Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01543/14.4BELSB
Data do Acordão:03/01/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24292
Nº do Documento:SA12019030101543/14
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO, IP
Recorrido 1:A......., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………………, SA intentou, no TAC de Lisboa, contra a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., acção administrativa comum pedindo a condenação da Ré nos seguintes pedidos:
a) Pagamento dos juros moratórios vencidos relativos ao atraso no cumprimento da obrigação pecuniária relativa ao reembolso das comparticipações legalmente devidas, tituladas pelas facturas relativas a Maio e Julho de 2013, e que apenas foram liquidadas em 11 de Julho (em vez de 10 de Julho) e 12 de Setembro (em vez de 10 de Setembro), respectivamente, juros esses que se contabilizam em 26.193,85 euros, e ainda nos juros moratórios vincendos desde a citação até ao efectivo e integral pagamento;
b) A cumprir as suas obrigações, por si devidas, sejam efectivamente disponibilizadas até ao dia 10 do respectivo mês;
c) No pagamento de uma sanção compulsória moratória, no valor de 9% a acrescer juros legais, por cada dia de atraso no cumprimento das suas obrigações;
d) Pagamento de custas, procuradoria condigna – incluindo custos e honorários dos mandatários da Autora – e no mais que for de lei.”

Aquele Tribunal julgou a acção parcialmente procedente e o TCA Sul, para onde a Ré apelou, negou provimento ao recurso e confirmou aquele julgamento.

É desse Acórdão que a Ré vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC julgou a acção parcialmente procedente pelas seguintes razões:
”....
Está em causa o cumprimento pontual de obrigação de pagamento de comparticipações devidas pela Ré à ora A. e, em concreto, as reportadas aos meses de Maio e Julho de 2013 .....
1º - O pagamento da facturação relativa ao mês de Maio de 2013, teve lugar em 11 de Julho de 2013, considerando aquela data como a correspondente à concretização da transferência na conta do credor, a ora A.;
2º - O pagamento da facturação relativa ao mês de Julho de 2013, teve lugar em 12 de Setembro de 2013, igualmente, considerando aquela data como a correspondente à concretização da transferência na conta do credor, a ora A. .
.....
Em suma, conclui-se que a Ré ao ter procedido ao pagamento, embora por transferência bancária, mas sem cuidar nem ter adoptado a diligência a que estava adstrita, de ter em conta o tempo da concretização e efectivação da transferência bancária, constituiu-se em incumprimento e em mora, porquanto as transferências bancárias só se mostraram dotadas de operatividade, já fora do prazo legal, em 11 de Julho de 2013 e 12 de Setembro de 2013. Dir-se-ia, ainda, que o que está em causa é a eficácia liberatória do pagamento efectuado pela Ré, que aqui não se apurou, nem provou, conforme supra expendido, antes provou-se nos autos que a Ré “pagou mal” ....
O incumprimento da Ré constituiu-a em mora (cfr. artº.805º/1/2/a)/CC), sujeitando-a aos efeitos legais estipulados no art.º 806º/1/2/CC, matéria aliás que a Ré nem sequer questionou ou impugnou, porque partiu do princípio e concluiu que cumpriu as suas obrigações no prazo legal.”
E com esta fundamentação julgou a acção parcialmente procedente condenando a Ré no pedido, com excepção pagamento de honorários suportados pela Autora.

Decisão que o TCA confirmou pela seguinte ordem de razões:
.......
Porém, as atinentes quantias só foram reflectidas e disponíveis na conta da ora A., apenas, e respectivamente, em 11 de Julho de 2013 e em 12 de Setembro de 2013, considerando que o prazo legal é o de até ao dia 10 (cfr. 8°/1/DL 242-B/2006, de 29.12.).
.....
Sendo este o quadro normativo aplicável como delineado ficou na sentença recorrida, comungamos do ponto de vista nela expresso de que a da mera literalidade dos preceitos convocados resulta que a asserção da Ré não tem neles guarida segundo a melhor correcta hermenêutica jurídica dos mesmos e levando em conta o disposto no art° 9°, n.ºs 1 a 3, do CC.
Na verdade e subscrevendo de pleno o correcto sentido e alcance da normação supra transcrita, afirmado na sentença recorrida, é o de que o pagamento (isto é, o efectivo recebimento ou ingresso das verbas devidas na esfera jurídica do destinatário) deve ser cumprido (postas à disposição) até ao dia 10 (dez) de cada mês e o de que o único meio de pagamento admitido é o da transferência bancária.
....
Daí a conclusão geral e definitiva de que, porque a Autora apenas teve acesso aos valores em causa em momento posterior ao dia 10 de cada mês, a Ré incorreu na obrigação legal de pagamento de juros de mora pois, tratando-se de obrigação sujeita a prazo certo, o incumprimento do mesmo por parte do devedor, constitui-o na obrigação de pagamento de juros moratórios, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 1.° da Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril.
Por assim ser, impunha-se ao julgador considerar procedente a presente acção e condenar a Ré nos termos constantes do dispositivo da sentença.”

3. A Ré não se conforma com tal decisão por considerar que o Acórdão recorrido fez uma errada interpretação da lei quando declarou que os montantes aqui em causa têm de ser pagos até ao dia 10 do mês seguinte ao da apresentação da facturação e, nesse dia, estar efectivamente disponíveis na conta do credor.
Sendo assim, cumpria-lhe demonstrar que não havia incorrido em mora quando disponibilizou as quantias em dívida em momento posterior ao dia 10 de cada um dos apontados meses e, portanto, que o Acórdão recorrido havia errado ao declarar que essa era a data limite em que, nos termos legais, aquele pagamento devia ser efectuado. Ou seja, cumpria-lhe demonstrar que a lei lhe permitia pagar as suas dívidas no momento em que esse pagamento ocorreu e que, portanto, não se tinha colocado em mora.
Ora, essa demonstração não foi feita tudo apontando para que o Acórdão recorrido tenha julgado acertadamente e, por isso, não mereça a censura que lhe é dirigida.
O que vale por dizer que a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
Sendo que, por outro lado, não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.
DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 1 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.