Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01415/12
Data do Acordão:01/09/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
ANULAÇÃO DA VENDA
Sumário:I - Tendo a recorrente formulado pedido de anulação de venda ao órgão competente da administração tributária, ao abrigo da nova redação do artº 257º do CPPT, e tendo esta no prazo de 45 dias proferido ato expresso, reconhecendo-se incompetente para o pedido e considerando competente o TAF de Sintra, notificando desse ato a recorrente, estamos perante ato expresso de indeferimento.
II - Se, em vez de atacar esse despacho de indeferimento, a recorrente vem reclamar invocando a aplicação da nova redação do artº 257º citado e a formação de ato de indeferimento tácito, tal reclamação carece de objeto por ter inexistido a formação daquele ato, ainda que se considerasse aplicável a nova redação daquele artigo.
Nº Convencional:JSTA00068029
Nº do Documento:SA22013010901415
Data de Entrada:12/10/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - RECL JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART257 N4 N5
L 64-B/2011 DE 2011/12/30
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. “A……., SA”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Sintra que julgou improcedente a sua reclamação deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº 3549200901090526 e apensos, contra o indeferimento tácito do requerimento de anulação de venda por si apresentado em 01.03.2012, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui

1ª) O "thema decidenduum" neste processo é saber se a nova redação do artº. 257º do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 64 - B/2011 de 30.12, deve ter a interpretação que lhe foi emprestada pela sentença do tribunal a quo.

2ª) O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 11 de outubro de 2012, que veio decidir julgar totalmente improcedente a reclamação deduzida, mas, não tomando posição quanto ao mérito da causa.

3ª) A sentença recorrida enferma, salvo o devido respeito e, que é muito, de uma errónea interpretação do direito devendo, como tal, ser revogada com todas as consequências.

4ª) A questão que justifica a intervenção do STA prende-se com a solução de direito adotada pelo Tribunal recorrido, para decidir a improcedência da ação e, veio a julgar inadequado o meio judicial utilizado pela Recorrente.
Porquanto,

5ª) A alteração ao artº. 257.° do CPPT, operada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, é de cariz instrumental e, por conseguinte, de aplicação imediata, como se alcança das conclusões do Acórdão de 2 de maio de 2012, do STA, no Proc. n.° 01131/11.

6ª) Entende a ora recorrente que a douta sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao interpretar e aplicar erroneamente o disposto no artº 257° do CPPT, na redação dada pelo artº 152.° da Lei n° 64-A/2008, de 31/12 (OE/2009), violando assim os arts. 12.°, n.° 3 e 98.° da LGT, 142.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e, o artº. 266.° , n.° 2 da CRP

7ª) São parâmetros de segurança jurídica que o Tribunal Constitucional tem utilizado para aferir da constitucionalidade com incidência processual.(...)". (Acórdão de 2 de maio de 2012, do STA, no Proc. n.° 01131/11)

8ª) "Em termos de aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroativa – artº. 12°, n° 2 do C. Civil e artº. 12°, n° 3 da LGT - excetuando-se o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial, como é o caso da norma contida no nº 2 do artº. 142º do CPC, que determina que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a ação é proposta." (Acórdão de 9 de Maio de 2012, STA, no Proc. n.° 323/12)

9ª) As leis processuais são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes (artº 12º, nº 3 da LGT), o que não é o caso dos autos. (Acórdão do STA, de 31 de Janeiro de 2012, no Proc. nº 929/11)

10ª) Entende-se por Direito Processual, e nas palavras do ilustre J. Baptista Machado, "aquele complexo de normas que regulam o processo, ou seja, o conjunto de atos realizados pelos tribunais e particulares que perante eles atuam ou litigam durante o exercício da ação jurisdicional".

11ª) E, isso mesmo foi especificamente previsto no n.° 3 do artº. 12° da LGT, de que "as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata".

12ª) Ora, no caso dos autos, a aplicação imediata da norma adjetiva referida não viola qualquer direito ou interesse legítimo da recorrida, já que, alarga os mecanismos de defesa, e, não existe qualquer violação das garantias legalmente consagradas.

13ª) Nesta esteira ainda, as sentenças propaladas nos Acórdãos do STA, de 18.Novembro.2009, proc. n.° 765/09; 6 de julho de 2011, proc. n.º 362/11; 14 de setembro de 2011, no proc. n.° 623/11; 28 de setembro de 2011, no proc. n.° 704/11; de 31 de janeiro de 2012, no proc. n.° 929/11; de 2 de maio de 2012, no proc. nº 01131/11; de 16 de maio de 2012, no proc. n.° 310/12.
E, ainda com especial acuidade as conclusões do Acórdão de 12 de setembro do STA, no proc. nº 0910/12, que se transcrevem,

14ª) "As alterações efetuadas aos 169º, 170º e 190º do CPPT pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, tiveram por objetivo acabar com a notificação autónoma para a prestação de garantia e incluir tal informação na citação para a execução, de modo que os 15 dias para constituir ou oferecer a garantia ou requerer a sua dispensa começam a contar a partir da apresentação dos meios de reação previstos na lei como suscetíveis de proporcionar a suspensão da execução fiscal."

15ª) "Apesar do artº. 154º daquela determinar a aplicação imediata do artº. 169.° aos processos de execução fiscal pendentes, sob pena do princípio de violação da proteção da confiança, a norma daquele artigo deve interpretada no sentido de só se aplicar aos processos pendentes em que o executado ainda não foi citado para a execução."
Finalmente se dirá,

16ª) Sendo certo que neste particular, os tribunais desempenham um papel fundamental de guardiões das normas fundamentais, dado que sobre estes impende um dever de ex-officio de desaplicação da norma inconstitucional, atento o consagrado no artº. 204° da CRP: "Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou princípios nela consagrada".

17ª) Certo é também, que no domínio do procedimento tributário a atuação jurisdicional não é uma atuação livre, mas sim uma atuação vinculada, devendo sujeitar-se à Constituição e à Lei, segundo os princípios da legalidade, universalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé – artº.s 266°/2, 3°/2/3, 18°, 12°, 13°, 2º da CRP e 8º e 9º da LGT.

18ª) A solução de direito adotada pelo Juiz "a quo" fundamentou-se na excepção invocada pela Administração Tributária e, consequentemente, veio a julgar inadequado o meio judicial utilizado pela ora Recorrente.

19ª) Em função da aplicação dessas regras, a sentença recorrida entendeu que o meio processual adequado seria a própria impugnação judicial deduzida contra aquele ato.

20ª) Ao aplicar esse entendimento o Tribunal a quo, que não pode ser mantido e, concomitantemente ser revogado, viola as disposições ínsitas nas disposições legais em vigor.

21ª) Ora a fundamentação de direito em que o Tribunal "a quo" se baseia para propalar a sentença recorrida, não é possível à luz das regras interpretativas próprias do Estado de Direito.

22ª) A sentença recorrida assim ao decidir, fez tábua rasa desses comandos legais.

23ª) O Tribunal "a quo", nos presentes autos obnubila a sua função ao não atribuir a aplicação imediata do artº. 257° do CPPT, ao caso sub judice, que a letra da lei não só não permite, como proíbe, uma interpretação que não tenha qualquer correspondência na letra da lei viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade, da reserva de lei e, ainda das específicas da atividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé – artºs. 18°, 103° e 266° da CRP.

24ª) Em suma, face ao exposto, julga a Recorrente que, de direito, mal andou o Tribunal a quo ao não considerar a aplicação imediata daquele comando legal ao pedido de anulação como o meio processual adequado.

25ª) Todos estes elementos da solução de direito são suficientes, para a terem sido considerados, com toda a certeza, a decisão adotada pelo Tribunal recorrido seria diferente.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis e, com o douto suprimento de V.Ex.cias, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado anulando-se a sentença nos termos e com os fundamentos acima expostos, devendo, consequentemente, o processo baixar à 1ª instância, apreciando o tribunal “a quo” do mérito da causa e os argumentos invocados pela ora recorrente, com todas as consequências legais, assim se fazendo inteira justiça.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 186/187, no qual defende a improcedência do recurso com a seguinte argumentação:

No regime pré-vigente o pedido de anulação de venda, sendo manifestação de um incidente processual, deveria ser apreciado pelo tribunal tributário (artº.151º, nº 1 CPPT).
A alteração normativa não se aplica aos processos de execução fiscal pendentes na data da entrada em vigor do novo regime, conforme interpretação a contrario da norma transitória constante do artº. l54º da Lei nº 64-B/2011 de 30 dezembro.
A solução legal segundo a qual nos processos de execução fiscal pendentes o pedido de anulação de venda deve ser apreciado pelo tribunal tributário inscreve-se no exercício do poder de conformação do legislador e não afeta (antes exprime) a tutela judicial dos interesses lesados pela venda executiva.
No caso concreto inexiste ato tácito imputável à administração tributária, a qual se pronunciou expressamente no sentido da incompetência para a apreciação do pedido, atribuindo a competência ao TAF de Sintra (probatório nº 5)
O meio processual utilizado (reclamação é adequado mas carece de objeto jurídico válido, por inexistência de ato tácito de indeferimento do pedido de anulação da venda.
Interpretada como tendo por objeto a decisão expressa de incompetência da administração tributária para a apreciação do pedido de anulação da venda a reclamação deve ser julgada improcedente e a decisão reclamada confirmada, com os fundamentos normativos supra enunciados.

3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:


1º) Em 26.05.2009 a Administração Fiscal instaurou contra a sociedade ora Reclamante o processo de execução fiscal nº 3549200901090526, a que foi posteriormente apensado o processo nº 3549201001259334, tramitando pelo Serviço de Finanças de Sintra 2 (Algueirão), para cobrança de dívidas de IMT e juros de mora;

2º) No âmbito dos processos identificados em 1. foi penhorada e vendida a moradia descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 3552/19990127-B, da Freguesia de Rio de Mouro;

3º) A venda do imóvel referido em 2. ocorreu no dia 30 de Dezembro de 2011;

4º) Em 01.03.2012 a ora Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Sintra -2 requerimento de anulação da venda do imóvel referido em 2., dirigido ao Director de Finanças de Lisboa;

5º) Em 12.04.2012 a ora Reclamante recebeu o ofício n.° 007307, de 09.04.12, proveniente do Serviço de Finanças de Sintra - 2, e subscrito pela respectiva Chefe, no qual se refere que: "Por requerimento de 01-03-2012, dirigido ao Chefe deste Serviço de Finanças, V. Exa requereu, ao abrigo do disposto no artigo 257.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário a anulação da venda 3549.2011.242, efetuada em 2011-12-30 neste serviço.
Tendo a venda sido realizada em 2011-12-30, é competente para a apreciação do pedido, o tribunal administrativo e fiscal de Sintra (artigos 257° e 151° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) na redação anterior à Lei n.° 64- B/2011, de 30/12) e não a administração tributária. Assim, querendo prosseguir com o pedido de anulação da venda, deve dirigir o requerimento à entidade competente, sendo obrigatória a constituição de advogado (artº 60º do CPPT) e entre os demais requisitos da petição (art°s 139º, n° 1 e 474° do Código de Processo Civil) deverá juntar comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou de concessão ou requerimento de apoio judiciário (art°s 467°, n° 3, do CPC e 24°, n° 2 da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho)".

4. Cumpre agora decidir.

5. Na 1ª conclusão das suas alegações refere a recorrente que o "thema decidenduum" neste processo é saber se a nova redação do artº. 257º do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 64 - B/2011 de 30.12, deve ter a interpretação que lhe foi emprestada pela sentença do tribunal a quo.

5.1. Na decisão recorrida ficou escrito para além do mais, o seguinte:

“O mecanismo processual de "indeferimento tácito", consubstanciado na ficção de um ato como meio habilitante de reação contenciosa face a determinado comportamento silente da administração ancora-se, no que à anulação de venda, em especial, concerne, no nº 5 ao artigo 257,° do CPPT, na redação atualmente vigente.
… O mecanismo processual em causa representa uma inovação introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro), cujo artigo 152º velo conferir nova redação, entre outros, ao artigo 257º do CPPT, remetendo para o Órgão Periférico Regional da Administração Tributária a competência para a apreciação e decisão do pedido de anulação de venda, que, anteriormente, estava conferido à tutela judicial.
…Todavia, esta alteração substancial do preceito não tem aplicação imediata aos processos de execução fiscal pendentes à data da entrada em vigor da Lei nº 64-6/2011, de 30 de Dezembro (1 de Janeiro de 2012), mas apenas aos que forem instaurados após essa data, conforme se retira da interpretação, a contrario, do artigo 154º da mesma Lei.
Os presentes autos de execução foram instaurados em 26.05.2009, e a venda questionada foi efectivada em 30.12.2011.
Neste enquadramento haverá que buscar na anterior redação do artigo 257º do CPPT a resposta à questão que, desde já, se nos coloca: Estamos perante ato silente?”

Seguidamente concluiu a decisão recorrida que não estando a administração tributária obrigada a pronunciar-se sobre a anulação da venda, nunca se poderia retirar do seu silêncio a formação de ato tácito de indeferimento.
De todo o modo, a administração tributária respondeu ao requerimento de pedido de anulação de venda em 09.04.2012, declarando-se incompetente para conhecer do pedido e informando a recorrente de que seria o TAF de Sintra o competente (v. nº 5 do probatório).
Perante tal pronúncia, concluiu a decisão recorrida que a reclamante poderia vir reclamar, mas não com fundamento em ato tácito, pelo que julgou verificada a questão prévia de carência de objeto da reclamação suscitada pelo MºPº.

5.2.Desde já se dirá que a decisão recorrida merece confirmação, embora nos pareça que nem necessário era estar a apurar qual a redação do artº 257º do CPPT aplicável ao caso.

Na verdade, o pedido de anulação de venda apresentado em 01.03.2012 foi objeto de despacho e notificação à recorrente em 12.04.2012 (v. factos 4 e 5 do probatório), pelo que nem sequer se coloca a questão de formação de ato de indeferimento tácito. Assim, não se conformando a recorrente com tal despacho deveria dele ter reclamado.

A apreciação da questão de saber qual a redação aplicável ao caso só se colocaria se, eventualmente, não tivesse existido decisão expressa da administração tributária no prazo previsto nos actuais nºs 4 e 5 do artº 257º citado. No caso concreto, tendo havido pronúncia expressa e atempada, ainda que fosse aplicável a nova redação, sempre a reclamação careceria de objeto porque a recorrente reclamou do (inexistente) ato de indeferimento tácito e não do ato expresso.

Deste modo carece totalmente de fundamento a pretensão da recorrente de aplicação imediata da nova redação do artº 257º do CPPT ao caso dos autos, uma vez que, ainda que a mesma fosse aplicada, não produziria qualquer efeito útil por inexistência de objeto na reclamação.

6. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de janeiro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.