Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:07/19.4BALSB
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I – O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto a uma mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT).
II – Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
III - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Nº Convencional:JSTA000P25676
Nº do Documento:SAP2020030407/19
Data de Entrada:01/30/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A... S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2, 3 e 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 29 de Novembro de 2018 no processo n.º 335/2018-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D. Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

F. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

G. Mas enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral «entendido que se tem que concluir que concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução, pois que embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.»

H. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

I. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

J. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

K. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

I. Perante decisão desfavorável à AT (proferida em Tribunal Arbitral), aquela entidade decidiu recorrer ao STA por entender que existem dois acórdãos que apesar de versarem sobre situações de facto substancialmente idênticas, e sobre a mesma questão fundamental de direito, comportam decisões opostas.

II. A AT alega que em ambos os arestos (Acórdão Recorrido e Acórdão Fundamento), se está perante sujeitos passivos que, a par de operações financeiras isentas de IVA, realizam operações sujeitas a IVA e do mesmo não isentas, tais como a locação mobiliária. E, no âmbito da determinação do IVA dedutível relativo a recursos de utilização mista, aplicaram um pro rata, tendo considerado, para efeitos de determinação da percentagem de dedução, no que concerne às operações de locação financeira, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

III. Salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrida deixar de discordar de tal entendimento.

IV. De facto, os dois acórdãos sob escrutínio não assentam sob situações de facto substancialmente idênticas. A prova disso mesmo é o facto de que, enquanto no Acórdão Fundamento apenas se analisam os custos relativos ao financiamento e gestão no âmbito dos contratos de locação financeira, no Acórdão Recorrido estão em causa, também, custos inerentes à disponibilização dos veículos.

V. O Acórdão Recorrido revela, assim, uma identidade factual com o Acórdão Volkswagen do TJUE que, por sua vez, em nada de assemelha/identifica com a factologia aduzida no Acórdão Fundamento (que se assemelha, em tudo, à do Acórdão Banco Mais).

VI. No Acórdão Recorrido (tal como sucede no Acórdão Volkswagen), a utilização dos recursos adquiridos pela Recorrida é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não somente pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.

VII. A ora Recorrida incorre, efectivamente, em diversas despesas inerentes à disponibilização das viaturas, nomeadamente através dos call centers e do software necessários e disponíveis para prestar apoio aos seus clientes.

VIII. De notar que, no âmbito do Acórdão Volkswagen o TJUE traz à colação o processo Banco Mais, referindo que, neste Acórdão em concreto, se concluiu, a respeito das operações de locação financeira de automóveis, que «embora a realização de tais operações por um banco possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos».

IX. O entendimento do TJUE, no Acórdão Volkswagen, afasta-se do anteriormente sustentado no âmbito do processo Banco Mais (processo C-183/13) porquanto a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais (e, de igual forma, no Acórdão Fundamento) era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, ao passo que a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services (bem como no Acórdão Recorrido) é, também, determinada pela disponibilização dos bens locados. (realce e sublinhado nossos)

X. Ademais, o TJUE deixa claro que, no que respeita à imposição de medidas passíveis de desconsiderar o critério de dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista o valor do bem locado no momento da sua entrega, os Estados-Membros não podem, de maneira geral, aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.

XI. Cumpre referir que, também no Acórdão Recorrido, tal como sucede com a Volkswagen – no Processo C-153/17 –, a utilização dos recursos adquiridos pela Recorrida é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não tão-somente pelo financiamento e pela gestão dos correspondentes contratos de locação financeira.

XII. Desta forma, ficando demonstrada a falta de identidade entre as situações de facto que cada um dos Acórdãos sob escrutínio comporta, resulta evidente que os pressupostos para que se esteja perante uma situação de oposição de acórdãos, susceptível de recurso para o STA, não estão verificados.

XIII. Do exposto, nenhuma outra conclusão se poderá retirar senão a de que o recurso por oposição de acórdãos, interposto pela Recorrente, não deverá proceder.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O RECURSO EM APREÇO SER DADO COMO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER-SE VÁLIDA NA ORDEM JURÍDICA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS”.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o douto parecer de fls. 83 a 87 dos autos, pronunciando-se pela verificação, no caso sub judice, dos requisitos legalmente impostos para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência e, bem assim, pela procedência do respectivo mérito, sendo “de fixar entendimento em conformidade com o acórdão fundamento, anulando-se o decidido e comunicando-se ao tribunal arbitral, para que profira nova decisão, nos termos do art. 29.º n.ºs 1 e 2 do R.J.A.T.”, de forma a verificar o pressuposto em que o mesmo assentou (dos “custos em causa serem determinados pelo financiamento e pela gestão dos veículos objeto do contrato”).

4 – Notificada do parecer do Ministério Público junto deste STA, e por dele discordar, a recorrida veio exercer o seu direito de resposta ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CPTA no qual, e em suma, reitera a não verificação dos requisitos estabelecidos para a admissibilidade do recurso em análise. A recorrida defende ser “inquestionável que não existe uma identidade factual entre o Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido, pois ao passo que, no primeiro apenas se verificam e, consequentemente, apenas se analisam os custos relativos ao financiamento e gestão no âmbito dos contratos de locação financeira, no Acórdão Recorrido estão em causa, adicionalmente, custos inerentes à disponibilização das viaturas. Assim, estão sob escrutínio recursos adquiridos não só no âmbito do financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, como também os recursos adquiridos para a prestação (independente) de serviços de disponibilização dos veículos locados, inerentes à actividade de leasing mobiliário”.

Quanto ao mérito do recurso, a Recorrida novamente defende que “a fundamentação subjacente ao Acórdão Banco Mais não pode ser aplicada à situação concreta” dos autos, devendo antes ser-lhe aplicável a jurisprudência do TJUE vertida no Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo C-153/17, de 18 de Outubro de 2018). Para a Recorrida, “cabe ter presente que o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão em apreço, se afasta do anteriormente sustentado no âmbito do processo Banco Mais (processo C-183/13) porquanto a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais (e, de igual forma, no Acórdão Fundamento) era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, ao passo que a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services (bem como no Acórdão Recorrido) é, também, determinada pela disponibilização dos bens locados”.

5 - Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -

6 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.

7 – Matéria de facto

7.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

A. A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que exerce, a título principal, actividade no âmbito da “ATIVIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS “ (CAE 64921);

B. Para efeitos de IVA, a Requerente configura-se como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma;

C. No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza determinadas operações que se enquadram nas operações financeiras que se encontram abrangidas pelo n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, nomeadamente, financiamento/concessão de crédito;

D. A Requerente entregou ao longo do exercício de 2013, mensalmente, as declarações periódicas de IVA para os vários períodos, determinando o montante de IVA a deduzir provisoriamente, tendo procedido ao respectivo ajustamento/regularização do IVA deduzido, na declaração do último período do ano em causa, ou seja, Dezembro de 2013 (13/12) (declaração n.º..., que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E. Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, a Requerente aplicou, para efeitos de exercício do direito a dedução, o método da imputação directa, sendo isso que sucedeu quanto à aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, em virtude de tais bens estarem directamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pelo Requerente – a locação financeira -, que conferem o direito à dedução;

F. Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o ora Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;

G. Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, sendo isso que sucedeu com os encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático;

H. Para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, calculando um coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2013, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Oficio-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;

I. Com aplicação do coeficiente de imputação específico definitivo determinado de acordo com o previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30180, a Requerente, no que concerne às operações de locação financeira, apenas considerou, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira, não considerando as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira nem os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados;

J. Em 07-02-2014, na declaração relativa ao período de Dezembro de 2013, em que autoliquidou IVA, nos termos do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, excluindo do cálculo da percentagem de dedução definitiva, o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (leasing e ALD);

K. Com a aplicação deste regime, a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2013 de 7%, que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 1.590.700,29), se materializou no valor de € 111.349,02 de IVA dedutível;

L. Se a Requerente na autoliquidação em causa tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução referida supra, seria apurada a percentagem de 28%, tendo direito à dedução de IVA no valor de € 445.396,08, sendo de € 334.047,06 a diferença entre os valores encontrados com aplicação daquelas percentagens;

M. Em 29-12-2017, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação referida, defendendo que a solução preconizada pela Administração Fiscal no mencionado Ofício-Circulado n.º 30108, é ilegal, uma vez que, não só impõe a aplicação do método da afectação real quando não se encontram preenchidos os pressupostos legalmente previstos para tal “imposição autoritária”, como, sem apresentar qualquer fundamento legal, a administração tributária expurga do cálculo da referida percentagem o valor das amortizações financeiras, violando o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA, conjugado com os artigos 173.º e 174.ºda Diretiva IVA (resumo do pedido de revisão oficiosa que consta do ponto 26 do parecer em que se baseou a decisão de indeferimento da revisão oficiosa);

N. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 12-04-2018, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que remete para a fundamentação de um parecer em que se refere, além do mais o seguinte:

V.1.3 - Apreciação

V.1.3.1- Questão prévia: Tempestividade e adequação como meio processual do Pedido de Revisão Oficiosa

49. No que se refere a suscetibilidade e tempestividade do recurso ao procedimento de Revisão Oficiosa, muito embora a Requerente discorra longamente sobre o erro na autoliquidação, e a sua imputabilidade à Administração Tributária, por força do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o n.º 1 do artigo 98.º do CIVA, não se afigura assistir razão para o invocado.

50. A Revisão Oficiosa constitui uma garantia dos administrados/contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, com fundamento em erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta, de acordo com o previsto no artigo 78º da LGT.

51.Tal mecanismo é igualmente aplicável quando estejam em causa atos tributários em IVA, conforme decorre do disposto no artigo 98º do CIVA, onde se estatui que “Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se a revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da lei geral tributária.”

52. Ora, no que concerne à suscetibilidade de aplicação, ao caso concreto, do disposto no n.º 2 do artigo 98º do CIVA, onde se determina que “Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente, importa esclarecer que estamos aqui no âmbito do direito à dedução e não do direito à regularização do IVA.

53. Todavia, a aplicabilidade dessa garantia consagrada na lei aos contribuintes, com vista à anulação de um ato tributário e a sua substituição pela prática de outro sustentado nos elementos apurados no âmbito do procedimento de revisão, não pode ser contrária as especificidades de funcionamento do imposto, tal como se encontram determinadas no próprio Código do IVA.

54. De facto, as normas da LGT, dotadas de caráter geral, devem ceder perante os preceitos especiais e imperativos do Código do IVA. Razão pela qual, ainda que os erros de autoliquidação praticados em sede de IVA possam ser alvo de Revisão Oficiosa, por força do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, a verdade é que tal mecanismo não pode prejudicar a imperatividade das normas especiais previstas nesse normativo (CIVA), que estabelecem regras especiais para o exercício do direito a dedução.

55. De facto, o direito à dedução tem reflexos no apuramento e pagamento do imposto do período a que se refere a declaração periódica, tendo por base, o registo contabilístico dos documentos que lhe serviram de suporte. A partir desse momento, qualquer correção à dedução (seja decorrente dos registos contabilísticos, declaração periódica, faturas, etc) que venha a realizar-se, constituirá uma regularização do imposto.

56. Conforme refere João Canelhas Duro, “também o n.º 2 do art.º 98.º institui um prazo de dedução de imposto, sendo aplicável àquelas situações pouco comuns em que o registo das operações não ocorre no momento previsto no n.º 1 do artigo 48.º ou em que há uma grande dilação temporal entre a data das operações e a receção da fatura, permitindo-se que venha a ser efetuado o registo e se proceda à dedução no prazo de quatro anos. Estão em causa situações em que, por exemplo, por facto imputável ao prestador, vendedor ou terceiro, os documentos de suporte da dedução não são atempadamente disponibilizados ao sujeito passivo, podendo ser exercido o direito à dedução no prazo de quatro anos. Nestes termos, o prazo de quatro anos aí previsto não é manifestamente aplicável às pretensões de regularização de imposto, salvaguardando-se apenas as situações de dedução tardia de imposto por motivo da também tardia receção do documento que titula o direito ou por inadvertida omissão no registo contabilístico, não se encontrando, em qualquer caso, o encargo registado aquando da realização da autoliquidação de imposto.” (negrito e sublinhado nossos).

57. Aliás tal entendimento quanto ao âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 98.º CIVA, e à distinção entre direito à dedução e a regularização decorre do acima citado, Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, emitido pela Direção de Serviços do IVA, em concreto, do seu ponto 82, e bem assim, decorre da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0966/10, de 18 de maio de 2011, que embora não verse diretamente sobre a questão em causa nos autos, determina qual a correta interpretação do n.º 2 do artigo 98º do CIVA.

58. O CIVA regula a regularização do imposto no n.º 6 do artigo 23.º, nos artigos 24.º a 26.º e 78.º a 78.º-D.

59. Ora, face à realidade dos factos descrita pela Requerente, pode concluir-se que estamos perante uma eventual situação de erro no apuramento do pro rata de dedução.

60. De acordo com Ofício-circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, os casos como o presente não são suscetíveis de serem enquadrados nos casos de regularização previstos no artigo 78.º do CIVA, identificando o n.º 8 da mencionada instrução administrativa as situações que se encontram excluídas do respetivo âmbito, não porque não se pudessem aí incluir, mas porque a sua disciplina está regulamentada noutros normativos legais, como sejam os artigos 23.º a 25.º do CIVA.

61. O mesmo entendimento foi veiculado no parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) n.º 41/2013, de 2013-10-04, da autoria da Dr.ª Cidália Lança, com despacho concordante do Diretor do CEF de 2013-10-08, onde se refere expressamente que: “as correções ao cálculo da percentagem de dedução devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao ultimo período do ano em causa (...)” não sendo possível, “proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA.”

62. Com efeito, estando em causa o apuramento na percentagem de dedução os mesmos devem ser regularizáveis, exclusivamente, através do mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, ou seja, na última declaração do período a que respeita.

63. Não obstante, nessas circunstâncias não está afastada a possibilidade de correção do referido erro através da apresentação de reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, ou mediante apresentação de impugnação judicial, contando-se o prazo a partir da data da apresentação da declaração periódica.

64. Este regime resulta do disposto no n.º 2 e 5 do artigo 97.º do CIVA, o qual embora retira apenas o artigo 78.º do CIVA, deve ser interpretado no sentido de abranger todos os tipos de regularizações, incluindo a prevista no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

65. Decorre do artigo 184.º da Diretiva IVA, e da jurisprudência comunitária, a consagração de um direito geral dos sujeitos passivos à regularização do imposto inicialmente realizada, a qual ficando sujeita à disciplina consagrada por cada Estado-Membro, não pode deixar de ser efetuada dentro de um prazo razoável, entendendo-se que com o regime acima definido fica salvaguardada esta garantia.

66. O direito à regularização, tal como o direito à dedução, não são absolutos encontrando-se sujeitos a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que têm de ser exercidos nos prazos previsto na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.

67. Nessa medida, a aplicação do n.º 6 do artigo 23.º às regularizações do pro rata, consubstancia uma das disposições especiais a que alude a parte inicial do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, afastando a aplicação do prazo de 4 anos.

68. Pelo que, ainda que se considerasse que o mencionado artigo era aplicável, dado que existe uma regra especial a definir o limite temporal para a correção dos erros deste tipo, é essa a regra que se deve considerar, sem prejuízo, de como já referido, haver a possibilidade dos sujeitos passivos apresentarem reclamação graciosa ou impugnação judicial.

69. De facto, tratando-se de preceitos especiais e imperativos constantes do CIVA que consignam regras específicas para o exercício do direito à dedução e respetiva regularização, tal significa que as mesmas devem prevalecer sobre as normas com caracter geral, sob pena daquelas ficarem despojadas de conteúdo prático, pois haveria sempre lugar à aplicação do prazo de quatro anos previsto no artigo 98º do CIVA.

70. Na verdade, o mencionado preceito legal não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento para efetuar a dedução, dentro desse período, mas sim de fixar um limite máximo a partir do qual o direito à dedução já não pode ser exercido.

71. De acordo com o entendimento firmado, esse prazo limite apenas será aplicável, dado o seu caráter geral, quando não exista norma de caráter especial que fixe um prazo limite inferior ou superior, sob pena destas normas ficarem despojadas de conteúdo prático, pois se assim não fosse, sempre se aplicaria o prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º do CIVA.

72. Deste modo, o concurso estabelecido entre estas duas normas revela-se meramente aparente, existindo entre elas, isso sim, uma relação de especialidade, uma vez que a norma geral constante do n.º 2 do artigo 98.º (prazo de quatro anos) vê a sua aplicabilidade afastada nas situações concretas que caiam na previsão da norma especial constante do CIVA.

73. Sucede que, não se mostrando que a situação em análise seja passível de enquadramento no disposto no artigo 98.º do CIVA, por maioria de razão, não se mostra aplicável o disposto no artigo 78.º da LGT para o qual aquele remete.

74. Acresce que, na situação em análise, o que se constata é que o sujeito passivo pretende alterar os critérios que teve presentes aquando da seleção das verbas a incluir no denominador e numerador da fração que compõe o pro rata, considerando na mesma, o valor das amortizações financeiras correspondentes aos contratos de locação financeira, o que por erro seu não foi considerado.

75. Ainda que assim não se entendesse, na medida em que a Requerente, ao preencher a declaração periódica observou o entendimento constante do Oficio- circulado n.º 30108/2009, de 30 de janeiro, a verdade é que, não se pode falar em erro imputável aos serviços, porquanto o mesmo se mostra de acordo com os normativos internos ou comunitários em matéria de IVA, não padecendo de quaisquer dos vícios invocados, conforme melhor se explicitará no ponto seguinte.

76. Assim sendo, a situação em apreço, não constitui matéria suscetível de se enquadrar nos pressupostos da revisão oficiosa nos termos definidos na LGT e no CIVA.

V.1.3.2- Erro na autoliquidação por desconsideração do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira, no apuramento do pro rata definitivo de dedução:

77. A pretensão controvertida na Revisão Oficiosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º ..., referente ao período de dezembro de 2013 (1312), decorrente da alegada entrega em excesso da importância de € 334.047,06, considerando, a Requerente, tratar-se de um erro na autoliquidação consubstanciado num erro relativo ao regime jurídico aplicável à dedução do imposto referente a recursos de utilização mista.

78. Analisado o requerimento apresentado pela Requerente, bem como os fundamentos invocados, verifica-se que a questão aqui em análise prende-se com a consideração do valor referente ao capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira para determinação do pro rata do respetivo período de tributação.

79. No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos faturados.

80. Nessa medida, importa aludir ao facto da Requerente se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal, assumindo a natureza de sujeito passivo “misto”.

81. Isto porque, realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.

82. A Requerente realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.

83. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Requerente assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.

84. Em contrapartida, a Requerente fatura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.

85. No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afectos às diversas operações desenvolvidas pela Requerente, para efeitos do exercício do direito à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pro rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n.º 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23.º do CIVA.

6. No exercício de 2013, o total de IVA incorrido com a aquisição de recursos utilizados nas operações sujeitas, com e sem direito à dedução (utilização mista), ascendeu a € 1.590.700,29, conforme referido pela Requerente no ponto 26-º da petição de Revisão Oficiosa.

87. Sucede que, por erro, a Requerente, não considerou quer no numerador, quer no denominador da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva de 7%, a que correspondeu uma dedução de € 111.349,02 (ponto 27.º da petição de Revisão Oficiosa).

88. De facto, a inclusão da componente de amortização de capital conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 28%, contra os 7% refletidos na declaração periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2013. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 445.396,08 (ponto 28.º da petição de Revisão Oficiosa).

89. Face à questão em análise nos presentes autos, importa ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do pro rata de dedução.

90. Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Requerente quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.

91. Trata-se de uma matéria relativamente à qual a AT já se pronunciou através do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral - Área de Gestão Tributária do IVA.

92. Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (actual AT) que visou “(...) divulgar a correia interpretação a darão artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entra outras, a atividade de Leasing ou de ALD (...)”.

93. Da leitura do Ofício n.º..., conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida (7%) foi efetuado, pela Requerente, em perfeita concordância com os termos aí previstos, que se transcrevem:

94. “7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.”

95. “8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.”.

96. “9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.” (sublinhado nosso).

97. Isto é, a percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, através da utilização de um critério de imputação objetivo, tendo em conta os valores envolvidos nas operações desenvolvidas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.

98. A título prévio importa efetuar o enquadramento jurídico - tributário do contrato aqui em análise, que está subjacente à prestação de serviços de leasing: contrato de locação financeira.

99. A base jurídica de qualquer modalidade de contrato de locação encontra-se plasmada, em termos gerais, nos artigos 1022º a 1114º do Código Civil. Não obstante, e porque se trata de um tipo particular de locação, importa atender ao previsto no regime jurídico especialmente criado para este tipo de contratos, e que vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as subsequentes alterações.

100. De acordo com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, a locação financeira é o “(...) contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder a outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”

101. Nesse sentido, António Menezes Cordeiro afirma que, a “locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra — o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário”.

102. Trata-se, portanto, de um contrato comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário, pelo qual, a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma “(...) retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer”.

103. Daqui decorre que, o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por uma valor residual fixado por acordo das partes.

104. Atenta esta qualificação jurídica, e transpondo-a para a perspetiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efetuada pelo sujeito passivo no âmbito duma atividade económica.

105. Efetivamente, no caso das operações de locação, dúvidas não restam de que a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas pela entidade que assume a posição contratual de locadora.

106. No entanto, não podemos abstrair-nos do facto dessas operações de locação (leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito (entre outras), pelo que a atividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

107. Refere a Requerente, invocando que o disposto no artigo 73.º da Diretiva IVA e no artigo 16.º do CIVA, em especial, a alínea h) do n.º 2, que a contraprestação decorrente deste tipo de contratos (renda) goza de uma natureza unitária na medida em que o valor tributável em sede de IVA corresponde ao valor da renda recebida ou a receber (cf. ponto 53.º a 62.º da petição de Reclamação Graciosa).

108. Razão pela qual as rendas decorrentes de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção) são, de facto, integralmente sujeitas a IVA.

109. A esse propósito, deve ter-se presente que, um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.

110. Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

111. Desde logo porque, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada” e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.

112. Note-se que, na perspetiva da operação de locação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.

113. Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

114. Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

115. Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

116. Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.

117. Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo, relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado, face à realidade das operações tributáveis.

118. A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros.

119. Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise, e em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.

120. E é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

121. Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

122. Do entendimento propugnado pela AT, não decorre, assim, qualquer restrição do direito legítimo à dedução, como alega a Requerente. Antes pelo contrário, pugna pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Requerente colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA.

123. Acresce, ainda, que o método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que a Requerente pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alceados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.

124. São dois os métodos de dedução previstos no CIVA (artigo 23º).

125. Por um lado, o denominado método da afetação real, que “(...) consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. É de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens, medidos por critérios objetivos, que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (...) ao escrutínio da Direção-Geral dos Impostos que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afetação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou podem provocar distorções significativas da tributação (...).

126. E por outro, o método da percentagem de dedução ou pro rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2, do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

127. Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.

128. Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23º pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, tais procedimentos foram “estendidos” ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela Administração Tributária, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.

129. O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.

130. É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta diretiva, que se enquadra o Oficio -Circulado n.º 30.108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.

131. Assim, no seu ponto 9. prescreve que “Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA” (sublinhado nosso).

132. Ou seja, a Autoridade Tributária veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.

133. Importa ressalvar que a adoção do critério referido é demostrativa que a Autoridade Tributária admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos. Muito embora seja um facto notório que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Requerente.

134. Por outro lado, tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício circulado, aplicando o critério nele definido. Com efeito, como decorre do mesmo, a Autoridade Tributária aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que os mesmos se mostrem idóneos ao fim pretendido.

135. Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adotado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.

136. Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou “(...) divulgar a correia interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD (...)”, procurando afastar algumas dificuldades interpretativas suscitadas pela redação do artigo 23º do CIVA, harmonizando-o com a doutrina e jurisprudência comunitárias.

137. Não obstante, grande parte da doutrina nele preconizada, já vinha sendo aplicada pela Administração Tributária antes mesmo da sua publicação.

138. A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do TJUE, sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela Autoridade Tributária relativamente a esta matéria.

139. “Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o art. 23º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, na redação vigente) legitimava a atuação da AT, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pro rata prevista na Sexta Diretiva.

140. “O entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os princípios que enformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais possível aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios, se este método for o mais preciso.

141. No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é, em princípio, mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador3”.

142. Sendo que este entendimento veio, necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente, no âmbito dos processos onde havia sido solicitado o reenvio prejudicial para o referido tribunal.

143. Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que, não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pro rata e todos a sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas. Só assim é alcançada a neutralidade do imposto. Não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obtém rendimentos, sob a forma de juros).

144. Ora, resulta claro à evidência, que consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização. Se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

145. Face a tudo o que ficou dito, não subsistem dúvidas que o procedimento adotado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode assacar.

146. De facto, o artigo 174º da Diretiva IVA que correspondia ao n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos “inputs promíscuos”, autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos específicos de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem.

147. Em consonância com essa permissão está o disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 23.º do CIVA.

148. Estas regras que regem o direito à dedução constam das diretivas que disciplinam o sistema comum de IVA, estando, também em consonância com as normas constantes do CIVA.

149. Face ao exposto, fica inequivocamente demonstrado que o método adotado pela Requerente e que agora pretende alterar é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Oficio - Circulado n.º 30.108 afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas, conforme amplamente se demonstrou e se encontra referido na norma em causa.

150. Sendo este facto por si só justificativo para a imposição da obrigatoriedade da sua utilização, já que dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º não resulta que este poder conferido à AT esteja dependente da verificação cumulativa das duas alíneas do último número indicado, ou seja, além das distorções na tributação, a prática, pelo sujeito passivo, de atividades económicas distintas.

151. Acresce que, em reforço do que se tem dito, importa atentar ainda na forma de contabilização das duas componentes que integram a renda paga. Por um lado, o locador deverá refletir o valor do bem, como um crédito, que é reembolsado através das amortizações financeiras deve ser registada como um crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos. Logo resulta daqui, que a amortização financeira visa tão só a redução de um crédito, enquanto os juros, irão influenciar o resultado do exercício.

152. Razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído na alínea a) do n.º 3 do artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho de 20 de janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.

153. Pese embora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA, refira que, nas operações de locação financeira, o valor tributável corresponde à renda recebida no seu todo, a verdade é que a parcela correspondente à amortização financeira, não assume a natureza de proveito, e como tal, não integra o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, e daí que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução.

154. A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos princípios constitucionais, quer no espírito e princípios disciplinadores do mecanismo do exercício do direito a dedução, constante quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que não é mais do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias.

155. A este respeito, cumpre esclarecer que as orientações plasmadas no ponto 9. do Ofício-Circulado 30.108, mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes.

156. De facto, as orientações administrativas constantes de circulares ou oficio-circulados são relevantes para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes - artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT.

157. A importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto da “atividade tributária [ser] hoje uma atividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações fiscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento importante da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adota, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionários a quem cabe aplicar a lei”.

158. Acrescentando Casalta Nabais, que, no recorte dogmático do princípio da legalidade fiscal, entende “chamar aqui à colação, enquanto limite ê determinabilidade requerida pelo princípio da tipicidade fiscal, (...) o princípio da praticabilidade, o qual implica que o legislador não vá tão longe na determinação das soluções legais quanto seria de exigir, permitindo à administração uma dada margem de livre decisão, sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis no sentido de economicamente insuportáveis (...). Dal que, em face à realidade das situações cujo grau de diferenciação e individualização não é possível de acompanhar por razões de ordem prática, nomeadamente pelos custos insuportáveis ou inadequados que implicam, se apele à edição de normas de simplificação, seja em sede legislativa, seja em sede administrativa, através das quais se proceda à tipificação (ou tipi(ci)zação), globalização ou estandardização, assumindo como regra o que é típico, normal, provável (...)”, sendo que, para o Autor, «o princípio da praticabilidade ainda pode contribuir para uma atenuação das exigências da determinabilidade do princípio da legalidade fiscal (...), constituindo-se em suporte para o legislador utilizar conceitos indeterminados (...) ou conceder mesmo faculdades discricionárias, o que de resto se verifica em toda a parte e que, entre nós, tem diversas manifestações (...)”.

159. A posição da AT, em momento algum, põe em causa, quer as normas internas, quer comunitárias relativas ao direito à dedução, conforme já ficou amplamente elucidado, jamais procurando alterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem.

160. A aplicação da lei teria de resultar, necessariamente, na aplicação dos princípios orientadores constantes do Oficio - Circulado n.º 30.108.

161. Acresce que, o facto de, no mesmo Oficio - Circulado se explicar o método a utilizar, além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, sendo a única que se mostra compatível com o princípio basilar nesta matéria, e em todo o sistema do IVA: o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos.

162. Face ao que se deixou dito, ressalvando o devido respeito pelo decidido no âmbito do processo n.º 309/2017-T, do CAAD, não podemos concordar com o entendimento ali sufragado, acompanhando, na integra a jurisprudência do TJUE, necessariamente, acolhida pelo STA nas inúmeras decisões por este tomadas em matérias semelhantes com a presente, como sejam, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.03.2015, recursos n.º 1017/12 e n.º 81/13, de 29.10.2014, recurso n.º 1075/13, de 17.06.2015, recurso n.º 01874/13, de 27.01.2016, recurso n.º 331/14, e de 15.11.2017, recurso n.º 0485/17.

163. Importa realçar que a decisão do TJUE tem valor de caso julgado, sendo vinculativa, não apenas para o tribunal que solicitou a sua pronúncia a título prejudicial, como para os restantes tribunais e instâncias equiparadas que julgam a causa em sede de recurso16, vinculando ainda, por uma questão de uniformidade, todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros.

164. Tratando-se de acórdão interpretativo relativo ao n.º 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva IVA (atual artigo 173.º n.º 2 da Diretiva IVA), o qual foi transposto para o nosso direito interno através do artigo 23,º do CIVA, a interpretação nele preconizada deve ser aplicada pelos tribunais nacionais com o sentido e o alcance ali definido, neles se incluindo o CAAD.

165. Nestes termos, conclui-se que o entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não viola, ele próprio, quaisquer normativos internos ou comunitários em matéria de IVA, não padecendo, nessa medida, de quaisquer dos vícios invocados pela Requerente.

V.1.4. - Conclusão e Proposta de Decisão

166. Face ao exposto, conclui-se pela improcedência dos argumentos invocados pela Requerente no que respeita a esta questão, devendo ser indeferida a sua pretensão.

O. Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30108, publicado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

P. Em 13-07-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

7.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5). Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa»”.

8 – Decidindo

8.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a recorrente que “entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto”, estando em causa “em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas”. E apesar desta similitude, “entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida”.

Diferente é o entendimento da recorrida expresso nas suas contra-alegações e na sua resposta ao Parecer do Ministério Público, defendendo que “os dois acórdãos sob escrutínio não assentam sob situações de facto substancialmente idênticas. A prova disso mesmo é o facto de que, enquanto no Acórdão Fundamento apenas se analisam os custos relativos ao financiamento e gestão no âmbito dos contratos de locação financeira, no Acórdão Recorrido estão em causa, também, custos inerentes à disponibilização dos veículos” incorridos pela recorrida, “nomeadamente através dos call centers e do software necessários e disponíveis para prestar apoio aos seus clientes”. Para a Recorrida, a decisão arbitral recorrida revela “uma identidade factual com o Acórdão Volkswagen do TJUE que, por sua vez, em nada de assemelha/identifica com a factologia aduzida no Acórdão Fundamento (que se assemelha, em tudo, à do Acórdão Banco Mais)”, e isto porque no caso dos autos “(tal como sucede no Acórdão Volkswagen), a utilização dos recursos adquiridos pela recorrida é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não somente pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira”.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA pronunciou-se pela existência de oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto, referindo que os factos constantes da matéria dada como provada na decisão recorrida e no acórdão fundamento são “pelo menos, análogos quanto à matéria controvertida. É certo que a recorrida invoca factos de que resulta a invocada diferença, dos quais se permite concluir terem os bens e serviços em causa terem sido determinados pela utilização de veículos. No entanto, não tendo os mesmos sido levados à matéria de facto, não podem ser considerados, para efeitos de se considerarem diferentes”.

E, efectivamente, assim é.

Compulsado o probatório fixado nos presentes autos e o probatório fixado no Acórdão Fundamento, verifica-se que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas.

Com efeito, tanto no caso subjacente à decisão arbitral recorrida como no caso subjacente ao Acórdão Fundamento estamos perante sujeitos passivos que são instituições de crédito e que exercem, entre outras, actividades de leasing (locação financeira) e de concessão de crédito ao consumo.

Nos exercícios fiscais sob análise em cada um dos processos, ambos os sujeitos passivos estavam enquadrados no regime normal mensal de IVA enquanto sujeitos passivos mistos, ou seja, enquanto sujeitos passivos que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Nos dois casos, ambos os sujeitos passivos corrigiram os valores deduzidos a título provisório ao longo do exercício fiscal por força da aplicação de um pro rata definitivo, que foi determinado para o respectivo ano ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009. Com esta operação, ambos os sujeitos passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir inferior ao que foi apurado por recurso ao pro rata provisório.

Refere a recorrida que as situações fácticas subjacentes aos dois arestos em confronto não são idênticas na medida em que se no “Acórdão Fundamento apenas se analisam os custos relativos ao financiamento e gestão no âmbito dos contratos de locação financeira, no Acórdão Recorrido estão em causa, também, custos inerentes à disponibilização dos veículos” incorridos pela recorrida, “nomeadamente através dos call centers e do software necessários e disponíveis para prestar apoio aos seus clientes”.

Porém, para efeitos de análise da comparabilidade das situações fácticas subjacentes a cada uma das decisões, este Tribunal não pode senão focar-se na matéria de facto fixada em cada um dos arestos. E na matéria de facto que serviu de base à decisão arbitral recorrida não se encontra qualquer fixação concreta dos custos incorridos pela recorrida, designadamente no sentido de perceber se os mesmos são relativos ao financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou, também, relativos à disponibilização dos veículos, não se vislumbrando qualquer referência à existência de serviços de apoio aos clientes. O que, em rigor, a recorrida bem sabe, pois que afirma nas suas contra-alegações que “somente aquando da interposição do recurso por oposição de acórdãos, apercebendo-se a recorrida do lapso da AT, se tornou premente clarificar a natureza efectiva dos custos incorridos pela Recorrida (natureza essa que, reitere-se, estava implícita na petição inicial e se corroborou aquando da apresentação das alegações escritas por parte da agora Recorrida)” (nosso sublinhado).

Portanto, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma – a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados –, tendo sido objecto de decisões expressas opostas num e noutro caso.

No Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).

Pelo contrário, pode ler-se na decisão arbitral recorrida, e em suma, que “embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo”.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada no Acórdão fundamento oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso, que deve prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

8.2 Do mérito do recurso

Conforme já se deixou exposto anteriormente, a questão objecto do presente recurso consiste em saber se a decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.

Se para a Recorrente a decisão arbitral não pode ser mantida na ordem jurídica por estar em desconformidade, designadamente, com a jurisprudência resultante do acórdão proferido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no Processo C-183/13 (Acórdão Banco Mais), diferente é o posicionamento da recorrida revelado nas suas contra-alegações e na sua resposta ao Parecer do Ministério Público.

Com efeito, a recorrida defende que a decisão arbitral recorrida revela “uma identidade factual com o Acórdão Volkswagen do TJUE”, que se afasta “do anteriormente sustentado no âmbito do processo Banco Mais (processo C-183/13) porquanto a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais (e, de igual forma, no Acórdão Fundamento) era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, ao passo que a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services (bem como no Acórdão Recorrido) é, também, determinada pela disponibilização dos bens locados”. Para a recorrida, no Acórdão Volkswagen “o TJUE deixa claro que, no que respeita à imposição de medidas passíveis de desconsiderar o critério de dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista o valor do bem locado no momento da sua entrega, os Estados-Membros não podem, de maneira geral, aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”.

Por seu turno, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto sublinha, em suma, que o “art. 23.º n.ºs 2 e 4 do C.I.V.A., teve redação dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31-12, em que se previu que a Direção-Geral de Impostos pudesse impor “condições especiais” para se aplicar o método previsto no anterior n.º 1 al. b). E em tal foi inserido o ofício circular n.º 30108, de 23-4-2008, do Gabinete do Subdiretor-Geral da área da Gestão do I.V.A., tendo o STA considerado que o entendimento tido obedece a vários princípios constitucionais, como o da legalidade”. E que “tendo de se proceder à verificação do pressuposto em que assenta, dos custos em causa serem determinados pelo financiamento e pela gestão dos veículos objeto do contrato, é de anular o decidido, mas dando ainda lugar a comunicação ao referido tribunal, para que profira nova decisão, nos termos do do art. 29.º n.ºs 1 e 2 do R.J.A.T.”.

Vejamos.

A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).

Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.

Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.

A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.

E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.

Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.

E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.

Como afirma o TJUE (Considerando 19), “o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do EstadoMembro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva”. Vejamos as disposições legais em causa:

O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação(nosso sublinhado).

E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:

(…)

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.

Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.

Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.

Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), incisivamente referido pela Recorrida, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos EstadosMembros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”.

Aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista. Assim, e porque este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.


- Decisão -

9 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 4 de Março de 2020. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Vencido) – Gustavo Lopes Courinha.

***

Vencido.

Entendo que entre a decisão (arbitral) recorrida e o acórdão fundamento as situações de facto subjacentes não são idênticas, sem prejuízo dos pontos de contacto identificados neste aresto ( «(…) estamos perante Sujeitos Passivos que são instituições de crédito e que exercem, entre outras, actividades de leasing (locação financeira) e de concessão de crédito ao consumo.

Nos exercícios fiscais sob análise em cada um dos processos, ambos os Sujeitos Passivos estavam enquadrados no regime normal mensal de IVA enquanto sujeitos passivos mistos, ou seja, enquanto sujeitos passivos que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Nos dois casos, ambos os Sujeitos Passivos corrigiram os valores deduzidos a título provisório ao longo do exercício fiscal por força da aplicação de um pro rata definitivo, que foi determinado para o respectivo ano ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009. Com esta operação, ambos os Sujeitos Passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir inferior ao que foi apurado por recurso ao pro rata provisório.»).
Na verdade, diferentemente, sem paralelo na primeira, o acórdão (fundamento) do STA laborou, além do mais, sobre a seguinte factualidade, que considero relevante: «

(…).

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

(…).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

(…).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).»

Assim, com relevância, na minha perspetiva, no acórdão fundamento, a mais, em sede factual, foi considerado que, no ano de 2010, a impugnante, além do método de afetação real (que na decisão arbitral não é referenciado), utilizou um pro rata específico, onde incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros, os valores pagos, pelos locatários, correspondentes ao capital em dívida, nos contratos resolvidos por perda total do bem, bem como, nos resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, em que a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, emitindo a correspondente fatura.

Por fim, de forma que julgo determinante, a solução inscrita, no acórdão fundamento, segundo a formulação deste aresto ( «(…) entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).»), decorre, objetiva e consequentemente, da circunstância de, na sentença visada por ele, ter sido julgado não provado que os custos, suportados pela, aí, impugnante, em relação aos quais esta não conseguiu determinar a que operações respeitavam, dissessem respeito à disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação. E para melhor se perceber este apontamento, não podemos olvidar que a sentença confirmada pelo acórdão fundamento, foi proferida em cumprimento do determinado em anterior acórdão do STA (datado de 3 de junho de 2015 – proc. 970/13-30): «…, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.»

Nesta conformidade, porque os pressupostos de facto, versados nas duas decisões em apreço, não incorporam a substancial semelhança exigida, para se afirmar verificada a oposição entre elas, julgaria não admissível este recurso, para uniformização de jurisprudência.


*

[Elaborei em computador e revi]

Lisboa, 4 de março de 2020.

Aníbal Augusto Ruivo Ferraz