Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0169/09.9BEVIS 0664/18
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25112
Nº do Documento:SA2201911060169/09
Data de Entrada:07/04/2018
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o n.º 6 do artigo 150.º do CPTA:
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1.1. A………, Lda., deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, contra a liquidação do Imposto Sobre o valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios referente aos exercícios de 2004 e 2005, no valor 68.411,71€, peticionando a anulação dos atos impugnados.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 23/01/2012 (fls.166/186), julgou improcedente a impugnação.
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1.3. Os impugnantes recorreram dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 08/02/2018 (fls.271/282), negou provimento ao recurso.
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1.4. Inconformados os recorrentes vêm, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, justificando este pedido no seguinte quadro conclusivo:
«1. O Recurso de Revista regulamentado no artº 150º do CPTA, admite que se possa recorrer das decisões do TCA para o STA numa terceira instância, quando:
a) Está em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental;
Ou quando a
b) a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2.
Ora face à natureza da questão jurídica acima descrita em 14°
O problema aqui colocado assume-se frontalmente é o de saber se a AT está ou não obrigada, entende o aqui recorrente que sim, a recorrer à AI quando em sede da AD contactar que o valor da MT que vai fixar recorrendo apenas à AD não corresponde ao valor real e assim constitui uma manifesta violação dos Princípios da Igualdade e da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, art.ºs 13º e artº 104º/2 e, o Principio da legalidade fiscal art.ºs 103º/2 e 165º/1 i) da CRP e a LGT art.ºs 81ºss do regime legal da AD e AI consagrado nos art.ºs 81ºss da LGT interpretado à luz desse princípio.
Ou seja qual o regime da aplicabilidade da AD ou AI da matéria tributável em sede do apuramento do Lucro tributável de uma sociedade ao abrigo da CRP e dos referidos Princípios e que é objecto de apreciação na presente acção não temos dúvidas que todos esses critérios de admissibilidade do presente recurso de Revista ao abrigo do artº 150º do CPTA, estão presentes,
I) o regime da aplicabilidade da AD ou AI da matéria tributável em sede do apuramento do Lucro tributável de uma sociedade é sem dúvida uma matéria de especial relevância e complexidade que deve ser considerada como relevante para efeitos de admissibilidade de recurso ao abrigo do art° 150° do CPTA.,
II) 2. Por outro lado é evidente que o acto de fixação da MT do impugnante com recurso à AD, no qual se basearam as liquidações de IVA aqui impugnadas,
E a questão aqui suscitada,
Constitui um acto que foi praticado no âmbito de uma actividade pública susceptivel de causar alarme social - aplicação de métodos diretos ou indirectos em sede de IRC ou IVA às milhares do pessoas colectivas ou singulares que optam pelo regime da contabilidade organizada ao abrigo do regime dos Princípios da Igualdade e da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, art.ºs 13º e artº 104º/2 e, o Princípio da legalidade fiscal art.ºs 103º/2 e 165º/1 i) da CRP e a LGT art.ºs 81ºss já que estão em causa valores fundamentais da ordem constitucional artº 104/2 da CRP o princípio da tributação das empresas pelo lucro real e em último termo o próprio estado de Direito e assim está sem dúvida em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
III) A questão aqui em análise é ainda susceptível de se repetir face à circunstância de poderem ser praticados mais actos ilegais no âmbito dos milhares de actos de inspeção tributária levados a cabo pela AT, às milhares do pessoas colectivas ou singulares que optam pelo regime da contabilidade organizada ao abrigo do regime da LGT à luz dos Princípios da Igualdade e da capacidade contributiva art.ºs 13º e artº 104º/2 e, o Principio da legalidade fiscal art.ºs 103º/2 e 165º/1 i) da CRP e a LGT art.ºs 81ºss.
e assim e mais uma vez está sem duvida em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
IV) Por outro lado a questão aqui em análise colide ainda com um Direito Liberdade e Garantia como é Princípio da Igualdade na sua manifestação em sede fiscal o Principio da Capacidade Contributiva artº 13º da CRP e art.º 8º da LGT e com o princípio da Liberdade de Empresa art.º 61º da CRP e assim mais uma vez está sem dúvida em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio
V) acresce que a adequada apreciação do caso aqui em análise como se deixou resumidamente exposto, e está explicitado na parte B destas alegações, determina a aplicação de normas e princípios do Direito Constitucional e de direito fiscal e assim mais uma vez não restam dúvidas de que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos,
E assim não se tem qualquer dúvida em afirmar que
Está em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental para efeitos do artº 150º do CPTA; Devendo assim o presente Recurso de Revista ser aceite ao abrigo do artº 150º do CPTA, o que desde já se requer.
3.
Sem prescindir e tendo em conta as insuficiências, os erros e omissões contidas no Ac. do TCA Norte de que aqui se recorre, em sede de uma adequada aplicação do direito constitucional e do direito fiscal em sede da questão central aqui colocada, aqui resumidamente elencada, mas que serão melhor explicitadas na Parte B destas Alegações, não restam dúvidas que estamos ainda perante uma questão relevante que foi tratada pelas instâncias de forma pouco consistente, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.»
E assim e mais uma vez o presente recurso sempre seria ainda admissível já que o mesmo é necessário para alcançar uma melhor aplicação do direito artº 150º do CPTA.
Devendo assim o presente Recurso de Revista ser admitido ao abrigo do art° 150º do CPT A, o que se requer.
Termos em que … deve ser admitido o presente Recurso de Revista ao abrigo dos art.ºs 150º, 140º ss e 144º do CPTA Pois só dando provimento ao presente recurso se fará a habitual, Justiça!».
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1.5. A recorrente juntou, fls. 314 a 330, alegações, com as conclusões de fls. 330 a 333, que identifica como “alegações em sede da procedência do recurso de revista”.
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1.6. Não foram produzidas contra-alegações.
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1.7. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«I. Da (in)admissibilidade do recurso de revista
I. 1. Veio a Impugnante A…….., Lda., interpor recurso de revista do douto acórdão tirado pelo TCA Norte, em 08/02/2018, que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da sentença do TAF de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IVA e juros compensatórios, dos exercícios de 2004 e 2005, no valor total de €68.411,71 (v. as alegações juntas a fls. 291 e seguintes do processo em suporte físico, abreviadamente designado, de ora em diante, como p. f.)
Examinadas as conclusões que definem e delimitam o objeto do recurso jurisdicional, constata-se que a Recorrente veio insurgir-se contra o aresto ora em crise, assacando-lhe, aparentemente, apenas erros de julgamento de direito, elegendo como questão decidenda saber "qual o regime de aplicabilidade da AD [Avaliação Direta] ou AI [Avaliação Indireta] da matéria tributável em sede do apuramento do Lucro tributável de uma sociedade ao abrigo desses princípios constitucionais", a saber, os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da legalidade fiscal (vide a conclusão 1.ª, ínsita de fls. 330 a 332 do p. f.)
Cumpre ao Ministério Público emitir parecer sobre o preenchimento, no caso em análise, dos pressupostos da revista, exigidos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, o que efetuará de seguida.
I. 2. Prescreve o supracitado preceito que: "Das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito" (o realce é nosso). Sucede que, nesta matéria, é abundante e pacífica a jurisprudência deste Colendo Tribunal, segundo a qual "I - O recurso de revista contemplado no art. 150.º do CPTA, pelo seu carácter excepcional, estrutura e requisitos de admissão, não pode entender-se como de índole generalizada mas, antes, limitada, de modo a que funcione como válvula de escape do sistema. // II - A importância fundamental da questão há de resultar quer da sua relevância jurídica quer social, aquela entendida (não num plano meramente teórico mas prático em termos da utilidade jurídica da revista; e esta, em termos da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular. // III - Por outro lado, «a melhor aplicação do direito» há de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito. // IV - Não concretiza tais postulados a mera arguição de nulidades processuais da sentença, o erro no julgamento de matéria de facto ou a análise de questões naturalmente mutáveis (...)" [cfr. o douto Acórdão de 06/04/2011, no Processo n.º 0219/11 (Aresto disponível in www.dgsi.pt/jsta, sítio de que emanarão os restantes arestos a citar, sem que lhes seja feita expressa menção à respetiva proveniência.).
Acresce que, por força desse entendimento, foram tirados inúmeros doutos Acórdãos onde foi consagrado, nomeadamente, que "Não pode ser admitido o recurso de revista se a questão colocada tem uma natureza casuística, com contornos particulares no contexto factual e jurídico do caso concreto, reconduzindo-se a matérias que não revelam especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico, sem impacto ou interesse comunitário significativo, e também não se antevê a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito porque não se visiona na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável" (cfr., por todos, o douto Acórdão do STA, tirado em 27/11/2013, no Processo n.º 01355/13).
I.3. De todo o exposto, forçoso é concluir que, face à aludida orientação jurisprudencial uniforme deste Supremo Tribunal, não é de admitir a revista, no caso sub judice.
Efetivamente, as questões suscitadas pela Recorrente coenvolvem a reapreciação da factualidade dada como provada no acórdão em crise, o que se revela ao arrepio da norma imperativa do n.º 4 do citado artigo 150.º do CPTA que prescreve que "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".
Assim, por força da mencionada disposição, o aresto proferido pelo tribunal recorrido nunca poderia ser alterado ou revogado, no que tange à apreciação e fixação da matéria de facto, salvo se se integrasse nos casos excecionais aí previstos, que, todavia, não se verificam no caso vertente.
Acresce, ainda, que as questões decidendas são pontuais, porque circunscritas ao caso em presença, sem capacidade de se replicarem em casos futuros.
Em adição, as matérias jurídicas submetidas ao escrutínio deste Colendo STA não assumem especial melindre ou complexidade, pelo menos, que exorbitem da normalidade da vida judiciária, sendo, ademais, vasta e uniforme a jurisprudência que tem versado sobre esta problemática [de que citamos, a título meramente exemplificativo, v. g., os Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21/02/2018, no Processo n.º 057/14, de 08/11/2017, no Processo n.º 01255/16, de 05/04/2017, no Processo n.º 01220/16 e de 03/06/2015, no Processo n.º 088/15 (Do teor deste último aresto, decorre que “O recurso aos métodos indiretos só se justifica quando a AT tem necessidade de lançar mão de presunções ou de indícios por não conseguir suporte documental, ou outro credível que lhe permita determinar a matéria tributável”.)].
Por último, as questões eleitas pela Recorrente, para fundamentar a revista, são, no mínimo, irrelevantes, em ordem a determinar a necessidade da intervenção corretiva deste Colendo STA, seja pela invocada via da sua relevância jurídica ou social, seja como um meio indispensável para uma melhor aplicação do direito ao caso concreto, já que a decisão encontrada pelo TAF de Viseu, inteiramente confirmada pelo Venerando TCA Norte, não revela os erros de julgamento que lhe são imputados.
Nesta conformidade, porque o Ministério Público sufraga inteiramente a posição doutrinária firmada por este Supremo Tribunal sobre a problemática da admissibilidade da revista e, ademais, não vislumbra razões para dela dissentir, no que tange à sua aplicação ao caso em presença, impõe-se concluir que não se mostram reunidos os requisitos da admissão do presente recurso de revista.
II. CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos acima sucintamente expostos, o Ministério Público emite parecer no sentido de que a Formação de Apreciação Preliminar deste Supremo Tribunal Administrativo - Secção do Contencioso Tributário - não deverá admitir a revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, tirado no âmbito dos presentes autos, por inverificação dos respetivos pressupostos, acolhidos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.».
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1.8. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Impugnante "A……., Lda." iniciou a sua actividade a 23 de Outubro de 1998 e encontra-se colectada para o exercício da actividade de "Cervejarias" CAE 55402, e enquadrada para efeitos de IRC no regime geral e para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral;
2. A Impugnante foi alvo de uma inspecção tributária tendo sido abrangidos o IRC e IVA dos anos de 2004 e 2005;

3. Os sócios são B…….. e C………, sendo aquele também gerente;
4. O imóvel onde a sociedade exerce actividade é propriedade do sócio A B………., não sendo cobradas rendas pela utilização daquele espaço;
5. Finda a Inspecção, foi realizado Relatório de Inspecção Tributário, o qual se considera aqui integralmente reproduzido e no qual consta:
"Conhecida comercialmente por "Restaurante ………..", a firma exerce a sua actividade no centro da cidade de Aveiro, no local de forte diversão nocturna e atracção turística.
O serviço de restauração serve algumas refeições económicas, apesar de estar vocacionado para o serviço à lista.
(...)
Os sócios não retiram vencimentos desta empresa mas da outra sociedade que possuem "D………., Lda. "
1/2.4 - Resultados Fiscais declarados
O sujeito passivo desde o início da sua actividade e até ao exercício de 2005 não pagou qualquer imposto em sede de IRC, devido aos fracos resultados que tem vindo a declarar ao Estado. Assim, em 1999, 2000 e 2001 apresentou prejuízos avultados e nos anos seguintes lucros baixos que não se traduziram em colecta de IRC, pelo facto de ter deduzido os prejuízos dos anos anteriores.





A)- o programa de facturação WinRest: valores reais e valores manipulados
Da análise efectuada a todos ficheiros contidos no disco, copiados do programa de facturação do contribuinte pelo técnico da área de informática da DGCl, constatou-se a existência de dois ficheiros a que designaremos "ficheiro manipulado" e ''ficheiro original".

Cada um dos ficheiros contém registos de cada venda efectuada (restauração), por data e hora, por produto, quantidade, preço unitário, taxa de IVA e valor total (com IVA).

Os valores do "ficheiro manipulado" constante do disco copiado, correspondem aos valores declarados pelo contribuinte para efeitos de IRC e IVA, enquanto que os valores constantes do ''ficheiro original" correspondem às vendas totais (reais) efectuadas pelo contribuinte.
A especificidade do programa informático e seu funcionamento consta da informação em anexo elaborada pelo Inspector Finanças Superior, requisitado na DF de Aveiro, ………….., cujo conteúdo é analisado no ponto B deste capítulo.
Em termos anuais os valores efectivamente facturados e reais (ORIGINAL) e os valores declarados são os que constam do quadro abaixo apresentado:






A 1 - Anulações de vendas -Alguns exemplos
De um modo mais específico, a título de exemplo, vejamos os seguintes registos correspondentes a dados retirados dos referidos ficheiros (original e manipulado) nos dois exercícios em causa, que permitem visualizar os montantes contabilizados/declarados e os proveitos efectivamente facturados.
A escolha dos exemplos apresentados recaiu especialmente nos dias 14 de Fevereiro de 2004 e 14 de Fevereiro de 2005 (dia dos namorados) que é por tradição um dia em que os restaurantes se encontram sempre "lotados" e no dia 18 de Setembro de 2004 um dia normal. Em relação aos restantes dias as conclusões seriam análogas conforme ressalta da consulta ao CD copiado do sistema de facturação do sujeito passivo em 12 de Julho de 2006. Solicitamos ao sócio gerente da empresa a "consulta de movimentos" dos dias 14 de Fevereiro de 2004, 18 de Setembro de 2004 e 14 de Fevereiro de 2005, em suporte papel, uma vez que não se encontravam impressos, conforme foi anteriormente referido.
A análise às "consultas de movimentos" facultados, permitiram concluir que correspondem aos dados copiados do programa de facturação do sujeito passivo, respeitantes ao ficheiro designado por ''ficheiro manipulado".
EXEMPLO 1- DIA 14-02-200 (Dia dos NAMORADOS)
O ficheiro original demonstra que no talão com o número de processo 56934 foram vendidos os seguintes produtos no total de 49,6€. O último registo (3 cafés) tem a hora de 15:20H e secção 61132.





Por outro lado, por "consulta dos movimentos" respeitante ao dia 14 de Fevereiro de 2004, facultado pelo contribuinte, a nosso pedido, em 17 de Outubro, não foram vendidas outras refeições no montante de €49,6.

Pelo exposto, concluímos que o consumo declarado foi obtido através do consumo real, tendo sido eliminados todos os registos excepto o café e que, para além disso, foram diminuídas as quantidades de café vendido, passando a declarar apenas 1 "unidade ".
EXEMPLO 2 -Dia 14 Fevereiro 2004 (Dia dos NAMORADOS- outro exemplo)
o ficheiro original demonstra que o talão com o número de processo 56999 diz respeito a uma refeição no montante de €41,85. O último registo foram "2 Martini Rosso", pelas




O ficheiro manipulado (declarado) demonstra que o talão com o número de processo 56999 apresenta 1 unidade de "Martini Rosso", pelas 22,31 h, secção 61174, no montante de 0,65€.


Por outro lado, por "consulta dos movimentos" respeitante ao dia 14 de Fevereiro de 2004, facultado pelo contribuinte, a nosso pedido, em 17 de Outubro de 2007, não foram vendidas outras refeições no montante de €41,85.
Pelo exposto, concluímos que do consumo efectivo (constante do ficheiro real) foram eliminados todos os registos excepto do "Martin Rosso" e para além disso foram diminuídas as quantidades tendo sido declarado apenas 1 "unidade" de "Martini Rosso" em vez das duas unidades consumidas.


Por outro lado, por "consulta dos movimentos" respeitante ao dia 14 de Fevereiro de 2004,facultado pelo contribuinte, a nosso pedido, em 17 de Outubro de 2007 (anexo 7), não foram vendidas outras refeições no montante de € 23,65.

Pelo exposto, concluímos que relativamente à refeição efectiva (ficheiro real) foram eliminados todos os registos excepto o "café".
(...)
G - Refeições pagas com cartão que não constam dos ficheiros declarados pelo SP

Conforme discriminamos anteriormente, no decurso da acção inspectiva verificamos a existência de vários pagamentos de refeições com cartão "Multibanco" e "Visa" que coincidem com os ficheiros reais e que não constam dos valores declarados.
Questionamos o sócio gerente que alegou o seguinte: "(...) Suponho que tal tenha ocorrido pelo facto de um ex-funcionário deste estabelecimento, o "………" (que se encontra agora a trabalhar na ………..), cujo nome correcto agora não me ocorre, recebia dos clientes o valor certo e depois anulava linhas de venda do programa e guardava o dinheiro para si próprio (...)"
Desta forma o sócio gerente assume vendas não declaradas e anulação de linhas no programa informático, no entanto pretende atribuir a responsabilidade dessa omissão a um ex-funcionário que nem o nome completo sabia.
O sócio gerente atribuiu a culpa ao ex-funcionário das omissões verificadas entre os montantes declarados e os pagamentos com cartões Multibanco, não tendo explicado no entanto a razão pela qual os pagamentos das refeições efectuados com cartões "Multibanco "l" Visa" coincidirem com os dados do ficheiro real (arquivados no "Modem") que segundo declarações por aquele prestadas pertencem a dados de clientes da "D…….., Lda." e não às suas prestações de serviço reais.
Para mais, os cálculos apresentados ao sujeito passivo ao longo da acção inspectiva «[...] foram feitos seleccionando apenas os registos com o tipo de operação igual a 1, ou seja, os pedidos propriamente ditos, deste modo excluindo as anulações e as anulações com desperdício (tipo 2 e 3)[...]» conforme ponto 5 do parecer técnico do perito de informática da DGCI anexo 5) e caso o funcionário eliminasse linhas estas surgiriam como "anuladas"- Tipos 2 ou 3 (ver pág. 4 deste relatório) .
(...)
III Descrição dos Factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III - 1 - Em sede de IVA
Perante a constatação inequívoca de omissão de proveitos efectivamente realizados e obtidos, serão efectuadas as competentes correcções ao nível do IVA, de acordo com o estipulado no art. 82º do CIVA.
Os montantes de IVA em falta apresentados nos quadros resumo abaixo (tabela 3 e tabela 4), por meses, foram determinados através da aplicação da taxa de 12% à diferença entre a base tributável real constante do ficheiro original copiado em 12 de Julho de 2006 do sistema de facturação do sujeito passivo (anexo 1) e as prestações de serviço declaradas (restauração):















Neste tipo de actividade (restauração) os clientes efectuam o pagamento a pronto, apenas são emitidas vendas a dinheiro e não existem saldos na conta de clientes conforme se pode verificar através dos balancetes facultados pela empresa (anexo 22), logo todo o IVA liquidado pela empresa foi recebido dos clientes.
6. A Impugnante interpôs reclamação graciosa a 28 de Julho de 2008;
7. A reclamação graciosa foi totalmente improcedente;
8. A presente impugnação deu entrada a 08 de Janeiro de 2009.».
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3.1. O acórdão recorrido afirmou, no ponto 2.2.1., o seguinte:
“… como resulta da factualidade assente, e que não foi alterada nem complementada por este tribunal, tal prova não foi feita nos autos. Com efeito, à luz das regras da experiência comum e da lógica, as explicações avançadas pela Recorrente para justificar a existência dos dois ficheiros informáticos não se mostram minimamente plausíveis, como já supra dissemos.
Deste modo, é de concluir que a administração cumpriu as obrigações probatórias que sobre si impendiam ao nível da fundamentação substancial do acto que a lei exige com vista a demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação correctiva da matéria tributável declarada pela Recorrente e que esta não demonstrou que os seus proveitos correspondem ao rendimento por si declarado.
Improcede, por isso, este fundamento do recurso.”.
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3.2. Acrescentou, no ponto 2.2.2., o seguinte:
“… é evidente que não estamos perante uma situação de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, decorrente da prova produzida.
Na verdade, não tendo a Recorrente logrado demonstrar que não ocorreram os factos que suportam os indicadores recolhidos pela administração tributária ou que estes não têm o significado que lhes pretende atribuir ou ainda provando outros factos que demonstram a veracidade do que foi declarado ou que criem alguma dúvida acerca da quantificação efectuada, não tem aplicação a norma do art. 100.º n.º 1 do CPPT.
Improcede, assim, a conclusão 2) da alegação de recurso.”.
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3.3. No ponto 2.2.3 identificou o acórdão recorrido como questão suscitada pela recorrente a do erro de julgamento, por não ter sido reconhecido na sentença recorrida que a administração tributária devia ter procedido à determinação da matéria tributável com recurso a avaliação indireta sob pena de a aplicação da avaliação direta ser inconstitucional, por violação do princípio da tributação pelo rendimento real.
Sobre esta questão entendeu o acórdão recorrido o seguinte:
“… existindo dois ficheiros com os registos das operações da empresa, o recurso a avaliação indirecta para cálculo dos proveitos só se justificaria, em princípio, se a administração tributária não tivesse meio de saber qual dos ficheiros era verdadeiro. Mas não foi isso que aconteceu, visto que a administração tributária confirmou que os registos do denominado "ficheiro original" reflectiam a verdadeira situação tributária da sociedade. Ou seja, os proveitos foram apurados com base nos registos informáticos da própria Recorrente e sem necessidade de recurso a presunções ou estimativas.
… não se diga, como faz a Recorrente, que a determinação do lucro tributável pela aplicação das regras da avaliação directa é exagerada e atentatória do princípio da tributação do lucro real.”.
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3.4. O presente recurso foi interposto para o STA, como revista.
Foi o mesmo admitido nos termos do artigo 150º do CPTA.
Torna-se, por isso, necessário proceder à apreciação preliminar sumária da verificação dos pressupostos da sua admissibilidade, nos termos do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Estabelece este artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista” o seguinte:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.
Resulta do n.º 1 do artigo transcrito a excecionalidade do recurso de revista, estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
Deve este recurso de revista excecional funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como mais uma instância generalizada de recurso.
Como se escreveu no acórdão deste STA 2, de abril de 2014, rec. N.º 1853/13, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso,
«(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Tem igualmente afirmado o STA, sobre esta questão, que os requisitos de admissão do recurso de revista para “uma melhor aplicação do direito” implicam «a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito» a qual resultará «da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se ver a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.» (STA 17/02/2016, proc. 0945/15).
No mesmo sentido podem consultar-se, entre muitos outros os acórdãos do STA de 30/05/2012, processos n.º 304/12 e 415/12, e a jurisprudência nestes referida o que constitui jurisprudência uniforme.
A mesma jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos.
Tem, ainda, entendido a referida jurisprudência que o recorrente deve demonstrar essa excecionalidade e que deve demonstrar que a questão que coloca ao STA assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Não se satisfaz a lei com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido pelo que deve o recorrente alegar e demonstrar que se verificam aqueles requisitos de admissibilidade da revista.
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3.5. Está em causa nos presentes autos o ato de liquidação de IVA e juros compensatórios, dos exercícios de 2004 e 2005, no valor total de €68.411,71.
Questiona a recorrente o acórdão recorrido imputando-lhe erros de julgamento de direito identificando como questão a apreciar a de saber "qual o regime de aplicabilidade da AD [Avaliação Direta] ou AI [Avaliação Indireta] da matéria tributável em sede do apuramento do Lucro tributável de uma sociedade ao abrigo dos princípios constitucionais" da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da legalidade fiscal.
Vem entendendo a jurisprudência deste STA que não pode ser admitido o recurso de revista se a questão colocada tem natureza casuística, com contornos particulares no contexto factual e jurídico do caso concreto, reconduzindo-se a matérias que não revelam especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico, sem impacto ou interesse comunitário significativo, e também não se antevê a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito porque não se visiona na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável (cfr. o acórdão do STA de 27/11/2013, Processo n.º 01355/13).
Entende-se, por isso, que não é de admitir a presente revista pois que, conforme refere o MP, as questões suscitadas implicam a reapreciação da factualidade dada como provada no acórdão em crise, o que é impedido pelo nº 4 do artigo 150.º do CPTA que estabelece que "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".
Acresce que os factos provados e relacionados com os valores do "ficheiro manipulado" constante do disco copiado, que correspondem aos valores declarados pelo contribuinte para efeitos de IRC e IVA, e os valores constantes do ''ficheiro original" correspondem às vendas totais (reais) efetuadas pelo contribuinte conduz a que as questões decididas no acórdão recorrido são pontuais, sem capacidade de se replicarem em casos futuros.
Ainda, conforme afirma o MP, as matérias jurídicas submetidas ao escrutínio deste STA não assumem especial melindre ou complexidade, que exorbitem da normalidade da vida judiciária, sendo, vasta e uniforme a jurisprudência que tem versado sobre esta problemática e as questões eleitas pela Recorrente, para fundamentar a revista, são, no mínimo, irrelevantes, em ordem a determinar a necessidade da intervenção corretiva deste STA, seja pela invocada via da sua relevância jurídica ou social, seja como um meio indispensável para uma melhor aplicação do direito ao caso concreto, já que a decisão recorrida não revela os erros de julgamento que lhe são imputados.
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4. Termos em que se acorda em não admitir o presente recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excecional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 6 de novembro de 2019. – António Pimpão (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.