Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02953/17.0BEPRT
Data do Acordão:11/16/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:EMPRESA MUNICIPAL
ENTIDADE ADMINISTRATIVA
ENTIDADES PRIVADAS
PAGAMENTO
RENDA
PODERES
Sumário:I - A A., ora Recorrente, é, nos termos do artigo 1.º dos seus Estatutos, uma empresa local, «constituída sob a forma de pessoa coletiva de direito privado, de natureza municipal, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial» (n.º 1);
II - A A., ora Recorrente, foi criada e é totalmente participada pelo Município de Vila Nova de Gaia, entidade que, por esse motivo, sobre aquela tem controle ou domínio com uma influência dominante – cfr. artigo 19.º. n.º 1, da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (Regime Jurídico do Setor Empresarial Local e das Participações Locais);
III - As vestes privadas da A., ora Recorrente, adquirem, neste contexto, um relevo exclusivamente formal, que não impede nem colide com o exercício das competências jurídico-públicas que lhe foram atribuídas, enquanto entidade administrativa privada.
IV - E nem colide, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, no CPA, com a aplicação, das disposições do CPA respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa, às condutas dotadas por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, «no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo».
V - A decisão de exigir o pagamento de rendas em atraso, no âmbito de um contrato de arrendamento apoiado, ao qual é aplicável a Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro (Novo Regime do Arrendamento Apoiado para a Habitação (NRAAH) é, sem dúvida, uma conduta regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, praticada que foi no âmbito dos poderes que lhe foram transferidos pelo Município de Vila Nova de Gaia e ao abrigo do NRAAH.
VI - Os contratos de arrendamento apoiado regem-se pelo disposto no NRAAH, pelos regulamentos nele previstos e pelo Código Civil – cf. n.º 1 do artigo 17.º do NRAAH – sem prejuízo de se tratar de um contrato administrativo por força de lei - cf. n.º 2 do artigo 17.º do NRAAH.
VII - No âmbito dos poderes que lhe são conferidos no artigo 28.º, n.º 3, do NRAAH, as entidades referidas no seu artigo 2.º e nas quais se inclui a A., ora Recorrente, estão habilitadas a, por força de lei, praticar um ato administrativo que determine o despejo, este, com poderes de autotutela declarativa e executiva e um outro, que determine a promoção da execução por rendas em atraso, este, apenas com autotutela declarativa, pois que, nos termos dos artigo 179.º, do CPA, a execução para pagamento de quantia certa a corre termos nos tribunais tributários - cf. artigo 28.º, n.º 1, do NRAAH e regime previsto no Código Civil, ex vi artigo 17.º n.º 1.
VIII - O artigo 28.º, n.º 3, do NRAAH pressupõe essa autotutela declarativa referente ao pagamento de rendas em atraso, impondo apenas, nos casos em que seja este o fundamento do despejo, que as duas decisões sejam proferidas em simultâneo.
IX - A decisão de promoção da execução por rendas em atraso, enquadrada como está no NRAAH, de entre os demais poderes de autotutela declarativa, consubstancia, assim, um título executivo complexo, à semelhança do que hoje sucede no regime do contrato de arrendamento civil, ex vi artigos 25.º, n.º 1 e 17.º n.º 1, do NRAAH.
X - O que é exemplo e se mostra coerente, aliás, em ambos os regimes, com a ambiência de desjudicialização dos litígios e cobranças inerentes a assuntos de arrendamento.
XI - A A., ora Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, n.º 3 do NRAAH, beneficia de poderes de autotutela administrativa declarativa que lhe permitem o recurso imediato ao regime para execução do pagamento de quantias pecuniárias, por força de ato administrativo, junto dos tribunais tributários, tal como previsto no artigo 179.º do CPA.
XII - Sem necessidade de recorrer previamente aos tribunais administrativos para obter uma sentença declarativa que possa valer, em caso de incumprimento voluntário desta, como título executivo.
XIII - Pois que, também à luz do princípio da irrenunciabilidade da competência, não pode a A. deixar de exercer os seus poderes de autotutela declarativa, sempre que os respetivos pressupostos estejam definidos na lei, tal como se demonstra estarem no caso em apreço – cf. artigo 36.º, n.º 1, do CPA.
Nº Convencional:JSTA000P31579
Nº do Documento:SA12023111602953/17
Recorrente:GAIURB – URBANISMO E HABITAÇÃO, EM
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: