Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02063/10.1BELRS
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31912
Nº do Documento:SA22024020702063/10
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


AA, mais bem identificada nos presentes autos, com a qualidade de recorrente, notificada do douto acórdão prolatado pelo Tribunal Administrativo Central Sul (brevatis causa tribunal a quo ou TCAS), vem interpor recurso de revista (ao abrigo do artigos 280.º, n.º 3, 282.º e 285.º , todos do Código de Procedimento e Processo Tributários), para o Supremo Tribunal Administrativo (brevatis causa STA), por se tratar de questões (que em nosso entender e s.m.o.), violam a lei processual e que diverge da jurisprudência do STA (proc.º n.º 0529/13 , Proc. n.º 01988/03, Proc. n.º 089/11, 01009/15 (por interpretação a contrario), todos convergentes no método processual da notificação da renúncia ao mandato pelo mandatário, para uma melhor interpretação e aplicação de direito processual.

Alegou, tendo concluído:
1. A petição Inicial deu entrada a 25-08-2010, (data de registo SITAF).
2. A Contestação foi apresentada a 11-02-2011, (data de registo SITAF).
3. Foi proferido o Parecer nº 88/2013 a 24-04-2013, (data do registo SITAF), relativamente ao sentido da decisão sobre a matéria controvertida.
4. Até 11-01-2017 os autos estiveram parados por culpa não imputável às partes, muito menos à aqui Recorrente.
5. A 11-01-2017, (data do registo SITAF) é que os Ilustres Mandatários da ora recorrente vieram renunciar ao mandato forense.
6. Foi prolatado douto despacho, onde, no mais, determina o seguinte: “Nestas condições, determino a notificação da Oponente para, em 20 dias, constituir advogado sob cominação de suspensão da instância (art. 47º, nº3 do CPC, ex vi, art. 2º, al. e) do CPPT)”.
7. Ora, da notificação datada de 17-03-2017 não consta a dita cominação. Que de resto veio devolvida.
8. A 2-05-2017 foi determinada a notificação à recorrente.
9. Da notificação datada de 19-05-2017 não consta a dita cominação. Que de resto veio devolvida.
10. Por douto despacho de 24-10-2017 foi determinada a suspensão da instância.
11. A notificação datada de 10-11-2017 pretendia comunicar a referida suspensão da instância, veio devolvida.
12. Por douto despacho de 19-09-2018 foi proferido despacho no sentido da secretaria proceder à repetição da notificação.
13. A notificação datada de 21-09-2018 pretendia comunicar o despacho de 19-09- 2018, veio devolvida.
14. Ou seja, não há garantia processual que a notificação enviada à Oponente contivesse a cominação prevenida como consequência da não constituição de mandatário.
15. Não foi enviada notificação sob registo simples.
16. Nunca a recorrente teve na sua caixa postal os elementos constantes das notificações.
17. Pelo que não podia concluir-se como é referido na douta sentença em crise: “Apesar de notificada para a morada constante do seu domicílio fiscal as cartas vieram devolvidas ao remetente, sendo certo que por despacho judicial, de fls. 113, as notificações produziram os seus efeitos”.
18. Sendo a notificação da renúncia uma notificação pessoal, aplicando-se o art.º 47.º, n.º 2 do CPC ex vi o art.º 2.º, al. e) do CPPT que consagra: “Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte”.
19. Então, deverá ser aplicado o art.º 38.º n.º 6 do CPPT: “Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal”.
20. Sem mais delongas, desde a data da renúncia dos MI Mandatários da Recorrente, que esta nunca foi notificada pessoalmente de qualquer despacho ou decisão, (nomeadamente da renúncia ao mandato e das cominações por falta de constituição, em tempo, de mandatário), com exceção da Sentença da qual recorre.
21. Não tendo os ofícios com as notificações sido entregues à recorrente, não podia o tribunal presumir que a notificação pessoal se verificou, pela presunção do domicílio e da dilação de três dias, sendo portanto que não há notificação à mandante, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais, como tal não podia o tribunal a quo suspender a instância e posteriormente decretar a sua deserção.
22. Já o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre matéria idêntica no processo n.º 01988/037, a 11-02-2004, por unanimidade com o seguinte sumário: “I - A renúncia ao mandato deve ser pessoalmente notificada ao mandante, nos termos do art. 39º, n.º 2 do CPC, prevendo o seu art, 256º a aplicação à notificação pessoal das "disposições relativas à realização da citação pessoal", nomeadamente nos "casos especialmente previstos", como é o daquele n.º 2. II - Nos termos do art. 233º n.º 2 al. a), considera-se citação pessoal a efectuada por carta registada com aviso de recepção, aplicando-se, se a mesma se frustar, o disposto no art. 238º que obriga à colheita de informações e à citação por via postal simples, após averiguação da morada do citando. III - A inobservância das formalidades ali previstas determina a nulidade da citação. IV - Não tem aplicação o disposto no art. 43º do CPPT se não está demonstrada a alteração do domicílio do interessado”.
23. A recorrente apresentou, inicialmente, para este Colendo Tribunal, tendo o Ministério Público (brevatis causa MP), emitido o parecer 2/2021, cfr. fls. _ e designado no SITAF como documento ...34, no seguinte sentido: «(…) Assim sendo foi omitido um acto processual cuja prática a lei exige e, nessa medida foi praticada nulidade processual que, declarada, invalida todos os actos posteriormente praticados. (…) Em consequência de tal nulidade cuja prática é fundamento do recurso interposto, tem de ser concedido provimento ao mesmo; o processo deve ser remetido ao tribunal recorrido para que prossiga seus termos (…)», sublinhado e destacado nossos.
24. Pelas vicissitudes constantes dos autos foi determinado que o Tribunal competente para conhecer do recurso era o tribunal a quo, para onde foram remetidos ou autos.
25. O Ministério Público, junto do tribunal a quo, emitiu parecer, cfr. fls. _ e designado no SITAF como documento ...28, no seguinte sentido: “Renovo aqui o bem elaborado parecer da minha Exmª. Colega junto do S.T.A., datado de 7 de Janeiro de 2021, por com o mesmo concordar(…)”.
26. Apesar do suprarreferido, da jurisprudência elencada, e dos pareceres (sempre doutos), o Tribunal a quo, proferiu acórdão (igualmente douto), no seguinte sentido: “[r]egressando ao caso dos autos, é de concluir que, tendo a notificação da renúncia sido efectuada por carta registada com aviso de recepção (repetida), devolvida por não ter sido levantada, tem-se a mesma por notificada, como entendeu o tribunal a quo, não sendo caso para que se efectuasse a notificação por Agente de Execução ou por oficial de justiça, pelo que improcede a argumentação da Recorrente”, destacado nosso.
27. Se tivesse sido deixada cópia das várias notificações através de notificação por registo simples ou por prova por depósito após a devolução das mesmas por não terem sido levantadas, então sim, estaríamos de acordo que a notificação pessoal produziu os seus efeitos, porquanto deveriam ter saído levadas a cabo todas as tentativas prescritas na lei processual para a notificação pessoal, o que, de todo em todo, não sucedeu.
28. A não ter aplicação o art.º 38.º, n.º 6 do CPPT, o que se concede por mero dever de patrocínio, terá aplicação o art.º 47.º, n.º 2 do CPC ex vi o art.º 2.º, al. e) do CPPT, não sendo aplicado viola claramente o art.º 20.º n.º 5 da CRP, cujo conhecimento da inconstitucionalidade alegada requer.
Por tudo quanto expendido e com o douto suprimento de V. Exas., provendo as conclusões deste recurso, revogando a decisão recorrida, perfilhando a Jurisprudência indicada, substituindo o douto acórdão em crise farão uma melhor aplicação de direito processual.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Confirmados que foram os requisitos gerais de admissibilidade do recurso (tempestividade do recurso e legitimidade da Recorrente), passemos a verificar, preliminar e sumariamente da admissibilidade da revista (cfr. art. 285.º, n.ºs 1 e 6, do CPPT).

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

A questão que a recorrente pretende ver apreciada prende-se, no essencial, com o modo como a renuncia ao mandato foi notificada à recorrente.
Lido atentamente o acórdão recorrido surpreende-se que os factos que ali foram tidos por assentes para se decidir pelo não provimento do recurso vêm agora ser postos em causa pela recorrente com este seu recurso.
Já sabemos, por ser de Lei, que o Supremo Tribunal não conhece de matéria de facto, nem das ilações de facto que as instâncias retiram da matéria de facto que julgam provada, cfr. artigo 285º, n.ºs. 3 e 4 do CPPT.
Ou seja, implicando este recurso, para a sua procedência, que se reaprecie a matéria de facto relevante, fica esta formação impedida de o admitir.
Por outro lado, face à fundamentação do acórdão recorrido, e aos concretos circunstancialismos que rodearam a situação concreta não se consegue surpreender de forma liminar e/ou perfunctória que tenha ocorrido um erro evidente e manifesto no julgamento efectuado, tanto mais que a decisão se funda em jurisprudência de tribunais superiores.
Bem como, não se surpreende que da solução dada ao caso dos autos se possa extrapolar para outros casos uma doutrina “nova” que sirva de linha orientativa para uma generalidade de casos, uma vez que na decisão recorrida já se seguiu a jurisprudência dominante.
Não está, assim, o recurso em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente, com t.j. em 5 Ucs.
D.n.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.