Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:086/23.0BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
INVOCAÇÃO
VÍCIOS
AVALIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.
Nº Convencional:JSTA000P31808
Nº do Documento:SAP20240124086/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO 1..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.ºs 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro [doravante “RJAT”], interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão arbitral proferido em 3 de abril de 2023 no processo n.º 625/2022-T, do Centro de Arbitragem Administrativa [“CAAD”], que julgou integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado por Banco 1... SA, NIF ...16, com sede na Avenida ..., ... Lisboa e, consequentemente, declarou ilegais e anulou parcialmente as liquidações de IMI n.ºs ...03, ...23, ...93, ...03, ...93, ...93, ...03, ...93 e ...93, relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020, no montante total de € 39.858,86, invocando oposição entre o ali decidido e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de fevereiro de 2023, tirado no processo n.º 102/22.2BALSB.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.

B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo

C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 625/2022-T, de 03.05.2023 e o Acórdão fundamento n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023.

D. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

E. Em ambas as decisões está em causa:

i. A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação sobre o património regulados pelo Código do imposto municipais sobre o património (IMI);

ii. Pese embora no caso do Acórdão Fundamento esteja em causa o Adicional ao IMI, e na decisão recorrida o IMI, o núcleo essencial da estrutura tributária é idêntica, ambos são impostos municipais sobre o património, não havendo dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação;

iii. Por outro lado, em ambos os casos estão em causa as normas de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos;

iv. No Acórdão fundamento estão em causa os atos de liquidação de 2017, 2018, 2019 e 2020 e na decisão recorrida os atos de liquidação de 2018, 2019 e 2020;

v. Não obstante os períodos de tributação não sejam totalmente coincidentes não há alterações substanciais entre ambos os períodos que justifiquem uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço;

vi. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção;

vii. Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.

F. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.

G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,.

H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.

I. Enquanto que no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação, e já não na impugnação da liquidação, ainda que antecedida do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT, que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

J. Em sentido oposto, a decisão recorrida vem preconizar o entendimento da admissibilidade da correção do valor patrimonial tributário na impugnação do ato de liquidação quando a mesma tenha sido antecedida do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT..

K. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com o acórdão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e uniformiza a jurisprudência sobre esta matéria.

L. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”.

M. A jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do ato que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do ato de liquidação, incluindo os casos em que mesma seja despoletada por um pedido de revisão oficiosa.

N. No caso em apreço, não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

O. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

P. Em suma, entre a decisão recorrida e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência.».

Concluiu pedindo fosse o recurso para uniformização de jurisprudência aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, fosse revogada a decisão arbitral recorrida e fosse a mesma substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente.

O recurso foi admitido, com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, tendo concluído que não se mostram reunidos os requisitos para o conhecimento do mérito do presente recurso.

Tendo as partes sido notificadas do conteúdo do douto parecer a que alude o parágrafo anterior, nenhuma delas respondeu.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

a) O Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção. – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

b) O Requerente foi notificado dos atos de liquidação de IMI n.º ...03, ...23, ...93, ...03, ...93, ...93, ...03, ...93 e ...93, com referência aos anos de 2018, 2019 e 2020, em 2019, 2020 e 2021, respetivamente – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

c) O Requerente procedeu ao pagamento integral das notas de liquidação de IMI identificadas em B. supra – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e facto não impugnado - ;

d) Os atos de liquidação identificados em B. supra tiveram por base os valores patrimoniais tributários (VPT) fixados com a utilização da seguinte fórmula:


Vt = Vc x A x Cl x Ca x Cq

Sendo que:

«Vt* = valor patrimonial tributário, Vc= valor base dos prédios edificados, A= área bruta de construção mais a área excedente à área de implementação, Ca= coeficiente de afetação, Cl = coeficiente de localização, Cq= coeficiente de qualidade e conforto, Cv = coeficiente de vestutez, sendo A= (Aa +Ab) x Caj x % + Ac + Ad, em que Aa representa a área bruta privativa, Ab represente as áreas brutas dependentes, Ac representa a área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação, Ad representa a área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação, (Aa + Ab) x Caj = 100 x 1,0 + 0,90 x (500-100) + 0,80 x (Aa + Ab – 1.000,0000).

Tratando-se de terreno para construção, A= área bruta de construção integrada de Ab.»

- cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

e) O Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT considerado em D. supra. – cfr. acordo das partes - ;

f) No dia 24 de maio de 2022, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI n.º ...03, ...23, ...93, ...03, ...93, ...93, ...03, ...93 e ...93, com referência aos anos de 2018, 2019 e 2020, junto do Serviço de Finanças de Lisboa-... - cfr. Documento n.º 1 e 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

g) No dia 26 de setembro de 2022, presumiu-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária. – cfr. acordo das partes - ;

h) No dia 19 de outubro de 2022, o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

i) Por despacho de 25 de novembro de 2022, a Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu despacho no sentido da anulação das avaliações dos prédios (terrenos para construção) seguintes, com efeitos retroativos, pertencentes ao Requerente: - documento junto, a 2 de dezembro de 2022, pela Requerida, aos autos –

j)

[IMAGEM]

(…)».

2.2. O acórdão fundamento consignou que a decisão arbitral ali recorrida fez constar o seguinte julgamento da matéria de facto: «(...)

Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a. No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

§ Liquidação com o n.º ...08, referente ao ano 2017, no montante total de € 4.025.291,53;

§ Liquidação com o n.º ...33, referente ao ano 2018, no montante total de € 4.054.699,52;

§ Liquidação com o n.º ...85, referente ao ano 2019, no montante total de € 3.580.298,52;

§ Liquidação com o n.º ...02, referente ao ano 2020, no montante total de €2.979.749,57.

b. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de AIMI supra identificadas, conforme informação disponível no Portal das Finanças;

c. As sobreditas liquidações foram processadas com base nos VPT’s que à data de 1 de janeiro de cada um dos anos (2017, 2018, 2019 e 2020) constavam das respetivas matrizes... d. ... e fixados entre 2008 e 2017 (Doc 4, com o PPA);

e. Em parte, as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção...f. ... e que haviam sido fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas respectivas cadernetas prediais urbanas;

g. Os citados prédios são os terrenos para construção identificados na seguinte Tabela, elaborada pelo Requerente e junta aos autos (Doc 6, com o PPA) e que espelham os VPT’s que constavam da matriz respetiva em 1 de janeiro de cada um dos anos a que respeitam:

IMAGEM

h. Em 25/05/2021 o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas alegando errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto no cálculo do VPT dos terrenos para construção;

i. A 12/10/2021 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do Valor Patrimonial Tributários(VPT) que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas.

j. A AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar os sobreditos coeficientes [conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2019 e 2020 - Documento 5 que junta em anexo com o PPA];

k. - Não se conformando com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, correspondente pedido de revisão oficiosa destes atos tributários;

l. – O referido pedido de revisão oficiosa considerou-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

A.2. Factos não provados

Não ficou demonstrado:

- que o Requerente tivesse impugnado ou reclamado dos VPT´s que serviram de base às liquidações documentadas e impugnadas.».


***

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. A primeira questão a decidir é a de saber se estão reunidos os pressupostos substantivos do conhecimento do mérito do recurso.

Com efeito, o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, o que significa que tem no seu fundamento a oposição entre decisões e inclui na sua finalidade a uniformização de jurisprudência.

Ora o recurso interposto com tal fundamento pressupõe – como a própria norma indica – que a decisão arbitral recorrida se oponha a outra decisão arbitral ou a acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo quanto à mesma questão fundamental de direito.

O que significa que o recurso só deve prosseguir para a apreciação do seu mérito quando os arestos em confronto tenham apreciado a mesma questão fundamental de direito e a tenham decidido de forma oposta.

Sendo que para concluir que a questão de direito é a mesma importa, desde logo, que seja substancialmente idêntico o quadro normativo a aplicar e que seja substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida (quanto aos seus elementos típicos fundamentais).

E bem se compreende que assim seja porque, se não houver identidade no enquadramento jurídico ou na factualidade a subsumir, não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes ou com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Vejamos, então se estes pressupostos estão reunidos no caso.

Podemos adiantar desde já que o acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento apreciaram a mesma questão fundamental de direito.

Que, em abstrato, se traduzia em saber se, não tendo o sujeito passivo requerido segunda avaliação dos prédios nos termos do artigo 76.º do Código do IMI ou impugnado o resultado da segunda avaliação nos termos do artigo 77.º do mesmo Código, podia arguir a ilegalidade das liquidações subsequentes com fundamento em vícios imputáveis à avaliação desses prédios.

O quadro legislativo era o mesmo e a factualidade subjacente era também substancialmente idêntica.

No caso da decisão arbitral recorrida, estava em causa o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI de 2018 a 2020, tendo como fundamento vícios imputados aos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis respetivos.

Vícios que, se traduziam no facto de terem sido aplicados, na avaliação de terrenos para construção, coeficientes de avaliação, que se considerou serem especificamente aplicáveis a prédios edificados.

No caso do acórdão fundamento, estava em causa a legalidade de decisão arbitral que apreciou o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI de 2017 a 2020, tendo como fundamento vícios imputáveis a atos de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis respetivos.

Vícios que, naquele caso, se traduziam no facto de terem sido aplicados na avaliação de terrenos para construção, coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, que a ali Requerente considerava serem especificamente aplicáveis a prédios edificados.

A única diferença a reportar a partir desta análise diz respeito ao imposto liquidado que, no caso do acórdão arbitral recorrido, é o IMI e, no caso do acórdão arbitral fundamento, é o AIMI.

Mas essa diferença não nos deve impressionar, no caso. Porque, como se disse, não são as operações de liquidação em si mesmas (nem as normas que lhes subjazem) que estão em causa. O que está em casa é a ocorrência de ilegalidades em operações a montante das liquidações e o respetivo regime de impugnação administrativa. Sendo que nem o regime dessas operações nem o regime da sua impugnação administrativa difere consoante se trate de IMI ou de AIMI.

É certo que, no caso do acórdão fundamento, o pedido de revisão oficiosa foi apresentando ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, isto é, com fundamento em erro imputável aos serviços.

E que, no caso do acórdão arbitral recorrido, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado também ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da mesma Lei, isto é, com fundamento em injustiça grave e notória.

Mas não foi o facto de não ter sido expressamente invocada que impediu o Tribunal Arbitral, no caso do acórdão fundamento, de apreciar e decidir da viabilidade da revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória. Pelo que nem por aí se pode afirmar que não tenha sido decidida a mesma questão fundamental de direito.

Concluímos, face a todo o exposto que, efetivamente, a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento apreciaram a mesma questão fundamental de direito.

E que lhe deram uma resposta divergente, visto que a decisão arbitral recorrida entendeu que para a questão de saber se era possível a impugnação da liquidação com fundamento em vícios imputáveis à fixação o valor patrimonial tributário dos imóveis importava aferir se tinha sido pedida a revisão da liquidação com fundamento em injustiça grave e notória. E o acórdão fundamento, confrontado com situação substancialmente idêntica, não fez qualquer ressalva ou distinção.

Nada obsta, por isso, ao conhecimento do mérito do recurso.

O que se fará de seguida.

3.2. O Supremo Tribunal Administrativo já uniformizou jurisprudência sobre esta questão.

Fê-lo precisamente através do acórdão invocado como fundamento no presente recurso, onde ficou decidido que «[d]eixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável».

Trata-se de um entendimento que não importa agora rever, até porque foi reafirmado no acórdão da Secção do Pleno do Contencioso Tributário de 25 de outubro de 2023, tirado no recurso n.º 047/23.9BALSB, e bem assim no acórdão da mesma Secção de 22 de novembro de 2023, tirado no recurso n.º 0115/23.7BALSB.

Aliás, neste último acórdão ficou expressamente consignado que o acórdão fundamento deve ser interpretado no sentido de que o artigo 78.º (incluindo o seu n.º 4) não é aplicável nestas situações.

Significa isto que a decisão arbitral recorrida não está de acordo com a mais recente jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, motivo por que, nos termos e com os fundamentos expendidos no referido acórdão, se impõe dar provimento ao recurso e anular a decisão recorrida.


***

3.3. Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário do acórdão fundamento:

Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pelo Recorrido.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 24 de janeiro de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo (vota a decisão ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) – Fernanda de Fátima Esteves.