalmente a sua pretensão recursiva. E essa modulação da decisão proferida, que visa assegurar in casu a aplicação de uma solução de interpretação do direito nacional em conformidade com o direito europeu na estrita medida em que se impõe assegurar a preferência aplicativa daquele, que explica esta singularidade na diferença dos efeitos que a decisão produz face aos interesses paralelos e quase justapostos dos recorrentes e não os argumentos que uma e outra aduziram no âmbito dos respectivos recursos. É por isso que inexiste lapso manifesto.

Acresce que o segmento da condenação em custas é conforme com o dispositivo da decisão, razão pela qual improcede o respectivo pedido de reforma.

7. Por requerimento de 02.02.2024, a Recorrente A..., S.A., pede a reforma quanto a custas, alegando no essencial que “a implicação que a decisão do acórdão assume no desfecho da ação principal, bem se vê que o ganho de causa da A... no recurso, que determinará a improcedência da ação pela inelutável absolvição da ED no único pedido que concretamente e deduzido, é bem superior aos 20% decididos”. Mas também nesta parte sem razão.

No essencial, a Reclamante pretende que a causalidade e o decaimento sejam apreciados a partir do pedido condenatório formulado na acção, sustentado que, tendo o mesmo sido julgado totalmente improcedente, a repartição das custas não deve ser na proporção fixada. Contudo, a modulação da decisão proferida em sede de recurso e os efeitos que a mesma repercute para a acção principal não revelam essa desproporção, uma vez que a A..., S.A. fica obrigada a praticar um novo acto que permita assegurar a conformidade com o direito europeu, sob pena de, em sede de execução de sentença, se poder vir a apurar dita conformidade afinal não se verifica em concreto e que, nessa medida, o acto de adjudicação proferido é totalmente invalidade, por não ser sanável, reformável ou renovável à luz das directrizes impostas pela decisão do TJUE. Nessa medida, o decaimento da Entidade Demandada, quer no recurso, quer na acção, assumem uma amplitude que se considera correctamente fixada na proporção de 80%. Por esta razão, improcede o pedido de reforma quanto a custas.

No mesmo requerimento, a A..., S.A. requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, alegando que estariam preenchidos os pressupostos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP. Também este pedido é julgado improcedente. Tal como já se afirmou em decisões recentes (por todos acórdão de 01.02.2024, proc. 132/22.4BALSB, disponível em www.dgsi.pt), a dispensa do remanescente é uma excepção à regra, que só pode ser deferida quanto estejam preenchidos os respectivos pressupostos legais (complexidade da causa inferior à média e conduta processual das partes em harmoniza com a promoção da eficiência e da celeridade processual) ou quando exista uma desproporção manifesta entre o valor devido e a contraprestação do serviço de justiça, como sucede, por exemplo, nos acórdãos com fundamentação por remissão. E neste caso os pressupostos para a dispensa do remanescente não estão verificados, seja porque a causa não é de complexidade inferior ao normal, como atenta a necessidade do reenvio prejudicial e o seu resultado, seja porque as partes utilizaram todos os expedientes disponíveis, incluindo a junção de pareceres aos autos, seja porque o acórdão proferido não tem natureza remissiva. Aliás, o Tribunal já tinha expressamente determinado na decisão a não aplicação neste caso do regime do artigo 6.º, n.º 7 do RCP. Improcede também o pedido de reforma do segmento de custas nesta parte.

Por último, a A..., S.A. pede, ao abrigo do disposto no artigo 616.º, n.º 2, alínea b) do CPC, a reapreciação da decisão de mérito, por forma a que a mesma possa ser compatível com a factualidade que, entretanto, relata, com total novidade, no já mencionado requerimento de 02.02.2024.

Este pedido é manifestamente improcedente, atento o facto de não estar em causa qualquer factualidade que constasse dos autos previamente à prolação do acórdão, pelo que é obviamente inaplicável nesta sede o disposto no artigo 616.º, n.º 2, alínea b) do CPC.

Em face do exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em indeferir as reclamações e julgar improcedentes os pedidos de reforma.

Custas dos incidentes que se fixam em 3UC cada.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - José Augusto Araújo Veloso - Maria do Céu Dias Rosa das Neves.