Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0143/23.2BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS DE FACTO
Sumário:Existindo uma divergência quanto ao Probatório fixado nas decisões em confronto, no respeitante a um aspeto essencial da interpretação e aplicação da lei, fica inviabilizada a uniformização de jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P31826
Nº do Documento:SAP202401240143/23
Recorrente:MISSIONÁRIOS ...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

I. Missionários ..., Corporação Missionária, inconformado com a decisão arbitral proferida no processo nº 374/2022-T, datada de 27 de junho de 2023 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela ora recorrente visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) respeitante ao ano de 2021, constante das notas de cobrança n.ºs ...03 e ...05, no valor de € 33.837,22, vem dela interpor recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Supremo Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do nº 2, do artigo 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) por considerar que a referida decisão arbitral colide com a decisão arbitral proferida em 02/01/2021, pelo mesmo CAAD, no âmbito do processo 384 /2020-T.

II. O recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 22 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
a) A Recorrente é, nos termos dos artigos terceiro e quarto da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente erecta, devidamente registada em Portugal, tal como consta da Certidão de cinco de maio de 2005 passada pelo Governo Civil de Lisboa.
b) Nos termos dos respectivos estatutos a Recorrente é uma Congregação Missionária que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.
c) As actividades prosseguidas pela Recorrente, enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.º 1 do art.º 1º do Dec. Lei 119/83, de 25/2, alterado pelo Dec Lei n.º 172-A/2014 de 14/11, pelo que, apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, prossegue materialmente os fins destas entidades, encontrando-se o prédio objecto do presente litigio afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade.
d) Este mesmo entendimento foi sancionado por sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do despacho n.º 283/2005, de 9/3, exarado na sequência do relatório elaborado pelo grupo de trabalho constituído por despacho do Sr. Ministro das Finanças e da Administração Pública, com vista à análise “das
e) implicações tributárias decorrentes da aplicação da nova Concordata e do restante quadro jurídico tributário aplicável à Conferência Episcopal Portuguesa, às Dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como às demais pessoas jurídicas canonicamente erectas”, no seu ponto 3.9, segundo o qual “podem as pessoas jurídicas canónicas que preencham a hipótese normativa 12º e 26º n.º 5 da Concordata de 2004, independentemente de não possuírem outro estatuto jurídico, requerer (se elas não forem automáticas) as isenções que o direito interno estatui para (…) as pessoas colectivas de pera
f) utilidade pública (…) e para as IPSS e entidades anexas.” E ainda pela circular 10/2005 de 2/11.
g) Sendo equiparada a IPSS e sendo a recorrente, como conforma a decisão fundamento, por força da lei uma Instituição Particular de Utilidade Pública a isenção de IMI sobre os bens afectos imediata ou mediatamente à prossecução dos seus fins é automática.
h) Isenção que de resto vigorou até 2015, não tendo a recorrente de resto sido notificada de acto administrativo definitivo e impugnável que fundamentasse a cessação dessa isenção.
i) A questão de Direito a que, no entender da Recorrente, importa aqui dar resposta é a de saber qual o sentido e o alcance da expressão “afecto directamente à realização dos seus fins”
j) Se deve prevalecer o entendimento postulado na decisão fundamento, de que os fins prosseguidos são os fins da instituição, ou são os fins da utilização do imóvel, como sustenta a decisão recorrida.
k) anterior proferida pelo mesmo CAAD no processo 384/2020-T Designadamente:



l) Considerando que as únicas actividades que a requerente pode licitamente prosseguir são as de natureza religiosa e as de natureza social atenta a sua natureza canónica, pelo que tal facto decorrendo da lei não carece de outra prova que não seja a da natureza canónica da instituição.
m) Pugnando a Recorrente pelo entendimento de que são os fins imediatos decorrentes da utilização de um imóvel que determinam a isenção de IMI mas antes a sua afectação aos fins da instituição como reconhece a decisão fundamento.
n) Enferma por isso, no entender da recorrente e com o devido respeito, que a decisão proferida no processo 374/2022-T de erro na aplicação do Direito, quanto ao carácter automático da isenção de IMI, como decorrência do seu estatuto e do carácter vinculativo para a administração tributária do artigo 12º do tratado (concordata) internacional celebrado entre Portugal e a Santa Sé, estando em oposição com o entendimento sufragado na decisão anterior proferida pelo mesmo CAAD no processo 384/2020-T quanto a esta mesma questão de direito.
o) O reconhecimento automático da isenção nos termos supra alegados traduz-se na prática de um acto administrativo tributário de conteúdo vinculado, pelo que a conduta da AT viola os princípios da legalidade e ainda da neutralidade fiscal que devem nortear a actuação da administração tributária.
p) A questão suscitada é relevante para uma melhor aplicação do Direito.

II. Por despacho a fls. 213 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer do Ministério Público a fls. 218 a 222 do SITAF
“1-Objecto do recurso
A recorrente interpôs, ao abrigo do art. 25º, nº 2, do RJAT, aprovado pelo Dec. Lei nº 10/2011, de 20/1, o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, pugnando pela revogação da decisão arbitral, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) proferida nos autos n.º 374/2022 - T e pela correcção da interpretação perfilhada na decisão arbitral, do CAAD, proferida no âmbito do proc. nº 384/2022 - T, convocada como decisão fundamento.
Vem recorrida a decisão arbitral que julgou improcedente o pedido de anulação de IMI, ano de 2021.
Aquela decisão encontra-se sumariada nos seguintes termos:
“I. As isenções de IMI previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais exigem, além da componente subjectiva conexa com a natureza jurídica das entidades proprietárias, que os prédios estejam directamente afetos à prossecução dos seus fins estatutários.
II. Verificado o exercício de uma atividade lucrativa, paralelo ao exercício da atividade assistencial, por parte de uma corporação missionária, e não tendo sido feita prova de que essa sua atividade é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecido, as partes do prédio de que a mesma é titular que não estejam diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade não beneficiam da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF”.
Por sua vez, a decisão fundamento julgou procedente o pedido de anulação de IMI, ano de 2019.
Esta decisão encontra-se sumariada nos seguintes termos:



A recorrente identifica a questão de direito a ser solucionada nos termos das conclusões i) e j), das alegações de recurso, as quais são do seguinte teor:
“i) A questão de Direito a que, no entender da Recorrente, importa aqui dar resposta é a de saber qual o sentido e o alcance da expressão “afecto directamente à realização dos seus fins.
j) Se deve prevalecer o entendimento postulado na decisão fundamento, de que os fins prosseguidos são os fins da instituição, ou são os fins da utilização do imóvel, como sustenta a decisão recorrida”.
Assim, segundo a recorrente, existe contradição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, quanto à mesma questão fundamental de direito.
2-Da admissibilidade do recurso
São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
- contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;
- trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento; - existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito:
- deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição,
-que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
- a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
- não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
3-Sem quebra do muito devido respeito por posição contrária, afigura-se-nos que não se encontram reunidos todos os pressupostos que permitam o prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
A recorrente é uma pessoa colectiva religiosa (católica), moral e canonicamente ereta, registada em Portugal, reconhecida como corporação missionária, por despacho de 22 de Janeiro de 1944 do então Director Geral da Administração Política e Civil, que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.
A decisão recorrida deu ainda como provado que a recorrente está registada, em sede de IRC, com actividade mista desenvolvida no âmbito do sector social (sem finalidade lucrativa) e no sector comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa) e, em sede de IVA, está enquadrada no regime normal mensal.
Quanto ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...92 da freguesia ... e que teve origem no ...82 da mesma freguesia ..., mostra-se assente que relativamente a partes daquele prédio a recorrente beneficia de isenção de IMI, quanto às demais partes não beneficia de isenção de IMI.
A controvérsia reside no facto da AT considerar que existem partes do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...92 da freguesia ... que estão isentas, como é o caso das partes afectas ao culto, à realização de fins religiosos e ao apoio directo e exclusivo a actividades com estes mesmos fins e que segundo apurou o SF de Lisboa 8 são a “igreja” e o “centro de apoio juventude” e outras partes do citado prédio como são o “colégio” e a “residência universitária” que não o estão.
Relativamente às partes daquele prédio em que a recorrente não beneficia da isenção de IMI, a divergência de soluções dadas, na decisão recorrida e na decisão fundamento, derivam apenas das diferentes ilações fácticas retiradas a partir da matéria de facto provada.
Assim, quanto ao supra mencionado prédio consignou-se, na decisão recorrida que a recorrente “não tendo feito prova de que são em exclusivo as atividades de assistência aos mais desfavorecidos que são prosseguidas no prédio (inscrito na matriz sob o artigo ...92 da freguesia ...) objeto da tributação”.
Por sua vez, na decisão fundamento foi considerado que todas as actividades desenvolvidas, naquele mesmo prédio são “Ou se a tudo actividades associadas concretização dos fins de solidariedade e de assistência da Requerente (além da parte da Igreja – múnus espiritual)”
Assim, as diferentes soluções dadas em ambas as decisões, quanto à mesma questão, derivam de ilações de facto diversas retiradas da matéria de facto.
Afigura-se-nos inexistente a invocada contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, a qual exige a identidade dos respectivos pressupostos de facto.
4.Conclusão: Emite-se parecer no sentido de, por ausência de todos os requisitos de que depende a apreciação do recurso, não deverá ser conhecido o objecto do mesmo.”
I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:
A) A Requerente é uma pessoa coletiva religiosa (católica), moral e canonicamente ereta, registada em Portugal, reconhecida como corporação missionária, por despacho de 22 de Janeiro de 1944 do então Diretor Geral da Administração Política e Civil, que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos [cf. documento n.º 3 junto à PI (Petição inicial do requerente)].
B) A Requerente consta inscrita no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, com o NIPC..., tendo por objeto social “Actividades Religiosas e de ensino da religião católica; actividades de educação, ensino secundário tecnológico, artístico e profissional” [cf. doc. n.º 3 junto à PI].
C) A Requerente desenvolve a sua missão evangelizadora no quadro mais amplo do serviço integral à pessoa humana, quer em Portugal, quer em Angola e em São Tomé e Príncipe, aí dando além da assistência a pessoas carenciadas, a afirmação e difusão da língua portuguesa.
D) A Requerente possui um elevado número de obras de natureza social em todo o país, que visam actuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:
i. Setúbal – ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com apoio a idosos e crianças e as Conferências ..., com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários;
ii. Lisboa – ..., para apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.
iii. Porto – ..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia famílias carenciadas e famílias de acolhimento.
iv. Colégio ... – frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito, sendo em parte financiado por fundos comunitários, designadamente pelo Programa Operacional do Capital Humano e em parte pela própria congregação.
E) A Requerente está coletada com a atividade de organizações religiosas, CAE 94910, desde 2008/01/02 e com a atividade de Ensinos Secundário Tecnológico, Artístico e Profissional desde 27/01/2015.
F) A Requerente está registada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com atividade mista desenvolvida no âmbito do setor social (sem finalidade lucrativa) e no setor comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa).
G) A Requerente em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), está enquadrada no regime normal mensal.
H) A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., freguesia de ... (extinta) [cf. certidão do registo predial com a chave de acesso PP-...- ...-...-...].
I) O prédio identificado em H) está atualmente inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ... e teve origem no artigo ... da mesma freguesia de ... [cf. doc. n.º 4 junto à PI].
J) Na inscrição matricial do artigo ... da freguesia de ... (que deu origem ao atual artigo ...), consta que o prédio tinha o valor o VPT de €8.001.250,00, determinado em 2015 e beneficiava da seguinte isenção [cf. doc. 5 junto à PI]:

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K) Dos elementos constantes da respetiva descrição predial, resulta que o prédio identificado supra em I), é composto por um conjunto de três edifícios e logradouro [cf. certidão do registo predial com a chave de acesso PP-...- ...-...-...]:
a) Cave, rés-do-chão e dois andares com área coberta de 1.102,21 m2; b) Capela com cripta subjacente com área coberta de 561,33 m2;
c) Edifício com subcave, cave, rés-do-chão e dois andares com área coberta de 1.568, 98 m2, cuja área foi ampliada pela Ap. 06/2001/03/02 - AV.3, que deu lugar à apresentação do aludido modelo ficando com a área de 1.719,78 m2;
d) Logradouro comum a todo o prédio com área de 18.679 m2, ficando assim com a área de 14.618,03 m2, tendo ainda sido desanexada a área de 1.488,20 m2 (av. 4 à Ap. 12/...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ... .
L) Em 04/05/2017, na sequência de notificação do respetivo serviço de finanças, a Requerente procedeu à entrega de pedido de alteração dos elementos do prédio identificado supra em I), à data inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... .
M) Subsequentemente à entrega pela Requerente do pedido de alteração a que se alude em L), a AT procedeu à avaliação do prédio referido em I), apurando um VPT de € 10.441.300,00 e criando um novo artigo matricial, o artigo ... da mesma freguesia, tendo passado a considerar isento apenas o valor de €2.808.709,70 [cf. doc. n.º 4 junto à PI].
N) Na ficha de avaliação do imóvel referido em I), realizada em 2018, consta o seguinte [cf. doc. n.º 4 junto à PI]:

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O) Na ficha de avaliação do imóvel referido em I), realizada em 2018, consta a seguinte isenção [cf. doc. n.º 4 junto à PI]:


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P) A Requerente é também proprietária do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias de ... e ..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...° da mesma freguesia, constituindo o conjunto edificado o Colégio ..., instituição de ensino gratuito que acolhe jovens carenciados de todo o país e do estrangeiro.
Q) Em 21/11/2019, em cumprimento de uma ordem de serviço para deslocação ao prédio da Requerente identificado supra em I), tendo em vista aferir a afetação do imóvel foi emitida a seguinte informação por parte dos serviços da AT:
“As instalações são compostas por área de estacionamento, área de lazer com campos desportivos, residência universitária e igreja para o culto religioso. A atividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários, não sendo lecionada qualquer tipo de disciplina nestas instalações. A residência é composta por 150 quartos com casa de banho privativa, um serviço de limpeza diário, assim como serviço de alimentação prestada aos alunos. O edifício em causa é composto por uma área de receção, onde os residentes depositam as chaves de acesso aos quartos; uma zona de refeitório e cozinha, salas de convívio, salas de conferências e a área de gabinetes destinados à administração e apoio aos alunos residentes. A igreja ainda com uma área generosa, encontra-se aberta de segunda a sábado, a todo o público; A instituição tem cariz religioso, que neste caso dedica a sua atividade ao acolhimento e acompanhamento de alunos universitários, disponibilizando para o efeito vários serviços mediante pagamento de uma mensalidade. A isenção em causa, segundo a informação prestada recai unicamente sobre o espaço religioso (igreja) e gabinetes envolventes; Cumpre informar que o prédio em alusão está atualmente inscrito sob o artigo ... da freguesia de ... e que a sua inscrição foi desencadeada pelo exercício do direito de audição, tendo o ora sujeito passivo sido notificado, conforme nosso ofício nº... de 17/03/2017, para proceder à entrega de modelos 1 de IMI, de modo a refletir o que expôs de que 47,38% se destina a fins religiosos e 52,62% a outros fins. Como o contribuinte não cumpriu com a entrega voluntária, procedeu o serviço de finanças à avaliação oficiosa, tendo ficado descrito, na ficha de avaliação, da qual o ora sujeito passivo foi notificado aos 26/03/2018, o seguinte: “Prédio em propriedade total com unidades independentes de natureza “outros” Igreja: Área de implantação de 561,33 m2, área bruta privativa de 1122,66 m2 e área bruta dependente de 561,33 m2 Centro de apoio à juventude: Área de implantação de 860 m2, área bruta privativa de 1175 m2 e área bruta dependente de 860 m2)
Serviços (colégio): Área de implantação de 1102,21 m2, área bruta privativa de 3306,63 m2 e área bruta dependente de 1102,21 Residência universitária: Área de implantação de 490 m2, área bruta privativa de 2940 m2 e área bruta dependente de 490 m2. Aplicou-se a idade média dos edifícios de serviços, uma vez que o colégio é de 1955 e a residência de 1971, ou seja, 55 anos de idade média, o que dá uma vetustez de 0,55”
R) Em 07-04-2022 foi emitida a liquidação de IMI referente ao ano de 2021, correspondente ao documento de cobrança nº. ...21..., no valor total de € 33.837,22, onde consta [cf. doc. n.º 2 junto à PI]:

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S) Em 05-05-2021, a Requerente foi notificada pela AT nos termos e para os efeitos que constam do documento nº1 junto com as alegações da Requerente, onde consta:

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T) Em 12-09-2021, a Requerente foi notificada pela AT, nos termos e para os efeitos que constam do documento nº1 junto com as alegações da Requerente, onde consta:

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U) Em 07-06-2022, através do documento nº ...21..., a AT efetuou a revisão oficiosa da liquidação do IMI do ano de 2021, identificada supra em R), na sequência da qual se verifica a correção do imposto inicialmente calculado de € 33.837,22 para o montante de € 31.571,70, decorrente da anulação da coleta de € 2.265,52, respeitante ao prédio urbano inscrito sob o artigo nº ..., da União das freguesias de ... e ..., concelho de ..., que passou a beneficiar de isenção total de IMI, constando averbada a isenção tipo 51 - Permanente CONCORDATA DE 2004: SANTA SÉ, A CONF EPISCOPAL PORTUGUESA, DIOCESES..., sobre o VPT total de € 596.190,00, com início no ano de 2019, permanecendo vigente em 2021.
V) Em 20-06-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].

O acórdão arbitral fundamento datado de 02/01/2021 no âmbito do processo nº 384/2020-T, deu como provado a seguinte factualidade:
a) A Requerente é uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente ereta, registada em Portugal no então Governo Civil de Lisboa e nos termos dos respetivos estatutos é uma Congregação Missionária, como tal reconhecida conforme despacho de 22 de Janeiro de 1941 do então Diretor-geral da Administração Política e Civil, que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos – conforme artigos 3º e 4º do PPA, artigo 12º da Resposta e documentos 2 e 8 juntos com o PPA;
b) A Requerente desenvolve ainda uma missão evangelizadora no quadro do serviço integral à pessoa humana, quer em Portugal, quer em Angola e em São Tomé e Príncipe.
Nestes países africanos, além da assistência a numerosas pessoas carenciadas, promove a afirmação e difusão da língua portuguesa – conforme artigo 18º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;
c) A Requerente possui obras de natureza social em todo o país, que visam actuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:
(1) Setúbal – ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com apoio a idosos e crianças e as Conferências ..., com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários.
(2) Lisboa –...- para apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.
(3) Porto –..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia famílias carenciadas e famílias de acolhimento.
(4) Colégio B...– frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito.
- conforme artigos 19º a 22º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;
d) A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ..., com o VPT de 10 441 300,00 euros, que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ... – conforme segundo segmento do artigo 4º do PPA, documentos nº 3 e 5 juntos com o PPA e artigo 25º da Resposta da AT;
e) Consta da inscrição na matriz predial urbana do artigo ...º da freguesia de ... (o anterior ao actual artigo ...º -...), tendo o prédio um valor patrimonial total de 8 001 250,00 euros determinado em 2015, o seguinte:

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f) Consta do Registo Predial, um averbamento 4 à apresentação ...28 quanto à desanexação de uma área de 1.488,20 m2 retirada do logradouro – conforme alínea d) do artigo 5º do PPA e certidão da CRP junta com o PPA.
g) Em 17.03.2017 a Requerida enviou à Requerente, quanto ao prédio com o artigo matricial ... - ..., o ofício nº... com o seguinte teor: “Assunto: NOTIFICAÇÃO PARA ENTREGA DE DECLARAÇÃO MODELO 1 DE IMI, NA SEQUÊNCIA DO DIREITO DE AUDIÇÃO. Na sequência do direito de audição exercido no âmbito da notificação efectuada nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária, relativamente ao projecto de cessação de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) do prédio urbano inscrito sob o artigo ...º da freguesia de ..., concelho ... e sito na Avenida ... ..., em Lisboa, constatou-se que o prédio anteriormente descrito não está correctamente avaliado, pois consta inscrito como prédio total sem partes susceptíveis de utilização independentes. Ora dos elementos aduzidos na mencionada audição, uma proporção do prédio, sendo lugar de culto e conexos, deveria estar avaliada como "Outros", de harmonia com o disposto na alínea d) do nº 1 conjugado com o nº 4, ambos do artigo 6º, no artigo 7º e no artigo 460º todos do CIMI e a outra proporção, que se deduz que seja maior dos elementos carreados na participação, deveria estar avaliada com prédio com partes susceptíveis de utilização independente ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 8º do Código de Imposto. Face ao exposto, fica notificado(a) para que, no prazo de 30 dias, contados a partir da data da assinatura do aviso de recepção, apresentar ou remeter a este Serviço de Finanças as declarações Modelo 1 de IMI devidas, acompanhadas dos elementos referidos no artigo 37º do CIMI, para correcção da matriz predial urbana da freguesia de ... e de forma a possibilitar a apreciação da exposição entregue, na qual invoca percentagens, nomeadamente de 47,38% e 52,62%, do prédio total sem partes” – conforme artigo 26º da Resposta da AT e documento nº 1 que integra o PA.
h) Em 04.05.2017, na sequência da notificação atrás referida, a Requerente procedeu à entrega de pedido de alteração dos elementos constantes da matriz correspondente ao artigo ...º da freguesia de ..., tendo, subsequentemente, a AT procedido à avaliação do prédio, apurando um VPT de € 10.441.300,00 e criado um novo artigo matricial, o artigo ... da mesma freguesia, considerando isento apenas o valor de €2.808.709,70 – conforme artigos 6º, 7º e 8º do PPA e documentos nºs 3 e 5 juntos com o PPA. i) Na ficha de avaliação do imóvel referido em d), realizada em 2018, consta o seguinte: “Prédio em propriedade total com unidades independentes de natureza “outros” (igreja: Área de implantação de 561,33 m2, área bruta privativa de 1122,66 m2 e área bruta dependente de 561,33 m2 / Centro de apoio à juventude: Área de implantação de 860 m2, área bruta privativa de 1175 m2 e área bruta dependente de 860 m2) / Serviços (colégio): Área de implantação de 1102,21 m2, área bruta privativa de 3306,63 m2 e área bruta dependente de 1102,21 / Residência universitária: Área de implantação de 490 m2, área bruta privativa de 2940 m2 e área bruta dependente de 490 m2. Aplicou-se a idade média dos edifícios de serviços, uma vez que o colégio é de 1955 e a residência de 1971, ou seja, 55 anos de idade média, o que dá uma vetustez de 0,55” – conforme artigo 26º da Resposta da AT;
j) A Requerente também é proprietária do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de 596 190,00 euros, que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da mesma freguesia, constituindo o conjunto edificado o Colégio B..., instituição de ensino gratuito que acolhe jovens carenciados de todo o país e até do estrangeiro, sendo uma das instituições de ensino de referência na região norte – conforme artigo 4º, 10º, 11º e 12 do PPA, documentos 4 e 7 juntos com o PPA e falta de impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT.
k) Consta da parte final da caderneta predial urbana artigo ...º da União das Freguesias de ... e ... (artigo anterior ao actual artigo ...º da mesma freguesia, com um VPT de 93 240,00 euros, fixado em 1998, o seguinte:

[IMAGEM]

l) Na descrição predial do prédio urbano descrito na CRP de ... sob o nº ... (a que corresponde parcialmente o artigo ...º da União das Freguesias de ... e...), consta o seguinte:
“MATRIZ nº: ...-P NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... . MATRIZ nº: ... NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... .
MATRIZ nº: ...-P NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... . MATRIZ nº: ... NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... .
MATRIZ nº: ... NATUREZA: Rústica FREGUESIA: ... e ... . COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: Prédio composto por 4 prédios, com terreno junto, sendo:
a) Pavilhões gimnodesportivos e logradouro. Áreas: coberta - 2.225,50m2 e s.d. - 4.703,42m2. - Artigo - U-P-...; b) de seis pisos e logradouro. Áreas: coberta - 1.836,33m2 e s.d. - 6.769,31m2. Artigo - U- ...; c) Igreja com logradouro. Áreas: coberta - 2.264m2 e s.d. - 6.044,60m2. Artigo - U-P-... d) de um piso. Área coberta - 1.535,50m2. Artigo –...; e) Terreno junto com 16.211,29m2. Artigo –... m) Em data não determinada de 2020, a Requerente foi notificada para pagar o IMI de 2019 quanto aos dois prédios referidos em d) e j) no valor total de 32 608,91 euros – conforme nota de liquidação junta pela Requerente com o PPA;
n) Em 24 de Julho de 2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).


II.2 – De Direito
I. Vejamos, antes de tudo o mais, se se verificam as condições de recorribilidade previstas no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT:
- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

II. Mais se entende que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.


III. Resulta, da leitura das Alegações da Recorrente – e, igualmente, do Parecer do Ministério Público – que se revela decisivo in casu indagar, com rigor, acerca da identidade da factualidade carreada para ambas as decisões, de modo a apurar se a mesma se revela suficientemente idêntica, para que se possa observar uma real oposição de leituras interpretativas que fundamente a intervenção uniformizadora.
E, a tal respeito, sempre se recordará, como fez o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal no Acórdão proferido em 9 de Dezembro de 2020, no Processo n.º 043/20, que: “Quando, em ambas as decisões em confronto, a diversa solução jurídica a que chegaram decorre da diversidade dos factos apurados e não de qualquer diversa solução jurídica, não se mostram reunidos os requisitos do nomeado recurso, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.” – disponível em www.dgsi.pt. O que bem se compreende, porquanto, em tais casos, o circunstancialismo de cada processo, pode conduzir a soluções que, só aparentemente, se revelam contraditórias; é o que se pode ler, ainda, neste mesmo Acórdão do Pleno: “Não sendo as realidades factuais subjacentes às decisões idênticas, não será possível afirmar que tais decisões resultaram unicamente de uma divergente interpretação jurídica o que é determinante para afirmar que não se verifica contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e que não se deverá conhecer do recurso para uniformização de jurisprudência”.
Confrontemos, pois, a factualidade dos acórdãos em confronto de modo a confirmar ou infirmar a, ao menos aparente, semelhança entre os mesmos.

IV. Recorde-se o essencial da factualidade dos casos em confronto:
- em ambos os casos, está em causa o mesmo sujeito passivo;
- em ambos os casos, está em causa a liquidação de IMI relativo a um imóvel detido pelo sujeito passivo;
- em ambos os casos, está em causa o mesmo imóvel – correspondente ao Colégio e Residência ...;
- em ambos os casos, discute-se a aplicação ao imóvel identificado da isenção de IMI, adveniente da interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

V. Ora, perante esta plena sobreposição factual, pareceria ser de concluir que ocorre uma identidade substancial ao nível dos factos.
Todavia, não é isso que sucede.
Com efeito, na decisão fundamento pode ler-se que: “Ou seja, trata-se então, mesmo em termos de utilização, de uma situação que cabe perfeitamente na previsão normativa da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, uma vez que esta isenção abrange os prédios onde funcionam as instalações e serviços da Requerente que tenham a ver com a sede e com o exercício dos seus fins estatutários, na vertente de ajuda aos mais carenciados, ou seja, é um local onde se procede à concretização dos seus fins de assistência e de solidariedade. Não é um prédio de rendimento.” E mais se acrescente, logo em seguida: “Não há qualquer justificação para que a simples mudança de artigo matricial (o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., passou a integrar o prédio urbano artigo ...º da União das Freguesias de ... e ...) possa ter conduzida à cessação da isenção de IMI.”, para se concluir que: “a utilização das diversas partes do imóvel, denominado ..., é de “apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas”. Ou seja, tudo actividades associadas à concretização dos fins de solidariedade e de assistência da Requerente (além da parte da Igreja – múnus espiritual) que preenchem os requisitos da isenção de IMI da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF.” (sublinhado nosso)

VI. Já na decisão recorrida – e em termos que influem directamente no segmento decisório – entendeu-se que: “teria a Requerente que demonstrar que essa sua atividade desenvolvida no sector comercial, industrial e de prestação de serviços é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e solidariedade aos mais desfavorecidos. Assim, verificado o exercício de uma atividade lucrativa e não tendo sido feita prova de que essa sua atividade é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecidos, entende a AT estar plenamente justificada a sua decisão de ter considerado que as partes do prédio destinadas a “colégio” e a “residência universitária” não estão diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade prosseguidos pela Requerente, concluindo, assim, que não se mostrando verificados os pressupostos da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, não se verifica o direito à isenção em relação a essas partes do prédio (“colégio” e “residência universitária”).
A decisão arbitral recorrida entendeu, por isso, que uma parte do imóvel, cujo IMI ora se discute, não se encontrava directamente afeto às actividades do sujeito passivo.

VII. Em suma – e como já se alertava no Parecer do MP junto aos autos – há uma divergência factual ao nível probatório: seja por fazerem diferentes leituras daquelas que são as actividades do sujeito passivo, seja por subsumirem distintamente as características do imóvel à norma de isenção em causa, as decisões em confronto partem de premissas distintas e, mesmo, opostas.
Assim, na interpretação e aplicação da mesma norma – a alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF – entende-se, no caso da decisão fundamento, que o imóvel se limita a promover as actividades isentas do sujeito passivo e, por contraponto, entende-se na decisão recorrida que o imóvel em causa apenas parcialmente é utilizado para tais actividades, pelo que deve, nas restantes partes, encontrar-se excluído da isenção de IMI.

VIII. Pelo acabado de expor, importa concluir pela não substancial identidade factual entre as decisões aqui em confronto, sendo que, quando ocorram distintas soluções interpretativas para dirimir estribadas em distintas factualidades, não é possível, obviamente, falar de identidade da questão fundamental de Direito.
Existe, com efeito, uma não coincidência factual quanto ao Probatório fixado nas decisões aqui em confronto, num aspeto essencial à interpretação e aplicação da lei, a qual preclude que se possa falar de identidade da questão fundamental de Direito: as actividades a que são afetas as partes do prédio urbano cuja liquidação de IMI está ora em causa.
O que faz com que as decisões em confronto se possam, em abstracto, vir a demonstrar ambas corretas; na verdade, ao partirem de pressupostos fácticos distintos, as conclusões a que chegam tais decisões arbitrais não podem ser contrapostas, o que inviabiliza a tarefa de uniformização da jurisprudência.


III. CONCLUSÃO
Existindo uma divergência quanto ao Probatório fixado nas decisões em confronto, no respeitante a um aspeto essencial da interpretação e aplicação da lei, fica inviabilizada a uniformização de jurisprudência.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.